Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5621/13.9TBSTB.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: SERVIDÃO DE VISTAS
USUCAPIÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: In casu é legalmente inadmissível a condenação em sanção pecuniária compulsória porquanto não se verifica um dos pressupostos de facto de que depende a sua aplicação, qual seja a infungibilidade da obrigação imposta ao visado.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º N.º 5621/13.9TBSTB.E1 (Apelação – 2ª Secção)
Recorrente: Município de Setúbal.
Recorrido: (…).
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Relatório [1]


(…), contribuinte fiscal n.º (…), residente no Largo do (…), n.º 13, 2900 Setúbal, veio intentar a presente acção comum contra o Município de Setúbal, com sede nos Paços do Concelho, Praça do Bocage, 2900 Setúbal, requerendo que:
a) seja reconhecida a constituição de servidão de vistas das duas janelas existente na fachada virada a nascente, do prédio de sua propriedade sobre o prédio propriedade do réu, denominado “Casa da (…)”, por usucapião;
b) seja o réu condenado a remover e, ou demolir as duas escadas ilegalmente colocadas no seu prédio, repondo o estado anterior à colocação das duas escadas;
c) seja o réu condenado a abster-se de futuras condutas que impeçam ou perturbem a livre utilização das janelas pela autora;
d) seja o réu condenado a pagar à autora o valor de € 50,00 por cada dia, em que não reponha a situação anterior a título de sanção compulsória;
e) seja o réu condenado a indemnizar a autora pelos danos não patrimoniais, em quantia não inferior a € 4.000,00;
f) seja o réu condenado a indemnizar a autora pelos danos patrimoniais resultantes da impossibilidade de manter e de colocar o prédio no mercado de arrendamento, em montante não inferior a € 8.000,00;
g) seja o réu condenado a indemnizar a autora na quantia correspondente aos gastos feitos por esta com as despesas e honorários da sua advogada com o presente processo, a liquidar em execução de sentença.
Para tanto, alega que é proprietária e legítima possuidora do prédio urbano sito na Rua de (…), com os números de polícia 14 e 16, em Setúbal, freguesia de S. Julião, concelho de Setúbal, descrito na 1ª. Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº. (…)/20091014 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da mesma freguesia.
O prédio foi construído há pelo menos 150 anos.
O indicado prédio tem a área coberta de 73,50 metros quadrados, tem três pisos, é composto de loja, 1º e 2º andares, destinando-se a loja a comércio e os 1º e 2º andares a habitação.
O prédio confina a Nascente com prédio do réu, onde se encontra instalado o equipamento cultural, que o réu designou como “Casa da (…)”.
Em meados de Setembro de 2012, em execução do projecto aprovado para obras de recuperação e remodelação, o réu colocou no mesmo duas escadas pré-fabricadas, encostadas à fachada do prédio da autora virada a nascente.
As escadas ali colocadas pelo réu, distam entre 20 cm a 30 cm da fachada do prédio da autora.
O réu, com a colocação das duas escadas, tapou uma janela do prédio da autora.
Com a colocação das escadas encostadas à fachada do prédio contiguo, ficou possibilitada a fácil entrada no prédio da autora pela janela do 1º andar por qualquer pessoa que se desloque nas referidas escadas, bastando para tanto, arrombar a janela, entrar na habitação e roubar os haveres ali existentes.
As escadas encontram-se a cerca de 40 cm da janela do 1.º andar, sendo manifesta a falta de segurança do prédio, bem como, dos seus arrendatários.
O réu colocou abusivamente um ferro de suporte de uma das escadas dentro da parede do prédio da autora, junto à referida janela do 1.º andar.
As escadas tapam igualmente a janela do rés-do-chão, privando a respectiva habitação, da exposição normal aos raios solares, pelo que o nível de luminosidade ficou fortemente reduzido.
As escadas têm entradas e saídas para pisos distintos do prédio do réu, encontrando-se actualmente no piso térreo um estabelecimento de restauração, com mesas e cadeiras no exterior, causando um ruído constante às casas habitacionais.
O uso das janelas existentes no prédio da autora é, e sempre foi permanente, público e pacífico, destinando-se as mesmas a assegurar entrada de ar e de luminosidade natural da luz solar, a falar com os vizinhos e a desfrutar comodamente as vistas que tais janelas proporcionam.
Alega, ainda, que é uma pessoa de idade já avançada e por isso toda esta situação tem-lhe criado períodos de muita intranquilidade e de muita preocupação.
Sempre se pautou pela seriedade, honestidade e ética nas relações com a comunidade.
A intranquilidade passou a ser um estado constante derivado deste “atentado” perpetrado pelo próprio Município de Setúbal, pessoa colectiva de direito público, com responsabilidade directa na situação em apreço, afligindo-a especialmente o facto de ser o réu a entidade com competência para o licenciamento das obras. Mais alega que destina os andares do prédio ao arrendamento, e que a situação gerada pelo réu não permitirá arrendá-los, o que lhe causa prejuízos patrimoniais relevantes, na ordem de cerca de 8.000,00 Euros anuais.
Alega, por fim, que em virtude da conduta do réu tem ainda de suportar os encargos com honorários de advogado para intentar a presente acção, pretendendo ver-se igualmente ressarcida dos mesmos em montante a liquidar ulteriormente.
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O réu regularmente citado, veio em tempo contestar a acção impugnando parcialmente os factos alegados pela autora invocando o desconhecimento quanto ao momento em que foram feitas as aberturas existente no prédio da autora, assim como as suas conclusões de direito, alegando que as escadas não ofendem o eventual direito de vistas adquirido pela autora quanto à janela existente no 1.º andar, já que as escadas não foram colocadas defronte da janela. Mais alega que a abertura existente no rés-do-chão não constituiu uma janela e como tal a sua existência, independentemente dos anos da sua construção, não constitui para o prédio do réu qualquer restrição de vizinhança.
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Os autos foram saneados e procedeu-se a julgamento» e por fim foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e decidindo o seguinte:
«a) declarar originariamente constituída, por usucapião, a favor do prédio da autora, sito na Rua de (…), com os números de polícia 14 e 16, em Setúbal, freguesia de S. Julião, concelho de Setúbal, descrito na 1ª. Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº. (…)/20091014 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da mesma freguesia uma servidão de vistas da janela situada no 1.º andar na fachada nascente sobre o prédio confinante propriedade do réu, denominado Casa da (…);
b) condenar o réu a remover a escada superior implantada junto à referida fachada e a abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou diminuam a utilização por parte da autora da referida janela;
c) condenar o réu a pagar à autora a titulo de sanção compulsória a quantia de € 50,00 (cinquenta euros), a por cada dia de atraso na remoção da referida escada, a contar do trânsito em julgado da presente decisão;
d) absolver o réu dos restantes pedidos contra si deduzidos pela autora;
e) condenar a autora e o réu no pagamento das custas processuais na proporção dos respectivos decaimento, que se fixa em ½».
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Inconformada, veio o R. interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

a) «Conforme douta mente decidido, a abertura existente no prédio da A. a nível do rés-do-chão não constitui qualquer servidão de vistas e, por outro lado, o direito de vistas, resultante da existência, ao longo do tempo, de uma janela no primeiro andar, não é minimamente ofendido pela colocação das escadas.
b) A douta sentença recorrida considerou, contudo, que a colocação das escadas a uma distância inferior a um metro e meio da empena/extrema do prédio onde tal janela se encontra aberta, viola o disposto no art° 1360° do C. C., devendo, por tal, ser removida, sendo esta a decisão que, na perspectiva do R., salvo o devido respeito, merece censura.
c) Desde logo, porque não se poderá considerar uma escada como uma estrutura semelhante a uma varanda, terraço ou eirado, por não ser local de permanência de pessoas mas de mera circulação, que, relativamente à possibilidade de devassa com vistas do prédio vizinho, não será superior ou mais gravosa do que aquela que é facultada pela circulação junto à extrema de um prédio que, obviamente, não é vedada por lei.
d) Por outro lado, da matéria de facto provada, não resulta que a escada esteja provida de um parapeito situado a uma altura inferior a um metro e meio, pelo que, mesmo que se considerasse ser uma escada, para efeitos do art° 1360° do C. C, algo semelhante a uma varanda, terraço ou eirado, nunca se poderia considerar a escada aqui em causa como violadora dessa disposição legal.
e) De todo o modo, ainda que se considerasse que a escada em questão era uma construção semelhante a uma varanda, terraço ou eirado e que a protecção lateral nela existente correspondia a um parapeito com a altura inferior a um metro e meio, a consequência, em termos de condenação, deveria ser não a de remoção da escada mas, em alternativa, a de alteamento da protecção considerada parapeito ou a sua remoção, eventualmente com a substituição por outra protecção que não pudesse ser como tal considerada.
f) Assim, a douta sentença recorrida violou o disposto no art° 1360° do C. C., devendo, por tal, ser revogada e substituída por outra que absolva o R. do pedido.
g) Não se contesta que, a existir condenação na remoção da escada ­ eventualmente com a alternativa atrás referida – poderá ser cominada uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da condenação.
h) No entanto, no presente caso, atendendo à natureza da prestação de facto que a condenação importará, é necessário, indispensável e de elementar justiça conceder-se ao R. um prazo razoável para cumprir a obrigação, cominando com a aplicação da sanção pecuniária compulsória o incumprimento da condenação apenas após o esgotamento desse prazo.
i) Prazo que, no presente caso, atendendo às circunstâncias que facilmente se extraem dos autos, não deverá ser inferior a seis meses, tanto mais que da permanência das escadas, como, aliás, resultou comprovado no processo, não resultam quaisquer especiais danos, morais ou materiais para a A.
j) Ao assim não decidir e ao cominar com o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, sem definir, como é indispensável, um prazo para cumprimento da obrigação, a douta sentença recorrida fez uma incorrecta aplicação do disposto no art° 830º do C. C., violando-o.
k) Assim, deve ser revogada a douta sentença na parte em que condenou o R. à remoção das escadas em causa nos autos ou, no mínimo, limitar a condenação à retirada ou alteamento até um metro e meio da protecção lateral que se possa considerar um parapeito, devendo, em qualquer dos casos, ser concedido prazo não inferior a seis meses para cumprimento da condenação e só no caso de incumprimento desse prazo se cominando o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso.
Nestes termos e nos mais de direito,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com a consequente absolvição do R. do pedido ou, no mínimo, alterando a condenação nos termos referidos na conclusão da alínea k)…».
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Respondeu a recorrida pedindo a improcedência da apelação.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º, nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil) [3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2, in fine, do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil).
Das conclusões acabadas de transcrever, decorre que o recorrente impugna apenas a decisão jurídica, por entender ter havido errada aplicação do direito ao condenar a R. a remover a escada superior junto à fachada do prédio da A. e bem na aplicação da sanção pecuniária compulsória, a partir do trânsito em julgado da sentença.
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Cumpre apreciar e decidir.
Dos factos

Na primeira instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
«FACTOS PROVADOS
DA PETIÇÃO
1) A autora (…) é proprietária e legítima possuidora do prédio urbano sito na Rua de (…), com os números de polícia 14 e 16, em Setúbal, freguesia de S. Julião, concelho de Setúbal, descrito na 1ª. Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº (…)/20091014 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da mesma freguesia.
2) O prédio em causa é de construção antiga, tendo sido construído antes de 1937.
3) O indicado prédio tem a área coberta de 73,50 metros quadrados, tem três pisos, é composto de loja, 1º e 2º andares, destinando-se a loja a comércio e os 1º e 2º andares a habitação.
4) O prédio possui quatro aberturas na sua fachada virada a Nascente.
5) As aberturas em causa foram abertas aquando da construção do prédio e sempre foram usadas à vista de toda a gente e sem qualquer oposição.
6) O uso das janelas em causa é, e sempre foi permanente, público e pacífico, destinando-se as mesmas a assegurar entrada de ar e de luminosidade natural da luz solar, a falar com os vizinhos e a desfrutar comodamente as vistas que tais janelas proporcionam.
7) O prédio na parte virada a nascente confina com o prédio do réu, onde actualmente encontram-se o edifício denominado a “Casa da (…)”.
8) Em meados de Setembro de 2012, em execução do projecto aprovado obras de recuperação e remodelação do edifício e construção o referido estabelecimento cultural, o réu colocou no referido espaço duas escadas pré-fabricadas, encostadas à fachada do prédio da autora virada a Nascente.
9) As escadas superiores ali colocadas distam entre 50 cm a 60 cm da fachada do prédio da autora.
10) As referidas superiores ficaram colocadas defronte e em toda a sua extensão da abertura existente no rés-do-chão do prédio da autora, a cerca de 30 cm de distância.
11) As escadas superiores privam o rés-do-chão da exposição normal aos raios solares, tendo o nível de luminosidade ficado reduzido.
12) As escadas superiores possibilitam às pessoas que se deslocam nas mesmas visualizar o interior da habitação.
13) As escadas têm entradas e saídas para pisos distintos do prédio do réu, correspondendo o rés-do-chão a um estabelecimento de restauração, com mesas e cadeiras no exterior.
14) A autora destina os andares do prédio a arrendamento.
DA CONTESTAÇÃO
15) As escadas são metálicas, uma com balaustrada em vidro e outra com balaustrada em material opaco.
16) Uma dessa escadas desemboca no topo do edifício e a outra desemboca num piso intermédio.
17) As escadas correm, sobrelevando-se uma à outra, paralelamente às fachadas tardoz dos edifícios que ladeiam, entre eles o prédio da autora, conforme representação gráfica que constituiu o documento n.º 6, junto com a petição inicial, constante de fls. 33 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
18) A fachada do prédio da autora ao nível do rés-do-chão tem uma parte saliente, com uma saliência de cerca de 40 cm – que no topo tem uma abertura tapada com rede e protegida por uma placa de um material transparente, colocada sobrelevada.
19) As escadas em questão constituem uma via de acesso subsidiário entre os vários pisos do edifício.
20) As portas, no interior do edifício, em qualquer um dos pisos que dão acesso a tais escadas, encontram-se sinalizadas como portas de emergência.
21) O rés-do-chão do prédio da autora encontra-se devoluto, mal conservado e sem condições de ser utilizado.
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Factos não provados
Discutida a causa ficaram por demostrar os seguintes factos:
DA PETIÇÃO
a) O prédio da autora foi construído há pelo menos 150 anos.
b) As duas escadas tapam uma janela do prédio da autora.
c) A colocação das escadas impede a normal circulação de ar na fracção do rés-do-chão.
d) As escadas têm uma utilização constante.
e) A ré colocou um ferro de suporte de uma das escadas dentro da parede do prédio da autora.
f) O estabelecimento de restauração existente do imóvel do réu causa um ruído constante às casas habitacionais.
g) A situação enunciada nos factos provados tem criado à autora períodos de muita intranquilidade e de muita preocupação.
h) A autora sempre se pautou pela seriedade, honestidade e ética nas relações com a comunidade, afligindo-a em especial o facto de o réu ser a entidade com competência para o licenciamento das obras.
i) Em virtude da conduta do réu a autora não irá conseguir arrendar as fracções do prédio, o que lhe causa prejuízos estimado em cerca de € 8.000,00 anuais.
DA CONTESTAÇÃO
j) Pelas escadas não circulam pessoas, nem esporadicamente.
k) Tais escadas são apenas escapatórias para situações de emergência.
l) As portas, no interior do edifício, em qualquer um dos pisos que dão acesso a tais escadas, são portas de emergência.
m) As fracções correspondentes ao 1.º e 2.º andares encontram-se devolutas, mal conservadas e sem condições de habitabilidade».
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Do Direito
Defende o recorrente que a sentença recorrida violou o disposto no artº 1360º do C. C., devendo, por tal, ser revogada e substituída por outra que absolva o R. do pedido.
Pela simples leitura das alegações e das conclusões, resulta que a argumentação do recorrente assenta na inaplicabilidade do nº 2 do art.º 1360º do CC, em virtude da escada não ser uma «varanda, terraço ou eirado» e também não poder ser considerada «obra semelhante», porquanto se destina apenas a passagem e não à devassa do que quer que seja e daí conclui que é errada a decisão que impõe a remoção da parte superior da escada, com fundamento na violação de tal preceito. Acontece que a sentença apesar de convocar o citado normativo no enquadramento jurídico das questões em apreciação, não fundamenta a decisão no referido inciso mas sim na restrição imposta pelo nº 2 do art.º 1362º do CC, que estabelece que «constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou outra construção e as obras mencionadas no n.º 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão dessas obras».
As partes e designadamente a recorrente, não impugnam a decisão, na parte em que declarou «originariamente constituída, por usucapião, a favor do prédio da autora, sito na Rua de (…), com os números de polícia 14 e 16, em Setúbal, freguesia de S. Julião, concelho de Setúbal, descrito na 1ª. Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº (…)/20091014 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da mesma freguesia uma servidão de vistas da janela situada no 1.º andar na fachada nascente sobre o prédio confinante propriedade do réu, denominado Casa da (…)», pelo que nesta parte a decisão transitou em julgado.
Ora estando reconhecida a existência de uma servidão de vistas, constituída por usucapião, a favor do prédio da A., esse reconhecimento, (decorrente da inércia do R. a reagir contra a ilegalidade da abertura da janela) tem como consequência não só a afirmação do direito da A. a ver a paisagem que se atinge sobre o prédio vizinho (Cfr, Acórdão desta Relação de 18-10-2007, de que foi Relator Des. Tavares de Paiva acessível na INTERNET através de http://www.dgsi.pt/), mas também o direito de manter as obras referidas no nº 1 do art. 1362º CC – in casu, a janela – em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho [4]. Mas para além desses direitos, inerentes à natureza e fim da servidão, a convalidação das obras inicialmente ilícitas, traduzida no reconhecimento da servidão, confere ao dono do prédio dominante um outro direito, o de impedir que o dono do prédio serviente (no caso ao R.) possa levantar edifício ou outra construção, sem deixar, entre as duas construções, uma zona de metro e meio (Cfr. A. Santos Justo, Direitos Reais, 2007, p. 243). Trata-se duma restrição “non aedificandi” no espaço de metro e meio a partir dos limites do prédio dominante [5].
Foi com fundamento na violação desta restrição ao direito de propriedade do recorrente e do correspectivo direito conferido à A. pelo nº 2 do art.º 1362º do CC, e não na violação do disposto no art.º 1360º, nº 2, do CC, que a Sra. Juíza decretou e impôs ao R. a obrigação de remover a parte superior da escada, que contende com a existência da referida servidão. Esta decisão não merece qualquer reparo, porquanto fez uma correcta aplicação do direito aos factos e consequentemente é de manter. Improcede assim a apelação, quanto a esta questão e ficando, naturalmente prejudicados os pedidos subsidiários.
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Quanto à questão da aplicação da sanção pecuniária compulsória, assiste razão ao recorrente. Na verdade tal condenação é legalmente inadmissível no caso sub judicio, porquanto não se verifica um dos pressupostos de facto de que depende a sua aplicação, qual seja a infungibilidade da obrigação imposta ao recorrente.
A sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829º-A do CC é uma medida coercitiva, de natureza pecuniária, consubstanciando uma condenação acessória da condenação principal. O seu escopo não é, propriamente, o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de incitar o devedor ao cumprimento do julgado, sob a intimação do pagamento duma determinada quantia por cada período de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infracção. A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, como se refere no próprio relatório do DL n.º 262/83, de 16 de Junho, “… uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis”.
O regime sancionatório previsto no art.º 829º-A do CC assume duas vertentes: uma de natureza judicial – a estabelecida no n.º 1 do preceito, reservada às obrigações de prestação de facto infungível; outra, de natureza legal, prevista no n.º 4 do artigo, estabelecida para os casos em que for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente.
De acordo com o disposto no art.º 767º, do CC, o cumprimento por terceiro só não é admissível – sendo, nesse caso, a prestação infungível –, se tiver sido acordado expressamente que a prestação deve ser feita pelo devedor, ou se a substituição por outrem prejudicar o credor.
Saber se a prestação é ou não fungível é, pois, questão cuja resposta se surpreende, em termos práticos, na afirmação ou na negação da possibilidade de aquela poder ser cumprida por terceiro.
Ora, não existe, no caso “sub judicio”, qualquer impedimento a que as obras de remoção da escada, determinada na sentença, não sendo efectuadas pelo R. ou a mando deste, sejam executadas por terceiros, ou pelo próprio credor (no caso a A.) em nada ficando prejudicada a A., por esse facto.
Daí que, em acção executiva para prestação de facto a que hajam de recorrer, caso as obras não sejam efectuadas pelo R, imediatamente após o trânsito em julgado da sentença, seja possível à A., requerer que a prestação de facto (remoção da escada) seja efectuada por outrem (art.ºs 868º, n.º 1 e 870º, nº 1, do CPC) ou mesmo por si própria (art.º 871º do CPC).
Concluindo-se, pois, pela fungibilidade da prestação em causa, é manifesto que não pode proceder o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória e consequentemente impõe-se a revogação da sentença neste segmento do dispositivo.
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Concluindo

Pelo exposto, na procedência parcial da apelação, acorda-se em revogar a sentença na parte em que condenou o réu a pagar à autora, a título de sanção compulsória a quantia de € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso na remoção da escada, a contar do trânsito em julgado da presente decisão. No mais confirma-se a sentença.
Custas a cargo de apelante e apelada em partes iguais.
Notifique.
Évora, em 05 de Novembro de 2015
Bernardo Domingos
Silva Rato
Assunção Raimundo
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[1] Transcrito da sentença
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. V, página 56.
[4] Não se exerce a servidão com o facto de se disfrutarem as vistas sobre o prédio, mas mantendo-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho (Cfr. Pires de Lima­ A. Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2a ed., p. 219; António Carvalho Martins, Construções e Edificações, 1990, p. 82).
[5] Acórdão do STJ, de 19.05.2011, proc. 284/05: Sumários, 2011, p. 402 III.