Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1363/10.5PAPTM.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: INTERRUPÇÃO DA AUDIÊNCIA
PERDA DE EFICÁCIA DA PROVA PRODUZIDA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I - Não define o Código de Processo Penal o que se deve entender por produção de prova – expressão/conceito à volta do qual gira a imposição de que não passem mais de 30 dias entre as sessões de um julgamento.

II - Sobre o que seja produção de prova não podemos, porém, ter o entendimento redutivo de que se trate apenas da inquirição de pessoas ou exibição e apreciação do resultado de outras provas forenses.

III - Por produção de prova em julgamento devemos antes entender não só a exposição da prova que antes do julgamento foi para esse fim indicada pelos sujeitos processuais, mas também todas as diligências desenvolvidas no decurso de um julgamento destinadas à apresentação de provas em julgamento e a produção efectiva das mesmas nessa sede. Basta pensar os frequentes casos em que um julgamento é interrompido para que certa entidade proceda a um determinado exame ou perícia cuja necessidade e relevância só em julgamento se veio a constatar.

IV - A ordem do tribunal para que se proceda a tal exame ou perícia é, só por si e independentemente de nesse dia se terem ouvido ou não testemunhas ou produzido outras provas, um acto de produção de prova que faz começar a correr novo intervalo de 30 dias nos termos e para os efeitos do disposto no mencionado art.º 328.º, n.º 6.

V - O que interessa é que entre as sessões não haja um intervalo de tempo superior a 30 dias – que o legislador entende ser o período para além do qual deixam de ter efeito os benefícios da oralidade, imediação e concentração por que se deve reger um julgamento e cujo resultado mais visível será o de o julgador se começar a esquecer da prova já produzida.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Portimão, os arguidos CR e MP foram condenados pela prática de:

-- A arguida CR, um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1 al.ª a) e 2, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 2 anos, bem como a pagar ao arguido MP a quantia de 2.000 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

-- O arguido MP, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 170 dias de multa, à razão diária de 5 €, num total de 850 €.

O arguido MP constituiu-se assistente e deduzira pedido cível contra a arguida CR.
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O julgamento teve início em 30-5-2012, tendo nessa sessão sido ouvidos os arguidos e várias testemunhas (fls. 506 e ss.).

Foi designado dia 5-6-2012 para a sua continuação, tendo nesta sessão sido ouvidas as restantes testemunhas e designado o dia 15-6-2012 para a leitura da sentença (fls. 521 e ss.).

A 15-6-2012, segundo consta de fls. 537, a Mmª Juiz comunicou a informar que a leitura da sentença ficava adiada para 18-6-2012.

Da acta da sessão de 18-6-2012 consta o seguinte (fls. 538 e ss):

DESPACHO
Da prova produzida, resultou o apuramento de factos que não se encontravam descritos na acusação e, que importa dar como provados, em aditamento aos que ali constam, sendo cedo que os mesmos não configuram uma alteração substancial dos factos.

Assim no ponto quatro da acusação para além do arranhão e da dentada referidos no texto, importa aditar o seguinte segmento " a arguida atingiu o ofendido na mão com um objecto". Mais importa fazer o mesmo em relação aos factos ocorridos em 30/7/2010, onde para para ali do que ali consta importa aditar " o arguido desferiu no rosto, nos braços e pernas da ofendida", comunica-se tal alteração nos termos e para os efeitos do disposto 358° do CPP.

Dada em seguida a palavra à ilustre mandatária da arguida, tendo a mesma dito que:

Tendo em atenção o aditamento relativo ao ponto quatro da acusação, nomeadamente na parte em que se refere " arguida atingiu o ofendido na mão com um objecto", não tendo a arguida sido questionada sobre esta matéria, nem tendo sido possível sobre esta matéria apresentar prova que a pudesse contraditar, será assim necessária a concessão de prazo não inferior a 15 dias, para elaboração da defesa quanto a este ponto.

Em seguida foi dada a palavra ao ilustre defensor oficioso do arguido, tendo o mesmo dito que nada ter a opor ou a requerer.

Dada em seguida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, que no uso da mesma disse nada ter a opor ou a requerer.

Em seguida, a Mma Juiz proferiu o seguinte:

DESPACHO
Atento o requerido e com vista a conferir prazo para a defesa, designo o próximo dia 2 de Julho de 2012, pelas 14:30 horas, para a continuação da audiência de julgamento.

E da acta da sessão de 2-7-2012 consta o seguinte (541 e ss):

Quando eram 16 horas e 33 minutos, pela Mma Juiz de Direito foi declarada reaberta a audiência de discussão e julgamento.

Em seguida, foi pedida a palavra pela ilustre mandatária da arguida, que no uso da mesma disse:

CR, arguida nos presentes autos, confrontada com a alteração ao ponto quatro da acusação, nomeadamente na parte em que se refere "atingiu o arguido na mão com um objecto", em virtude de ter tentado encontrar o referido objecto (aparelho utilizado na fisioterapia) e não tendo encontrado, por ser o mesmo relevante, por a ele nos referimos solicito a este Tribunal que o mesmo seja trazido pelo queixoso, analisado em audiência, servindo o mesmo de base às declarações a serem prestadas pela arguida, o que se requer.

Dada em seguida a palavra à Digna Procuradora Adjunta, que no uso da mesma disse nada ter a opor.

Em seguida, foi dada a palavra ao ilustre defensor oficioso do arguido, tendo o mesmo dito que nada tem a opor.

Após, a Mma Juiz proferiu o seguinte:

DESPACHO
Por se afigurar relevante para a boa decisão da causa defere-se ao requerido.

Em consequência deverá o arguido/ofendido MP fazer-se acompanhar do referido objecto, com que o mesmo disse ter sido atingido, a fim de o mesmo ser exibido em audiência. Para tanto designa-se o dia 6 de Julho de 2012, pelas 14:30 horas.

Finalmente, da acta da sessão de 6-7-2012 consta o seguinte (fls. 543 e ss.):
Quando eram 15 horas e 32 minutos, pela Mma Juiz de Direito foi declarada reaberta a audiência de discussão e julgamento.

Em seguida foi dada a palavra ao arguido MP, para que o mesmo apresentasse a aparelho para fazer fisioterapia, tal como lhe foi ordenado na anterior sessão da audiência de julgamento e, para esclarecesse o que que se passou com dito aparelho, tendo o mesmo exibido o "aparelho que serve para fazer fisioterapia".

Tendo as suas declarações ficado gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal.

Seguidamente, foi dada a palavra à arguida CR, para caso quisesse prestar declarações relativamente à matéria que foi alvo de alteração relativamente ao ponto quatro da acusação.

Tendo as suas declarações ficado gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal.

Finda a produção de prova, pela Mma Juiz de Direito foi concedida a palavra, sucessivamente, à Digna Procuradora Adjunta, para alegações para em alegações orais expor as conclusões de facto e de direito que tivesse extraído da prova produzida, tendo esta dito manter as alegações já anteriormente proferidas.

Em seguida foi dada a palavra ao ilustre mandatário do arguido e em seguida à ilustre mandatária da arguida, para em alegações orais exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida.

Após o que a Mma Juiz de Direito proferiu o seguinte:

DESPACHO
Veio a arguida em sede de alegações invovar o excesso de prazo de 30 dias, desde o último acto de produção de prova, pretendendo a perda de eficácia da prova produzida.

Sucede que a presente data foi agendada com o acordo de todos os presentes, sem que nada tivesse sido então invocado. A aceitação da presente data para a continuação da audiência de julgamento terá que equivaler à renúncia da invocação dessa situação. Pois que a não ser assim, podia o Tribunal convencer-se da eventual má fé da parte da defesa, o que de todo não se quer acreditar.

Como assim, considero que a prova não perdeu eficácia decidindo designar-se data para a leitura da sentença, designando-se assim para esse efeito o próximo dia 10 de Julho de 2012, pelas 14:30 horas.

Inconformada com o assim decidido, interpôs a arguida recurso interlocutório, apresentando conclusões que não é possível digitalizar com eficiência por conterem um risco vertical em todas as folhas e que, por isso, não serão aqui reproduzidas, solicitando se declare a perda de eficácia da prova produzida por o tribunal "a quo" ter excedido o prazo de 30 dias na produção que da mesma foi feita entre a sessão de 5-6-2012 e a de 6-7-2012.

De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que a questão posta ao desembargo desta Relação no recurso interlocutório é aquela mesmo, a de se deve ser declarada a perda de eficácia da prova produzida por, pretensamente, o tribunal "a quo" ter excedido o prazo de 30 dias na produção que da mesma foi feita entre a sessão de 5-6-2012 e a de 6-7-2012.

A Digna Magistrada do M.º P.º do tribunal recorrido respondeu ao recurso interlocutório em conjunto com a resposta que deu ao recurso principal, sem apresentar conclusões e defendendo a manutenção da decisão impugnada no recurso interlocutório ora em apreço.

Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer também no sentido da improcedência deste recurso interlocutório.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre, antes do mais, apreciar e decidir o recurso interlocutório, de cuja solução depende esta Relação passar ou não ao conhecimento do recurso interposto da decisão final.

E fazendo-o.

Pode-se dizer que a arguida está a recorrer sobretudo de o tribunal "a quo" ter satisfeito todos os seus requerimentos: pediu 15 dias para organizar a defesa em relação a um pormenor e teve-os. A seguir quis que o co-arguido trouxesse a julgamento o objecto com que foi atingido na mão por ser o mesmo relevante e a Senhora Juiz deferiu. Quando veio o objecto, objectou que estava ultrapassado o prazo de eficácia da prova a que alude o art.º 328.º, n.º 6.

Escreveu a Senhora Juiz em sua sentença, a fls. 546-547, que a data da última sessão foi designada com o acordo de todos os presentes, após a Ilustre Mandatária da arguida ter manifestado indisponibilidade de agenda para datas anteriores àquela.

Pois.

Vejamos, então, a questão:

Resulta do aludido art.º 328.º, n.º 6, que a interrupção de uma audiência, isto é, o intervalo entre as várias sessões que um julgamento tenha, não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.

Sobre o assunto, duas posições extremas se podem colocar. A perfilhada pelo acórdão da Relação de Guimarães de 6-2-2006, proferido no processo 2208/05-2, relatado pela Exma. Desembargadora Maria Augusta e citado no “Código de Processo Penal – Notas e Comentários” de Vinício Ribeiro, 2008, pág. 684, de que «o n.º 6 do art.º 328.º, do Código de Processo Penal, impõe que não haja intervalos superiores a 30 dias entre as várias sessões de julgamento, com ou sem produção de prova efectiva». E a do acórdão da Relação do Porto de 14-6-2006, processo 0547075, relatado pelo Exm.º Desembargador Jorge Jacob, acessível em www.dgsi.pt, segundo a qual «não interrompe o prazo de 30 dias referido no nº 6 do art.º 328 do CPP 98 a realização de uma sessão da audiência em que nenhuma prova foi produzida».

Mas, no caso específico dos autos, nem é preciso arrimarmo-nos a qualquer uma delas.

Vejamos:

Não define o Código de Processo Penal o que se deve entender por produção de prova – expressão/conceito à volta do qual gira a imposição de que não passem mais de 30 dias entre as sessões de um julgamento.

Sobre o que seja produção de prova não podemos, porém, ter o entendimento redutivo de que se trate apenas da inquirição de pessoas ou exibição e apreciação do resultado de outras provas forenses.

Por produção de prova em julgamento devemos antes entender não só a exposição da prova que antes do julgamento foi para esse fim indicada pelos sujeitos processuais, mas também todas as diligências desenvolvidas no decurso de um julgamento destinadas à apresentação de provas em julgamento e a produção efectiva das mesmas nessa sede.

Basta pensar os frequentes casos em que um julgamento é interrompido para que certa entidade proceda a um determinado exame ou perícia cuja necessidade e relevância só em julgamento se veio a constatar. A ordem do tribunal para que se proceda a tal exame ou perícia é, só por si e independentemente de nesse dia se terem ouvido ou não testemunhas ou produzido outras provas, um acto de produção de prova que faz começar a correr novo intervalo de 30 dias nos termos e para os efeitos do disposto no mencionado art.º 328.º, n.º 6.

O que interessa é que entre as sessões não haja um intervalo de tempo superior a 30 dias – que o legislador entende ser o período para além do qual deixam de ter efeito os benefícios da oralidade, imediação e concentração por que se deve reger um julgamento e cujo resultado mais visível será o de o julgador se começar a esquecer da prova já produzida.

I – Tendo a audiência de julgamento sido realizada ao longo de várias sessões, sem que entre cada uma delas tenha decorrido mais de 30 dias, não há lugar à perda de eficácia da prova aí produzida – acórdão do STJ de 14-3-2001, Colectânea de Jurisprudência, 2001, I-245.

I – Embora a audiência tenha sido interrompida por diversas vezes, como nunca o foi por período de tempo superior a 30 dias, a prova nela produzida não perdeu eficácia – acórdão da Relação do Porto de 19-6-2002, Colectânea de Jurisprudência, 2002, III-218.

Ora no caso dos autos e para o que agora interessa, entre a sessão realizada em 5-6-2012 (fls. 521), e que serve de primeira baliza para a aferição dos 30 dias, e a sessão realizada em 6-7-2012 (fls. 543 e ss.), que é a segunda baliza encontrada pela recorrente para alegar ter-se excedido o prazo de 30 dias, houve a sessão de 18-6-2012, na qual a recorrente pediu prazo para elaborar a defesa no tocante à alteração não substancial dos factos a que então o tribunal "a quo" procedeu, e a sessão de 2-7-2012 (fls. 541 e ss.) em que o tribunal "a quo" ordenou uma diligência de provas em julgamento (por se afigurar relevante para a boa decisão da causa defere-se ao requerido. Em consequência deverá o arguido/ofendido MP fazer-se acompanhar do referido objecto, com que o mesmo disse ter sido atingido, a fim de o mesmo ser exibido em audiência) – sendo manifesto que pelo menos a diligência ordenada nesta sessão de 2-7-2012 constituiu um acto que faz parte do conceito de produção de prova – não tendo, assim, sido violado o disposto no art.º 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal.

Aliás, sendo a ratio da norma a preocupação com a preservação da prova na mente do julgador, o que implica contacto com o processo, em julgamento, em tempos consentâneos com pausas que não extravasem os 30 dias, essa pausa – no sentido de desligamento do juiz do processo (na fase de julgamento) – não ocorreu. O que, aliado à prova gravada hoje também sempre ao dispor do julgador de 1ª instância, leva a concluir que o núcleo protegido pela norma em crise não foi atingido, não se justificando, também ou sobretudo por isso, a consequência pretendida pela recorrente.

Declarado que é improcedente o recurso interlocutório, avancemos pois para o recurso interposto pela mesma arguida da decisão final, no qual apresentou as seguintes conclusões:

1-O presente recurso visa a apreciação da decisão proferida pelo Tribunal a quo.

2-Entende a aqui Recorrente que mal andou o Tribunal a quo no respeito pelas mais elementares regras processuais.

3-Mais entende a aqui Recorrente que muito mal andou o Tribunal a quo no que à análise da prova diz respeito.

4-Entende, também, que mal andou o Tribunal a quo no momento de proceder à aplicação do Direito, sendo claro e inequívoco que não alcançou o objectivo último, ou seja, não fez Justiça.

5-Nos presentes autos, não foi produzida prova entre os dias 5 de Junho e 6 de Julho.

6-Assim, necessário será concluir que a prova produzida perdeu eficácia.

7-Interpretação diferente configurará violação da Lei:
A)-artigo 328º do Código de Processo Civil
8-Configura, também, violação manifesta de vários princípios.
A)-Princípio da Imediação;
B)-Princípio da Oralidade;
C)-Princípio da Concentração.

9-Mais configura a violação de uma regra da audiência.
A)-Regra da continuidade da audiência de julgamento.

10-Nos termos do disposto no nº. 6 do artigo 328º do Código de Processo Penal a audiência de discussão e julgamento tem de decorrer sem quebras, de forma continuada, sendo, porém permitidas algumas situações de interrupção e de adiamento.

11-Contudo, os adiamentos absolutamente necessários nunca podem exceder os trinta dias, por se colocar em causa a correcta apreciação unitária da prova.

12-Por tal razão a lei veio prever a preclusão da prova já realizada quando o adiamento exceder os já referidos trinta dias.

13-No nº. 6 do artigo 328º determina-se que:
A)-o prazo máximo de duração de um adiamento é trinta dias;
B)-a consequência de não ter sido retomada a audiência decorrido que seja esse prazo de duração máximo de adiamento é a perda de eficácia da prova já produzida.

14-Mais entende a aqui Recorrente que a não repetição da prova (nos termos e limites já apontados) determinará uma omissão susceptível de configurar o vício a que alude o artigo 120º, nº. 2, alínea d) do diploma legal supra citado.

15-A não se entender assim estar-se-á perante uma nulidade prevista no referido artigo (120º, nº. 2, alínea d) do Código de Processo Penal), já invocada em sede de audiência de discussão e julgamento que deu origem ao despacho de fls. …, também objecto de recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora.

16-Pelo exposto deverá:

A)- ser declarada a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação da prova (testemunhas inquiridas e declarações prestadas pelos arguidos), nos termos do disposto no nº. 6 do artigo 328º do Código de Processo Penal.

B)- ser ordenado o reenvio do processo para o Tribunal Judicial e de Comarca de Portimão.

17- Entende a aqui Recorrente que só os factos constantes dos pontos 1, primeira parte do ponto 2 (até “questões financeiras), 6 (à excepção da expressão “acusou”), 11, 12, 23, 25, 26 e 27 (à excepção da parte em que se refere “os arguidos” uma vez que nenhuma prova foi produzida nesse sentido relativamente a MP), espelham o que resultou provado em sede de audiência de discussão e julgamento e, o que demais consta dos autos.

18-Já os factos constantes dos pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9 e 10 deveriam constar da factualidade não provada, uma vez que nenhuma prova foi produzida.

19-Numa sequência lógica no que à arguida CR diz respeito, os factos constantes dos pontos 13, 14, 15, 16 e 18 da factualidade dada como provada deveriam imediatamente ser encaminhados para o vasto grupo de factos não provados.

20-Porque nem sequer foram colocadas questões que permitissem responder aos factos 19, 20 e 21, obviamente o seu caminho seria o vasto leque de factos não provados.

21-Ninguém viu,

22-ninguém disse ter visto,

23-ninguém ouviu

24-ninguém disse ter ouvido e,

25- ninguém perguntou.

26-Assim, se inexiste
-prova documental;
-prova testemunhal;
-prova pericial;
necessário será concluir que a arguida não cometeu o crime pelo qual foi condenada.

27-Assim, sendo e porque mais nenhuma factualidade de relevo foi apurada necessário será concluir pela inexistência do crime imputado à aqui Recorrente.

28- A aqui Recorrente não consegue perceber, relativamente aos factos supra indicados, a forma como os mesmos foram apurados, a sua fundamentação.

29- Não consegue a aqui Recorrente perceber o raciocínio lógico, as premissas e os fundamentos que determinaram a integração destes factos na qualidade de factos provados.

30-Verificando-se, assim, relativamente aos factos dados como provados clara violação do disposto no nº. 2, do artigo 374º do Código de Processo Penal.

31- Violação essa que configura nulidade, por violação expressa das leis do processo, que aqui se invoca, com todas as consequências legais.

32- Os factos indicados nos parágrafos3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20 e, 21 não resultam de qualquer prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não foram sequer referidos por qualquer das testemunhas inquiridas e não resultam de qualquer prova documental, devendo, todos eles, ser considerados não provados.

33- Certo é que do depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento não resulta nada do supra indicado, sendo esta uma colagem evidente a factos constantes da acusação, que obviamente não tiveram resposta em sede de julgamento, momento certo para apuramento da verdade.

34- A aqui Recorrente não chamou nomes ao então marido.

35- A aqui Recorrente não agrediu, nem tentou agredir o então marido.

36-Entende a aqui Recorrente que, na sentença, objecto do presente recurso se mostra claramente violado o disposto nos artigos 71º e 72º do Código Penal.

37-Mesmo a entender-se como certa e verdadeira toda a factualidade exposta na aliás douta sentença, necessário seria concluir que:

A)-A presente situação não teve quaisquer consequências.
B)-A conduta da arguida anterior e posterior aos facto é irrepreensível;
C)-A evidente preparação da arguida para manter uma conduta licita;
D)-A notória integração social, com respeito pelos valores, regras e Direito.

38-Entende o aqui Recorrente que foram violadas as seguintes disposições legais:
-artigo 328º, nº. 6 do Código de Processo Penal.
-artigos 71º e 72º do Código Penal
-artigo 374º, nº. 2 do Código de Processo Penal

39-Também foram violados os Princípios:
-In dubio pro Réu
-Oralidade;
-Imediação e,
-concentração.

40-Mais foi violada a regra da continuidade da audiência de discussão e julgamento.

41-Assim, atenta a matéria constante dos autos e, ainda, toda a demais prova carreada, com especial relevo para a produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, entende a aqui Recorrente que deverá ser proferida sentença que absolva a aqui Recorrente da prática do crime pelo qual foi condenada, fazendo-se, assim, Justiça!

42-Salvo o devido respeito, que é muito, entende a aqui Recorrente que muito mal andou o Tribunal a quo no que à determinação da medida da pena diz respeito.

43-Se os factos apurados são relevantes para a determinação da pena a aplicar a verdade é que para além deste episódio, existe um momento posterior e um momento anterior, ou seja, existe um indivíduo que o Tribunal também entendeu estar social e profissionalmente integrado.

44-Note-se o que refere a aliás douta sentença nos pontos 23, 25, 26 e 27 da factualidade dada como provada:
45-A aqui Recorrente é uma trabalhadora incansável, reconhecida por todos.

46-É tida como pessoa honesta, leal e amiga.

47-É respeitada por amigos e demais comunidade como quem directamente lida, sendo sempre acarinhada.

48- É também empreendedora e responsável.

49-Não se lhe conhece qualquer comportamento de natureza idêntica à discutida nos autos.

50-Temos, assim, que o Tribunal a quo deveria ter considerado na determinação concreta da medida da pena que a arguida aqui Recorrente nunca antes havia sequer sido indiciada pela prática de qualquer crime.

51-Em face destes elementos é nosso entendimento que a pena aplicada é excessiva e fere o direito.

52-Esqueceu-se o Tribunal que o período descrito é um período manifestamente difícil para todos os que o vivem – ruptura, separação divórcio, associado a problemas financeiros.

53-Esqueceu o Tribunal a quo que nenhuma prova foi produzida no que ao pedido de indeminização cível diz respeito, note-se que nenhuma testemunha descreveu o que consta dos pontos 19, 20 e 21 da factualidade dada como provada, o que determinaria a improcedência total do pedido.

54-Deverá ser declarada a perda de eficácia da prova produzida, nos termos e limites já referidos no presente recurso.

55-Ou, caso assim se não entenda deverá a sentença proferida ser revogada por outra que satisfaça o Direito e realize Justiça.

56-Deverá a arguida ser absolvida da prática do crime por que foi condenada.

57-Deverá ser considerado improcedente, por não provado, o pedido de indeminização cível apresentado nos autos.

Termos em que, sempre com o melhor e mais douto suprimento de Vªs. Exªs., deverá o presente recurso ser considerado procedente, com todas as consequências legais, com o que se fará o que efectivamente se deseja – Justiça!
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A Exma. Magistrada do M.º P.º junto do tribunal recorrido respondeu, pugnando pela manutenção do decidido.
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Nesta Relação, a Ex.mo Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto da decisão final.

II
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

-- Factos provados:
1. Os arguidos casaram um com o outro em 09.05.2005 e divorciaram-se em 13.08.2010.

2. A partir de Julho de 2010, os arguidos passaram a discutir um com o outro, por questões financeiras e, na ocasião, a arguida CR dirigia-se ao marido apelidando-o de “cabrão”.

3. No dia 17.07.2010, quando se encontravam na residência comum, sita na Rua..., em Portimão, na sequência de mais uma discussão, em que dizia estar na falência, a arguida CR empurrou o arguido MP para cima da cama e, em seguida, apertou-lhe o pescoço.

4. No dia 18.07.2010, pela manhã, antes das 10h00, na sequência de outra discussão, a arguida CR arranhou a cara do arguido, atingiu-o na mão com um objecto e desferiu-lhe uma dentada no braço.

5. Em consequência directa e necessária, MP sofreu várias escoriações com diversas obliquidades na hemiface direita, medindo a maior 1 cm x 5 mm e a menor com 5 mm de comprimento; equimose arroxeada no 5.º dedo da mão direita, com 3 cm de diâmetro; e duas escoriações curvilíneas, com 7 mm de comprimento, cada uma, na transição do terço médio para o terço inferior da face antero-externa do antebraço, lesões que determinaram sete dias de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho.

6. Ainda em Julho de 2010, em data não apurada, quando seguiam de carro em direcção à Praia da Rocha, o arguido M recebeu um telefonema do seu sobrinho para combinar um encontro mas a arguida C, desconfiada, acusou o arguido MP de andar envolvido com outras mulheres.

7. Assim, nesse mesmo dia, mais tarde, quando o arguido MP se encontrava no centro Comercial Continente, em Portimão, na companhia desse sobrinho e da sua namorada, a arguida CR apareceu por lá, para se certificar com quem o arguido se tinha encontrado.

8. Após uma troca de palavras, a arguido C disse ao arguido M que o mesmo era um “parasita” e, tocando-o de leve, com uma “palmadinha” nas costas disse-lhe que a partir dessa data ia ter guerra.

9. No dia 23.08.2010, pelas 16h00, quando se encontravam na via pública, junto à residência onde haviam morado ambos, a arguida CR dirigiu-se ao arguido MP e, no meio de uma discussão, apelidou-o de “chulo”, “filho da puta” e “cabrão”, e arranhou-o na face.

10. Em consequência directa e necessária do comportamento descrito, MP sofreu escoriações na região nasogeana direita e bucinadora esquerda, que demandaram um dia de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho.

11. No dia 30.07.2010, quando se encontravam no interior da residência, MP desferiu chapadas na cara e murros nos braços e pernas, dando ainda um empurrão na arguida CR, que caiu ao chão.

12. Em consequência directa e necessária, CR sofreu hematoma com equimose no antebraço esquerdo, medindo 11 x 10 cm, ferida contusa com 6 x 1,5 cm e equimose no joelho esquerdo com 7 x 4 cm, lesões que demandaram 15 dias de doença, sendo 8 deles com afectação da capacidade para o trabalho.

13. Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente.

14. A arguida CR actuou com o propósito concretizado de infligir maus-tratos físicos e psíquicos a MP, seu marido.

15. Sabia que as expressões supra indicadas o ofendiam na sua honra e consideração.

16. Sabia que com a sua conduta afectava ainda a dignidade pessoal de MP bem como o seu equilíbrio psicológico e emocional, criando nele sentimentos de humilhação, receio, inquietação pela sua integridade física, segurança e bem-estar, o que igualmente quis e conseguiu.

17. O arguido MP actuou com o propósito concretizado de molestar a integridade física da mulher, o que conseguiu.

18. Sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.

19. O arguido e assistente MP sentiu-se ofendido com as expressões que a arguida lhe dirigiu.

20. O arguido e assistente MP sentiu dores nas ocasiões em que foi atingido no seu corpo pela arguida.

21. O arguido e assistente MP ficou deprimido, entristecido e desgostoso, sentido angústia ansiedade e nervosismo com os factos praticados pela arguida C contra si.

22. O arguido MP não tem antecedentes criminais.

23. A arguida CR não tem antecedentes criminais.

24. O arguido MP está reformado por invalidez, sofrendo de uma incapacidade permanente global de 84%, desde 2008; sofre de esclerose múltipla definitiva desde 2004; aufere de pensão de reforma 371 euros mensais; vive em casa própria; tem o 4.º ano de escolaridade.

25. A arguida CR explora uma pastelaria, a qual, porém, apresenta resultados negativos, pelo que irá, brevemente, encerrar a actividade; a arguida suporta o pagamento de um empréstimo bancário, no valor de 400 euros mensais; vive em casa arrendada, pagando a renda mensal de 390 euros; tem o 4.º ano de escolaridade;

26. A arguida CR presidiu a uma associação de apoio aos doentes com esclerose múltipla e tem, actualmente, a seu cargo 3 menores com dificuldades especiais, com 14, 12 e 9 anos de idade, que lhe foram confiados pela Comissão de Protecção de Menores.

27. Os arguidos são considerados pelas pessoas com quem privam, como pessoas calmas, respeitadoras, sendo a arguida ainda, como uma pessoa trabalhadora e prestável.
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-- Factos não provados:
Nenhum outro facto se apurou, nomeadamente que:

1. A partir de Julho de 2010, a arguida CR dirigia-se ao marido apelidando-o também de “chulo”.

2. No dia 18.07.2010 a arguida também apelidou o assistente de “cabrão”.

3. Quando os arguidos se encontravam no Centro Comercial Continente a arguida C desferiu uma palmada nas costas do arguido M.

4. No dia 23.08.2010 a arguida C perguntou ao arguido se o mesmo já retirara a queixa apresentada contra si.

5. Por causa dos factos praticados pela arguida C o estado de saúde do arguido MP ficou gravemente agravado.

No demais não se responde por se tratar de matéria conclusiva, de direito ou que extravasa o objecto destes autos.
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Fundamentação da convicção:
Sendo certo que, salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova, nos termos do art.º 127.º do CPP, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e segundo a livre convicção do julgador, foram os seguintes os meios de prova nos quais o Tribunal fundou a sua convicção quanto à factualidade apurada:

a) Quanto às discussões em que a arguida costumava chamar o arguido de “cabrão”:
Quanto à factualidade referente à situação descrita na acusação, ocorrida no mês anterior ao decretamento do divórcio, foram produzidos os seguintes meios de prova:

- declarações da arguida (a qual negou a prática dos factos);
- declarações do assistente (que confirmou que a arguida costumava apelidá-lo com esse nome, quando discutiam);
- depoimento da testemunha BS (sobrinho do arguido M, a quem este confidenciou que a arguida costumava insultá-lo, chamando-o com aquele nome).

Ora, atento o conjunto da prova produzida, importa concluir que, quanto a esta situação existe apenas, à primeira vista, a palavra de um dos arguidos contra a do outro, já que ninguém mais presenciou tais factos. Porém, a testemunha acima identificada (que depôs de modo coerente e objectivo, merecendo credibilidade) confirmou o termo usado pela arguida, de acordo com o que o seu tio se lhe havia queixado, o que confere consistência à sua versão. Como assim, entende-se ser o assistente merecedor de credibilidade para o apuramento destes factos e, apesar de a arguida os ter negado, resulta, da conjugação dos referidos meios de prova, contrariada tal versão da arguida, razão pela qual não se mostrou a mesma adequada a gerar dúvidas sobre a realidade dos factos tal como narrados nos autos.

b) quanto ao episódio ocorrido no dia 17.07.2010:
Quanto à factualidade referente à situação descrita na acusação ocorrida nesta data (de que a arguida C terá empurrado o seu, então, ainda marido, para cima da cama e apertado o pescoço ao mesmo) foram produzidos os seguintes meios de prova:

- declarações da arguida (que negou a prática dos factos),

- declarações do assistente (que esclareceu que, nessa data, sentindo-se adoentado, deitou-se a repousar, tendo aparecido a arguida, que começou a discutir; quando o arguido se levantou, pois que a mesma já vinha para o arranhar, a mesma empurrou-o para cima da cama e, com as duas mãos apertou-lhe o pescoço);

- depoimento da testemunha BS (sobrinho do arguido M, a quem este confidenciou que, após uma discussão a arguida apertou-lhe o pescoço, pese embora desconhecesse os pormenores);

Ora, atento o conjunto da prova produzida, apesar de ninguém mais ter presenciado tais factos, a testemunha acima identificada (que depôs de modo coerente e objectivo, merecendo credibilidade) esclareceu sobre o que o seu tio lhe contou, conferindo consistência à sua versão. Como assim, entende-se ser o assistente merecedor de credibilidade para o apuramento destes factos e, apesar de a arguida os ter negado, resulta, da conjugação dos referidos meios de prova, contrariada tal versão da arguida, razão pela qual não se mostrou a mesma adequada a gerar dúvidas sobre a realidade dos factos tal como narrados nos autos.

c) quanto ao episódio ocorrido no dia 18.07.2010:
Quanto à factualidade referente à situação ocorrida nesta data (de que a arguida C chamou o seu, então, ainda marido, de “cabrão”, arranhou-o na cara, atingiu-o na mão com um objecto e mordeu-o no braço) foram produzidos os seguintes meios de prova:

- declarações da arguida (que negou a prática dos factos, tendo apresentado uma versão segundo a qual a própria é que foi sempre vítima de maus tratos, o que, porém, nunca denunciou às autoridades, por atribuir a conduta do arguido à sua doença, desculpando-o);

- declarações do assistente (que esclareceu que, nessa data, a arguida, munida de uma mola em ferro para fisioterapia, o atingiu na mão, que o arranhou na cara e que lhe mordeu o braço, tendo-se, de seguida, dirigido ao Hospital para ser tratado e apresentado queixa na PSP);

- relatório pericial do INML de fls 69/70 (que descreve as lesões que o mesmo apresentava no dia seguinte aos factos e fixa um período de 7 dias de doença);

- factura do CHBA de fls 25 (comprovando a presença do assistente naquele Hospital, para um episódio de urgência);

- declaração de presença do assistente no CHBA de fls 26 (comprovando a sua entrada no CHBA, pelas 10h19m, no serviço de urgência);

- relatório de urgência do CHBA de fls 253, frente e verso (que descreve a existência de escoriações na cara e sinais de mordedura no punho esquerdo).

- exibição do aparelho de fisioterapia (mola).

Ora, atento o conjunto da prova produzida, importa concluir que, apesar da animosidade ainda patente entre ambos os arguidos, a versão do arguido/assistente MP mostra-se coerente, sendo ainda corroborada pela prova pericial e documental junta aos autos. Foi, assim, merecedor de credibilidade para o apuramento destes factos. Entende-se ainda que, pese embora a arguida tivesse negado os factos em causa, a sua versão não foi de molde a afectar a credibilidade do assistente, não tendo sido sequer adequada a gerar dúvidas sobre a realidade dos factos tal como narrados nos autos.

Os factos dados como não provados resultam de não terem sido especificamente mencionados pelo assistente nesta data, já que se limitou a uma referência genérica a vários insultos proferidos pela arguida. Como assim, entende-se que não foi produzida prova de ter a arguida chamado o assistente de “cabrão” nesta específica data.

d) quanto ao episódio ocorrido em Julho de 2010, no Centro Comercial Continente:

Quanto à factualidade referente à situação descrita na acusação ocorrida nesta data (de que a arguida C acusou o assistente de andar envolvido com outras mulheres e de, nesse dia, no Centro Comercial, lhe ter chamado de “parasita”, e lhe ter dado uma palmada nas costas, dizendo-lhe que a partir de então iria ter guerra) foram produzidos os seguintes meios de prova:

- declarações da arguida (a qual admitiu ter desconfiado de que o assistente lhe era infiel, dada a alteração do seu comportamento, pelo que, naquela ocasião, depois de o assistente ter recebido um telefonema a combinar um encontro no Centro Comercial, foi ver se era de facto com o seu sobrinho, como aquele lhe havia dito, ou não. Depois de ter constatado que era com o sobrinho que o assistente se havia encontrado, trocou umas breves palavras com o assistente, negando, porém, ter dito ou feito o que da acusação consta);

- declarações do assistente (o qual esclareceu que, nessa data, depois de ter deixado a arguida no seu local de trabalho, na zona da Praia da Rocha, e de terem discutido sobre a desconfiança da arguida quanto ao assistente ter outras mulheres, foi encontrar-se com o seu sobrinho e a namorada deste no Centro Comercial, esperando já que a arguida lá aparecesse como lhe havia prometido, como acabou por suceder. Nessa ocasião, deu-lhe uma palmada nas costas e chamou-o de parasita);

- depoimento da testemunha BS (sobrinho do arguido M, o qual se encontrava presente aquando dos factos e que esclareceu que ambos discutiram quando a arguida ali chegou e que a mesma lhe deu uma “palmadinha” nas costas enquanto lhe dizia que iria ter guerra. Concretizou que se tratou de uma palmada de provocação/aviso e não de agressão, para magoar o arguido. A este respeito nada mais recordou;

- depoimento da testemunha MF (namorada do sobrinho do arguido M a qual se encontrava presente aquando dos factos e que esclareceu que a arguida apareceu no local e que depois de anunciar que não iria fazer nenhum escândalo, em consideração a si e ao B, deu ao arguido uma “palmadinha” nas costas, dizendo-lhe que iria ter guerra, tendo-o ainda chamado de “parasita”.

Ora, atento o conjunto da prova produzida, verifica-se que a versão do assistente M foi confirmada pelo depoimento das duas testemunhas (que presenciaram os factos e que depuseram de modo coerente e objectivo, tendo merecido ambos credibilidade para o apuramento dos factos). Importa apenas ressalvar a palmada que a arguida desferiu ao arguido, a qual, tal como resulta dos depoimentos das testemunhas (o que o assistente não concretizou), se limitou a breve e ligeiro toque nas costas do arguido, como se de um aviso de tratasse, não sendo, por isso, e ao contrário do que parecia resultar do texto da acusação, uma pancada que ofendesse o corpo do arguido.

Em face do exposto, a versão da arguida, por contrariada pelos restantes meios de prova, não se mostrou adequada a gerar dúvidas sobre a realidade dos factos tal como narrados nos autos.

O facto dado como não provados (relativo à intensidade da palmada) resultou, como acima se disse, do sentido contrário do depoimento das testemunhas que presenciaram os factos.

e) quanto ao episódio ocorrido no dia 30.07.2010:
Quanto à factualidade referente à situação descrita na acusação ocorrida nesta data (de que o arguido M desferiu chapadas na cara da arguida C e a empurrou ao chão) foram produzidos os seguintes meios de prova:

- declarações do arguido (o qual negou a prática dos factos, apresentando uma versão dos mesmos segundo a qual tudo se trataria de uma invenção da arguida, que a mesma é que se jogou ao chão e se magoou no trabalho);

- declarações da arguida/ofendida C (a qual esclareceu que nessa data, depois de uma discussão sobre com quem deveria ficar o ouro da arguida, o arguido começou a bater-lhe, com chapadas e murros, na cara, nos barcos e nas pernas, tendo-a ainda empurrado, causando a sua queda ao chão.

Por não suportar mais, desta vez foi ao Hospital e apresentou queixa contra o arguido);

- depoimento da testemunha IS (amiga da arguida, a quem a mesma confidenciou ter sido agredida pelo arguido, com socos e chapadas, numa “bulha” que tinha havido lá em casa);

- relatório pericial do INML de fls 55 a 57 (que descreve as lesões que a mesma apresentava poucos dias após os factos e fixa um período de 15 dias de doença, 8 dos quais com incapacidade para o trabalho geral);

- relatório do CHBA para a polícia de fls 28 (comprovando a presença da arguida naquele Hospital, para um episódio de urgência);

- relatório de urgência do CHBA de fls 254/255 (onde se refere a desinfecção de escoriações que a mesma apresentava e descreve a existência de equimoses no joelho e nos braços).

Ora, atento o conjunto da prova produzida, importa concluir que, apesar da animosidade ainda patente entre ambos os arguidos, a versão da arguida C mostra-se coerente, sendo ainda corroborada pela prova pericial e documental junta aos autos, para além da consistência que o depoimento da testemunha indicada lhe conferiu. Foi, assim, merecedora de credibilidade para o apuramento destes factos. Entende-se ainda que, pese embora o arguido M tivesse negado os factos em causa, a sua versão não foi de molde a afectar a credibilidade daquela, não tendo sido sequer adequada a gerar dúvidas sobre a realidade dos factos tal como narrados nos autos.

f) quanto ao episódio ocorrido no dia 23.08.2010:

Quanto à factualidade referente à situação descrita na acusação ocorrida nesta data (de que a arguida C teria arranhado o arguido M na cara, chamando-o ainda de “filho da puta, cabrão e chulo”) foram produzidos os seguintes meios de prova:

- declarações da arguida C (a qual negou a prática dos factos);

- declarações do arguido/assistente M (o qual esclareceu que, nessa data, já posterior ao divórcio, a arguida apareceu, vinda de táxi, porque queria falar consigo; nisto, “jogou-se” com as mãos à sua boca, “esgadanhando-o” todo, deixando-o com sangue na cara. Mais o insultou, confirmando as expressões usadas. Esclareceu ainda que, logo após a agressão refugiou-se numa agência de seguros, tendo as funcionárias que ali se encontravam visto que o mesmo tinha a cara com sangue. De seguida foi apresentar nova queixa à Polícia);

- depoimento da testemunha MM (funcionária da agência de seguros onde o arguido se foi refugiar após os factos, tendo visto o arguido com sangue na cara, o qual explicou que tinha acabado de ser agredido pela senhora que tinha sido sua mulher. Viu ainda uma senhora de estatura baixa (que coincide com a estatura da arguida) junto às instalações da agência, munida com um pau, não sabendo identificá-la);

- depoimento da testemunha PP (funcionária da agência de seguros onde o arguido se foi refugiar após os factos, tendo visto o arguido com sangue na cara, depois de o ter ouvido queixar-se de dor, quando ainda se encontrava no exterior. Viu ainda uma senhora junto às instalações da agência, não sabendo identificá-la);

- depoimento da testemunha MS (funcionária da agência de seguros onde também trabalhavam, à data, as duas outras testemunhas, a qual, tendo ouvido um queixume no exterior da agência foi ver o que se passava, tendo visto o arguido com sangue na cara, tendo-o convidado a entrar para se acalmar. Mais viu uma senhora de estatura baixa e forte (coincidindo com a fisionomia da arguida), que não consegue identificar) próximo do arguido, ouvindo uma discussão. O arguido disse-lhe que a senhora em causa era a sua ex-mulher.

- relatório pericial do INML de fls 73 a 75 (que descreve as lesões que o mesmo apresentava dois dias após os factos e fixa um período de 1 dia de doença);

Ora, atento o conjunto da prova produzida, deram-se tais factos como provados, já que a versão do arguido M foi corroborada pelo depoimento das testemunhas que, pese embora não tivessem presenciado a agressão, viram o que sucedeu logo após os factos, vendo os sinais da agressão acabada de cometer, confirmando, assim, tal versão. Uma vez que as testemunhas, que são completamente alheias ao conflito, depuseram de modo coerente, objectivo e coincidente, foram merecedoras de credibilidade. Mais se mostra a referida versão confirmada pelo teor da prova pericial. Como assim, a versão da arguida, porque contrariada pelos restantes meios de prova, não foi adequada a gerar dúvidas sobre a realidade dos factos tal como narrados nos autos.

O facto dado como não provado (de que a arguida teria perguntado ao arguido se o mesmo já teria retirado a queixa) resulta da falta de prova em audiência de julgamento, já que nenhum dos meios de prova o referiu.

g) Quanto ao pedido cível:
Quanto à prova das consequências, para o assistente MP, dos factos geradores de responsabilidade civil (factos estes que se deram como provados pelos fundamentos acima exarados), foram valoradas as declarações do assistente e o depoimento da testemunha MF, para além das regras de experiência (quanto às dores sofridas na sequência das agressões).

h) Quanto à situação pessoal e personalidade de cada arguido: foi valorada a certidão de casamento, onde foi averbado o divórcio, de fls 102/103; os atestados médicos de incapacidade de fls 128 e 129; a acta da conferência de divórcio e respectivos acordos, incluindo sobre partilhas e cessão de quotas, de fls 130 a 152 e os depoimentos das testemunhas JS (vizinho do arguido M, o qual, nada sabendo esclarecer quanto aos factos, por nada ter presenciado nem lhe ter sido contado pelo arguido, abonou em favor da sua personalidade, o que foi valorado), de IS (recepcionista da associação presidida pela arguida, de apoio à esclerose múltipla, a qual abonou em favor da sua personalidade, o que foi valorado), de Cateryna S (antiga colega de trabalho da arguida C, a qual abonou em favor da sua personalidade, o que foi valorado), de LB (cliente da pastelaria da arguida C, a qual abonou em favor da sua personalidade, o que foi valorado)

i) Quanto aos antecedentes criminais: foram valorados os respectivos certificados de registo criminal, onde não constam quaisquer condenações anteriores.

Os factos dados como não provados resultam da falta de prova em audiência ou do sentido contrário da prova produzida (como sucedeu quanto à pancada dada pela arguida C nas costas do ofendido M, que não teve qualquer intensidade).

III
De novo se recordando que de acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer, e as questões postas ao desembargo desta Relação no recurso da sentença são as seguintes (tirando a referente à perda de eficácia da prova produzida por pretensa violação do art.º 328.º, n.º 6, que a recorrente repete, mas já foi conhecido a propósito do recurso interlocutório):

1.ª – Que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provado que a arguida praticou o crime pelo qual depois a condenou;

2.ª – Que a sentença recorrida padece do vício da falta de fundamentação a que se refere o art.º 374.º, n.º 2, quanto aos factos que deu como provados referentes à arguida;

3.ª – Que, por força do disposto no art.º 72.º, n.º 1 e 2 al.ª c) e d), do Código Penal, devia ter sido aplicada à arguida uma pena especialmente atenuada; e

4.ª – Que a pena aplicada à arguida é excessiva.
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Vejamos:
No tocante à 1.ª das questões postas, pretende a arguida que não se fez em julgamento prova que permitisse ao tribunal "a quo" ter dado como provados os factos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 19, 20 e 21, bem como, no que à arguida diz respeito, os factos, 13, 14, 15, 16 e 18, todos da matéria de facto na sentença assente como provada.

Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, e porque as provas foram gravadas deve o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação? – diz o art.º 412.º, n.º 3 al.ª b) e 4 e perguntamos nós.

Responde a arguida na motivação:
Ninguém disse ter visto.
Ninguém disse ter ouvido.

Porque nem sequer foram colocadas questões que permitissem responder aos factos abaixo indicados,
E nas conclusões:
21-Ninguém viu,
22-ninguém disse ter visto,
23-ninguém ouviu
24-ninguém disse ter ouvido e,
25- ninguém perguntou.
26-Assim, (…) inexiste
-prova documental;
-prova testemunhal;
-prova pericial;

Seguindo o raciocínio da arguida, enquadrado no disposto no art.º 412.º, n.º 2 al.ª b), quais são então as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida?

Responde a própria arguida: inexiste!

Bem – concluímos então nós – se inexiste então a decisão recorrida, em termos de matéria de facto, fica como está.

É que, devendo a recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, especificar as concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida (art.º 412.º, n.º 3 al.ª c)), a arguida nenhuma indicou especificamente a tal propósito, o que, correspondendo à ausência de motivação nessa parte do recurso, leva a que também não se conheça do mesmo nesse particular aspecto.

Com o cuidado dialéctico necessário para não embarcarmos também nós num mero jogo de palavras vãs, dir-se-á desde logo que a impugnante não estaria dispensada de, ao abrigo da mencionada disposição legal, indicar as concretas provas da falta de prova dos factos impugnados… Se a recorrente não concorda com as ilações que em termos de matéria de facto provada o tribunal "a quo" retirou do que então se disse, devia ter indicado concretamente com quais desses dizeres discordava terem sido interpretados como o foram pelo tribunal recorrido.

Diferentemente se passa no tocante aos factos constantes dos pontos 19, 20 e 21, em relação aos quais a arguida realmente indicou as concretas provas que no seu entender impõem decisão diversa da recorrida e que é o testemunho de JS, cujas declarações se mostram gravadas no CD 1, 16:27:54 a 16:24:47, que disse (…)

Vejamos se tem razão.

Os mencionados pontos 19, 20 e 21 têm o seguinte teor:

1. O arguido e assistente MP sentiu-se ofendido com as expressões que a arguida lhe dirigiu.

2. O arguido e assistente MP sentiu dores nas ocasiões em que foi atingido no seu corpo pela arguida.

3. O arguido e assistente MP ficou deprimido, entristecido e desgostoso, sentido angústia ansiedade e nervosismo com os factos praticados pela arguida C contra si.

E é verdade, tal como a arguida alega, que o testemunho de JS é imprestável para dar como provado aquele acervo de factos, tal como claramente resulta dos excertos transcritos e citados pela recorrente.

E tanto assim é, que a Senhora Juiz "a quo" nem o menciona na fundamentação da convicção acerca do pedido cível ou de mais o que quer que seja:

g) Quanto ao pedido cível:
Quanto à prova das consequências, para o assistente MP, dos factos geradores de responsabilidade civil (factos estes que se deram como provados pelos fundamentos acima exarados), foram valoradas as declarações do assistente e o depoimento da testemunha MF, para além das regras de experiência (quanto às dores sofridas na sequência das agressões).

Mas a convicção que levou o tribunal "a quo" a dar como provados os factos constantes dos pontos 19, 20 e 21 não pode, claro, ir-se procurar – como a recorrente faz – ao depoimento de quem não disse coisa alguma sobre o assunto, mas antes ao de quem realmente esclareceu os factos por forma a permitir dá-los como provados, como foi o caso do teor do depoimento da testemunha MF e também o do ofendido/co-arguido MP.

Pelo que improcede a objecção da recorrente quanto ao teor dos factos dados como provados pelo tribunal "a quo".
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No tocante à 2.ª das questões postas, a de que a sentença recorrida padece do vício da falta de fundamentação a que se refere o art.º 374.º, n.º 2, quanto aos factos que deu como provados referentes à arguida:

Resulta das disposições conjugadas dos art.º 379.°, n.º 1 al.ª a) e 374.°, n.º 2, que a sentença é nula se não contiver a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Acerca da fundamentação da matéria de facto, escreve Marques Ferreira, em «Meios de Prova», Jornadas de Direito Processual – O Novo Código de Processo Penal», págs. 228 e ss.:

«Exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.»

«Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.»

Ora a fundamentação da convicção da decisão recorrida cumpriu tais ensinamentos, não sendo de se lhe exigir explicações ao minuto ou a cada vírgula.

A lei não impõe a indicação dos meios de prova atinentes a cada um dos factos provados, mas sim a especificação de todos aqueles em que o tribunal se baseou para dar como provados os factos constitutivos de cada uma das infracções, os relativos à personalidade do arguido, às suas condições de vida, situação económica, conduta anterior e posterior aos factos praticados, bem como qualquer outra circunstância tomada em consideração na determinação da pena ou, sempre que for caso disso, os factos integradores de exclusão da culpa e da pena – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-12-98, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, III-229.

Tal como está, a fundamentação cumpre o objectivo de – continuando com as palavras de Marques Ferreira – permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso.

Na verdade, examinando a parte da decisão recorrida que se reporta à convicção probatória, constata-se que a mesma está alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade e que nela se procedeu à indicação da prova e a uma análise crítica da mesma, feitas de forma suficientemente cuidada e criteriosa, resultando dela o processo lógico e racional que levou o julgador a dar como provados e como não provados os factos assim considerados na sentença, não configurando essa decisão uma decisão ilógica, contraditória, arbitrária ou violadora das regras da experiência comum.

Com efeito, dela não só consta a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal no que respeita aos factos provados e não provados, bem como se apresenta suficientemente abonada com a apreciação critica das provas que foram produzidas e examinadas na audiência.

Assim, a sentença recorrida mostra-se elaborado em conformidade com o que dispõe o n.º 2 do art.º 374.° do Código de Processo Penal, pelo que não padece de insuficiência ou falta de fundamentação, designadamente no tocante ao exame crítico do depoimento prestado pela única testemunha de defesa ouvida em julgamento e, por conseguinte não é nula.
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No tocante à 3.ª das questões postas, a de que, por força do disposto no art.º 72.º, n.º 1 e 2 al.ª c) e d), do Código Penal, devia ter sido aplicada à arguida uma pena especialmente atenuada:

Decorre do art. 72.º, n.° 1, do Código Penal, que o tribunal atenua especialmente a pena – fora dos casos expressamente previstos na lei – quando houver circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

A atenuação especial da pena deve funcionar quando, na imagem global dos factos e de todas as circunstâncias envolventes fixadas, a culpa do arguido e/ou a necessidade da pena se apresentam especialmente diminuídas, ou seja, quando o caso é menos grave que o "caso normal" suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-3-99, Colectânea de Jurisprudência, 1999, I-247.

Com efeito, como flúi do n.° 1 do art.º 72.º, do C. Penal, é na acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, ou nas exigências de prevenção, que radica a autêntica "ratio" da atenuação especial da pena. Daí que as circunstâncias enumeradas no n.° 2 do mesmo artigo não sejam as únicas susceptíveis de desencadear tal efeito, nem que este seja consequência necessária e automática da presença de uma ou de mais daquelas circunstâncias – Ac. STJ de 7.12.99, in proc.113 5/99.

Ora como circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, o recorrente alegou o seguinte:

-A presente situação não teve quaisquer consequências.
-A conduta da arguida anterior e posterior aos factos é irrepreensível;
-A evidente preparação da arguida para manter uma conduta licita;
-A notória integração social, com respeito pelos valores, regras e Direito.
-A presente situação não teve quaisquer consequências? Se as tivesse tido, a arguida não teria sido condenada pelo n.º 1 al.ª a) e 2 do art.º 152.º, mas pelo n.º 3. A falta de quaisquer consequências, no sentido que lhe é dado pela arguida, faz já parte do tipo legal do crime pelo qual foi condenada e não tem qualquer valor atenuativo especial.

E quanto as demais circunstâncias invocadas, se é certo que é socialmente meritório que a arguida presidiu a uma associação de apoio aos doentes com esclerose múltipla e tem, actualmente, a seu cargo 3 menores com dificuldades especiais, com 14, 12 e 9 anos de idade, que lhe foram confiados pela Comissão de Protecção de Menores (ponto 26 dos factos provados) – isso não a desculpa de andar a agredir o então ainda marido, que sofria de uma incapacidade permanente global de 84%, desde 2008 e de esclerose múltipla definitiva desde 2004 (ponto 24 dos factos provados) e a chamar-lhe nomes feios.

Em resumo, o acervo de razões invocadas pela arguida não é suficientemente impressivo para justificar a pretendida atenuação especial da pena, porque não diminui por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, sendo certo que os tempos que correm aconselham a aplicação às situações de violência doméstica de penas que satisfaçam as evidentes necessidades de prevenção geral que nessa matéria se fazem actualmente sentir – e às quais a arguida não é nenhuma excepção.

Pelo que improcede esta sua pretensão.
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No tocante à 4.ª das questões postas, a de que a pena aplicada à arguida é excessiva:

Recorde-se ter sido a arguida condenada na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

No tocante à escolha e graduação da pena que a um arguido há-de ser imposta, é a medida da sua culpa que condiciona decisivamente a pena concreta a aplicar-lhe.

Para além de ser fundamento, a culpa concreta é o máximo de condenação possível e nunca, em caso algum, as razões de prevenção poderão impor uma pena que ultrapasse essa culpa concreta do agente (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, pág. 238 e ss.).

Do que se trata é de sancionar um delinquente concreto que, num determinado circunstancialismo, cometeu um facto jurídico-penalmente relevante, desvalioso, merecedor de censura penal.

Deve assumir-se a pena como sanção adequada, proporcionada aos factos e ao agente, e, procurando-se com ela dar satisfação aos fins de prevenção-ressocialização do agente, evitar-se que outros cometam infracções semelhantes.

Há que ponderar, na situação concreta, como elementos ou factores a reflectirem-se na culpa, a gravidade da ilicitude, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o crime, as condições pessoais do agente e sua situação económica e, em suma, em todo o demais condicionalismo mencionado não só no corpo como nas respectivas alíneas do n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal.

No tocante aos presentes autos, a decisão recorrida valorou correctamente todos os índices necessários no caso concreto à fixação da pena, que se mostra justa e ponderada, sendo pois imerecidas as críticas que o recorrente lhe dirige.

IV
Termos em que se decide negar provimento aos recursos e manter na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade de tratamento das questões suscitadas, em seis UC (art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5, do RCP e tabela III anexa).


Évora,5 de Março de 2013

(elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga)

João Martinho de Sousa Cardoso
Ana Barata Brito