Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
127/13.9TXEVR-L.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
COMPORTAMENTO PRISIONAL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A liberdade condicional, quando o recluso atinge os 2/3 do cumprimento da pena, depende tão-só de razões de prevenção especial.

II - Daí que não seja elemento essencial (decisivo) o bom comportamento prisional do condenado, devendo atender-se a todos os índices de ressocialização revelados pelo mesmo, índices que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, nomeadamente olhando-se à conduta anterior e posterior à condenação, à própria personalidade do condenado, ao seu modo de vida, aos seus antecedentes criminais e aos seus laços sociais e familiares.

III - Não existindo referências, suficientemente consistentes, da efetiva ressocialização do recorrente, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do recorrente (juízo indiciador de que o mesmo, se colocado em liberdade, pautará a sua vida sem cometer crimes).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO.

Por sentença, datada de 15-04-2019, o Tribunal de Execução de Penas de Évora indeferiu a concessão de liberdade condicional ao recluso JN.

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o recluso, extraindo da respetiva motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. O recluso JN cumpre atualmente a pena de 7 (sete) anos e 1 (um) mês de prisão, em cômputo de penas.

2. O arguido atingiu os 2/3 em 01/08/2018 e o termo está previsto para 01/10/2021.

3. Na data de 16 de abril do corrente foi notificada ao arguido a decisão de não conceder a liberdade condicional ao arguido.

4. A douta decisão considera, como único fundamento, que não se verificou qualquer interiorização do desvalor da ação praticada.

5. Ora, o douto despacho é ilegal, por incorreta apreciação dos factos e aplicação do direito.

6. O arguido já beneficiou de várias licenças precárias, tendo cumprido escrupulosamente todas as imposições que lhe foram colocadas.

7. O recorrente encontra-se a trabalhar em RAI, e a usufruir de medidas de flexibilização da pena desde 2017, com pernoita nos pavilhões, onde está integrado laboralmente.

8. O recorrente reconheceu os erros e demonstrou um enorme arrependimento.

9. O passado ligado ao consumo de produtos estupefacientes encontra-se ultrapassado, conforme prova junto aos autos.

10. A evolução deste recluso foi positiva e é um caso exemplar de sucesso nos objetivos da punição, ou seja, reeducar o arguido com vista à sua ressocialização.

11. O arguido reúne todos os pressupostos formais - artigo 61º do Código Penal - para a concessão da liberdade condicional: mais de metade da pena cumprida e aceitação da liberdade condicional.

12. Não há, em concreto, nenhum fundamento que permita indeferir a liberdade condicional, muito menos o dos requisitos previstos no artigo 61º do Código Penal.

13. O despacho recorrido violou o disposto no artigo 61º do Código Penal, na medida em que se verifica terem sido observados os requisitos formais e substanciais que determinam a liberdade condicional.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido, ordenando-se a concessão da liberdade condicional ao recorrente, fazendo-se dessa forma uma mais correta interpretação de lei e, concomitantemente, decidindo-se de forma mais justa”.

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu, entendendo que o recurso não merece provimento, e concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“1ª - A negação pelo recluso do crime de homicídio na forma tentada (de modo incompreensível, pois declarou que apenas pretendeu assustar a vítima, mas provado foi que procurou aquela munido de arma de fogo e que disparou sobre ela), e o esquecimento dos crimes de tráfico de menor gravidade e de roubo pelos quais (além de outros) cumpre pena - esquecimento também incompreensível, por serem fenómenos de criminalidade grave e violenta - têm subjacente desvalorização da censurabilidade ético-jurídica de tais condutas.

2ª - Tal postura faz duvidar da capacidade de reinserção social responsável do recluso, de comportamento normativo em meio livre, sem cometer crimes da mesma ou de diversa natureza daqueles pelos quais cumpre pena.

3ª - Dada a natureza excecional da liberdade condicional, aquela dúvida constitui-se como obstáculo à formulação de prognóstico positivo sobre a mencionada capacidade de adequação comportamental às proibições penais.

4ª - Que, no estado atual da execução da pena (ultrapassado o cumprimento dos dois terços da soma das penas, em 01-09-2018), é o único requisito material exigível da concessão da liberdade condicional.

5ª - Bem andou o tribunal a quo no julgamento da não verificação desse requisito.

6ª - Na decisão recorrida foi feita correta interpretação e aplicação das normas legais pertinentes no caso, designadamente do disposto no artigo 61º, nº 2, aI. a), do CP.

7ª - Por não merecer censura alguma, deve confirmar-se a douta decisão recorrida e julgar-se improcedente o recurso”.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também pela improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, o recorrente apresentou resposta, reafirmando, no essencial, o já alegado na motivação do recurso.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto do recurso.
No presente caso, a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, consiste em saber se estão ou não reunidos os requisitos para concessão da liberdade condicional ao recorrente.

2 - A decisão recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor:

“I - Relatório
O presente processo de liberdade condicional diz respeito ao recluso JN, com demais sinais nos autos, atualmente preso no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz.

Para efeitos de apreciação da concessão da liberdade condicional por referência aos dois terços da soma das penas que o recluso cumpre sucessivamente, foram juntos aos autos os relatórios a que alude o art. 173º, nº 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (de ora em diante designado apenas por CEPMPL).

O conselho técnico reuniu, prestando os seus membros os esclarecimentos que lhes foram solicitados e emitindo, por maioria (com voto de qualidade do Sr. Diretor do EP), parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (aá.175º, nºs 1 e 2, do CEPMPL) - cfr. fls. 522.

Procedeu-se à audição do recluso, nos termos estabelecidos no art. 176º do CEPMPL, sendo que aquele consentiu na aplicação da liberdade condicional. Em sede de audição o recluso não ofereceu quaisquer provas - cfr. fls. 523.

Cumprido o disposto no art. 177º, nº 1, do CEPMPL, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional- cfr. fls. 525-526.

O Tribunal é absolutamente competente.

O processo é o próprio.
Não existem nulidades insanáveis, nem questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta à apreciação do mérito da causa (a eventual concessão da liberdade condicional).

II - fundamentação
II - A) Dos Fados
O tribunal considera provados, com interesse para a decisão, os seguintes lados:

1. Quanto às circunstâncias do caso:
1.1. O recluso JN cumpre sucessivamente as seguintes penas:

1.1.1. Pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de homicídio na forma tentada, 1 (um) crime de recetação, 1 (um) crime de condução sem habilitação legal e 1 (um) crime de roubo [pena aplicada em acórdão de cúmulo proferido no processo comum coletivo nº ---/09.3GDALM, do Juízo Central Criminal de Almada (Juiz 5) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que englobou as penas que haviam sido aplicadas ao recluso no âmbito do processo referido e dos processos nºs ---/05.8GFSTB, ---/11.3PAAMD e ---/10.1GDALM]- pena em execução;

1.1.2. Pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de menor gravidade [pena aplicada no processo comum coletivo nº ---/06.4GDALM, do Juízo Central Criminal de Almada (Juiz 6) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa] - pena integralmente cumprida no dia 2 de Janeiro de 2018 e já declarada extinta;

1.1.3. Pena de 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal [pena aplicada no processo comum singular nº ---/11.7PFSXL, do Juízo Local Criminal do Seixal (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca de Almada] - pena integralmente cumprida no dia 1 de Julho de 2018 e já declarada extinta;

1.2. O crime de homicídio na forma tentada referido em 1.1.1. relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: em data não apurada do mês de agosto de 2009, o recluso e o ofendido desentenderam-se no interior de um café e agrediram-se mutuamente; no dia 20 de agosto de 2009, quando o ofendido caminhava pela rua na companhia da sua esposa e de um filho menor com três anos de idade, o recluso aproximou-se de si e empunhou uma arma de fogo; apercebendo-se que o recluso tinha intenção de disparar contra si, o ofendido afastou a mulher e o filho; o recluso começou a disparar na direção do ofendido, que se lançou sobre aquele, de modo a retirar-lhe a arma; o recluso continuou a disparar até não ter mais munições; atingiu o ofendido com dois tiros na coxa direita, o que lhe causou lesões.

1.3. O crime de recetação referido em 1.1.1. relaciona-se, em síntese, com o recebimento de vários objetos em ouro, em valor globalmente superior a € 15.000,00 (quinze mil euros), todos com etiquetas de códigos de barras, que o recluso sabia terem sido obtidos através da prática de crime contra o património.

1.4. Os crimes de condução sem habilitação legal referidos em 1.1.1. e 1.1.3. relacionam-se, em síntese, com a condução na via pública do mesmo motociclo, em duas ocasiões distintas, sem que o recluso fosse titular de carta de condução.

1.5. O crime de roubo referido em 1.1.1. relaciona-se, em síntese, com a utilização de violência para subtrair a carteira e o telemóvel do ofendido (o recluso desferiu um murro na cara do ofendido, sendo que os três indivíduos que o acompanhavam lhe deram murros e pontapés).

1.6. O crime de tráfico de menor gravidade referido em 1.1.2. relaciona-se, em síntese, com a venda de heroína e cocaína a consumidores de tal produto, o que fez nos dias 18 de janeiro de 2005 (nessa ocasião tinha na sua posse 17,992$ de heroína, repartida em 88 embrulhos, e 0,774$ de cocaína, repartida em 5 embrulhos) e 2 de maio de 2006.

1.7. O cômputo da execução sucessiva das referidas penas, com um somatório de 9 (nove) anos e 9 (nove) meses de prisão, foi liquidado nos seguintes termos:

- Início - 16 de Fevereiro de 2013;
- Metade - 13 de Fevereiro de 2017;
- Dois terços (2/3) - 1 de Setembro de 2018;
- Cinco sextos (5/6) - 17 de Março de 2020;
- Termo - 1 de Outubro de 2021;

2. Quanto à vida anterior do recluso:
2.1. O recluso, nascido a 15 de Junho de 1985 (atualmente conta com 33 anos de idade), nasceu em Cabo Verde, no seio de uma família desestruturada e de baixa situação económica;

2.2. Já em Portugal, com a separação dos pais, passou a coabitar com o pai, a madrasta e dois irmãos, apesar de manter contacto regular com a mãe, sendo o ambiente familiar permissivo, com dificuldades dos progenitores em assumir o seu papel educativo e contentor;

2.3. Em termos escolares, o seu percurso foi marcado por elevado absentismo, tendo o recluso abandonado os estudos durante a frequência do 7º ano de escolaridade, passando a acompanhar com pares com comportamentos desviantes;

2.4. Frequentou um curso profissional de eletricista, que também abandonou por desinteresse, iniciando o consumo de drogas e o contacto com o sistema judicial;

2.5. Iniciou atividade laboral como ajudante de pedreiro, com o pai, tendo também trabalhado numa mercearia e na doca a carregar caixas, mas sendo o seu percurso profissional pouco significativo, pela pontualidade e precariedade dos trabalhos realizados;

2.6. Passou a viver de forma independente da família, com total ausência de regras e de controlo familiar, continuando o consumo de drogas e a assunção de condutas criminais, nunca tendo realizado qualquer tratamento para os seus problemas de toxicodependência;

2.7. Antes de ser preso conservava um modo de vida irregular, sem ocupação, continuando a consumir haxixe regularmente, padecendo de doença do foro hepático;

2.8. Permanecia indocumentado em Portugal e, no âmbito de acompanhamentos efetuados pela DGRSP em sede de regime de prova quanto a penas suspensas na sua execução, mostrou-se sempre não colaborante, incumprindo as suas obrigações;

2.9. Para além das condenações referidas no ponto 1.1. dos factos provados, o recluso regista ainda condenações pela prática de 3 (três) crimes de condução sem habilitação legal, 1 (um) crime de ofensa à integridade física por negligência (em acidente de viação) e 1 (um) crime de consumo de estupefacientes, respeitando a sua primeira infração criminal a factos praticados em 13 de Dezembro de 2004;

2.10. Encontra-se preso pela quarta vez, datando a sua primeira reclusão de quando tinha 18 anos de idade.

3. Quanto à personalidade do recluso e evolução daquela durante a execução da pena:

3.1. O recluso nega a prática do crime de homicídio na forma tentada, alegando que apenas pretendia assustar o ofendido, tendo acertado neste por acaso;

3.2. Nada refere quanto aos demais crimes pelos quais cumpre pena;

3.3. Diz-se arrependido porque está a desperdiçar muitos anos de vida;

3.4. No Estabelecimento Prisional (EP) regista 4 (quatro) infrações punidas disciplinarmente, praticadas nas seguintes datas:

- 26 de Maio de 2013;
- 13 de Janeiro de 2014;
- 19 de Janeiro de 2014;
- 1 de Julho de 2014.

3.5. Tem sido sujeito a testes de despiste do consumo de estupefacientes, com resultados negativos;

3.6. Foi colocado em regime aberto no interior (RAI) no dia 30 de Agosto de 2018, passando a desempenhar funções na brigada da vinha/mata/horta, demonstrando motivação e empenho no trabalho desenvolvido;

3.7. Anteriormente desempenhou funções como faxina do bar da ala em que se encontrava;

3.8. Beneficiou de 4 (quatro) licenças de saída jurisdicional (LSJ), a última das quais gozada entre 23 e 29 de Dezembro de 2018, e de 2 (duas) licenças de saída de curta duração (LSCD), a última das quais gozada entre 30 de Dezembro de 2018 e 02 de Janeiro de 2019, todas com avaliação positiva;

4. Situação económico-social e familiar:

4.1. Uma vez em liberdade, o recluso irá residir com o pai, a madrasta e um irmão, que residem em habitação social pertença da Casa Pia de Lisboa, com condições de habitabilidade;

5. Perspetivas laborais/educativas:
5.1. O recluso projeta trabalhar numa mercearia/peixaria explorada por um irmão ou na construção civil;

5.2. Até obter autonomia económica, as suas condições de subsistência serão asseguradas pela família.

Com interesse para a decisão, inexistem factos não provados.

11- B) Motivação
11- B - 1) Motivação Fáctica

Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos elementos a que de seguida se fará referência, analisados de forma objetiva e criteriosa, nunca esquecendo que os relatórios e pareceres das diversas entidades que têm intervenção no processo de liberdade condicional (com especial relevância para a equipa dos serviços de educação e ensino da DGRSP, a equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP e o conselho técnico) não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz (neste sentido veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Outubro de 2009 e de 7 de Julho de 2016, os Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2010 e de 31 de Outubro de 2012 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de Julho de 2011 e de 26 de Outubro de 2011, todos in www.dgsí.pt, respetivamente Proc. 8027/06.2TXLSB-ALl-3, Proc. 2006/10.2TXPRT-C.P1, Proc. 3536/10.1TXPRT-li.P1, Proc. 1797/10.5TXCBR-D.C1 e Proc.165/11.6TXCBR-ACl).

Assim, tal informação é livremente apreciada pelo julgador, devendo naturalmente ser conjugada com as impressões retiradas da reunião do conselho técnico e da audição do recluso, o que, na feliz expressão do referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2010, «habilita o tribunal a fazer uma avaliação global orientada pelos princípios jurídicos que presidem esta matéria».

Feitas estas notas prévias, a convicção do tribunal fundou-se na referida análise conjugada, global e crítica dos seguintes elementos:

- Certidões das decisões condenatórias e das respetivas liquidações de pena - fls. 261 a 277, 304 a 325, 398 a 401, 422 a 424 e 500 a 511;
- Cômputo da execução sucessiva de penas e respetiva homologação - fls. 402 a 404 -;
- Declarações de extinção das penas referidas nos pontos 1.1.2. e 1.1.3. dos factos provados - fls. 430-431 e 449-450
- Certificado de registo criminal do recluso - fls. 363 a 370;
- Relatório da equipa dos serviços de educação e ensino da DGRSP - fls. 452- 452v e 520;
- Relatório da equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP - fls. 445 a 448 e 514;
- Ficha biográfica do recluso - fls. 516 a 518v;
- Ata da reunião do conselho técnico (fls. 522) e esclarecimentos aí prestados;
- Auto de audição do recluso - fls. 523.

II - B - 2) Motivação de Direito
Dispõe o nº 1 do art. 40º do Cód. Penal que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», acrescentando o nº 1 do art. 42º do mesmo diploma que «a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» (em termos essencialmente idênticos, veja-se o disposto no art. 2º, nº 1, do CEPMPL).

Tendo em consideração tais finalidades, o legislador do Código Penal de 1982 consignou no ponto 9 do preâmbulo do Dec. Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, que «definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão» (a este propósito, veja-se igualmente o ponto 11.3. do anexo à Recomendação Rec (2003) 22 do Conselho da Europa, adotado pelo Comité de Ministros a 24 de Setembro de 2003 - documento disponível no sítio eletrónico do Conselho da Europa).

A liberdade condicional tem assim uma «finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização» (neste sentido, vide FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, p. 528), sendo que do ponto de vista da sua natureza jurídica é hoje em dia inequívoco que constitui um incidente ou medida de execução da pena de prisão (a este propósito, veja-se JOAQUIM BOA VIDA, A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, p.124-125, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Junho de 2010 e de 27 de Setembro de 2017, todos in www.dgsi.pt.respectivamente Proc.824/13.9TXLSB-J.Ll-3. Proc. 435/05.2TXCBR-AC1 e Proc. 386/16.1TXCBR-E.Cn.

O instituto da liberdade condicional encontra-se preceituado, quanto aos seus pressupostos e duração, no art. 61º do Cód. Penal, que dispõe do seguinte modo:

«1- A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena».

O art. 61º do Cód. Penal consagre assim duas modalidades de liberdade condicional: a liberdade condicional facultativa, que opera “ope judicis”; a liberdade condicional obrigatória, que opera “ope legis”, pois deverá ser concedida logo que o condenado tenha cumprido cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos ou da soma das penas a cumprir sucessivamente que exceda seis anos (cfr. art. 61º, nº 4 e 63º, nº 3, ambos do Cód. Penal).

De acordo com o disposto no art. 61º, n º 2, do Cód. Penal, são três os pressupostos formais de concessão da liberdade condicional:

1 - Que o condenado tenha cumprido no mínimo 6 meses de prisão;
2 - Que se encontre exaurida pelo menos metade da pena;
3 - Que o condenado consinta em ser libertado condicionalmente (requisito que também é exigido nos casos da referida liberdade condicional obrigatória).

Por outro lado, constituem requisitos materiais (ou substanciais) da concessão da liberdade condicional:

A) Que fundadamente seja de esperar, «atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes» (o legislador seguiu a sugestão de FIGUEIREDO DIAS, ob. cit, p. 539, quanto a deverem ser aqui tomados em consideração todos os elementos necessários ao prognóstico efetuado para decretar a suspensão da execução de pena de prisão);

B) «A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social» (este requisito deixa de se mostrar necessário logo que sejam atingidos os dois terços da pena, como é o caso dos autos, conforme resulta expressamente do disposto no nº 3 do preceito em causa).

Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial (mais concretamente prevenção especial positiva), visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral (neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006 p. 356; em idêntico sentido, ANTÓNIO LATAS, Intervenção Jurisdicional na Execução das Reações Criminais Privativas da Liberdade - Aspetos Práticos, Direito e Justiça, VoI. Especial, 2004, p. 223 e 224, nota 32).

Regressando ao caso concreto e subsumindo os factos ao direito, é isento de dúvidas que se mostram preenchidos os pressupostos formais da liberdade condicional, pois o recluso:

- Já cumpriu pelo menos 6 meses de prisão;
- Já cumpriu metade da pena;
- Aceitou ser libertado condicionalmente.

No que diz respeito aos requisitos de natureza material, estando em causa nos autos a apreciação da liberdade condicional por referência aos dois terços da soma das penas de execução sucessiva, apenas se mostra necessário o preenchimento da primeira das exigências a que supra fizemos referência em A), ou seja, a relacionada com as razões de prevenção especial de socialização.

No que tange ao primeiro daqueles requisitos materiais, a lei impõe que para que seja concedida a liberdade condicional o juiz do Tribunal de Execução das Penas faça um juízo de prognose favorável de que uma vez em liberdade o condenado venha a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, sendo que entendemos que em caso de dúvida sobre tal capacidade, a liberdade condicional não deve ser concedida [com efeito, conforme refere JOAQUIM BOA VIDA a propósito do princípio “in dubio pro reo”, «na fase da execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação (…). Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o carácter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada (ob. cit. p.137); no mesmo sentido, veja-se FIGUEIREDO DIAS, ob. cit. p. 540, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Outubro de 2017, in www.dgsi.pt, Proc. 7 44/13.7PXPRT -K. Cl].

Tal juízo de prognose terá de se revelar através da análise dos seguintes aspetos, conforme previsto na alínea a) do n º 2 do art. 61º do Cód. Penal:

- As circunstâncias do caso. Relaciona-se este segmento com a valoração do(s) crime(s) cometido(s), seja quanto à sua natureza e gravidade, seja ainda quanto às circunstâncias várias que estiveram na base da determinação da medida da pena, nos termos do art. 71º do Cód. Penal, sem que tal constitua qualquer violação do princípio "ne bis in idem "(neste sentido, veja-se o já referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2010, inwww.clasi.pt.Proc.2006/10.2TXPRT-C.Pl).

Na situação concreta, de entre os diversos crimes praticados pelo recluso, são valorados de forma especialmente negativa o crime de homicídio na forma tentada, por se traduzir num atentado ao bem jurídico supremo (a vida humana), bem como o crime de roubo, este devido ao grande grau de violência que envolveu;

- A vida anterior do agente. Este item relaciona-se com uma multiplicidade de fatores, desde logo de natureza familiar, social e económica, mas também atinentes a eventuais problemáticas aditivas do recluso, bem como à existência ou não de antecedentes criminais, sendo também especialmente importante aferir se o recluso já anteriormente cumpriu penas de prisão ou se o faz pela primeira vez. Conforme refere JOAQUIM BOA VIDA, de modo assaz pertinente, em matéria de liberdade condicional o elemento respeitante à vida anterior do condenado «é sobretudo relevante para operar a contraposição entre o homem que o recluso era antes da prática do crime e o homem que revela agora ser depois de executada parte substancial da pena» (ob. cit. p.139-140).

No caso dos autos, relevam os antecedentes criminais e penitenciários do recluso.

Relevam também as suas difíceis condições de crescimento e de desenvolvimento ao longo da infância e da adolescência, marcadas por grande desinvestimento escolar, ao que se seguiu a ausência de hábitos laborais consistentes, sendo a sua conduta criminosa obviamente potenciada pela problemática da toxicodependência;

- A personalidade do agente e a evolução daquela durante a execução da pena.

Quanto a este aspeto, «é relevante apurar a personalidade manifestada pelo recluso na prática do crime, quais os seus traços, sintomas e exteriorizações», sendo que «não é indiferente se o crime é uma decorrência da personalidade impulsiva e agressiva do recluso ou se resultou apenas da conjugação de circunstâncias irrepetíveis ou da mera imaturidade do agente» (JOAQUIM BOA VIDA, ob. cit. p.139-140).

No caso dos autos, julgamos que os crimes pelos quais o recluso cumpre pena resultam essencialmente da sua problemática de toxicodependência.

Estabelecida no essencial a personalidade do recluso, vejamos então se se verificou uma evolução positiva desta durante a execução da pena, o que deve ser percetível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre.

Desde logo, cumpre referir que «não é, em rigor e nos termos lesais, requisito de concessão da liberdade condicional (…) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta (…). A ausência de arrependimento pode ser sinal do perigo de cometimento de novos crimes, mas não necessariamente. Se as circunstâncias em que ocorreu o crime são especialíssimas e de improvável repetição, não poderá dizer-se que a ausência de arrependimento significa perigo de cometimento de novos crimes. E também não pode dizer-se que um recluso que não revele arrependimento, ou não assuma mesmo a prática dos factos que levaram à sua condenação (em julgamento ou durante a execução da pena) não poderá nunca beneficiar de liberdade condicional antes de atingir cinco sextos da pena» (assim, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Dezembro de 2012, podendo encontrar-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016, ambos in www.clasi.pt. respetivamente Proc. 1796/10.7TXCBR-li.Pl e Proc. 824/13.9TXLSB-J-Ll-3).

De qualquer modo, quanto a este aspeto, conforme resulta dos pontos 3.1. a 3.3. dos factos provados, existe evidente falta de sentido crítico por parte do recluso, o que, em pessoa com antecedentes criminais e penitenciários, constitui sério fator de risco de recidiva criminal.

O comportamento prisional do recluso, constituindo também fator de avaliação da eventual evolução positiva da personalidade, não é no entanto decisivo, «sob pena de se estar a atribuir à liberdade condicional uma natureza - a de uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta - que ela não tem» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Outubro de 2013, podendo ver-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de Janeiro de 2013, ambos in www.dgsi.pt, respetivamente Proc. 939/11.8TXPRT - li.Pl e Proc.1541/11.0TXLSB-EEl).

Regressando ao caso concreto, verifica-se que depois de um início de reclusão marcado por alguma instabilidade disciplinar, o recluso estabilizou o seu comportamento, não registando qualquer infração disciplinar há quase 5 anos, o que milita a seu favor.

Tem também demonstrado hábitos de trabalho, o que constitui fator de proteção quanto à capacidade para em liberdade se sustentar sem recorrer à prática de crimes.

Também lhe é favorável a circunstância de ter vindo a ser testado em meio livre de forma consistente e positiva através da concessão de LSJ e de LSCD.

Contudo, apesar destes dados positivos, a ausência de sentido crítico do recluso em relação à sua prática criminosa (sendo que vai retornar ao mesmo meio que fomentou tal prática) levam a que consideremos existirem fundadas dúvidas quanto à sua futura capacidade para manter comportamento social responsável e isento da prática de crimes (maxime da mesma natureza).

Conforme dissemos, em caso de dúvida séria quanto a tal capacidade, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada

Assim, não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal.

Logo, há que concluir no sentido de não se encontrarem reunidos os requisitos necessários para que seja concedida a liberdade condicional.

III - Decisão

Pelo exposto, não concedo a liberdade condicional ao recluso JN.

O recluso completará cinco sextos (5/6) do somatório das penas em execução sucessiva no dia 17 de Março de 2020, data em que obrigatoriamente terá de lhe ser concedida a liberdade condicional.

Assim, até 90 dias antes de atingida a referida data:

a) Solicite o relatório a que alude a alínea b) do nº 1 do art. 173º do CEPMPL, fixando-se o prazo de 30 dias para a sua elaboração (juntamente com tal elemento deverá também ser enviada cópia atualizada da ficha biográfica do recluso);

b) Notifique o recluso para declarar, por escrito, se aceita a liberdade condicional.

Instruídos os autos nos termos referidos, abra vista ao Ministério Público.

Registe.
Notifique.
Comunique ao EP e à DGRSP”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

Alega o recorrente, em suma, que o tribunal recorrido fez um uso errado do disposto no artigo 61º, nº 2, al. a), do Código Penal, ao denegar-lhe a concessão da liberdade condicional.

Cumpre apreciar e decidir.
De harmonia com o disposto no artigo 61º, nº 2, al. a), e nº 3, do Código Penal, encontrando-se cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses (como acontece no caso destes autos), o condenado a prisão é colocado em liberdade condicional se “for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.

A concessão da liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade ao condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade, representando uma transição entre a prisão e a vida livre.

Como decorre do preceituado no artigo 61º do Código Penal, a liberdade condicional em sentido próprio (também chamada liberdade condicional facultativa), prevista nos nºs 2 e 3 de tal normativo, depende não apenas de pressupostos formais, mas também de requisitos materiais, estes ligados ao comportamento e à personalidade do recluso.

Assim, as razões de prevenção geral e de prevenção especial não são privativas do momento da determinação da medida concreta da pena de prisão, continuando a estar presentes na fase de execução dessa mesma pena de prisão.

No primeiro momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu metade da pena de prisão, faz-se depender a concessão da liberdade condicional dessas razões de prevenção (geral e especial) - artigo 61º, nº 2, als. a) e b), do Código Penal -, isto porque se admite a possibilidade de o cumprimento de metade da pena de prisão poder não ser suficiente para satisfazer as finalidades de prevenção geral.

O mesmo já não ocorre no segundo momento de apreciação da concessão da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu dois terços da pena (artigo 61º, nº 3, do Código Penal) - como acontece no caso dos autos.

Na situação colocada nos autos, já se entende que o cumprimento parcial (2/3) da pena de prisão satisfaz razões de prevenção geral, e, por isso, neste segundo momento de apreciação, preocupa-se o legislador apenas com as exigências de prevenção especial.

Ou seja, a liberdade condicional agora em apreciação (aos 2/3 do cumprimento da pena) depende tão-só de razões de prevenção especial.

Como bem se escreve no Ac. da Relação do Porto de 16-01-2008 (in www.dgsi.pt), “para efeitos do disposto no art. 61º, nº 3, deve efetuar-se um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal”.

A esta luz, para além da vontade subjetiva do condenado, o que releva é a capacidade de readaptação do mesmo, analisada por parâmetros objetivos e objetiváveis, de modo a poder concluir-se que as expetativas de reinserção são superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da restituição à liberdade do condenado.

Daí que não seja elemento essencial (decisivo) o bom comportamento prisional do condenado, devendo atender-se a todos os índices de ressocialização revelados pelo mesmo, índices que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, nomeadamente olhando-se à conduta anterior e posterior à condenação, à própria personalidade do condenado, ao seu modo de vida, aos seus antecedentes criminais e aos seus laços sociais e familiares.

Postos os anteriores considerandos, e retomando o caso concreto destes autos, verifica-se o seguinte:

1º - O recorrente encontra-se condenado numa elevada pena de prisão, pela prática, entre outros, de um crime de homicídio (na forma tentada) e de um crime de roubo.

2º - O recorrente, nascido em 1985, possui diversas condenações criminais, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, ofensa à integridade física por negligência, tráfico de estupefacientes de menor gravidade, recetação e consumo de estupefacientes.

3º - É a quarta vez que o recorrente cumpre pena de prisão efetiva.

4º - Nos termos dados como provados na sentença revidenda (e não questionados, específica e diretamente, na motivação do recurso), o ora recorrente nega a prática do crime de homicídio na forma tentada pelo qual foi condenado, alegando que pretendia tão-só assustar o ofendido (tendo-lhe “acertado” por acaso), nada refere quanto aos demais crimes pelos quais cumpre pena (como que os “esquecendo”) e, além disso, afirma estar arrependido por se encontrar, em reclusão, a desperdiçar anos de vida (cfr. factos dados como provados na sentença recorrida sob os nºs 3.1. a 3.3.).

5º - O crime de homicídio na forma tentada, cuja prática o recorrente não assume, é ofensivo de um bem jurídico essencial (a vida humana), e os crimes “esquecidos” pelo recorrente incluem um crime de roubo, o qual traduz, também, criminalidade grave e violenta.

6º - A negação da prática do crime de homicídio na forma tentada e o aludido “esquecimento”, pelo recorrente, dos demais referenciados crimes, revelam, em nosso entender, a ausência de uma exigível consciência crítica, por banda do recorrente, relativa ao grande desvalor ético-jurídico traduzido no cometimento de todos esses crimes.

7º - O arrependimento verbalizado pelo recorrente, nos termos dados como provados na sentença sub judice, não possui qualquer significado relevante, traduzindo, isso sim, uma desvalorização da gravidade das condutas delitivas perpetradas pelo recorrente, porquanto esse “arrependimento” se reporta ao impacto das consequências negativas da condenação criminal em causa na vida pessoal do recorrente, não respeitando, como era de exigir, aos prejuízos causados a terceiros decorrentes de tais condutas.

Ora, ponderando, na sua globalidade complexiva, os elementos acabados de elencar, entendemos que as deficiências evidenciadas pelo recorrente ao nível da consciência crítica dos seus atos, conjugadas com o seu passado criminal, e, sobretudo, com as características da sua personalidade (que decorre, desde logo, da natureza dos crimes cometidos e pelos quais agora cumpre pena - homicídio, na forma tentada, e roubo, entre outros -), são de molde a concluir pela existência de um elevado risco de o recorrente tornar a praticar factos semelhantes aos que motivaram a sua condenação.

Por outras palavras: a natureza dos crimes praticados e a descrita postura do recorrente fazem-nos duvidar, legitimamente, da sua capacidade de reinserção social responsável, ou seja, isenta da prática de crimes (quer de crimes da mesma natureza daqueles pelos quais cumpre pena, quer de crimes de outra qualquer natureza).

Alega o recorrente, na motivação do recurso, que já beneficiou de várias licenças de saída, com o devido cumprimento das obrigações impostas, que tem exercido atividade laboral, que cumpre a pena em regime aberto no interior (RAI) e que cessou o consumo de substâncias estupefacientes.

Porém, tudo isso não é de molde a afastar a nossa anterior conclusão, nos termos da qual o recorrente não revela capacidade para, se restituído de imediato à liberdade, manter um comportamento social responsável, isto é, sem o cometimento de novos crimes.

Ou seja, apesar dos aspetos positivos invocados na motivação do recurso, que militam a favor da pretensão recursiva, os acima apontados elementos impõem-nos, inequivocamente, a conclusão de que o recorrente revela uma manifesta falta de preparação para assumir, em meio livre, comportamento normativo, existindo, in casu, um acentuado risco de reincidência criminal.

Ou, dito de outro modo: não existem referências, suficientemente consistentes, da efetiva ressocialização do recorrente, e, por isso, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do recorrente (juízo indiciador de que o mesmo, se colocado em liberdade, pautará a sua vida sem cometer crimes).

Em jeito de síntese: nada nos indica que o recorrente, uma vez restituído à liberdade, conduza a sua vida de modo socialmente responsável, sem o cometimento de novos crimes.

Não estão, por isso, preenchidos os requisitos substanciais da aplicação da liberdade condicional pretendida na motivação do recurso (artigo 61º, nº 2, al. a), e nº 3, do Código Penal).

Por conseguinte, o recurso é de improceder.

III - DECISÃO.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso interposto pelo recluso JN, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 11 de julho de 2019

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Laura Goulart Maurício)