Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
408/20.5T8SLV-A.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PETIÇÃO INICIAL
COMPROVATIVO DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. Quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser comprovado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se, neste último caso, essa concessão já se encontrar comprovada nos autos.
II. Sendo as peças processuais apresentadas por advogado através da plataforma electrónica Citius, nos termos regulados na Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, no preenchimento do respectivo campo do formulário de apresentação deve ser inserida a referência do DUC pago, ficando o apresentante dispensado da junção do respectivo comprovativo, sendo a comprovação do prévio pagamento efectuada automaticamente por comunicação entre o Sistema de Cobranças do Estado, o sistema informático de registo das custas processuais e o sistema informático de suporte à actividade dos tribunais.
III. Tendo o embargante invocado, no prazo de reclamação do acto de rejeição pela secretaria da petição de embargos de executado por falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça, que tal falta ocorreu por mero erro ou lapso no preenchimento ou submissão do formulário, onde não consta indicada a referência do DUC pago, e tendo comprovado que o DUC respeitante ao pagamento da taxa de justiça em causa tinha sido efectivamente pago antes da apresentação da petição, deve considerar-se suprida tal falta e corrigido o erro, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 146º do Código de Processo Civil.
IV. Para efeitos de pagamento de taxa de justiça, os embargos de executado não são equiparáveis à petição inicial em acção declarativa, mas sim à contestação, donde resulta que lhe deverá ser aplicável o regime do artigo 570º do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. J.R., executado nos autos de processo n.º 408/20.5T8SLV, em que é exequente Coznova – Móveis e Equipamentos de Cozinha, Lda., interpôs recurso do despacho ref.ª 119772536, que indeferiu a reclamação que apresentou contra a decisão da Secretaria de recusa do recebimento da petição de embargos de executado, por falta da junção do comprovativo da taxa de justiça, ou da decisão de concessão do benefício do apoio judiciário, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, e artigo 558º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Civil.

2. O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Vem o Executado/Embargante apresentar requerimento para “arguir nulidade” da decisão de recusa da petição inicial por parte da Secretaria.
Em bom rigor, o Embargante pretende sim lançar mão do incidente de reclamação do acto de recusa do recebimento, nos termos do artigo 559.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Fundamenta a sua pretensão na alegação de que a peça que apresentou não é uma petição inicial mas sim o equivalente a uma contestação. E, nessa senda, entende que deveria ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 570.º do mesmo diploma.
Resulta dos autos que, dentro do prazo legal, o Executado apresentou petição inicial de oposição à execução mediante embargos do executado, sem juntar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça. Não se coloca aqui a questão do benefício de apoio judiciário.
Ora, o nosso entendimento sobre esta matéria não converge com o entendimento que temos visto ter sido adoptado em alguns arestos, nomeadamente, no que se reporta à natureza jurídica da petição inicial de embargos.
É que, para nós, a petição inicial de oposição à execução é isso mesmo, uma petição inicial; que vai ser notificada para ser contestada (cfr. letra do artigo 732.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
E como petição inicial que é, segue as regras do artigo 552.º do mesmo diploma, e não as da contestação. Nomeadamente, o n.º 5 – é um caso de urgência, pois que o executado tem um prazo curto para apresentar a petição inicial e, por isso, basta-se o Tribunal com a apresentação do comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário.
Ora, não juntando nem uma coisa, nem outras, temos como adequada e fundamentada a recusa da petição inicial pela Secretaria, ou um despacho de desentranhamento da petição inicial quando tal recusa não é efectivada.
Isto porque considerar que a petição inicial de embargos é uma “contestação” à execução e, a partir daí, aplicar-se-lhe o regime tributário, não da petição inicial que é mas da contestação, consideramos nós que, para além de ser “rebuscado”, não tem correspondência mínima com a letra da lei e confunde “o fim com o meio”. Já se sabe que a oposição à execução visa atacar, impugnar, contestar, opor-se, matar a execução, no todo ou em parte. Esse é o fim.
Agora, o meio processual para o efeito é uma verdadeira acção declarativa, que corre por apenso a uma execução, e que se inicia inexoravelmente com uma petição inicial, a que se segue uma contestação (e não uma réplica), seguida de um saneamento e de uma sentença. Este é o meio.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, não deve ser nem o “nomen iuris” do procedimento processual, nem o seu fim ou finalidade, a determinar qual o regime tributário da petição inicial (única via possível para iniciar um qualquer um processo declarativo).
Nem se diga que se coarctam os direitos de defesa do Executado/Embargante pois, como também é jurisprudência dos Tribunais Superiores, este não fica impedido de exercer os seus direitos em acção declarativa autónoma, a propor e a dar a conhecer à execução para os devidos efeitos. Ou que o Tribunal tem de convidar o Executado a juntar o comprovativo, quando a lei processual civil prevê uma recusa da Secretaria, não indo sequer o processo a despacho.
Portanto, a recusa da petição inicial pela Secretaria mostra-se correcta.
Aliás, a mesmíssima situação foi recentemente alvo de decisão por parte do Tribunal da Relação de Évora, no processo n.º 25/19.7T8SLV-A.1, proferida pelo Desembargador José António Moita, que se transcreve:
«Sempre adiantaremos ser de facto essa a posição que se afigura mais correcta e que flui legalmente, além do mais, do disposto no artigo 732º, nº 2, 2ª parte, de onde se extrai reconhecida a aplicação do processo comum declarativo aos embargos de executado.
A este propósito diz-nos Rui Pinto (“A Ação Executiva”, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, pág. 406º), o seguinte:
“Esta petição apresenta a estrutura e conteúdo de uma comum petição inicial, nos termos do artigo 552º - v.g. , a indicação do valor da causa- incluindo a arrumação em articulado, nas condições dos artigos 147º, nº 1 e 58º, nº 2.”.
No campo jurisprudencial destacamos, entre outros, o acórdão proferido em 22/02/2007 (relator Pinto de Almeida), no Processo 0730569, acessível para consulta in www.dgsi.pt., importando seleccionar aqui e agora o que consta do respectivo sumário a propósito da questão que temos aflorado:
“I - Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição à execução, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executiva e (ou) da acção que nele se baseia, daí que o requerimento de oposição equivalha à petição inicial da acção declarativa, a que deve aplicar-se o art. 467° do Código de Processo Civil, devidamente adaptado […)”».
No mesmo sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Novembro de 2008, proc. 7632/2008-8, www.dgsi.pt.
Neste conspecto, o Tribunal indefere a reclamação do Executado/Embargante e, em consequência ratifica a recusa, pela Secretaria, da petição inicial de oposição à execução.»

3. O Executado/embargante discorda deste entendimento, tendo interposto o presente recurso, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 13/04/2021 no seguimento de requerimento em que o embargante havia suscitado nulidades processuais arguidas após o recebimento da notificação do ofício N.º 118994493, datado de 25/01/2021, expedido pela secretaria, dando conhecimento da “recusa da petição inicial de embargos … com fundamento na falta de junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.
2.ª O despacho recorrido além de não se ter pronunciado sobre todas as questões que lhe tinham sido suscitadas pelo embargante, contém contradição entre a fundamentação e a decisão e também não efectuou uma correcta aplicação do direito.
3.ª O despacho recorrido além de ser nulo por violação do disposto no artigo 615, N.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil, é ilegal por violação do disposto na segunda parte do artigo 145, N.º 3, do Código de Processo Civil.
4.ª A solução preconizada pelo tribunal “a quo” contraria os princípios que constituem as pedras basilares do processo civil, nomeadamente o princípio do contraditório, da igualdade das partes, da cooperação e boa fé processual, bem como da primazia da verdade material sobre a verdade formal.
5.ª A solução preconizada pelo tribunal “a quo” também é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e de acesso ao direito estatuídos nos artigos 13 e 20 da Constituição da República Portuguesa.
6.ª As peças processuais que são apresentadas por advogado têm que ser entregues por via electrónica através da plataforma “Citius” (artigos 144 e 132 do Código de Processo Civil) e nesta plataforma no preenchimento do respectivo campo é inserida a referência do DUC da taxa de justiça, faz com que seja dispensada a junção do respectivo documento comprovativo - artigo 9º, N.º 1, da Portaria N.º 280/2013 de 29 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2º, da Portaria N.º 170/2017, de 25 de Maio.
7.ª Sem o preenchimento no formulário do campo respeitante à taxa de justiça não é possível dar seguimento ao procedimento e concluí-lo.
8.ª Não obstante, com o requerimento em que arguiu as nulidades processuais que no seu entendimento decorriam do acto praticado pela secretaria e sobre as quais se devia pronunciar o despacho ora recorrido o embargante juntou o comprovativo em como tinha pago a taxa de justiça - sobre isto o tribunal “a quo” não se pronunciou.
9.ª Qualquer falha que possa ter havido no preenchimento do formulário electrónico é passível de suprimento nos termos do artigo 146 do Código de Processo Civil, o que não aconteceu.
10.ª Quanto à questão que foi suscitada pela secretaria (falta de pagamento da taxa de justiça), esta devia ter aplicado o regime que se encontra estatuído na acção declarativa para a contestação e não o que se encontra previsto para a petição inicial, isto é, a secretaria devia ter procedido à notificação do embargante nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 570, N.º 3 e 4 do Código de Processo Civil, conforme preconiza o artigo 145, N.º 3, do Código de Processo Civil, que não foi cumprido e constitui uma nulidade processual.
11.ª No que à taxa de justiça diz respeito as normas que a esse propósito existem quanto à petição inicial, apenas se aplicam a essa peça processual em exclusivo (petição inicial “stricto senso”), sendo que a todas as demais peças processuais que sejam produzidas nos autos que impliquem a liquidação duma taxa de justiça e que esta possa estar em falta aplica-se o que se encontra estatuído na segunda parte do artigo 145, N.º 3, do Código de Processo Civil, ainda que, alguma dessas peças processuais possam ser para iniciar algum procedimento.
12.ª O artigo 558, N.º 1, alínea f), do Código de Processo Civil, apenas se aplica às petições iniciais “stricto senso”, o que não era o caso dos autos, em que se estava na presença de “embargos de executado”.
13.ª As questões que foram suscitadas ao tribunal “a quo” no requerimento em que foram arguidas as nulidades este verdadeiramente não se pronuncia e limita-se a considerar que a peça processual (Embargos de Executado) é uma petição inicial que segue as regras do artigo 552 do Código de Processo Civil e não as da contestação, citando alguma jurisprudência da qual, no entendimento do embargante, não extrai o seu real significado e que em nada contraria o que foi invocado pelo embargante e inclusivamente confirma o que é por ele referido, além de escamotear por completo o facto essencial de que num processo que já se encontra pendente ter sido excluída uma peça processual com fundamento no não pagamento duma taxa de justiça, quando afinal se demonstra que essa taxa de justiça foi paga.
14.ª Mesmo que se considere como bom o entendimento explanado no despacho recorrido de que “o requerimento de oposição à execução equivale à petição inicial da acção declarativa, a que deve aplicar-se o art. 467° (leia-se 552) do Código de Processo Civil, devidamente adaptado […)”» (sublinhado nosso), desse entendimento decorre afinal que o requerimento que dá início aos embargos de executado “por equivaler” à petição inicial não é a petição inicial a que se reporta o artigo 552 do Código de Processo Civil e que o que consta do referido artigo 552 do Código de Processo Civil, deve ser devidamente adaptado” a essa peça processual.
15.ª E um dos aspectos que carece da devida adaptação prende-se precisamente com a taxa de justiça (conforme de resto preconiza o artigo 145, N.º 3, do Código de Processo Civil) e que foi salientado pelo embargante na sua peça processual de arguição de nulidade.
16.ª Assim, embora estruturalmente o requerimento que dá início aos embargos possa equivaler à petição inicial, no que à taxa de justiça diz respeito, nomeadamente a sua eventual falta de pagamento, aplicam-se-lhe as regras que estão fixadas para a contestação – artigo 145, N.º 3, do Código de Processo Civil.
17.ª Ao não ter procedido assim a secretaria cometeu a nulidade que foi suscitada e o tribunal “a quo” além de ter decidido em contradição com a fundamentação que invocou, e que lhe faz incorrer na nulidade prevista no artigo 615º, N.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, também decidiu em violação do disposto no mencionado artigo 145, N.º 3, do Código de Processo Civil.
18.ª Além de conforme já foi supra referido em 4, a decisão recorrida também foi proferida à revelia dos princípios que constituem as pedras basilares do processo civil e incorrendo igualmente em clara violação do disposto nos artigos 157, N.º 7 e 146 do Código de Processo Civil, tanto mais que, foi demonstrado nos autos que a taxa de justiça tinha sido paga (matéria sobre a qual o tribunal não se pronunciou).
19.ª Isto apesar do tribunal “a quo” reconhecer que há quem opte por uma solução diferente, isto é, por uma solução que será consentânea com o estatuído no artigo 145, N.º 3, do Código de Processo Civil e com os princípios e normas processuais mencionados no parágrafo anterior.
20.ª O tribunal “a quo” na análise que efectuou decidiu, não decidir, optando por uma solução formal, ilegal e materialmente injusta, denegando a justiça que lhe estava a ser pedida com a dedução dos embargos de executado, em vez de acolher a solução que é materialmente justa, decorre da lei, dos princípios processuais e dos princípios constitucionais.
21.ª A solução preconizada pelo tribunal “a quo” além de ser ilegal será igualmente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade das partes e do exercício do direito de defesa (artigos 13 e 20 da Constituição da República Portuguesa) – matéria que também tinha sido suscitada e sobre a qual o tribunal não se pronunciou.
22.ª O artigo 560 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei N.º 97/2019, de 26 de Julho, é inconstitucional por violação dos referidos princípios da igualdade e do acesso ao direito.
23.ª Contrariamente ao que consta do despacho recorrido, a solução preconizada pelo tribunal “a quo” impede o executado de se defender na execução que contra ele foi deduzida porquanto esta seguirá os seus termos como se não houvesse embargos de executado, em oposição do sucederia se tivessem sido admitidos como é propósito do embargante e diferentemente do que sucederia se se estivesse na presença de uma petição inicial a que se reporta o artigo 552 do Código de Processo Civil, em que a recusa dessa peça processual não impede que se instaure nova acção nos mesmos termos.
NESTES TERMOS e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e por via dele ser revogado o despacho recorrido, devendo o tribunal “a quo” proceder à tramitação dos embargos de executado que foram deduzidos, assim se fazendo Justiça.

4. Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Das nulidades da decisão;
(ii) Saber se ocorre fundamento para a rejeição da petição de embargos por falta de junção com a petição do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, com eventual apreciação as invocadas questões de constitucionalidade.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais resultantes do relato dos autos, sendo ainda de considerar, com fundamento nos documentos de fls. 2 (formulário da entrega da petição de embargos), 16 (comprovativo do pagamento da taxa de justiça), e informação da secção de processos, que:
- A petição de embargos de executado deu entrada em 30/11/2020, às 19:56:37;
- A recusa da petição de embargos pela secretaria foi efectuada por comunicação elaborada em 25/01/2021 (cf. certificação Citius);
- Em 08/02/2021, com o requerimento em que arguiu a nulidade da decisão da Secretaria de recusa do recebimento da petição de embargos, o executado/embargante, juntou aos autos o documento comprovativo do pagamento, efectuado em 30/11/2020, pelas 17:04:49, do DUC referência 702780074927302, correspondente ao valor da taxa de justiça devida pela dedução dos embargos.
- O DUC referência 702780074927302, que se encontra pago desde 30/11/2020, está pendente a aguardar o registo/averbamento a processo (cf. informação da secção de processos desta Relação, que antecede).
*
B) – O Direito
1. O recorrente discorda da decisão recorrida, começando por invocar a nulidade da mesma por violação do disposto no artigo 615º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

2. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigoº 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do referido preceito legal remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
Porque assim é, as nulidades da decisão, são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.
Ora, no caso em apreço, não vemos onde o recorrente funda a existência de contradição entre os fundamentos e a decisão tomada, porquanto, tendo o tribunal recorrido entendido que à falta de junção do documento comprovativo da taxa de justiça devida pela apresentação da petição de embargos eram aplicáveis as regras atinentes à apresentação da “petição inicial”, e não as da contestação, o fundamento invocado conduzia à aplicação das regras do artigo 562º do Código de Processo Civil, como se entendeu, e não se surpreende na decisão qualquer situação de ambiguidade ou obscuridade que a inquine com o vício da nulidade.
Questão diferente é a de saber se se decidiu acertadamente, mas essa é uma questão que tem a ver com o mérito da decisão e já não com as nulidades da mesma.

3. Quanto à questão da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, a mesma ocorre quanto o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento.
É entendimento pacífico que esta nulidade está em correspondência directa com o anteriormente preceituado no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém, ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso), constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação do estabelecido no referido artigo.
É também pacífico o entendimento de que as questões a que alude o preceito não se confundem com todas as considerações ou argumentos expendidos pelas partes em defesa da orientação preconizada.
Ora, no caso concreto, o recorrente invoca que o tribunal não se pronunciou sobre o alegado erro ou lapso no preenchimento do formulário electrónico, referente à falta de menção no formulário do DUC relativo ao pagamento da taxa de justiça, e ao pedido de rectificação do mesmo, ao abrigo do artigo 146º do Código de Processo Civil, juntando os documentos comprovativos do pagamento da taxa em momento anterior à pratica do acto.
E esta questão não pode ser entendida como mero argumento em prol do pedido de admissão da pratica do acto, antes constitui um fundamento autónomo que, a ser procedente, conduziria ao deferimento do pedido e à revogação do acto de rejeição da petição de embargos.
Assim, e verificando.se que, efectivamente, no requerimento de reclamação o ora recorrente alegou a existência de erro do sistema e/ou falha do mandatário no preenchimento do formulário, demonstrando que a taxa de justiça estava paga no momento em que foi apresentada a petição de embargos, e requereu o suprimento da sua eventual falha, nos termos do artigo 146º do Código de Processo Civil (cf. artigos 25 a 37 do requerimento), não podia o tribunal recorrido deixar de se pronunciar sobre tal questão, ainda que entendesse, como sucedeu, que ao caso era aplicável o regime sancionatório previsto para a apresentação da petição inicial.
Deste modo, enferma a decisão recorrida da dita nulidade, o que se declara.

4. Tal não impede, porém, que este Tribunal ad quem conheça do mérito do recurso, como decorre do artigo 655º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que se passa a fazer de imediato.
Em causa nos autos está o despacho que decidiu manter a rejeição da petição de embargos, efectuada pela secretaria, ao abrigo do disposto n.ºs n.º 1 e 2 do artigo 17º da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto, e da alínea f) do n.º 1 do artigo 558º do Código de Processo Civil, com fundamento na falta de junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, ou da decisão de concessão do benefício do apoio judiciário.
Não se suscitam dúvidas quanto ao facto de o acto de dedução de embargos estar sujeito ao pagamento da taxa de justiça, nem quanto ao facto de o seu pagamento ter que ser comprovado nos autos, não estando, no caso, em causa a existência do apoio judiciário.
A exigência de comprovação do pagamento da taxa de justiça decorre, desde logo, do artigo 144º do Código de Processo Civil, onde se prescreve que:
«1 - Quando a prática de um acto processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser comprovado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se, neste último caso, essa concessão já se encontrar comprovada nos autos.
2 - A comprovação de pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de comprovação.
3 - Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do benefício do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º
4 - O prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados:
a) Quando o acto processual seja praticado por via electrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º;
b) Quando o acto processual seja praticado por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo anterior, através da junção do documento comprovativo do prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário.
(…)»
Porém, quando, as peças processuais são apresentadas por advogado, como é o caso, têm que ser entregues através da plataforma electrónica Citius, nos termos regulados na Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, e, nesta plataforma, no preenchimento do respectivo campo do formulário de apresentação é inserida a referência do DUC pago, ficando o apresentante dispensado da junção do respectivo comprovativo. (cf. artigo 9º da Portaria n.º 280/2013, de 29 de Agosto).
Ou seja, apresentado o requerimento através da plataforma electrónica de apoio à actividade dos tribunais, o embargante tinha apenas, tão só, que indicar no formulário a referência do DUC pago, pois, a comprovação do prévio pagamento é efectuada automaticamente por comunicação entre o Sistema de Cobranças do Estado, o sistema informático de registo das custas processuais e o sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, como se prevê no n.º 2 do citado artigo 9º da Portaria n.º 280/2013.
Ora, no caso, como se vê do formulário electrónico de apresentação da petição de embargos tal indicação não consta do formulário, mas também não foi impresso o separador relativo às custas processuais onde a indicação da referência do DUC devia ter sido inserida.
E foi precisamente com referência a tal omissão que o apresentante, quando notificado da rejeição da peça processual pela secretaria, invocou, no prazo da reclamação, ter ocorrido erro de sistema ou mesmo lapso no preenchimento do formulário.
Como a questão não foi apreciada na 1ª instância, não tem este tribunal de recurso elementos nos autos para decidir se houve, ou não, erro do próprio sistema, e na economia da presente decisão, não se justifica a realização de diligências com vista a apurar tal situação.
Na verdade, tendo sido invocado erro no preenchimento ou submissão do formulário e lapso no seu preenchimento, é de presumir que esta situação tenha efectivamente ocorrido, porquanto, não vemos que resulte qualquer vantagem para o apresentante decorrente da falta de indicação da referência do DUC no formulário, quando comprovadamente tinha procedido ao seu pagamento antes da apresentação da peça processual em causa.
Ora, prescreve-se no artigo 146º do Código de Processo Civil que:
«1 - É admissível a rectificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.
2 - Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correcção de vícios ou omissões puramente formais de actos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correcção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.»
Como resulta dos factos apurados nos autos, verifica-se que a petição deu entrada no dia 30/11/2020, pelas 19:56:37 (cf. certificação Citius), e que o DUC em causa tinha sido pago no mesmo dia, pelas 17:04:49 (cf. doc. juntos com a reclamação), e o mesmo não foi utilizado para qualquer outro processo, como se comprova pela informação da secção de processos desta Relação, que antecede.
Assim, não estando propriamente em causa a tempestividade da apresentação da peça processual de embargos, e verificando-se que à data da apresentação da petição de embargos o DUC em causa tinha sido efectivamente pago, que do alegado erro ou omissão da menção do DUC no formulário não decorre qualquer vantagem para o apresentante, e não se vislumbrado qualquer situação reveladora de que a omissão ocorreu por dolo ou culpa grave do apresentante, deve, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 146º do Código de Processo Civil, deferir-se o pedido do apresentante/recorrente, de suprimento da falta verificada.
Aliás, afigura-se-nos que uma qualquer interpretação dos preceitos em causa, no sentido de privilegiar uma decisão meramente formal de rejeição da peça processual apresentada seria manifestamente desproporcional face às consequências daí advenientes, sendo geradora de inconstitucionalidade, por ofensa dos princípios consagrados no artigo 20º da Constituição.
Acresce que não é despiciendo lembrar que não se encontra fundamento material bastante para que, com a nova redacção dada ao artigo 560º do Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º n.º 97/2019, de 26 de Julho, apenas se tenha passado a permitir que o autor possa apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, “[q]uando se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º …”, excluindo tal faculdade quando a peça seja apresentada por mandatário judicial via Citius.
Em face do exposto deve considerar-se suprido o lapso da falta de indicação no formulário da referência ao DUC pago, com a consequente admissão da petição de embargos.

5. Ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que se discorda do decidido quanto ao fundamento invocado para a rejeição da petição de embargos de executado, porquanto, ao contrário da posição seguida na decisão recorrida, entende-se que à falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça referente à petição de embargos, não devem ser aplicadas as regras atinentes à petição inicial, mas as referentes à contestação, previstas no artigo 570º do Código de Processo Civil, e por esta via, sempre seria de revogar a decisão recorrida.
Efectivamente, como se concluiu, entre outros, no acórdão da Relação de Guimarães, de 20/04/2017, (proc. n.º 84/14.4TBBCL-C.G1), subscrito pela aqui 2ª adjunta, disponível como os demais citados sem oura referência em www.dgsi.pt:
“I. Para efeitos de pagamento de taxa de justiça, os Embargos de executado não são equiparáveis à petição inicial em acção declarativa, mas sim à contestação, donde resulta que lhe deverá ser aplicável o regime do art. 570º do CPC.
II- Não pode, por isso, o Tribunal ordenar o desentranhamento do requerimento de Embargos de executado sem dar ao Executado/Embargante a possibilidade de proceder ao pagamento da quantia em falta, a título de taxa de justiça, nos termos do nº 3 do art. 570º do CPC.”
Este entendimento, que aqui seguimos, é o que tem prevalecido em termos jurisprudenciais e doutrinários, como, aliás, se dá nota no citado aresto: [Na jurisprudência, no mesmo sentido ou seja de que, em sede de pagamento da taxa de justiça, a oposição à execução não é equiparável à petição inicial em acção declarativa, mas sim à contestação, os Acs. do STJ de 11.11.2010 (relator: Serra Baptista), e de 3.11.2011 e de 12.6.2012 (relator: Maria Pizarro Beleza), da RG de 6.10.2011 (relator: Manuel Bargado), da RP de 1.7.2008 (relator: Rodrigues Pires), 22.1.2008 (relator: Rodrigues Pires) e de 3.12.2007 (relator: Anabela Luna de Carvalho) e de 17.5.2012 (relator: Freitas Vieira – quanto à oposição à penhora), da RC 18.3.2014 (relator: Catarina Gonçalves) e da RL de 12.7.2007 (relator: Pimentel Marcos), de 22.1.2008 (relator: Rui Vouga) de 14.09.2010, (relator: Folque de Magalhães), de 07.05.2009 (relator: Sousa Pinto) e de 26.03.2009 (relator: Carlos Valverde), todos disponíveis in dgsi.pt. Em sentido contrário, v. Acs. da RL de 29.11.2007, (relator: Fernanda Isabel Pereira) e da RP de 25.03.2010, (relator: Sousa Lameira), na doutrina, V. Rui Pinto, in “Manual da Execução e despejo”“, págs. 427 a 429 e Salvador da Costa, in “Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado”, pág. 510 que em anotação ao art. 150-A do anterior CPC refere expressamente que “…temos pois que a lei exclui, nos casos de contestação ou oposição e de interposição de recurso que a omissão de apresentação do documento comprovativo da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário na aludida modalidade, implique a recusa do seu recebimento.”]

6. Em face do exposto, procede a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, que manteve a decisão da secretaria de rejeição da petição de embargos, devendo a mesma ser admitida, se nada mais a tal obstar.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, admitindo-se a petição de embargos de executado, como acima referido.
Custas pelo vencido a final.
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Évora, 24 de Fevereiro de 2022
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Elisabete Valente