Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO SOUSA E FARO | ||
Descritores: | SOCIEDADE POR QUOTAS DELIBERAÇÃO SOCIAL CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMERCIAL CESSAÇÃO DO CONTRATO | ||
Data do Acordão: | 05/11/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I. A deliberação social só é exigida nos casos de alienação ou oneração de bens imóveis e alienação, oneração e locação de estabelecimento, cabendo os demais actos, como a cessação do contrato de arrendamento, nos poderes da gerência; II. Tal decisão do Gerente foi, ainda assim, sindicada pelos sócios em deliberação que fizeram inserir na escritura pública de dação em pagamento outorgada no mesmo dia, a qual foi subscrita por todos os sócios da mesma sociedade que atestam que o prédio não se encontra arrendado, nem onerado por qualquer forma que lhe diminua o valor e que o mesmo se encontra devoluto; III. Tal escritura pública de dação em pagamento, outorgada por todos os sócios, pode ser considerada uma "deliberação unânime por escrito", nos termos do nº1 - 1ª parte - do artigo 54º do CSC. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1. CORTICEIRA DO FIDALGO, LDA. intentou contra: 1º - Caixa de Crédito Agrícola Mútuo Costa Azul, CRL e a) Ao dar como assente o ponto 23 dos FP que citado para a ação 4492/19.6T8STB do Juízo Central Cível de Setúbal – J2, o ali réu (BB) apresentou contestação dizendo que se encontra a ocupar o prédio em nome da sociedade Corticeira do Fidalgo, Lda. ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado em 26/05/1982, não correspondendo tal facto à verdade e não o fundamentando de forma válida e eficaz, a sentença recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do artº 615º nº 1 do CPC, que aqui se invocam como fundamento do presente recurso, e de modo a que se pura e simplesmente eliminado aquele ponto 23, - artº 615º nº 4 do CPC; b) As declarações de parte do gerente da Autora, BB, produzidas na audiência de julgamento de 23-09-2022 gravadas no sistema digital H@bilus Media Studio desde o minuto 10:04:35 ao minuto 11:00:22, do depoimento da testemunha FF gravado no mesmo sistema do minuto 11:00:24 ao minuto 11:17:59, da testemunha GG, ali gravado do minuto 11:18:01 ao minuto 11:22:17, e da testemunha HH, no mesmo sistema gravadas do minuto 11:26:27 ao minuto 11:30:05, - e dos quais, de todo o modo, face ao dever de averiguação oficiosa no tribunal de recurso, se anexam cópia integrais como acima se assinalou, impunham que os factos dados como não provados nas alíneas L) e N) dos FNP o fossem dados como provados o que se espera venha a suceder por via da presente impugnação da decisão relativa à matéria de facto; c) A decisão proferida no processo 4492/19.6T8STB do Juízo Central Cível de Setúbal – J2 não tem força de autoridade de caso julgado nem constitui caso julgado que possa ser imposto ao pedido formulado na presente ação por parte da Autora, porquanto não se verificam requisitos para tal, nomeadamente os previstos no artº 581º do CPC, disposição esta que se considera ter sido erradamente interpretada e aplicada pela sentença apelada; d) A renúncia do direito ao arrendamento declarada pelo gerente da Autora no documento junto aos autos não cabia nos respetivos poderes de gerência e extravasavam o objeto social da Autora, porquanto a capacidade da sociedade apenas compreende os direitos e as obrigações necessárias à prossecução do seu fim algo que não consistia no ato de contribuir para salvar dívidas de outras entidades, inexistindo interesse próprio da sociedade para aquele fim; e) Também tal renúncia não cabia na competência do gerente da Autora, por integrar um ato de alienação ou oneração do respetivo estabelecimento, algo impedido pelo artº 246º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais; f) Não cabendo na capacidade da sociedade e na competência do gerente, tal renúncia não fica coberta pelo disposto no artº 260º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais que apenas admite a vinculação dos atos praticados pelo gerente para com terceiros quando os mesmos se encontrem dentro dos respetivos poderes de gerência; g) A dita renúncia não foi autorizada nem deliberada pelos sócios da sociedade, fosse nos termos do artº 54º do Código das Sociedades Comerciais, fosse em assembleia geral, fosse ainda por voto escrito unânime, algo que permitiria, mas não sucedeu, que o gerente da Autora tivesse atuado dentro de poderes bastantes para aquele fim; h) Não sufragando o sustentado pela Autora quanto à invalidade e ineficácia da aludida renúncia, a sentença apelada fez errada interpretação e aplicação das disposições legais invocadas nas presentes alegações e conclusões, a interpretar no sentido que aqui se propugna, devendo, consequentemente, ser revogada com as legais consequências, quais sejam as da procedência da ação reconhecendo-se à Autora o direito de preferir na venda do prédio feita pela 1ª à 2ª Ré; i) Também se impõe a revogação da decisão recorrida no que toca à condenação de litigância de má fé, por manifesta inexistência dos requisitos para tal previstos no artº 542º do CPC, por ela mal interpretado e aplicado. Decidindo-se nos termos expostos e naqueles que V. Exªs doutamente suprirem, será feita a habitual Justiça!
3. Contra-alegaram os Réus defendendo a total improcedência do recurso. 4. Sendo certo que o objecto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações (cfr. artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), as questões cuja apreciação as mesmas convocam são as seguintes:
5.1. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida: “Factos provados com relevo para a decisão da causa: 1. Por escritura de trespasse 3 de março de 1982, lavrada de fls. 87 a 89 do Livro B-189 do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, a ora Autora tomou de trespasse a AA um estabelecimento de fábrica de preparação e transformação de cortiças, com caldeiras, instalada no Lugar de Cumeadas, Santiago do Cacém, nos prédios urbanos inscritos sob os artºs 564º, 2595º, 2596º, 1939º, 1564º, 1482º e artigo rústico 282º, Secção R, prédios de propriedade do trespassante à data da escritura. 2. Em ato lavrado no mesmo dia, e subsequente àquele, o referido AA, por escritura da mesma data, vendeu a BB, casado no regime da comunhão de adquiridos com CC e DD, então solteiro, maior, os prédios onde se encontrava instalada a dita fábrica de preparação e transformação de cortiças. 3. Os novos proprietários dos prédios autorizaram desde sempre que a Autora ali exercesse a atividade de preparação e transformação de cortiças. 4. Por escritura de 26 de maio de 1982, lavrada a fls. 15 a 18 vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 181-B do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, DD, BB e mulher CC, deram de arrendamento à ora Autora, os prédios urbanos situados no Lugar de Cumeadas, Santiago do Cacém, os prédios urbanos inscritos na matriz respetiva sob os artºs ...82..., ...64..., ...39..., ...95..., ...96... e ...64º, e ainda os pedaços de terreno destinados a logradouros dos mesmos prédios: a) Pedaço de terreno com a área de dez mil duzentos e noventa e dois metros quadrados, omisso na matriz por fazer parte da zona de urbanização, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém sob parte do número sete mil oitocentos e sessenta e um, do Livro B – vinte e quatro; e b) Pedaço de terreno com a área de mil novecentos e dezanove virgula zero três metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial deste Concelho sob parte da descrição número seis mil seiscentos e cinquenta e um, do Livro B – vinte e dois. E bem assim, que arrendavam todos os referidos prédios à sociedade “Corticeira do Fidalgo, Ldª”. 5. Considerando que no local a Autora explorava a atividade de preparação e transformação de cortiças, ficou a constar do contrato de arrendamento que os locais arrendados se destinavam à preparação e transformação e cortiças, com caldeiras, e venda dos respetivos produtos acabados ou eventualmente da cortiça pertença da sociedade arrendatária. 6. O contrato teve início em 21 de maio de 1982, sendo feito pelo prazo de 6 meses, renovando-se por iguais períodos de tempo. 7. Mais foi estabelecido que a arrendatária, ora Autora, poderia exercer em todos os locais arrendados toda e qualquer outra atividade a que atualmente se dedique ou que no futuro se venha a dedicar. 8. A arrendatária foi ainda autorizada a efetuar nos locais arrendados todas as obras ou benfeitorias que reputasse úteis ou necessárias à sua atividade ficando, todavia, as mesmas a fazer parte integrante dos imóveis locados, não podendo a arrendatária pedir pelas mesmas qualquer indemnização ou a alegar, por sua causa, direito de retenção. 9. Foi acordada a renda de vinte mil escudos a ser repartida pelos imóveis arrendados da seguinte forma: os prédios inscritos na matriz sob os artºs ...64..., ...82... e ...95º são arrendados cada um pela renda mensal de quinhentos escudos, num total de mil e quinhentos escudos; ao prédio inscrito na matriz sob o artº ...64º correspondeu a renda mensal de setecentos escudos; a cada um dos imóveis inscritos na matriz sob os artºs ...96... e ...39º corresponde a renda de cem escudos, num total de duzentos escudos; o terreno com a área de 10293 m2 fica arrendado por onze mil escudos mensais e ao restante terreno com a área de 1919,03 m2, corresponde a renda mensal de seis mil e quatrocentos escudos. 10. Os prédios objeto do arrendamento ali referido vieram a ser descritos através de uma única descrição na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Santiago do Cacém sob o nº ...61 em Livro (e sob o nº 2004/19971119 em Ficha), sendo nas Finanças objeto da matriz predial urbana ...54 da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra. 11. Na sequência do falecimento de DD, BB, juntamente com os herdeiros do referido falecido deram o prédio em cumprimento do pagamento de diversas dívidas à 1ª R. 12. Por escritura pública de Dação em Pagamento, celebrada no dia 7 de Dezembro de 2011, no Cartório Privado de Sines, junta a fis.18 a 28 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, na qual figura como primeiro outorgante a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, representada por procuradora, como segunda outorgante, II, como terceiros outorgantes, o BB a mulher CC e JJ, como terceiros outorgantes, declararam, além do mais, o seguinte: " ( ... )Disseram a segunda outorgante, por si, e as terceiras outorgantes identificadas nas alíneas A) e B) que por escritura de habilitação de herdeiros lavrada no Cartório Notarial de Santiago de Cacém( ... ) lavrada no dia vinte e quatro de Julho de 2007( ... ) CC, II e JJ, ora segunda e terceiras outorgantes supra identificadas foram declaradas únicas e universais herdeiras de seu pai, DD, ( .. ) falecido no estado de solteiro, no dia dezasseis de Novembro de dois mil e seis. Disseram a segunda outorgante, por si e na qualidade em que outorga, e os terceiras outorgantes ( ... ) que para pagamento parcial da quantia total em divida ( ... ) dão em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL.( .. ) os seguintes prédios: ( ... ) Dez: Prédio urbano sito nas Cumeadas, freguesia e concelho de Santiago do Cacém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...12 ( ... ) descrito na Conservatória de Registo Predial de Santiago do Cacém sob o numero ... e quatro da dita freguesia, onde se mostra registada a aquisição de metade a favor dos terceiros outorgantes identificados sob a alínea A) pela inscrição Ap. onze de três de Junho de mil novecentos e oitenta e dois, e de metade em comum e sem determinação de parte, ainda a favor de segunda e terceira outorgantes identificadas sob a alínea A) pela inscrição ap. Nove de quinze de Julho de dois mil e oito. ( ... ) Declara ainda a segunda outorgante, por si e na qualidade em que outorga, e os terceiros outorgantes ( ... ) que os imóveis dados em pagamento não se encontram arrendados, nem onerados por qualquer forma que lhes diminua o valor e que os mesmos se encontram devolutos, com exceção dos supra identificados sob os números Um, Dois, Três, Quatro, Cinco e Seis. Disse a Primeira outorgante na qualidade em que outorga que aceita, para a sua representada, a presente dação em cumprimento nos termos exarados ( ... )". 13. Em 19 de abril de 2021, por escritura lavrada na Notária EE, em Santiago do Cacém, e constante do respetivo Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 233, a 1ª Ré vendeu o prédio ...04 à ora 2ª Ré pelo preço de € 420.000,00. 14. Tal aquisição foi averbada pela ap....64, de 20.04.2021. 15. Não foi enviada à A. a comunicação para exercício do direito de preferência. 16. Aquando da aquisição acima referida, a R. Polivete pagou as seguintes importâncias: - € 420.000,00 – preço; € 31.381,10 – IMT; - € 3.862,29 – Imposto do Selo e - € 593,93 – despesas notariais e registrais. 17. Em 07/12/2011, BB, subscreveu um documento designado por "Renúncia ao Direito ao Arrendamento" junto a fls. 49 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual consta, além do mais, que: "… na qualidade de sócio e único gerente da Corticeira do Fidalgo, Ldª (…) Declara que Renuncia ao Arrendamento de que a Corticeira do Fidalgo é titular sobre os seguintes imóveis: a) um prédio urbano sito nas Cumeadas (Santiago do Cacém) inscrito na respetiva matriz predial sob o arte, 5612, freguesia de Santiago do Cacém ( ... ). 18. A Autora, sociedade comercial por quotas, foi constituída por escritura pública de 11 de Novembro de 1975, exarada de fls. vinte e seis verso a vinte e oito verso do Livro e Notas para escrituras diversas número A-131 do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, cabendo a gerência aos dois sócios, BB e DD e vinculando-se a sociedade com intervenção de ambos. 19. Em 13 de Junho de 1996, os sócios da referida sociedade outorgaram escritura pública de alteração do contrato de sociedade e de renúncia à gerência – exarada de folhas sessenta e oito verso a sessenta e nove verso do Livro de Notas para escrituras diversas número 270-A do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, através da qual a gerência passou a caber, somente, ao sócio-gerente BB. Ali ficou estipulado que “A gerência pertence a um gerente (…) É gerente o sócio BB” 20. Desde então, e até ao presente, a gerência da sociedade encontra-se a cargo do sócio BB, vinculando-se com a assinatura daquele. 21. O sócio DD faleceu em 16 de Novembro de 2006, tendo-lhe sucedido como únicas e universais herdeiras, as suas filhas, CC, II e JJ. 22. Correu termos no Juízo Central Cível de Setúbal, sob o nº 4492/19.6T8STB, uma ação comum intentada por Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, Crl, contra BB, onde era pedida a condenação do Réu a desocupar o prédio urbano sito nas Cumeadas, freguesia e concelho de Santiago do Cacém, descrito na Conservatória de Registo Predial de Santiago do Cacém sob o n° ...04 da referida freguesia de Santiago do Cacém, e a restituí-lo imediatamente à Autora, livre de pessoas e bens. 23. Citado o R. apresentou contestação dizendo, em suma, que se encontra a ocupar o prédio em nome da sociedade Corticeira do Fidalgo. Ldª, ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado em 26.05.1982. 24. – Ali, na ponderação dos seguintes factos provados: “1- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém sob o nº ...04 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...12 da freguesia de Santiago do Cacém, o prédio urbano sito nas Cumeadas, em Santiago do Cacém. 2- Pela Apresentação 4139 de 2011/12/07 foi registada a propriedade do referido prédio a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL. 3- (…) 4- Em 07/12/2011, BB, subscreveu um documento designado por "Renúncia ao Direito ao Arrendamento" junto a fls. 36v dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual consta, além do mais, que: "( ... ) Declara que Renúncia ao Arrendamento de que a Corticeira do Fidalgo é titular sobre os seguintes imóveis: a) um prédio urbano sito nas Cumeadas (Santiago do Cacém) inscrito na respetiva matriz predial sob o arte, 5612, freguesia de Santiago do Cacém ( ... ). 5- Por escritura pública de Dação em Pagamento, celebrada no dia 7 de Dezembro de 2011, no Cartório Privado de Sines, junta a fis.5 a 15 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, na qual figura como primeiro outorgante a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, representada por procuradora, como segunda outorgante, II, como terceiros outorgantes, o BB a mulher CC e JJ, como terceiros outorgantes, declararam, além do mais, o seguinte: " ( ... )Disseram a segunda outorgante, por si, e as terceiras outorgantes identificadas nas alíneas A) e B) que por escritura de habilitação de herdeiros lavrada no Cartório Notarial de Santiago de Cacém( ... ) lavrada no dia vinte e quatro de Julho de 2007( ... ) CC, II e JJ, ora segunda e terceiras outorgantes supra identificadas foram declaradas únicas e universais herdeiras de seu pai, DD, ( .. ) falecido no estado de solteiro, no dia dezasseis de Novembro de dois mil e seis. Disseram a segunda outorgante, por si e na qualidade em que outorga, e os terceiras outorgantes ( ... ) que para pagamento parcial da quantia total em divida ( ... ) dão em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL.( .. ) os seguintes prédios: ( ... ) Dez: Prédio urbano sito nas Cumeadas, freguesia e concelho de Santiago do Cacém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...12 ( ... ) descrito na Conservatória de Registo Predial de Santiago do Cacém sob o numero ... da dita freguesia, onde se mostra registada a aquisição de metade a favor dos terceiros outorgantes identificados sob a alínea A) pela inscrição Ap. onze de três de Junho de mil novecentos e oitenta e dois, e de metade em comum e sem determinação de parte, ainda a favor de segunda e terceira outorgantes identificadas sob a alínea A) pela inscrição ap. Nove de quinze de Julho de dois mil e oito. ( ... ) Declara ainda a segunda outorgante, por si e na qualidade em que outorga, e os terceiros outorgantes ( ... ) que os imóveis dados em pagamento não se encontram arrendados, nem onerados por qualquer forma que lhes diminua o valor e que os mesmos se encontram devolutos, com exceção dos supra identificados sob os números Um, Dois, Três, Quatro, Cinco e Seis. Disse a Primeira outorgante na qualidade em que outorga que aceita, para a sua representada, a presente dação em cumprimento nos termos exarados ( ... )". 6- A Corticeira do Fidalgo, Lda., é uma sociedade comercial por quotas, composta por duas quotas, cada uma de € 37.409,84 e pertencentes respetivamente a BB e a DD. 7- Por escritura publica de renúncia à gerência e alteração ao contrato de sociedade, celebrada no dia 13 de Junho de 1996, no Cartório Notarial de Santiago do Cacém, junta a f1S.38 a 49 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, na qual figura como primeiro outorgante, DD, e como segundo outorgante, BB, declaram, além do mais, o seguinte" " a) o sócio DD renuncia a gerência social; e b) alteram o artigo quinto do contrato da sociedade que passará a ter a seguinte redação ( ... ) Um: - A gerência, dispensada de caução, pertence a um gerente; Dois: É gerente o sócio BB ( ... ). 8- Na sequência desta escritura publica foi efetuado o registo na Conservatória de Registo Comercial nos termos do qual a Corticeira do Fidalgo, Lda, é uma sociedade comercial que apenas vincula com a assinatura de um gerente. “. 25– Mais foi considerado não provado o seguinte: “ 1. O prédio está ocupado pela sociedade Corticeira do Fidalgo, Lda., desde 26 de Maio de 1982, mediante contrato de arrendamento; 2. Os contratos de fornecimento de água e luz celebrados pela sociedade estão em vigor; 3. Desde essa data que a sociedade ali se mantem e exerce a sua atividade de comércio; 4. A sociedade Corticeira do Fidalgo, Lda., apenas se vincula com a assinatura de dois gerentes.”
26. E após a seguinte fundamentação jurídica: “ No caso em apreciação é evidente que não se logrou provar qualquer factualidade que permita concluir que a ocupação é feita em nome da sociedade e mediante um contrato de arrendamento celebrado em 26/5/1982. Efetivamente, tal como decorre da factualidade acima consignada como provada, o Réu BB, na qualidade de sócio e gerente da sociedade Corticeira do Fidalgo, SA., declarou renunciar ao direito ao arrendamento de que a sociedade era titular sobre o prédio em discussão nos autos. Mais esta assente que, à data dessa declaração, a sociedade vinculava com a assinatura do seu gerente e a gerência da sociedade pertencia a um único sócio o ora Réu BB. Assim, a invocação da falta de poderes do gerente constitui um mero pretexto para este obstar a restituição do bem ao dono. Sempre esta invocação da falta de poderes seria ilegítima e abusiva, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico desse direito. Também a invocação da falta de deliberação dos restantes sócios traduz um mero pretexto. Decorre da factualidade assente que, 7/12/2011, foi celebrada uma escritura publica de dação em pagamento entre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, e BB e mulher CC, JJ e II, da qual se extrai que o sócio DD tinha falecido no dia 16/11/2006, tendo deixado como únicas e universais herdeiras CC, II e JJ. Nessa escritura publica, para pagamento parcial de uma divida foi dado em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, o prédio identificado em 1) dos factos assentes. Mais, nessa escritura, o BB e mulher CC, JJ e II declaram que o prédio identificado em 1) dos factos assentes não se encontrava arrendado, nem onerado por qualquer forma que lhes diminua o valor e que o mesmo se encontrava devoluto. Tal declaração efetuada numa escritura pública de dação em cumprimento - documento autêntico - traduz, necessariamente, expresso consentimento e aceitação da renúncia ao arrendamento efetuado pelo gerente da sociedade Corticeira do Fidalgo, SA., por parte das únicas e universais herdeiras do falecido. De igual modo, ficou a constar dessa escritura, com força probatória plena decorrente de se traduzir em declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352° e 358°, n° 2, do Cód. Civil, que o locado já se mostrava devoluto. Concluímos, assim, que a ocupação do prédio por parte do Réu não é feita em nome da sociedade.” 27. Foi proferida a seguinte decisão: 2a) Condenar o Réu a entregar a Autora o prédio urbano identificado em 1) dos factos provados, livre de pessoas e bens. b) Condenar o Réu, como litigante de má fé, na multa de 4UCS. c) Custas a cargo do Réu.”. 28. Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão da primeira instância, referindo ainda em motivação. “Aquilo que o R. alegou na respetiva contestação foi que o prédio em causa nos autos é utilizado pela sociedade Corticeira do Fidalgo, LDª, ao abrigo de um contrato de arrendamento outorgado em 26 de Maio de 1982 e que desde essa ata que o referido prédio é utilizado exclusivamente por aquela sociedade que ali exerce a atividade referente ao objeto social. Ou seja, o Réu nunca invocou qualquer título que legitimasse a ocupação, por ele próprio, do prédio objeto da presente ação”. 29. O arrendamento invocado pela A. não se encontra registado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira. 30. A A. nunca procedeu ao pagamento de qualquer renda à R. 31. À data de 24.11.2021, a Autora não era titular de qualquer contrato de fornecimento de água para o prédio em causa. 32. No dia da dação em cumprimento o então gerente BB, subscreveu um documento de renúncia ao direito ao arrendamento. 33. A Autora tem por objeto o comércio (incluindo exportação) e a preparação de cortiça. 34. Em data não apurada a Ré Caixa começou a desenvolver diligências para que o prédio lhe fosse entregue. 35. Desde o dia da outorga da escritura de dação que a Autora se manteve a utilizar o local dos autos ininterruptamente. 36. O contrato de fornecimento de água manteve-se em nome da Autora até Julho 2019. 37. A limpeza do prédio e, em especial, a dos próprios espaços exteriores, sempre foi feita pela Autora. 38. A Ré Caixa pretendeu substituir os portões do prédio, dando lugar a processos de inquérito no DIAP de Santiago do Cacém e que, precisamente por não estar dirimida a situação referente ao direito ao arrendamento, mereceram despacho de arquivamento. 39. A Autora não é titular de qualquer contrato de fornecimento de energia para o prédio em causa. Factos não provados: A) Eliminada. B) Aquando da preparação da escritura de dação em pagamento, nunca foi referido que a Autora teria que renunciar ao direito ao arrendamento. C) O que também nunca foi exigido pela Caixa de Crédito Agrícola até ao momento da escritura. D) Só no dia da dação em cumprimento é que o então gerente BB, foi confrontada com a pretensão da Ré Caixa de Crédito Agrícola no sentido de que ficasse a constar genericamente da escritura que nenhum dos prédios dados em pagamento se encontrava arrendado e que a Caixa pretendia que BB subscrevesse um documento de renúncia ao direito ao arrendamento. E) BB alertou a Ré Caixa de que tal pretensão – aliás, nunca abordada até então – não só extravasava a capacidade da sociedade, pois que estranha ao seu objeto social, como também, ainda que assim não fosse, exigiria uma deliberação social tomada por uma das formas previstas nos artºs 53º e 54º do Código das Sociedades Comerciais. F) Face às reticências expostas por BB, os representantes da Caixa Agrícola disseram-lhe que não se preocupasse em fazer constar da escritura a referida declaração de que nenhum dos prédios (incluindo o dos autos) se encontrava arrendado, e que igualmente não se preocupasse em subscrever a aludida declaração, pois que de facto o arrendamento não ficaria renunciado e que a Autora continuaria a usar o prédio. G) Aquela ocupação manter-se-ia titulada pelo arrendamento já vigente ou noutros termos que viessem a ser oportunamente acordados entre a Caixa e a Autora. H) E ainda acrescentaram que não se preocupasse a Autora com o pagamento da renda. I) O Contrato de Fornecimento de Energia encontra-se celebrado com a 1ª Ré. J) Entretanto ocorreram alguns contactos sobre a possibilidade de a utilização do prédio poder ocorrer sob título diferente de um arrendamento. K) Que as diligências do 34 ocorressem sem pré-aviso. L) Que a utilização a que se alude em 35 tenha ocorrido sem quaisquer obstáculos por parte da Ré Caixa, suportando a A. todas as despesas relacionadas com essa utilização, incluindo até o pagamento de IMIs. M) O contrato de fornecimento de eletricidade até ao ano de 2020 esteve em nome da A. N) O prédio dos autos, classificado como terreno de exploração, tem-se mantido, como sucedia aquando da outorga da escritura de dação, no mapa de depreciações e amortizações – Modelo 22 – na contabilidade da Autora.”.
6. Do mérito do recurso
6.1. Da alegada omissão de fundamentação do ponto 23 dos factos provados e suas consequências.
Entende a apelante que o ponto 23 dos factos provados não está fundamentado de “forma válida e eficaz” pelo que a sentença padece das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do art.º 615º do CPC. Vejamos. Na primeira das assinaladas alíneas, o legislador comina a sentença de nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (alínea b). Esta causa de nulidade conexiona-se com o dever de fundamentação da sentença e “não deve confundir-se - mas na realidade frequentemente confunde-se -, com o dever de motivação da matéria de facto, a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, de acordo com o qual «o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas», nos termos ali melhor especificados. Ora, «[a] omissão total ou parcial da análise crítica e/ou de motivação, gera uma nulidade processual secundária (preterição de formalidade exigida por lei) com previsão no artigo 195.º, porquanto com manifesta «influência no exame ou na decisão da causa» que a lei sujeita, todavia, ao regime especial de arguição dos artigos 149.º, 195.º e 199.º» do CPC. Assim sendo, a sua existência deve ser arguida no prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 149.º do CPC, contados da data em que foi notificado da sentença (artigo 199.º, n.º 1, do CPC), ficando consequentemente sanada se não for arguida nesse prazo, diferentemente do que ocorre com a nulidade da sentença quando esta não especifique os fundamentos de facto, a qual pode ser arguida em sede de recurso (artigo 615.º, n.º 4, do CPC), e consequentemente, dispondo a parte do prazo que a lei lhe conceder para recorrer.[2]”.
Ora os fundamentos de facto da sentença estão claramente especificados, como se colhe da descrição efectuada, e, por conseguinte, a nulidade em apreço não se verifica.
Por seu turno, a nulidade a que alude a alínea c) do nº1 do artº 615º reporta-se aos casos em que os fundamentos invocados deveriam, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença alcança. A contradição exigida pelo normativo em análise não se reporta à contradição entre os fundamentos de facto entre si mas sim à contradição entre os fundamentos de facto e o direito: quando aqueles apontam para um determinado sentido e a decisão para outro, oposto. Analisando a decisão recorrida constata-se que nada disso sucede: a decisão de absolvição dos Réus do pedido é o corolário do que ficou provado. Efectivamente, resulta com clareza de tal decisão que a Autora não é titular do direito de preferência de que se arroga por não ser há muito arrendatária do imóvel alienado. Ora, o que a mesma apelante invoca é a ausência de prova suficiente para considerar provado o facto vertido no ponto 23 e não qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão. Ora, o primeiro dos vícios, a ocorrer, não acarreta a nulidade da sentença, antes constitui erro de julgamento e fundamento de impugnação da matéria de facto a trilhar pelo recorrente em estrita obediência com o artº 640º nº1 do CPC, caminho que decisivamente o apelante, neste conspecto, não seguiu. Por conseguinte, a sua pretensão de o ver eliminado, com fundamento em nulidade, do elenco dos “factos provados” não tem como proceder.
6.2. Impugnação da matéria de facto: Se os factos dados como não provados nas alíneas L) e M) [3]do rol dos “Não Provados” deveriam transitar para o elenco dos “Provados”. Consideramos que a sua conduta se subsume ao disposto na alínea a) do nº2 do artigo 542.º do CPC já que agiu confiada de que poderia arrogar-se de tal direito omitindo factos relevantes que tentou mais tarde contrariar com recurso a argumentação que sabia ser de duvidosa consistência jurídica, como se viu. Em vão, é certo. Mas a implicar um esforço acrescido da máquina judiciária e de todos os intervenientes processuais. Não podemos, portanto, deixar de acompanhar o juízo de censura que é feito à conduta processual da recorrente, o que à semelhança do que foi decidido, não se pode deixar de sancionar. E, por isso, também nesta parte, o recurso improcede.
III. DECISÃO
Por todo o exposto, julga-se a presente apelação improcedente e, em consequência, se mantém a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
______________________________________ [1] Que a apelante refere por óbvio lapso tratar-se da alínea N). [2] Cfr. Acórdão deste Tribunal proferido em 30.11.2016 no Processo n.º 1510/10.7TBSTB.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal. [3] Que, como dissemos, a apelante refere por óbvio lapso tratar-se da alínea N). [4] Cfr. Acórdão do STJ de 9.4.2019, relatado pela Cons. Maria João Tomé. [5] Tal é aliás , também, o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão proferido em 04.06.2009 no âmbito do Processo 6538/04.3YXL.SB.L1-2 em que foi relatora a Desembargadora Teresa Albuquerque. [6] In “Impugnação das Deliberações Sociais “, CJ, Ano XIII, 1988, T.3. pag. 21. [7] Cfr. Acordão do STJ de 18/05/2006 – Processo SJ200605180011061 em que foi Relator o Conselheiro Sebastião Póvoas. |