Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
438/12.0TBFAR.E1
Relator: ASSUNÇÃO RAIMUNDO
Descritores: CITIUS
ACTO PROCESSUAL ENVIADO POR TELECÓPIA
ACTO NULO
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A recorrente, através do seu mandatário, apresentou o requerimento de recurso e respectivas alegações por e-mail e não alegou qualquer situação de justo impedimento.
2 - Mas a situação de justo impedimento não pode enquadrar qualquer situação de desconhecimento do mandatário para operar com as novas tecnologias.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 438/12.0TBFAR.E1
ACÓRDÃO

Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Instância Local de Tavira, Secção Cível, Juiz 1, corre termos a Ação nº 438/12.0TBFAR, com processo sumário, que (…) moveu a (…)– Construções, Lda..
Na referida ação, a ré interpôs recurso da sentença final, tendo sobre o mesmo recaído o seguinte despacho:
Recurso da Ré de 24-03-2014, a fls. 281 a 292:
Nos termos do disposto no artigo 144º, nº 1, do CPC os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no nº 1 do artigo 132º.
Tratando-se de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, ou estando a parte patrocinada por mandatário, quando haja justo impedimento para a prática dos actos processuais nos termos indicados no nº 1, podem os actos processuais que devam ser praticados por escrito ser praticados por uma das formas previstas no nº 7 do artigo 144º do CPC.
A apresentação do requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações através E-mail traduz-se, pois, na prática de acto que a lei não admite, implicando a sua rejeição.
Nestes termos, determina-se o desentranhamento do requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações apresentados em 24-03-2014 e a sua restituição à Ré.
Custas do incidente a cargo da Ré, fixando-se a taxa de justiça no mínimo
Notifique.”

A ré inconformada com o despacho proferido, recorreu do mesmo e terminou o seu requerimento de recurso com as seguintes conclusões:
1. No caso em apreço não deveria o Tribunal determinar o desentranhamento da peça processual (requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações) enviada por e-mail sem antes dar oportunidade à parte de apresentar essa mesma peça via Citius.
2. Apenas não foi invocado justo impedimento, devido ao facto de, nesse mesmo período, se ter verificado a aceitação do envio de peças processuais via e-mail por parte de diversos Tribunais.
3. Tendo a Secretaria dado entrada da peça processual, não deverão ser frustradas as expectativas da parte sem antes ter lugar uma notificação concedendo um prazo para cumprir a formalidade em falta.
4. De outra forma, será recusado o direito de acesso aos Tribunais consagrado na Constituição da Republica Portuguesa.
5. Deverá neste caso o procedimento a seguir ser, por analogia, aquele que é adotado em caso de falta de pagamento de taxa de justiça, ou seja, dar oportunidade à parte de repor o montante em falta.
6. No mesmo sentido se entendeu no artigo publicado no caderno do centro de estudos judiciários de Dezembro de 2013.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-o por outro que determine a possibilidade de envio via Citius do recurso apresentado em 24-03-2014, o qual deverá seguir os trâmites legais.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º, nº 4, do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir:

De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a título de exemplo os Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, Proc. nº 04B3876; de 11/10/2005, Proc. nº 05B179; de 25-5-2010, Proc. nº 8254/09.0T2SNT.L1.S1; e de 30-6-11, Proc. nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, todos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ), o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resultava dos arts. 684º, nº 3 e 685-Aº, nº 1, do Cód. Proc. Civil e continua a resultar das disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2 e 639º do N. Cód. Proc. Civil.
Nesta conformidade, a recorrente coloca à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
Perante a prática de um ato processual em desconformidade com a lei, o tribunal deve conceder a possibilidade de a parte corrigir o ato, conformando-o com a legalidade imposta (?)
Vejamos:
Como pronto prévio cabe desde já assentar qua à situação em apreço se aplica o Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, face às disposições conjugadas doa arts. 5º e 7º deste mesmo diploma legal.
O ato recusado pelo despacho sob recurso foi a apresentação, em 24-3-2014, de um requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações através e-mail.
Ora por força da Lei nº 41/2013 de 26-1, à referida data de 24-3-2014, já se encontrava em vigor o atual Código de Processo Civil, segundo o qual e pela redação do seu art. 144, a apresentação a juízo dos atos processuais por todos os profissionais forenses, sem exceção, tinha de ser, obrigatoriamente, através do sistema Citius.
A referida norma deu apenas uma “abertura” às situações de justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados – cfr. nº 8 –, e às situações em que o patrocínio por advogado não fosse obrigatório – cfr. nº 7: “Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, os atos processuais referidos no n.º 1 também podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas: a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega; b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal; c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição”.
No caso em apreço, a recorrente, através do seu mandatário, apresentou o requerimento de recurso e respetivas alegações por e-mail e não alegou qualquer situação de justo impedimento. Sendo certo que a situação de justo impedimento, a que alude a citada norma, não pode enquadrar qualquer situação de desconhecimento do mandatário para operar com as novas tecnologias, nem a situação, ora alegada em sede de recurso, de se ter verificado a aceitação do envio de peças processuais via e-mail por parte de diversos Tribunais. Situação que, com o devido respeito, nos parece pouco configurável face à imposição do nº 1 do art. 144º do Código de Processo Civil.
Mas constatada a desconformidade legal da apresentação do ato nos termos analisados, deveria o tribunal tomar outra posição que não a de determinar o desentranhamento do requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações (?).
Entendemos que não.
A recorrente alega que 3. Tendo a Secretaria dado entrada da peça processual, não deverão ser frustradas as expectativas da parte sem antes ter lugar uma notificação concedendo um prazo para cumprir a formalidade em falta. 4. De outra forma, será recusado o direito de acesso aos Tribunais consagrado na Constituição da Republica Portuguesa. 5. Deverá neste caso o procedimento a seguir ser, por analogia, aquele que é adotado em caso de falta de pagamento de taxa de justiça, ou seja, dar oportunidade à parte de repor o montante em falta.
Sobre a interpretação da lei, dispõe o art. 9 do Código Civil: 1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Na interpretação da lei devem considerar-se os seguintes elementos: i) o elemento gramatical ou literal; ii) os elementos históricos que são 1. O sistemático, que tem em conta a unidade do sistema jurídico; 2. O histórico, constituído por precedentes normativos, trabalhos preparatórios e occasio legis; 3. O teleológico, que é a justificação social da lei – cfr. Oliveira Ascenção, “Introdução e Teoria Geral”, 2ª ed. Pág. 360 e ss..
Batista Machado, em “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1987, pág. 182 e ss.. refere que o texto ou a letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. A letra, o enunciado linguístico, é, assim, um ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do nº 2 do art. 9º do Código Civil: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo sentido de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
Ora a letra das normas dos nºs 1 e 8 do art. 144 do Código de Processo Civil é muito clara sobre o que o legislador quis legislar para a situação em apreço.
De notar que noutras situações ínsitas no Código de Processo Civil o legislador quando entendeu que a parte ainda podia corrigir o “erro” cometido, referiu-o expressamente. E a situação alegada pela recorrente é disso exemplo: a prevista no art. 145º, nº 3, do Código de Processo Civil; ao que acrescentamos, a título de mais um exemplo, a situação prevista no art. 148º, nº 3, do mesmo diploma legal.
Mas regressando à situação dos autos, e seguindo o ensinamento de Batista Machado, a possibilidade/interpretação que a recorrente pretende dar à norma do art. 144 do Código de Processo Civil está desde logo afastada, por não encontrar nas “palavras da lei” o sentido augurado e a correspondência verbal da norma cuja analogia é pretendida.
A norma do nº 1 do art. 144 do Código de Processo Civil é imperativa e a norma do nº 8 do mesmo artigo, ao conceder uma outra possibilidade de apresentação do ato a juízo, fê-lo em dimensão muito restrita diremos mesmo da forma “limitadora” a que alude o nº 2 do art. 9º do Código Civil.
Depois, se atentarmos à disposição do nº 2 do art. 132 do Código de Processo Civil – A regra da tramitação eletrónica admite as exceções estabelecidas na lei – temos como inultrapassável o texto, o enunciado linguístico, da norma do nº 8 do art. 144 do mesmo diploma legal.
Face ao exposto, improcedem as conclusões da recorrente.

Decisão:
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

(Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas)

Évora, 30-04-2015
Assunção Raimundo
Luís Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa