Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2704/21.5T8FAR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
REQUISITOS
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A exceção perentória imprópria do abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, não se basta com a confiança subjetiva, daquele contra quem se invoca o direito, que o direito não seria exercido, é necessário uma justificação para essa confiança, expressa em elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível e ainda um investimento de confiança por parte do confiante.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: 2704/21.5T8FAR.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. (…) – Hotelaria e Turismo, Lda., com sede na Rua da (…), n.º 4, em Tavira, instaurou contra (…), viúva, residente na Praceta (…), n.º 4, 3.º-Dto., em Tavira, ação declarativa com processo comum.

Alegou, em resumo, haver celebrado com a R., em 12/10/1995, um contrato promessa, mediante o qual prometeu comprar e a R. prometeu vender, pelo preço de esc. 14.000.000$00, “a totalidade da herança do seu falecido marido, (…), ainda indivisa (…) que lhe couber após efetuada a escritura de habilitação e partilha de herdeiros”, acordando que a realização da escritura pública de compra e venda teria lugar depois de realizada a escritura de habilitação e partilha, que apesar da partilha haver sido homologada por sentença transitada em julgado em 10 de junho de 1998 e de haver pago o preço convencionado, a R. foi-se furtando à outorga do contrato prometido e veio a faltar à escritura pública por si agendada e para a qual foi convocada por carta registada com aviso de receção.

Concluiu pedindo que fosse proferida sentença a produzir os efeitos da declaração negocial da faltosa e, por via disso, fosse decretada a transferência para a A. dos direitos da R. sobre os vários bens que identifica.

Contestou a R. por exceção e por impugnação; excecionou a impossibilidade do cumprimento do contrato-promessa e da sua execução específica, porquanto entretanto terá alienado alguns dos imóveis que constituíam seu objeto (mediato), a prescrição da obrigação, porquanto entre a data da sentença homologatória da partilha e a propositura da presente ação terão decorrido mais de vinte anos e a falta de comprovativo de pagamento do preço acordado para a venda.

Concluiu, na procedência das exceções pela absolvição do pedido e, em qualquer caso, pela improcedência da ação.

A A. respondeu por forma a concluir pela improcedência das exceções e a pedir a condenação da R. como litigante de má-fé, por dedução de oposição cuja falta de fundamento não ignora.

Em articulado superveniente, a A. veio ainda formular o pedido subsidiário de condenação da R. na restituição da quantia de € 137.679,00, acrescida de juros, para o caso de se concluir pela impossibilidade do cumprimento do contrato-promessa.

Foi admitida a ampliação do pedido.

2. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, relegou para a decisão final o conhecimento das exceções perentórias suscitadas pela R., identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“(…) julga-se totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, decide-se:

a) Absolver a Ré (…) dos pedidos deduzidos pela Autora (…) – Hotelaria e Turismo, Lda.;

b) Absolver a Ré do pedido de condenação como litigantes de má fé.



3. O recurso
A A. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso:
“1. O tribunal andou mal ao julgar com não provado que f) A Autora, na pessoa do seu sócio-gerente, sempre confiou em que a Ré, logo que estivesse resolvida a questão da partilha e do registo em nome desta dos bens por essa via adquiridos, outorgaria a respetiva escritura pública de compra e venda (artigo 25º do requerimento de resposta às exceções).”

2. Isso mesmo resulta do depoimento do legal representante da A., maxime dos excertos que se deixaram sublinhados.

3. Deve assim revogar-se a decisão da matéria de facto em conformidade com anteriormente referido, julgando-se provado que A Autora, na pessoa do seu sócio-gerente, sempre confiou em que a Ré, logo que estivesse resolvida a questão da partilha e do registo em nome desta dos bens por essa via adquiridos, outorgaria a respetiva escritura pública de compra e venda.

4. De todo o modo e mesmo que assim não se decida, dos factos já assentes decorre diversa solução jurídica para o caso “sub judice”, uma vez que é notório não se ter verificado a prescrição do direito da A. e não ter esta agido em abuso de direito.

5. O tribunal fez tábua rasa daquilo que o próprio R. deu conhecimento nos autos e que se encontra vertido em 14 dos factos provados, a saber, que “em 20 de novembro de 2019, no processo n.º 323/15.4T8TVR, a Ré requereu a emenda à partilha, com fundamento em erro material que, para além do mais impedia o registo predial dos bens em seu nome (…).”

6. Tal registo predial era, e é, condição essencial para a outorga da escritura pública de compra e venda do negócio prometido (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do Código do Registo Predial).

7. A concretização do contrato promessa de compra e venda “sub judice” dependia da inscrição no registo predial dos direitos da R decorrentes da partilha referida, sendo que o registo em causa dependia da retificação da partilha, que só ocorreu por despacho de 11 de julho de 2020.

8. Dispõe o artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil:

“O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido

(…).”

9. No caso vertente, a execução específica do contrato-promessa “sub judice” só passou a ser possível com a retificação da partilha.

10. E o pedido subsidiário da devolução do sinal em dobro só podia ser deduzido após o incumprimento, ainda que parcial, do aludido contrato-promessa, verificado com as doações feitas pela R. aos seus filhos, que não ocorreram há mais de vinte (20) anos (vide número 9 dos factos provados).

11. Fez assim o tribunal a quo errada interpretação do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que considerou que o prazo de prescrição se iniciou com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, quando é certo que tal partilha padecia de erros que impediam o registo dos direitos da aí interessada e ora R. na Conservatória do Registo Predial, registo esse essencial à outorga do contrato prometido.

12. De todo o modo, e mesmo que assim não fosse, o que só por cautela de patrocínio se admite, sempre se verificaria no caso uma situação de abuso de direito, não da A. mas sim da R., ao invocar tal instituto com o fito de impedir a verificação dos efeitos jurídicos do contrato-promessa de que beneficiou.

13. Pelas razões vertidas na alegação é clamorosamente abusiva a invocação da prescrição feita pela R. (cfr. artigo 334.º do Código Civil).

14. Na verdade “não pode considerar-se natural, em face da densidade do conceito de boa fé e dos deveres de correção e lealdade entre as partes de um contrato, sobretudo em relações familiares, que uma das partes se recuse a celebrar um contrato, invocando a prescrição, e conserve em seu poder o preço que havia sido pago pela outra parte na expectativa legítima de que o contrato definitivo se iria celebrar” (vide Ac. STJ no Proc. n.º 6193/06.6TBMTS.P1.S1, de 1 de Julho de 2014).

15. Por último, fez igualmente o tribunal recorrido errada aplicação do disposto no artigo 334.º do Código Civil uma vez que da matéria de facto apurada não resulta que a A. ao acionar judicialmente a R., no exercício dos direitos decorrentes do contrato-promessa de compra e venda com ela celebrado, e de que ela foi a única beneficiária, tenha agido com abuso de direito.

Tudo razões para que seja revogada a sentença em crise e em seu lugar seja proferido acórdão que julgue procedente o pedido, considerando-se o pedido vertido na petição inicial e a ampliação do mesmo, admitida por despacho transitado em julgado.

Assim se fazendo JUSTIÇA.”

Respondeu a R. por forma a concluir pela improcedência do recurso.
Observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), nos recursos apreciam-se questões e não razões ou argumentos, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido e vistas as conclusões do recurso, são as seguintes as questões colocadas: i) a impugnação da decisão de facto, ii) se não se verifica a prescrição do direito da A., iii) se a R. ao invocar a prescrição age com abuso de direito, iv) se a A. não age com abuso de direito.

III. Fundamentação

1. Factos
A decisão recorrida julgou assim os factos:
Provado:

1) A Autora (…) – Hotelaria e Turismo, Lda. é uma sociedade comercial que tem por objeto a exploração e gestão do comércio e indústria de estabelecimentos hoteleiros e similares (artigo 1º da petição inicial).

2) Em 12 de outubro de 1995 foi celebrado um acordo escrito denominado “contrato-promessa de compra e venda”, nos termos do qual a Ré (…) prometeu vender à Autora “livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades (…) a totalidade da herança” do seu falecido marido, (…), “ainda indivisa (…) que lhe couber após efetuada a escritura de habilitação e partilha de herdeiros”, tendo ainda sido convencionado que “a escritura definitiva de compra e venda só se realizará após o processo necessário estar concluído e depois de realizada a referida escritura de habilitação e partilha”, mais constando “b) Que pelo preço de catorze milhões de escudos, promete vender, desde já, livre de qualquer ónus, encargos ou responsabilidades ao segundo outorgante a totalidade da herança ainda indivisa acima identificada, que lhe couber após efetuada a escritura de habilitação e partilha de herdeiros. c) Que como sinal de princípio de pagamento do ajustado preço, recebe do segundo outorgante a quantia de sete milhões e quinhentos mil escudos, cheque n.º (…), sobre o B.C.P., em Faro, na importância de dois milhões e quinhentos mil escudos, já recebidos em 14 de agosto do corrente ano e neste ato recebe o cheque n.º (…), sobre o B.C.P. de Faro na importância de cinco milhões de escudos de que lhe dá a correspondente quitação. d) Que a restante parte do preço seis milhões e quinhentos mil escudos, será paga em duas prestações, sendo a primeira de três milhões de escudos em 14 de janeiro de 1996 e a segunda de três milhões e quinhentos mil escudos em 14 de março de 1996, passando nessas datas os respetivos recibos de quitação”, tendo a assinatura das partes sido notarialmente reconhecida, tal como resulta de fls. 10-verso e 11, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 2º e 3º da petição inicial).

3) O preço acordado foi integralmente pago pela Autora à Ré (artigo 4º da petição inicial).

4) A partilha da herança aberta por (…), sogro da Ré, e (…), seu marido e filho daquele, concretizou-se no processo de inventário n.º 15/1995, que correu termos no Tribunal de Tavira por sentença homologatória datada de 26 de maio de 1998 e transitada em julgado no dia 11 de junho de 1998, sendo que na mesma foram adjudicados à Ré os bens/direitos seguintes:

a) Um automóvel marca Toyota Corola com 1295 cm³, em mau estado, de 1986;

b) 5/8 de um automóvel marca Datsun, de 1171 cm³, de matrícula (…);

c) 5/8 de uma quota correspondente a 1/3 da sociedade de Construções (…), Lda. com sede na Rua da (…), n.º 4, em Tavira, contribuinte (…), sem qualquer actividade;

d) 5/8 de uma quota correspondente a 1/3 da sociedade de (…) – Hotelaria e Turismo, Lda. com sede na Rua da (…), n.º 4, em Tavira, contribuinte (…);

e) 5/8 de 1/3 do prédio misto sito em (…), freguesia de Santo Estêvão, concelho de Tavira, composto de terra de semear com diverso arvoredo e casa de habitação com suas dependências agrícolas, confrontando de Norte com (…), nascente com (…), Sul com (…) e outros e Poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) e na predial urbana sob o artigo (…);

f) 5/8 do lote de terreno, resultante da demolição do anterior prédio;

g) urbano da Rua (…), nºs 5 e 7, da freguesia de Santa Maria, concelho de Tavira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…);

h) 5/8 do prédio urbano sito na Rua da (…), n.º 28, da freguesia de i) Santiago, concelho de Tavira, destinado a habitação, correspondente ao 1º e 2º andares, composto por escada, cozinha, casa de banho, arrecadação, três quartos, quintal e sótão em mau estado de conservação, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…);

j) 5/8 do prédio urbano sito na Rua da (…), n.º 22 e Calçada (…), nºs 7 e 9, da freguesia de Santiago, concelho de Tavira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…);

k) 5/8 do prédio urbano na Calçada (…), n.º 11, freguesia de Santa Maria, concelho de Tavira, fachada caiada com uma divisão em ruínas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…);

l) 1/9 do prédio misto sito na (…), freguesia de Santiago, concelho de Tavira, composto de terra de semear com diverso arvoredo e casa de moradia com suas dependências agrícolas, confrontando do Norte com (…) e outros, nascente com (…), Sul com (…) e Poente com (…) e outros, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) e na predial urbana sob o artigo (…);

m) 1/9 do prédio misto sito em (…), freguesia de Santiago, concelho de Tavira, composto de terra de semear com diverso arvoredo e casa de moradia com suas dependências agrícolas, confrontando do Norte com caminho, nascente com (…), Sul com (…) e outros e Poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) e na predial urbana sob o artigo (…);

n) 1/9 do prédio rústico sito em (…), freguesia de Santiago, concelho de Tavira, composto de terra de semear com diverso arvoredo e confrontando do Norte com (…) e outros, nascente com (…) e outros Sul com (…) e Poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…);

o) 1/9 do prédio rústico sito em (…), freguesia de Santiago, concelho de Tavira, composto de terra de semear com diverso arvoredo e confrontando do Norte com (…), nascente com (…), Sul com caminho e poente com (…), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…);

p) 1/9 de 1/3 do prédio misto sito em (…), freguesia de Santo Estêvão, concelho de Tavira, composto de terra de semear com diverso arvoredo e casas de habitação com suas dependências agrícolas, confrontando de Norte com (…), nascente com (…), Sul com (…) e outros e Poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) e na matriz predial urbana sob o artigo (…);

q) 1/9 do prédio urbano sito na Rua (…), nºs 133 e 135, freguesia de Santiago, concelho de Tavira, composto de rés-do-chão e 1º andar com 5 divisões, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…);

r) 1/9 do prédio urbano sito em (…), freguesia de Santiago, concelho de Tavira, com diversos compartimentos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…);

s) 1/9 do prédio urbano térreo com vários compartimentos sito em (…), freguesia de Santiago, concelho de Tavira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira com o n.º (…), tal como resulta de fls. 166 a 185, 192 e 193, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 5º e 6º da petição inicial).

5) A Autora, por carta de 7 de outubro de 2020, marcou a escritura de compra e venda para o dia 10 de novembro de 2020, pelas 14.30 horas, no Cartório Notarial da Dr.ª (…), sito na Rua (…), n.º 14-A, em Faro e remeteu à Ré carta registada com aviso de receção comunicando-lhe tal marcação (artigo 10º e 11º da petição inicial).

6) A Autora, por carta de 23 de outubro de 2020, marcou a realização da escritura pública de compra e venda para o dia 25 de novembro de 2020, pelas 14.30 horas, no mesmo Cartório Notarial e informou a Ré da data, hora e local da outorga da escritura pública de compra e venda por carta registada com aviso de receção, que foi recebida pela Ré, tal como resulta de fls. 23-verso a 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 13º a 16º da petição inicial).

7) A Ré não compareceu no Cartório Notarial indicado no dia e hora designados para a escritura pública de compra e venda, apenas tendo comparecido a Autora (artigos 17º e 18º da petição inicial).

8) O marido da Ré faleceu em 30 de junho de 1995 (artigo 4º da contestação).

9) A Ré doou aos seus três filhos alguns dos imóveis objeto daquele Contrato-Promessa, a saber:

i. Um terço do prédio misto situado em (…) – Santo Estevão – Tavira [verba 5], inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … (antigo artigo …) e na matriz predial urbana sob o artigo … (antigo artigo …), e registado na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o artigo (…);

ii. Lote de terreno para Construção Urbana [verba 7], inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (antigo artigo …), e registado na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o artigo (…);

iii. Primeiro e segundo andar na Rua da (…), com entrada pelo n.º 28 [verba 8], inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) (antigo artigo …), e registado na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o artigo (…);

iv. Primeiro andar e sótão na Rua da (…), com entrada pelo n.º 22 e acesso à Calçada (…) pelos n.ºs 7 e 9 [verba 9], inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (antigo artigo …), e registado na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o artigo (…);

v. Prédio Urbano na Calçada (…), n.º 11 [verba 10], inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (antigo artigo …), e registado na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o artigo (…), tal como resulta de fls. 46 a 51, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 20º da contestação).

10) (…) interveio no processo de inventário referido em 4), sendo um dos herdeiros de … (artigo 45º da contestação).

11) A Ré participou numa Assembleia Geral da Autora, no dia 31 de outubro de 2001, onde foi deliberado um aumento de capital, tal como resulta de fls. 52, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 68º da contestação).

12) A Ré sempre pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) dos imóveis que prometeu vender nos termos de fls. 53 a 59, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 69º da contestação).

13) A Ré e (…), na qualidade de comproprietária celebraram contratos e respetivos aditamentos relativamente a imóveis que foram prometidos vender, a saber:

a) Contrato de Arrendamento Rural com a (…) – Sociedade Agrícola, Lda., datado de 18 de setembro de 2009 sobre o Sítio da (…), freguesia de Santo Estêvão, concelho de Tavira, inscrito na respetiva matriz sob o artigo rústico n.º … (antigo artigo …) da Conservatória do Registo Predial de Tavira e respetivos aditamentos ao Contrato de Arrendamento Rural datado de 27 de janeiro de 2016 e 12 de janeiro de 2018;

b) Contrato de Arrendamento Rural com a (…) – Sociedade Agrícola, Lda., datado de 1 de março de 2013 sobre o Sítio do (…), freguesia de Santiago, concelho de Tavira, inscrito na respetiva matriz sob os artigos rústicos números (…), (…) e (…) da Conservatória do Registo Predial de Tavira e respetivos aditamentos de 27 de janeiro de 2016 e 12 de janeiro de 2018, tal como resulta de fls. 60 a 69, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 70º a 72 º da contestação).

14) Em 20 de novembro de 2019, no proc. n.º 323/15.4T8TVR, a Ré requereu a emenda à partilha, com fundamento em erro material que, para além do mais impedia o registo predial dos bens em seu nome, com fundamento:

“1º. No âmbito do processo de inventário (cumulado) supra identificado, procedeu-se à partilha do acervo hereditário dos inventariados (cfr. mapa de partilha constante de fls. 164 a 167 dos autos).

2º. Ora, em consequência, os Requerentes apresentaram junto da Conservatória do Registo Predial os inerentes pedidos de registo dos imóveis que lhes haviam sido adjudicados no referido processo.

3º. Todavia, a 18.07.2019 e 08.08.2019, e no âmbito dos ditos pedidos, os Requerentes foram confrontados com quatro despachos de qualificação da Conservatória do Registo Predial, dos quais resulta que os registos respeitantes às verbas 11, 12, 13, 14, 15, 17 e 18 da relação de bens, foram lavrados provisoriamente por dúvidas: (…)

11º. Houve assim erro material na atribuição das quotas-partes a receber pelos Requerentes, em representação de (…), na herança aberta por óbito do seu pai e inventariado (…).

12º. Erro esse que afeta em exclusivo os Requerentes que, sem a sua correção, que aceitam que desde já aceitam, se vêm impedidos de proceder ao registo definitivo das quotas-partes dos imóveis que lhe foram adjudicadas.

13º. Assim, e uma vez que o erro supra identificado é causa de emenda à partilha, à mesma se deve proceder”, tal como resulta de fls. 83 a 85, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 4º a 6º do requerimento de resposta às exceções).

15) A requerida emenda à partilha culminou com o despacho de 11 de julho de 2020, onde se decidiu: “Face ao exposto, verificados tais erros:

a) determina-se a correção do mapa de partilha anteriormente elaborado a fls. 164 a 167, na parte em que ele difere do teor do “mapa de partilha” junto pela secretaria a 04/06/2021, passando aquele a ter por conteúdo, nessa parte, o teor deste último; e

b) determina-se ainda a consequente correção da sentença que julgou válida a partilha, datada de 26 de Maio de 1998, determinando que onde nela consta “julgo válida a partilha constante do mapa de fls. 164 a 167” deverá passar a ler-se “julgo válida a partilha constante do mapa de fls. 164 a 167, com as correções, na parte em que dele difere, do teor do “mapa de partilha” junto pela secretaria a 04/06/2021.”, tal como resulta de fls. 86 a 88, 196 a 231 e 253 a 317, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 7º do requerimento de resposta às exceções).

16) A Ré nunca informou a Autora que já tinha registado na Conservatória do Registo Predial competente todos os bens herdados e obtido toda a demais documentação necessária à concretização do negócio prometido (artigo 18º do requerimento de resposta às exceções).

17) A Autora é uma sociedade familiar, constituída pelo (…), seu legal representante, sua mãe e herdeiros do seu falecido irmão, estando os mesmos atualmente desavindos na sequência de divergências relativamente à administração das sociedades de que são sócios, tendo as divergências tido início em 2018, tal como resulta de fls. 89 a 92, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 24º do requerimento de resposta às exceções).

18) A presente ação foi intentada em 28 de setembro de 2021.

Não provado:

a) A Ré, invocando as mais diversas razões foi-se furtando, ao longo dos anos seguintes, à outorga de tal escritura, nunca deixando de reconhecer a validade do contrato, o pagamento pela Autora da totalidade do preço e a obrigação da outorga da escritura pública de compra e venda (artigos 8º e 9º da petição inicial).

b) A carta foi devolvida por não ter sido recebida pela Ré (artigo 12º da petição inicial).

c) A Ré confiou plenamente no irmão do seu falecido marido (…, gerente da Autora), para que este gerisse o património da família da melhor forma, de modo a que pudesse centrar a sua atenção naquilo que para ela era a sua prioridade, os filhos (artigo 6º da contestação).

d) A Ré sabia que tinha dinheiro a receber do marido e que esse dinheiro se encontrava na sociedade Autora (artigo 7º da contestação).

e) A Autora, por diversas vezes, referiu à Ré a necessidade de outorgar a escritura pública de compra e venda decorrente do contrato-promessa de compra e venda (artigo 19º do requerimento de resposta às exceções).

f) A Autora, na pessoa do seu sócio-gerente, sempre confiou em que a Ré, logo que estivesse resolvida a questão da partilha e do registo em nome desta dos bens por essa via adquiridos, outorgaria a respetiva escritura pública de compra e venda (artigo 25º do requerimento de resposta às exceções).

2. Direito

A A. pediu, a título principal, a execução específica do contrato-promessa acordado com a R. em 12/10/1995 e, para o caso de impossibilidade de cumprimento deste, a condenação da R. na restituição em dobro, € 137.679,00, das quantias recebidas em vista do contrato.

A decisão recorrida declinou a pretensão da A. por razões principais e subsidiárias: os direitos decorrentes do contrato-promessa – na parte em que não ocorreu impossibilidade de cumprimento das correlativas obrigações – mostram-se prescritos; ainda que não ocorresse a prescrição, o direito da A. deve desconsiderado por abuso de direito.

2.1. Se não ocorreu a prescrição do direito da A.

A decisão recorrida julgou prescrito o direito da A. à execução específica do contrato, em síntese, por haver considerado: o prazo da prescrição começou a correr em 11 de junho de 1998 – data do trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha –, não ocorreram causas de interrupção e à data da propositura da ação, 28 de setembro de 2021, já se havia completado o prazo de 20 anos da prescrição.

O recurso questiona a sentença, na vertente da subsunção dos factos ao direito, no entendimento que o direito à execução específica do contrato só podia ser exercido a partir da retificação da partilha, ocorrida por via despacho de 11/6/2020, proferido no inventário e não, como se ajuizou, a partir do trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha [conclusões 5ª a 9ª e 11ª].

Segundo o artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil, o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.

E de acordo com o n.º 2: “A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.”

No caso, mediante acordo escrito, a R. prometeu vender e a A. prometeu comprar, pelo preço de catorze milhões de escudos, “livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades (…) a totalidade da herança” do seu falecido marido, (…), “ainda indivisa (…) que lhe couber após efetuada a escritura de habilitação e partilha de herdeiros” [ponto 2 dos factos provados].

E, no mesmo acordo, foi convencionado: “a escritura definitiva de compra e venda só se realizará após o processo necessário estar concluído e depois de realizada a referida escritura de habilitação e partilha”.

A partilha da herança de (…) teve lugar em inventário judicial, por acordo dos interessados, homologado por sentença transitada em julgado no dia 11 de junho de 1998 [ponto 4 dos factos provados].

O termo inicial[1] acordado entre as partes para a produção de efeitos do contrato promessa – conclusão do processo necessário à partilha – venceu-se no referido dia 11 de junho de 1998 e a partir desta teve início o prazo ordinário de 20 anos de prescrição o qual, na ausência de causas de interrupção ou suspensão, aliás, não invocadas, se completou no dia 11 de junho de 2018 [artigo 279.º, alínea c), do Código Civil] e, assim, antes de 28 de setembro de 2021, data da propositura da ação [ponto 18 dos factos provados].

O juízo empreendido pela decisão recorrida, a nosso ver, está certo.

A tanto não obsta a retificação do mapa da partilha que teve lugar no inventário em execução do despacho de 11 de julho de 2021[2] [ponto 15 dos factos provados].

A retificação reportou-se a erros materiais, evidenciados pelo próprio mapa da partilha, não envolveu, por definição, qualquer alteração dos direitos dos interessados e, decisivamente, a existência de tais erros não impedia a execução da sentença homologatória da partilha [artigo 614.º, nºs 2 e 3, do CPC], o que significa que a A., observando disciplina contratual havida entre as partes, não estava impedida de requerer a execução específica do contrato antes da retificação da partilha por estabilização desta na ordem jurídica, embora com erros suscetíveis de correção.

Posição, aliás sustentada, em substância, pela A. na ação; expressamente, ao afirmar que a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, 10 de junho de 1998 “ficaram então reunidas as condições contratualmente convencionadas para a outorga da escritura pública de compra e venda” [artigos 6º e 7º da p.i.] e decisivamente, ao pretender a execução específica do contrato por referência à partilha não retificada [a transferência para a sua esfera jurídica de 1/9 dos prédios referidos nas alíneas l) a s) dos factos provados] e não após a retificação [à R. foram adjudicados 5/48 avos dos referidos bens – cfr. despacho certificado de fls. 296 a 301] o que revela bem – o pedido tem causa no “mapa errado” – que o erro do mapa da partilha não constituía obstáculo à execução específica do contrato.

O direito à execução específica do contrato promessa e os demais direitos dele decorrentes, caso da restituição do sinal em dobro [artigo 442.º, n.º 1, do CC], mostram-se prescritos o que confere à R. a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito [artigo 304.º, n.º 1, do CC].

Havendo sido este o entendimento da decisão recorrida, não se reconhece razão à A.

O recurso improcede quanto a esta questão.

2.2. Se a R. ao invocar a prescrição age com abuso de direito

Segundo o artigo 334.º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Fundado neste preceito, a A. afirma que é abusiva a invocação da prescrição pela R. e argumenta: a R. recebeu na íntegra o preço convencionado; a A. é uma sociedade familiar constituída por (…), sua mãe e herdeiros do seu falecido irmão; a A., na pessoa do seu sócio-gerente, sempre confiou que a R., logo que estivesse resolvida a questão da partilha e do registo em nome dela dos bens por essa via adquiridos, outorgaria a escritura pública de compra e venda; a R., a não ser nestes autos, nunca disse que não o faria, nem suscitou a questão da prescrição mesmo quando interpelada para cumprir as obrigações decorrentes do contrato.

Releva, assim, averiguar se o direito à prescrição reconhecido à R. deve ser desconsiderado por o seu exercício ou invocação haver excedido manifestamente os limites impostos pela boa-fé, entendida esta como a expressão da ideia que, no exercício do direito, “se devem observar os vetores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa.”[3]

A argumentação da A. leva-nos, como ponto de partida, a afirmar o óbvio: não existe abuso de direito quando o seu titular se limita a fazer uso da permissão normativa, o mesmo é dizer, a exercer o direito.

O abuso revela-se no “exercício disfuncional de posições jurídicas”[4] o que não ocorre, por definição, nos casos em que a ação jurídica emana da norma que o justifica e se conforma com o ordenamento jurídico em que a norma se insere.

Assim, na prescrição.

O não exercício do direito pode conduzir à extinção do direito, por prescrição, por caducidade e não uso do direito [artigo 298.º do Código Civil (CC)].

Estão sujeito a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição e completada a prescrição o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito [artigos 298.º e 304.º, n.º 1, do CC].

A autonomia do titular do direito compreende a faculdade de exercer ou de não exercer o direito e o não exercício do direito pelo lapso de tempo que a lei estabelece é suscetível de conduzir à sua extinção, por prescrição, desde que o direito não seja indisponível, nem a lei o declare isento de prescrição.

E é assim, quer o beneficiário da prescrição tenha recusado, ou não tenha, o cumprimento da prestação em data anterior à invocação da prescrição, pertença ou não pertença ao núcleo familiar do titular do direito [o que no caso se configuraria entre o sócio-gerente da A., a R. e os filhos desta] ou, enfim, tenha, ou não, informado o titular do direito da sua intenção de fazer uso da prescrição antes de completado o respetivo prazo e isto porque nenhuma destas causas ou razões constituem condições para o exercício da prescrição ou revelam, em si consideradas, a inobservância de vetores fundamentais do próprio sistema como os princípios da boa-fé ou da confiança.

Ademais, a faculdade conferida ao beneficiário da prescrição de recusar o cumprimento da prestação envolverá, na maioria dos casos, um benefício económico – no caso, a não restituição, em dobro, do sinal passado – enriquecimento que não pode haver-se, no entanto, nem injustificado, nem sem causa: justifica-se pela prescrição e tem causa no não exercício do direito pelo lapso de tempo que a lei estabelece.

Por isto que nenhuma das apontadas proposições que servem à A. para afirmar o abuso de direito da R afronta, a nosso ver, o princípio da boa-fé no exercício do direito à prescrição.

Resta-nos a violação do princípio da confiança, densificado na alegação segundo a qual, a A., na pessoa do seu sócio-gerente, sempre confiou que a R., logo que estivesse resolvida a questão da partilha e do registo em nome dela dos bens por essa via adquiridos, outorgaria a escritura pública de compra e venda – aqui dada por adquirida, não obstante não provada em 1ª instância [alínea f) dos factos não provados].

O “venire contra factum proprium” comporta uma típica ação abusiva que se revela pela assunção por uma das partes de uma conduta inconciliável com as expectativas criadas à contraparte, em função do modo como antes atuara; nestas circunstâncias, o exercício do direito posterga o princípio da confiança e a posição jurídica postulada contende com os limites da boa-fé.

Na síntese do Ac. do STJ, de 22/1/2004[5], a « excepção peremptória imprópria do abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium traduz-se na conduta anterior do seu titular que, objetivamente interpretada no confronto da lei, da boa fé e dos bons costumes, gerou a convicção na outra parte de que o direito não seria por ele exercido e, com base nisso, programou a sua atividade».
Confiança que se concretiza, na lição de Menezes Cordeiro, segundo um modelo de quatro proposições:

“1.ª Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjetiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;

2.ª Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível;

3.ª Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;

4.ª A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante: tal pessoa, por ação ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao fator objetivo que a tanto conduziu.”[6]

Proposições que se articulam entre si “nos termos de um sistema móvel. Isto é: não há entre eles, uma hierarquia e não são, em absoluto, indispensáveis: a falta de algum deles pode ser compensada pela intensidade especial que assumam alguns – ou algum – dos restantes”.[7]

E delas se extrai: não basta à ação abusiva a confiança subjetiva daquele contra quem se invoca o direito é necessário uma justificação para essa confiança, expressa em elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível e ainda um investimento de confiança por parte do confiante, ou seja, o desenvolvimento de “uma atividade tal que o regresso à situação anterior, não estando vedado de modo específico, seja impossível em termos de justiça.”[8]

Assim, a mera confiança subjetiva, no caso, da A., na pessoa do seu sócio-gerente, que a R., outorgaria a escritura pública de compra e venda logo que resolvida a questão da partilha e do registo dos bens, supondo que se prova, só por si, é insuficiente para, fundada nela, se concluir pelo comportamento contraditório da R.; falta uma justificação para essa confiança, expressa em elementos objetivos que a A. não alega, nem decorre dos factos provados.

Pelo contrário, decorre dos factos provados que nos anos de 2009 e 2013 a 2018, isto é, no decurso do prazo da prescrição iniciado em 11/6/1998 e no ano em o prazo da prescrição se completaria (2018), o legal representante da A. e a R., na qualidade de comproprietários de bens objeto mediato do contrato-promessa, atuaram em conjunto no arrendamento de tais bens [pontos 13 e 17 dos factos provados], sem que a A. exigisse então à R. a execução do contrato-promessa, como seria curial, dado o pagamento da totalidade do preço, a exigência de uma atuação em comum no arrendamento e, enfim, a emergência da completude do prazo da prescrição, o que revela bem, a nosso ver, que a haver comportamento contraditório é da A. e não da R.

Ao invocar a prescrição a R. não agiu com abuso de direito.

Improcede o recurso quanto a esta questão.

Solução que prejudica o conhecimento das remanescentes questões colocadas no recurso: da questão da impugnação da decisão de facto, porquanto ainda que se houvesse que provar que a Autora, na pessoa do seu sócio-gerente, sempre confiou em que a Ré, logo que estivesse resolvida a questão da partilha e do registo em nome desta dos bens por essa via adquiridos, outorgaria a respetiva escritura pública de compra e venda [conclusões 1 a 3], a solução sobre a questão da abuso de direito no exercício do direito à prescrição por parte da R. manter-se-ia, encontrada como se mostra no pressuposto da prova do facto e, assim, no pressuposto do êxito da impugnação; da questão do abuso de direito por parte da A. [conclusão 15], porquanto o resultado do seu conhecimento não altera a sorte do recurso reconhecida que se mostra a prescrição do direito da A.

Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida ainda que procedente, o recurso.

3. Custas

Vencida no recurso, incumbe à A/apelante o pagamento das custas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):

(…)


IV. Dispositivo:
Delibera-se pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Évora, 16/3/2023
Francisco Matos
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
__________________________________________________
[1] Artigo 278.º do CC: “Se for estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento, é aplicável à estipulação, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 272.º e 273.º”.
[2] E não em 11/7/2021, como certamente por lapso se fez constar, atento a data do despacho que consta a fls. 296.
[3] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, tomo V, pág. 372.
[4] Ibidem, pág. 372.
[5] Disponível em www.dgsi.pt.
[6] Ibidem, pág. 292.
[7] Ibidem, pág. 293.
[8] Ibidem, pág. 294.