Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5473/21.5T8STB.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
DELIBERAÇÃO SOCIAL
CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMERCIAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A deliberação social só é exigida nos casos de alienação ou oneração de bens imóveis e alienação, oneração e locação de estabelecimento, cabendo os demais actos, como a cessação do contrato de arrendamento, nos poderes da gerência;
II. Tal decisão do Gerente foi, ainda assim, sindicada pelos sócios em deliberação que fizeram inserir na escritura pública de dação em pagamento outorgada no mesmo dia, a qual foi subscrita por todos os sócios da mesma sociedade que atestam que o prédio não se encontra arrendado, nem onerado por qualquer forma que lhe diminua o valor e que o mesmo se encontra devoluto;
III. Tal escritura pública de dação em pagamento, outorgada por todos os sócios, pode ser considerada uma "deliberação unânime por escrito", nos termos do nº1 - 1ª parte - do artigo 54º do CSC.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
1. RELATÓRIO

1. CORTICEIRA DO FIDALGO, LDA. intentou contra:

1º - Caixa de Crédito Agrícola Mútuo Costa Azul, CRL e
- Polivete, Assistência Veterinária, Lda. acção declarativa com processo comum, na qual peticionou:
1) Que seja judicialmente reconhecido que lhe assiste o direito de preferir na venda objeto da escritura de 19 de abril de 2021, relativamente ao prédio descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Santiago do Cacém, Freguesia de Santiago do Cacém sob o nº 2004/19971119 e inscrito na matriz predial urbana de União de Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra sob o artº 4254º; e
2) E que em consequência daquele reconhecimento, se considere a Autora substituída, com as legais consequências, na posição da adquirente, ora 2ª Ré, no que toca à AP. 2864 de 2021/04/20.
Em fundamento da sua pretensão alegou, em súmula, que por escritura de trespasse 3 de março de 1982, lavrada de fls. 87 a 89 do Livro B-189 do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, a ora Autora tomou de trespasse a AA um estabelecimento de fábrica de preparação e transformação de cortiças, com caldeiras, instalada no Lugar de Cumeadas, Santiago do Cacém, nos prédios urbanos inscritos sob os artºs 564º, 2595º, 2596º, 1939º, 1564º, 1482º e artigo rústico 282º, Secção R, prédios de propriedade do trespassante à data da escritura.
Em acto lavrado no mesmo dia, e subsequente àquele, o referido AA, por escritura da mesma data, vendeu a BB, casado no regime da comunhão de adquiridos com CC e DD, então solteiro, maior, os prédios onde se encontrava instalada a dita fábrica de preparação e transformação de cortiças.
Os novos proprietários dos prédios autorizaram desde sempre que a Autora ali exercesse a atividade de preparação e transformação de cortiças, sendo que, por escritura de 26 de maio de 1982, lavrada a fls. 15 a 18 vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 181-B do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, DD, BB e mulher CC, deram de arrendamento à ora Autora, os prédios urbanos situados no Lugar de Cumeadas, Santiago do Cacém, os prédios urbanos inscritos na matriz respetiva sob os artºs ...82..., ...64..., ...39..., ...95..., ...96... e ...64º, e ainda os pedaços de terreno destinados a logradouros dos mesmos prédios:
a) Pedaço de terreno com a área de dez mil duzentos e noventa e dois metros quadrados, omisso na matriz por fazer parte da zona de urbanização, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém sob parte do número sete mil oitocentos e sessenta e um, do Livro B – vinte e quatro; e
b) Pedaço de terreno com a área de mil novecentos e dezanove virgula zero três metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial deste Concelho sob parte da descrição número seis mil seiscentos e cinquenta e um, do Livro B – vinte e dois.
Considerando que no local a Autora explorava a atividade de preparação e transformação de cortiças, ficou a constar do contrato de arrendamento que os locais arrendados se destinavam à preparação e transformação e cortiças, com caldeiras, e venda dos respetivos produtos acabados ou eventualmente da cortiça pertença da sociedade arrendatária.
O contrato teve início em 21 de maio de 1982, sendo feito pelo prazo de 6 meses, renovando-se por iguais períodos de tempo.
Mais foi estabelecido que a arrendatária, ora Autora poderia exercer em todos os locais arrendados toda e qualquer outra atividade a que atualmente se dedique ou que no futuro se venha a dedicar.
A arrendatária foi ainda autorizada a efetuar nos locais arrendados todas as obras ou benfeitorias que reputasse úteis ou necessárias à sua atividade ficando, todavia, as mesmas a fazer parte integrante dos imóveis locados, não podendo a arrendatária pedir pelas mesmas qualquer indemnização ou a alegar, por sua causa, direito de retenção.
Foi acordada a renda de vinte mil escudos a ser repartida pelos imóveis arrendados da seguinte forma: os prédios inscritos na matriz sob os artºs ...64..., ...82... e ...95º são arrendados cada um pela renda mensal de quinhentos escudos, num total de mil e quinhentos escudos; ao prédio inscrito na matriz sob o artº ...64º correspondeu a renda mensal de setecentos escudos; a cada um dos imóveis inscritos na matriz sob os artºs ...96... e ...39º corresponde a renda de cem escudos, num total de duzentos escudos; o terreno com a área de 10293 m2 fica arrendado por onze mil escudos mensais e ao restante terreno com a área de 1919,03 m2, corresponde a renda mensal de seis mil e quatrocentos escudos.
Os prédios objeto do arrendamento ali referido vieram a ser descritos através de uma única descrição na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Santiago do Cacém sob o nº ...61 em Livro (e sob o nº 2004/19971119 em Ficha), sendo nas Finanças objeto da matriz predial urbana ...54º da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra.
Na sequência do falecimento do co-senhorio DD, o outro co-senhorio BB, juntamente com os herdeiros do referido falecido deram o prédio em cumprimento do pagamento de diversas dívidas à ora 1ª Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, por escritura de 7 de dezembro de 2011, lavrada de fls. 130 a 140 vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 14-A do Cartório Notarial de Sines.
A Autora não exerceu então o direito de preferência que lhe caberia na sequência do negócio identificado no artigo anterior, mantendo-se o arrendamento inteiramente vigente e o prédio a ser exclusivamente utilizado pela Autora para os fins para que fora dado de arrendamento.
Em 19 de abril de 2021, por escritura lavrada na Notária EE, em Santiago do Cacém, e constante do respetivo Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 233, a 1ª Ré vendeu o prédio arrendado à ora 2ª Ré pelo preço de € 420.000,00.
Antes da compra e venda não foi enviada à Autora a comunicação prevista no artº 416º do CC; ainda assim, em face da sua posição de arrendatária, assiste-lhe o direito a preferir no aludido ato translativo, termos em que concluiu conforme acima ficou expresso.
Ambos os réus apresentaram contestação e excepcionaram a caducidade do direito de preferir, pelo não depósito da quantia respeitante a todas as despesas suportadas pelo adquirente.
Os dois excepcionaram ainda a inexistência do direito de arrendamento em que a A. fundamenta o direito de preferência, alegando, além do mais, que no dia 7/12/2011, a A., por intermédio do seu sócio gerente, apresentou declaração manuscrita na qual renunciou ao direito de arrendamento dos prédios em causa nestes autos, em face do que cessou o contrato de arrendamento invocado.
Ambos os réus invocaram, igualmente, a figura da litigância de má-fé da A., alegando a Caixa que a mesma omitiu factos e alegou outros cuja falta de fundamento não podia ignorar, com a finalidade de atrasar a entrega do imóvel.
A R. Polivete invocou ainda o abuso de direito pelo facto de a Autora estar a pretender a exercer um direito com base num arrendamento a que renunciou há anos. Mais deduziu pedido reconvencional para ser atendido em caso de procedência da acção, onde pede a condenação da A. pagar-lhe a quantia de €55.837,32, para além do preço que desembolsou: € 400.000,00, respeitante a impostos e outras despesas suportadas com a aquisição.

Em resposta a A. alegou que a escritura de dação não visou pagar qualquer dívida da A. para com a Caixa. Apenas no dia dessa escritura é que a Caixa exigiu que fosse lavrado o documento de renúncia ao arrendamento e que lhe foi dito que não se preocupasse com o que ficava a constar da escritura “que nenhum dos prédios se encontrava arrendado” porquanto o arrendamento, de facto, não ficaria “renunciado” e a A. poderia continuar a usar o prédio como até ali, com base no arrendamento vigente até então, ou noutros termos, a acordar. Mais lhe disseram para não se preocupar com o pagamento da renda.
Realizou-se a audiência prévia, onde se conheceu da excepção da caducidade do direito de preferir, pelo não depósito da quantia respeitante a todas as despesas suportadas pelo adquirente no sentido da sua improcedência.
Realizou-se audiência final e subsequentemente foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente por não provada a acção e, por consequência, absolveu os réus do pedido formulado pela Autora.
Mais se decidiu condená-la em 2 UC’s de multa, por litigância de má-fé.

2. É desta sentença que a Autora recorre, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:

a) Ao dar como assente o ponto 23 dos FP que citado para a ação 4492/19.6T8STB do Juízo Central Cível de Setúbal – J2, o ali réu (BB) apresentou contestação dizendo que se encontra a ocupar o prédio em nome da sociedade Corticeira do Fidalgo, Lda. ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado em 26/05/1982, não correspondendo tal facto à verdade e não o fundamentando de forma válida e eficaz, a sentença recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do artº 615º nº 1 do CPC, que aqui se invocam como fundamento do presente recurso, e de modo a que se pura e simplesmente eliminado aquele ponto 23, - artº 615º nº 4 do CPC;

b) As declarações de parte do gerente da Autora, BB, produzidas na audiência de julgamento de 23-09-2022 gravadas no sistema digital H@bilus Media Studio desde o minuto 10:04:35 ao minuto 11:00:22, do depoimento da testemunha FF gravado no mesmo sistema do minuto 11:00:24 ao minuto 11:17:59, da testemunha GG, ali gravado do minuto 11:18:01 ao minuto 11:22:17, e da testemunha HH, no mesmo sistema gravadas do minuto 11:26:27 ao minuto 11:30:05, - e dos quais, de todo o modo, face ao dever de averiguação oficiosa no tribunal de recurso, se anexam cópia integrais como acima se assinalou, impunham que os factos dados como não provados nas alíneas L) e N) dos FNP o fossem dados como provados o que se espera venha a suceder por via da presente impugnação da decisão relativa à matéria de facto;

c) A decisão proferida no processo 4492/19.6T8STB do Juízo Central Cível de Setúbal – J2 não tem força de autoridade de caso julgado nem constitui caso julgado que possa ser imposto ao pedido formulado na presente ação por parte da Autora, porquanto não se verificam requisitos para tal, nomeadamente os previstos no artº 581º do CPC, disposição esta que se considera ter sido erradamente interpretada e aplicada pela sentença apelada;

d) A renúncia do direito ao arrendamento declarada pelo gerente da Autora no documento junto aos autos não cabia nos respetivos poderes de gerência e extravasavam o objeto social da Autora, porquanto a capacidade da sociedade apenas compreende os direitos e as obrigações necessárias à prossecução do seu fim algo que não consistia no ato de contribuir para salvar dívidas de outras entidades, inexistindo interesse próprio da sociedade para aquele fim;

e) Também tal renúncia não cabia na competência do gerente da Autora, por integrar um ato de alienação ou oneração do respetivo estabelecimento, algo impedido pelo artº 246º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais;

f) Não cabendo na capacidade da sociedade e na competência do gerente, tal renúncia não fica coberta pelo disposto no artº 260º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais que apenas admite a vinculação dos atos praticados pelo gerente para com terceiros quando os mesmos se encontrem dentro dos respetivos poderes de gerência;

g) A dita renúncia não foi autorizada nem deliberada pelos sócios da sociedade, fosse nos termos do artº 54º do Código das Sociedades Comerciais, fosse em assembleia geral, fosse ainda por voto escrito unânime, algo que permitiria, mas não sucedeu, que o gerente da Autora tivesse atuado dentro de poderes bastantes para aquele fim;

h) Não sufragando o sustentado pela Autora quanto à invalidade e ineficácia da aludida renúncia, a sentença apelada fez errada interpretação e aplicação das disposições legais invocadas nas presentes alegações e conclusões, a interpretar no sentido que aqui se propugna, devendo, consequentemente, ser revogada com as legais consequências, quais sejam as da procedência da ação reconhecendo-se à Autora o direito de preferir na venda do prédio feita pela 1ª à 2ª Ré;

i) Também se impõe a revogação da decisão recorrida no que toca à condenação de litigância de má fé, por manifesta inexistência dos requisitos para tal previstos no artº 542º do CPC, por ela mal interpretado e aplicado.

Decidindo-se nos termos expostos e naqueles que V. Exªs doutamente suprirem, será feita a habitual Justiça!

3. Contra-alegaram os Réus defendendo a total improcedência do recurso.

4. Sendo certo que o objecto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações (cfr. artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), as questões cuja apreciação as mesmas convocam são as seguintes:

4.1. Se a sentença recorrida não fundamentou o ponto 23 dos factos provados e, se por isso, enferma de nulidade que no caso acarretará a eliminação do mesmo do elenco dos “ factos provados”;

4.2. Se os factos dados como não provados nas alíneas L) e M)[1] do rol dos “ Não Provados “ deveriam transitar para o elenco dos “ Provados”;

4.3. Se a decisão proferida no processo 4492/19.6T8STB do Juízo Central Cível de Setúbal – J2 quanto à (in)existência do contrato de arrendamento no qual a Autora figurava como inquilina relativamente ao prédio dos autos se impõe, ou não, nos presentes por força da autoridade de caso julgado;

4.4. Em caso negativo, se a renúncia ao arrendamento levada a efeito pelo gerente da Autora é inválida e ineficaz;

4.5. Da (in) justeza da condenação da Autora como litigante de má-fé.


II. FUNDAMENTAÇÃO

5.1. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:

“Factos provados com relevo para a decisão da causa:

1. Por escritura de trespasse 3 de março de 1982, lavrada de fls. 87 a 89 do Livro B-189 do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, a ora Autora tomou de trespasse a AA um estabelecimento de fábrica de preparação e transformação de cortiças, com caldeiras, instalada no Lugar de Cumeadas, Santiago do Cacém, nos prédios urbanos inscritos sob os artºs 564º, 2595º, 2596º, 1939º, 1564º, 1482º e artigo rústico 282º, Secção R, prédios de propriedade do trespassante à data da escritura.

2. Em ato lavrado no mesmo dia, e subsequente àquele, o referido AA, por escritura da mesma data, vendeu a BB, casado no regime da comunhão de adquiridos com CC e DD, então solteiro, maior, os prédios onde se encontrava instalada a dita fábrica de preparação e transformação de cortiças.

3. Os novos proprietários dos prédios autorizaram desde sempre que a Autora ali exercesse a atividade de preparação e transformação de cortiças.

4. Por escritura de 26 de maio de 1982, lavrada a fls. 15 a 18 vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 181-B do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, DD, BB e mulher CC, deram de arrendamento à ora Autora, os prédios urbanos situados no Lugar de Cumeadas, Santiago do Cacém, os prédios urbanos inscritos na matriz respetiva sob os artºs ...82..., ...64..., ...39..., ...95..., ...96... e ...64º, e ainda os pedaços de terreno destinados a logradouros dos mesmos prédios:

a) Pedaço de terreno com a área de dez mil duzentos e noventa e dois metros quadrados, omisso na matriz por fazer parte da zona de urbanização, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém sob parte do número sete mil oitocentos e sessenta e um, do Livro B – vinte e quatro; e

b) Pedaço de terreno com a área de mil novecentos e dezanove virgula zero três metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial deste Concelho sob parte da descrição número seis mil seiscentos e cinquenta e um, do Livro B – vinte e dois.

E bem assim, que arrendavam todos os referidos prédios à sociedade “Corticeira do Fidalgo, Ldª”.

5. Considerando que no local a Autora explorava a atividade de preparação e transformação de cortiças, ficou a constar do contrato de arrendamento que os locais arrendados se destinavam à preparação e transformação e cortiças, com caldeiras, e venda dos respetivos produtos acabados ou eventualmente da cortiça pertença da sociedade arrendatária.

6. O contrato teve início em 21 de maio de 1982, sendo feito pelo prazo de 6 meses, renovando-se por iguais períodos de tempo.

7. Mais foi estabelecido que a arrendatária, ora Autora, poderia exercer em todos os locais arrendados toda e qualquer outra atividade a que atualmente se dedique ou que no futuro se venha a dedicar.

8. A arrendatária foi ainda autorizada a efetuar nos locais arrendados todas as obras ou benfeitorias que reputasse úteis ou necessárias à sua atividade ficando, todavia, as mesmas a fazer parte integrante dos imóveis locados, não podendo a arrendatária pedir pelas mesmas qualquer indemnização ou a alegar, por sua causa, direito de retenção.

9. Foi acordada a renda de vinte mil escudos a ser repartida pelos imóveis arrendados da seguinte forma: os prédios inscritos na matriz sob os artºs ...64..., ...82... e ...95º são arrendados cada um pela renda mensal de quinhentos escudos, num total de mil e quinhentos escudos; ao prédio inscrito na matriz sob o artº ...64º correspondeu a renda mensal de setecentos escudos; a cada um dos imóveis inscritos na matriz sob os artºs ...96... e ...39º corresponde a renda de cem escudos, num total de duzentos escudos; o terreno com a área de 10293 m2 fica arrendado por onze mil escudos mensais e ao restante terreno com a área de 1919,03 m2, corresponde a renda mensal de seis mil e quatrocentos escudos.

10. Os prédios objeto do arrendamento ali referido vieram a ser descritos através de uma única descrição na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Santiago do Cacém sob o nº ...61 em Livro (e sob o nº 2004/19971119 em Ficha), sendo nas Finanças objeto da matriz predial urbana ...54 da União das Freguesias de Santiago do Cacém, Santa Cruz e São Bartolomeu da Serra.

11. Na sequência do falecimento de DD, BB, juntamente com os herdeiros do referido falecido deram o prédio em cumprimento do pagamento de diversas dívidas à 1ª R.

12. Por escritura pública de Dação em Pagamento, celebrada no dia 7 de Dezembro de 2011, no Cartório Privado de Sines, junta a fis.18 a 28 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, na qual figura como primeiro outorgante a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, representada por procuradora, como segunda outorgante, II, como terceiros outorgantes, o BB a mulher CC e JJ, como terceiros outorgantes, declararam, além do mais, o seguinte: " ( ... )Disseram a segunda outorgante, por si, e as terceiras outorgantes identificadas nas alíneas A) e B) que por escritura de habilitação de herdeiros lavrada no Cartório Notarial de Santiago de Cacém( ... ) lavrada no dia vinte e quatro de Julho de 2007( ... ) CC, II e JJ, ora segunda e terceiras outorgantes supra identificadas foram declaradas únicas e universais herdeiras de seu pai, DD, ( .. ) falecido no estado de solteiro, no dia dezasseis de Novembro de dois mil e seis. Disseram a segunda outorgante, por si e na qualidade em que outorga, e os terceiras outorgantes ( ... ) que para pagamento parcial da quantia total em divida ( ... ) dão em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL.( .. ) os seguintes prédios: ( ... ) Dez: Prédio urbano sito nas Cumeadas, freguesia e concelho de Santiago do Cacém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...12 ( ... ) descrito na Conservatória de Registo Predial de Santiago do Cacém sob o numero ... e quatro da dita freguesia, onde se mostra registada a aquisição de metade a favor dos terceiros outorgantes identificados sob a alínea A) pela inscrição Ap. onze de três de Junho de mil novecentos e oitenta e dois, e de metade em comum e sem determinação de parte, ainda a favor de segunda e terceira outorgantes identificadas sob a alínea A) pela inscrição ap. Nove de quinze de Julho de dois mil e oito. ( ... ) Declara ainda a segunda outorgante, por si e na qualidade em que outorga, e os terceiros outorgantes ( ... ) que os imóveis dados em pagamento não se encontram arrendados, nem onerados por qualquer forma que lhes diminua o valor e que os mesmos se encontram devolutos, com exceção dos supra identificados sob os números Um, Dois, Três, Quatro, Cinco e Seis. Disse a Primeira outorgante na qualidade em que outorga que aceita, para a sua representada, a presente dação em cumprimento nos termos exarados ( ... )".

13. Em 19 de abril de 2021, por escritura lavrada na Notária EE, em Santiago do Cacém, e constante do respetivo Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 233, a 1ª Ré vendeu o prédio ...04 à ora 2ª Ré pelo preço de € 420.000,00.

14. Tal aquisição foi averbada pela ap....64, de 20.04.2021.

15. Não foi enviada à A. a comunicação para exercício do direito de preferência.

16. Aquando da aquisição acima referida, a R. Polivete pagou as seguintes importâncias: - € 420.000,00 – preço; € 31.381,10 – IMT; - € 3.862,29 – Imposto do Selo e - € 593,93 – despesas notariais e registrais.

17. Em 07/12/2011, BB, subscreveu um documento designado por "Renúncia ao Direito ao Arrendamento" junto a fls. 49 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual consta, além do mais, que: "… na qualidade de sócio e único gerente da Corticeira do Fidalgo, Ldª (…) Declara que Renuncia ao Arrendamento de que a Corticeira do Fidalgo é titular sobre os seguintes imóveis: a) um prédio urbano sito nas Cumeadas (Santiago do Cacém) inscrito na respetiva matriz predial sob o arte, 5612, freguesia de Santiago do Cacém ( ... ).

18. A Autora, sociedade comercial por quotas, foi constituída por escritura pública de 11 de Novembro de 1975, exarada de fls. vinte e seis verso a vinte e oito verso do Livro e Notas para escrituras diversas número A-131 do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, cabendo a gerência aos dois sócios, BB e DD e vinculando-se a sociedade com intervenção de ambos.

19. Em 13 de Junho de 1996, os sócios da referida sociedade outorgaram escritura pública de alteração do contrato de sociedade e de renúncia à gerência – exarada de folhas sessenta e oito verso a sessenta e nove verso do Livro de Notas para escrituras diversas número 270-A do Cartório Notarial de Santiago do Cacém, através da qual a gerência passou a caber, somente, ao sócio-gerente BB. Ali ficou estipulado que “A gerência pertence a um gerente (…) É gerente o sócio BB”

20. Desde então, e até ao presente, a gerência da sociedade encontra-se a cargo do sócio BB, vinculando-se com a assinatura daquele.

21. O sócio DD faleceu em 16 de Novembro de 2006, tendo-lhe sucedido como únicas e universais herdeiras, as suas filhas, CC, II e JJ.

22. Correu termos no Juízo Central Cível de Setúbal, sob o nº 4492/19.6T8STB, uma ação comum intentada por Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, Crl, contra BB, onde era pedida a condenação do Réu a desocupar o prédio urbano sito nas Cumeadas, freguesia e concelho de Santiago do Cacém, descrito na Conservatória de Registo Predial de Santiago do Cacém sob o n° ...04 da referida freguesia de Santiago do Cacém, e a restituí-lo imediatamente à Autora, livre de pessoas e bens.

23. Citado o R. apresentou contestação dizendo, em suma, que se encontra a ocupar o prédio em nome da sociedade Corticeira do Fidalgo. Ldª, ao abrigo de um contrato de arrendamento celebrado em 26.05.1982.

24. – Ali, na ponderação dos seguintes factos provados:

“1- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém sob o nº ...04 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...12 da freguesia de Santiago do Cacém, o prédio urbano sito nas Cumeadas, em Santiago do Cacém.

2- Pela Apresentação 4139 de 2011/12/07 foi registada a propriedade do referido prédio a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL.

3- (…)

4- Em 07/12/2011, BB, subscreveu um documento designado por "Renúncia ao Direito ao Arrendamento" junto a fls. 36v dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual consta, além do mais, que: "( ... ) Declara que Renúncia ao Arrendamento de que a Corticeira do Fidalgo é titular sobre os seguintes imóveis: a) um prédio urbano sito nas Cumeadas (Santiago do Cacém) inscrito na respetiva matriz predial sob o arte, 5612, freguesia de Santiago do Cacém ( ... ).

5- Por escritura pública de Dação em Pagamento, celebrada no dia 7 de Dezembro de 2011, no Cartório Privado de Sines, junta a fis.5 a 15 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, na qual figura como primeiro outorgante a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, representada por procuradora, como segunda outorgante, II, como terceiros outorgantes, o BB a mulher CC e JJ, como terceiros outorgantes, declararam, além do mais, o seguinte:

" ( ... )Disseram a segunda outorgante, por si, e as terceiras outorgantes identificadas nas alíneas A) e B) que por escritura de habilitação de herdeiros lavrada no Cartório Notarial de Santiago de Cacém( ... ) lavrada no dia vinte e quatro de Julho de 2007( ... ) CC, II e JJ, ora segunda e terceiras outorgantes supra identificadas foram declaradas únicas e universais herdeiras de seu pai, DD, ( .. ) falecido no estado de solteiro, no dia dezasseis de Novembro de dois mil e seis. Disseram a segunda outorgante, por si e na qualidade em que outorga, e os terceiras outorgantes ( ... ) que para pagamento parcial da quantia total em divida ( ... ) dão em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL.( .. ) os seguintes prédios: ( ... ) Dez: Prédio urbano sito nas Cumeadas, freguesia e concelho de Santiago do Cacém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...12 ( ... ) descrito na Conservatória de Registo Predial de Santiago do Cacém sob o numero ... da dita freguesia, onde se mostra registada a aquisição de metade a favor dos terceiros outorgantes identificados sob a alínea A) pela inscrição Ap. onze de três de Junho de mil novecentos e oitenta e dois, e de metade em comum e sem determinação de parte, ainda a favor de segunda e terceira outorgantes identificadas sob a alínea A) pela inscrição ap. Nove de quinze de Julho de dois mil e oito. ( ... ) Declara ainda a segunda outorgante, por si e na qualidade em que outorga, e os terceiros outorgantes ( ... ) que os imóveis dados em pagamento não se encontram arrendados, nem onerados por qualquer forma que lhes diminua o valor e que os mesmos se encontram devolutos, com exceção dos supra identificados sob os números Um, Dois, Três, Quatro, Cinco e Seis. Disse a Primeira outorgante na qualidade em que outorga que aceita, para a sua representada, a presente dação em cumprimento nos termos exarados ( ... )".

6- A Corticeira do Fidalgo, Lda., é uma sociedade comercial por quotas, composta por duas quotas, cada uma de € 37.409,84 e pertencentes respetivamente a BB e a DD.

7- Por escritura publica de renúncia à gerência e alteração ao contrato de sociedade, celebrada no dia 13 de Junho de 1996, no Cartório Notarial de Santiago do Cacém, junta a f1S.38 a 49 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, na qual figura como primeiro outorgante, DD, e como segundo outorgante, BB, declaram, além do mais, o seguinte"

" a) o sócio DD renuncia a gerência social; e

b) alteram o artigo quinto do contrato da sociedade que passará a ter a seguinte redação ( ... ) Um: - A gerência, dispensada de caução, pertence a um gerente;

Dois: É gerente o sócio BB ( ... ).

8- Na sequência desta escritura publica foi efetuado o registo na Conservatória de Registo Comercial nos termos do qual a Corticeira do Fidalgo, Lda, é uma sociedade comercial que apenas vincula com a assinatura de um gerente. “.

25– Mais foi considerado não provado o seguinte: “

1. O prédio está ocupado pela sociedade Corticeira do Fidalgo, Lda., desde 26 de Maio de 1982, mediante contrato de arrendamento;

2. Os contratos de fornecimento de água e luz celebrados pela sociedade estão em vigor;

3. Desde essa data que a sociedade ali se mantem e exerce a sua atividade de comércio;

4. A sociedade Corticeira do Fidalgo, Lda., apenas se vincula com a assinatura de dois gerentes.”

26. E após a seguinte fundamentação jurídica: “ No caso em apreciação é evidente que não se logrou provar qualquer factualidade que permita concluir que a ocupação é feita em nome da sociedade e mediante um contrato de arrendamento celebrado em 26/5/1982.

Efetivamente, tal como decorre da factualidade acima consignada como provada, o Réu BB, na qualidade de sócio e gerente da sociedade Corticeira do Fidalgo, SA., declarou renunciar ao direito ao arrendamento de que a sociedade era titular sobre o prédio em discussão nos autos. Mais esta assente que, à data dessa declaração, a sociedade vinculava com a assinatura do seu gerente e a gerência da sociedade pertencia a um único sócio o ora Réu BB. Assim, a invocação da falta de poderes do gerente constitui um mero pretexto para este obstar a restituição do bem ao dono.

Sempre esta invocação da falta de poderes seria ilegítima e abusiva, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico desse direito.

Também a invocação da falta de deliberação dos restantes sócios traduz um mero pretexto.

Decorre da factualidade assente que, 7/12/2011, foi celebrada uma escritura publica de dação em pagamento entre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, e BB e mulher CC, JJ e II, da qual se extrai que o sócio DD tinha falecido no dia 16/11/2006, tendo deixado como únicas e universais herdeiras CC, II e JJ. Nessa escritura publica, para pagamento parcial de uma divida foi dado em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, o prédio identificado em 1) dos factos assentes.

Mais, nessa escritura, o BB e mulher CC, JJ e II declaram que o prédio identificado em 1) dos factos assentes não se encontrava arrendado, nem onerado por qualquer forma que lhes diminua o valor e que o mesmo se encontrava devoluto.

Tal declaração efetuada numa escritura pública de dação em cumprimento - documento autêntico - traduz, necessariamente, expresso consentimento e aceitação da renúncia ao arrendamento efetuado pelo gerente da sociedade Corticeira do Fidalgo, SA., por parte das únicas e universais herdeiras do falecido.

De igual modo, ficou a constar dessa escritura, com força probatória plena decorrente de se traduzir em declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352° e 358°, n° 2, do Cód. Civil, que o locado já se mostrava devoluto.

Concluímos, assim, que a ocupação do prédio por parte do Réu não é feita em nome da sociedade.”

27. Foi proferida a seguinte decisão: 2a) Condenar o Réu a entregar a Autora o prédio urbano identificado em 1) dos factos provados, livre de pessoas e bens. b) Condenar o Réu, como litigante de má fé, na multa de 4UCS. c) Custas a cargo do Réu.”.

28. Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão da primeira instância, referindo ainda em motivação. “Aquilo que o R. alegou na respetiva contestação foi que o prédio em causa nos autos é utilizado pela sociedade Corticeira do Fidalgo, LDª, ao abrigo de um contrato de arrendamento outorgado em 26 de Maio de 1982 e que desde essa ata que o referido prédio é utilizado exclusivamente por aquela sociedade que ali exerce a atividade referente ao objeto social. Ou seja, o Réu nunca invocou qualquer título que legitimasse a ocupação, por ele próprio, do prédio objeto da presente ação”.

29. O arrendamento invocado pela A. não se encontra registado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.

30. A A. nunca procedeu ao pagamento de qualquer renda à R.

31. À data de 24.11.2021, a Autora não era titular de qualquer contrato de fornecimento de água para o prédio em causa.

32. No dia da dação em cumprimento o então gerente BB, subscreveu um documento de renúncia ao direito ao arrendamento.

33. A Autora tem por objeto o comércio (incluindo exportação) e a preparação de cortiça.

34. Em data não apurada a Ré Caixa começou a desenvolver diligências para que o prédio lhe fosse entregue.

35. Desde o dia da outorga da escritura de dação que a Autora se manteve a utilizar o local dos autos ininterruptamente.

36. O contrato de fornecimento de água manteve-se em nome da Autora até Julho 2019.

37. A limpeza do prédio e, em especial, a dos próprios espaços exteriores, sempre foi feita pela Autora.

38. A Ré Caixa pretendeu substituir os portões do prédio, dando lugar a processos de inquérito no DIAP de Santiago do Cacém e que, precisamente por não estar dirimida a situação referente ao direito ao arrendamento, mereceram despacho de arquivamento.

39. A Autora não é titular de qualquer contrato de fornecimento de energia para o prédio em causa.

Factos não provados:

A) Eliminada.

B) Aquando da preparação da escritura de dação em pagamento, nunca foi referido que a Autora teria que renunciar ao direito ao arrendamento.

C) O que também nunca foi exigido pela Caixa de Crédito Agrícola até ao momento da escritura.

D) Só no dia da dação em cumprimento é que o então gerente BB, foi confrontada com a pretensão da Ré Caixa de Crédito Agrícola no sentido de que ficasse a constar genericamente da escritura que nenhum dos prédios dados em pagamento se encontrava arrendado e que a Caixa pretendia que BB subscrevesse um documento de renúncia ao direito ao arrendamento.

E) BB alertou a Ré Caixa de que tal pretensão – aliás, nunca abordada até então – não só extravasava a capacidade da sociedade, pois que estranha ao seu objeto social, como também, ainda que assim não fosse, exigiria uma deliberação social tomada por uma das formas previstas nos artºs 53º e 54º do Código das Sociedades Comerciais.

F) Face às reticências expostas por BB, os representantes da Caixa Agrícola disseram-lhe que não se preocupasse em fazer constar da escritura a referida declaração de que nenhum dos prédios (incluindo o dos autos) se encontrava arrendado, e que igualmente não se preocupasse em subscrever a aludida declaração, pois que de facto o arrendamento não ficaria renunciado e que a Autora continuaria a usar o prédio.

G) Aquela ocupação manter-se-ia titulada pelo arrendamento já vigente ou noutros termos que viessem a ser oportunamente acordados entre a Caixa e a Autora.

H) E ainda acrescentaram que não se preocupasse a Autora com o pagamento da renda.

I) O Contrato de Fornecimento de Energia encontra-se celebrado com a 1ª Ré.

J) Entretanto ocorreram alguns contactos sobre a possibilidade de a utilização do prédio poder ocorrer sob título diferente de um arrendamento.

K) Que as diligências do 34 ocorressem sem pré-aviso.

L) Que a utilização a que se alude em 35 tenha ocorrido sem quaisquer obstáculos por parte da Ré Caixa, suportando a A. todas as despesas relacionadas com essa utilização, incluindo até o pagamento de IMIs.

M) O contrato de fornecimento de eletricidade até ao ano de 2020 esteve em nome da A.

N) O prédio dos autos, classificado como terreno de exploração, tem-se mantido, como sucedia aquando da outorga da escritura de dação, no mapa de depreciações e amortizações – Modelo 22 – na contabilidade da Autora.”.

6. Do mérito do recurso

6.1. Da alegada omissão de fundamentação do ponto 23 dos factos provados e suas consequências.

Entende a apelante que o ponto 23 dos factos provados não está fundamentado de “forma válida e eficaz” pelo que a sentença padece das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do art.º 615º do CPC.

Vejamos.

Na primeira das assinaladas alíneas, o legislador comina a sentença de nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (alínea b).

Esta causa de nulidade conexiona-se com o dever de fundamentação da sentença e “não deve confundir-se - mas na realidade frequentemente confunde-se -, com o dever de motivação da matéria de facto, a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, de acordo com o qual «o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas», nos termos ali melhor especificados.

Ora, «[a] omissão total ou parcial da análise crítica e/ou de motivação, gera uma nulidade processual secundária (preterição de formalidade exigida por lei) com previsão no artigo 195.º, porquanto com manifesta «influência no exame ou na decisão da causa» que a lei sujeita, todavia, ao regime especial de arguição dos artigos 149.º, 195.º e 199.º» do CPC. Assim sendo, a sua existência deve ser arguida no prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 149.º do CPC, contados da data em que foi notificado da sentença (artigo 199.º, n.º 1, do CPC), ficando consequentemente sanada se não for arguida nesse prazo, diferentemente do que ocorre com a nulidade da sentença quando esta não especifique os fundamentos de facto, a qual pode ser arguida em sede de recurso (artigo 615.º, n.º 4, do CPC), e consequentemente, dispondo a parte do prazo que a lei lhe conceder para recorrer.[2]”.

Ora os fundamentos de facto da sentença estão claramente especificados, como se colhe da descrição efectuada, e, por conseguinte, a nulidade em apreço não se verifica.

Por seu turno, a nulidade a que alude a alínea c) do nº1 do artº 615º reporta-se aos casos em que os fundamentos invocados deveriam, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença alcança.

A contradição exigida pelo normativo em análise não se reporta à contradição entre os fundamentos de facto entre si mas sim à contradição entre os fundamentos de facto e o direito: quando aqueles apontam para um determinado sentido e a decisão para outro, oposto.

Analisando a decisão recorrida constata-se que nada disso sucede: a decisão de absolvição dos Réus do pedido é o corolário do que ficou provado.

Efectivamente, resulta com clareza de tal decisão que a Autora não é titular do direito de preferência de que se arroga por não ser há muito arrendatária do imóvel alienado.

Ora, o que a mesma apelante invoca é a ausência de prova suficiente para considerar provado o facto vertido no ponto 23 e não qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

Ora, o primeiro dos vícios, a ocorrer, não acarreta a nulidade da sentença, antes constitui erro de julgamento e fundamento de impugnação da matéria de facto a trilhar pelo recorrente em estrita obediência com o artº 640º nº1 do CPC, caminho que decisivamente o apelante, neste conspecto, não seguiu.

Por conseguinte, a sua pretensão de o ver eliminado, com fundamento em nulidade, do elenco dos “factos provados” não tem como proceder.

6.2. Impugnação da matéria de facto: Se os factos dados como não provados nas alíneas L) e M) [3]do rol dos “Não Provados” deveriam transitar para o elenco dos “Provados”.

Refere o apelante que a prova de tal matéria advém das declarações de parte do gerente da Autora e das testemunhas que indica e cujo depoimento transcreve.

Os factos em crise são os seguintes:

“L) Que a utilização a que se alude em 35 tenha ocorrido sem quaisquer obstáculos por parte da Ré Caixa, suportando a A. todas as despesas relacionadas com essa utilização, incluindo até o pagamento de IMIs”.

“M) O contrato de fornecimento de eletricidade até ao ano de 2020 esteve em nome da A.”

Quanto à pretensa “ tolerância “ da Ré Caixa relativamente à ocupação do prédio objecto da dação, parece-nos que a mesma é ostensivamente contrariada pelo facto vertido no ponto 34 (Em data não apurada a Ré Caixa começou a desenvolver diligências para que o prédio lhe fosse entregue) e na propositura da acção de reivindicação a que faz referência no ponto 22.
Relativamente ao pagamento do IMI parece-nos inequívoco que quer as declarações do gerente da Autora quer as das testemunhas assinaladas não são suficientes, à míngua de prova documental, para demonstrar que mesmo após a dação o seu pagamento foi efectuado pela Autora.
Se assim fosse, ser-lhe-ia fácil demonstrá-lo, juntando os respectivos recibos, não merecendo o depoimento das testemunhas suficiente credibilidade para suprir tal omissão.

Quanto à matéria vertida na alínea M): Para além da ausência de qualquer interesse deste facto para provar o que quer que seja, designadamente a subsistência de um contrato de arrendamento, cremos que efectivamente não foi feita prova minimamente consistente nesse sentido uma vez que nem sequer foram juntos aos autos os competentes recibos desse suposto contrato de fornecimento de energia. Não podem, pois, à míngua dessa prova, as declarações do legal representante e das testemunhas ter a virtualidade de o demonstrar.

Portanto, afigura-se-nos que a pretensão da apelante de ver modificada a matéria de facto assinalada não pode, igualmente, vingar.

6.3. Efeitos da decisão proferida no processo 4492/19.6T8STB do Juízo Central Cível de Setúbal – J2 quanto à (in) existência do contrato de arrendamento relativamente ao prédio dos autos e no qual a Autora figurava como inquilina.

Entendeu-se na decisão recorrida que tendo a validade da renúncia do arrendamento invocado nestes autos já sido apreciada por decisão transitada em julgado na dita acção a mesma se imporia nesta.

Com todo o respeito por opinião contrária, cremos que não pode aceitar-se tal entendimento.

Recorde-se que nesta acção a Autora se arroga titular de um direito de preferência em decorrência da ( suposta ) existência de um contrato de arrendamento que tinha por objecto o prédio alienado.
Como é consabido, as preferências, quer legais, quer convencionais, integram-se na categoria de direitos reais de aquisição, ou seja direitos que conferem aos respectivos titulares o poder de adquirir sobre determinada coisa, quando ocorrem outros pressupostos, um direito real de gozo.
Por seu turno, os direitos legais de preferência conferem ao titular a faculdade de, em igualdade de condições, se substituírem a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, em certas formas de alienação (venda, dação em cumprimento de prédio sujeito a preferência).
No caso, a Autora pretende substituir-se ao adquirente Polivete, Assistência Veterinária, Lda. na venda que lhe foi feita pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo Costa Azul, CRL, dona do imóvel.

A acção de reivindicação - que correu termos sob o nº 4492/19.6T8STB do Juízo Central Cível de Setúbal – J2, foi movida pela Caixa de Crédito Agrícola exclusivamente contra BB, sócio gerente da Autora, por ser este que alegadamente ocupava o imóvel em causa.
Nessa mesma acção se provou ser tal Réu que ocupava efectivamente o prédio contra a vontade da aí Autora ( facto nº3) e considerando-se que o mesmo não dispunha de título para tanto a acção foi julgada procedente com a consequente condenação dele a entregá-lo “livre de pessoas e bens”.

Porque a sentença constitui caso julgado apenas nos precisos limites e termos em que julga – art.º 621º do CPC- é sobre a decisão sobre o objecto do processo contida na sentença, e não sobre os seus fundamentos, mormente jurídicos, que se forma, em princípio, o caso julgado.

Isto, sem prejuízo de os fundamentos serem atendíveis nas situações em que, havendo dúvida, é necessária a determinação exacta do conteúdo do dispositivo.

Em todo o caso, rejeitamos que a interpretação ou aplicação de normas levada a efeito num processo e a conclusão jurídica nele alcançada como pressuposto ou antecedente lógico da decisão aí tomada se imponha acriticamente noutro à sombra da “autoridade do caso julgado”.

E foi precisamente o que sucedeu no caso em análise.

É certo que a dada altura se afirmou na sentença proferida na acção de reivindicação que: “ No caso em apreciação nos autos é evidente que não se logrou provar qualquer factualidade que permita concluir que a ocupação é feita em nome da sociedade e mediante um contrato de arrendamento celebrado em 26.5.1982.
Efectivamente, tal como decorre da factualidade acima consignada como provada , o Réu BB , na qualidade de sócio e gerente da sociedade Corticeira do Fidalgo S.A. declarou renunciar ao direito ao arrendamento de que a sociedade era titular sobre o prédio em discussão nos autos.
Mais está assente que à data dessa declaração, a sociedade se vinculava com a assinatura do seu gerente e a gerência da sociedade pertencia a um único sócio , o ora réu BB.
Assim, a invocação da falta de poderes do gerente constitui um mero pretexto para obstar à restituição do bem ao dono.
Sempre esta invocação da falta de poderes seria ilegítima e abusiva por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e económico desse direito.
Também a invocação da falta de deliberação dos restantes sócios traduz um mero pretexto.
Decorre da factualidade assente que, 7/12/2011, foi celebrada uma escritura publica de dação em pagamento entre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, e BB e mulher CC, JJ e II, da qual se extrai que o sócio DD tinha falecido no dia 16/11/2006, tendo deixado como únicas e universais herdeiras CC, II e JJ. Nessa escritura publica, para pagamento parcial de uma divida foi dado em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Costa Azul, CRL, o prédio identificado em 1) dos factos assentes.
Mais, nessa escritura, o BB e mulher CC, JJ e II declaram que o prédio identificado em 1) dos factos assentes não se encontrava arrendado, nem onerado por qualquer forma que lhes diminua o valor e que o mesmo se encontrava devoluto.
Tal declaração efetuada numa escritura pública de dação em cumprimento – documento autêntico – traduz, necessariamente, expresso consentimento e aceitação da renúncia ao arrendamento efetuado pelo gerente da sociedade Corticeira do Fidalgo, SA., por parte das únicas e universais herdeiras do falecido.
De igual modo, ficou a constar dessa escritura, com força probatória plena decorrente de se traduzir em declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do Cód. Civil, que o locado já se mostrava devoluto.
Concluímos, assim, que a ocupação do prédio por parte do Réu não é feita em nome da sociedade.”.

Ora, estas judiciosas considerações foram feitas à margem do objecto do processo que era como vimos circunscrito à ocupação ilícita por parte do réu do imóvel reivindicando.

Tal questão nem sequer se pode considerar uma questão incidental.

Mas ainda que o fosse, não adquiriria valor de caso julgado material pois só assim sucederia se alguma das partes o tivesse requerido, em conformidade com o disposto pelo artigo 91º, nº 2, do CPC.

“O caso julgado reside na firmeza prático-jurídica ou prático-económica da decisão central, que não também na resolução das questões incidentais, instrumentais ou interlocutórias que logicamente a precedem. Daqui resultam dois corolários determinativos dos limites do caso julgado: por um lado, a necessidade da fixação do exacto sentido e alcance da resposta jurisdicional à pretensão ou pretensões constantes da decisão final; por outro, a consideração de que eventuais e sucessivos julgamentos de facto e de direito, não compreendidos na decisão final (embora eventualmente louvados na motivação desta), não são abrangidos pela eficácia do caso julgado[4]”.

Não há, pois, autoridade de caso julgado relativamente ao afirmado naqueloutro processo quanto à cessação do contrato de arrendamento celebrado em 26.5.82 que tinha por inquilina a sociedade, ora Autora.

6.4. Da alegada invalidade e ineficácia da renúncia ao direito ao arrendamento levada a efeito pelo sócio gerente da Autora, BB.

Para justificar a sua tese, refere a apelante que a Autora tem por objeto o comércio (incluindo exportação) e a preparação de cortiça e que a renúncia, sem qualquer contrapartida para a sociedade, a direitos ligados intimamente ao seu objecto social, deve ter-se como situação equiparada à prevista na alínea c) do nº 2 do artº 246º do CSC.
No seu entendimento, a dita “renúncia ao direito ao arrendamento”, face à imperatividade daquela norma não cabia na competência do gerente BB sendo, aliás, e como supra se referiu, estranha à capacidade da sociedade tendo em conta o seu objeto social.
Por conseguinte, entende não ser invocável a primeira parte do artº 260º nº 1 do CSC que prevê que os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade a vinculam para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberação dos sócios.
E isto porque, conforme refere, “o terceiro (a Caixa de Crédito) sabia e não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias do caso, que o mesmo violava a lei, tanto mais que a sociedade nunca assumiu a aludida renúncia por deliberação expressa ou tácita dos sócios, - art.º 260º nº2 do CSC.”.
Argumenta, outrossim, que o art.º 246º nº 2 do CSC exige deliberação dos sócios para a “alienação do estabelecimento” e que as deliberações dos sócios só podem ser tomadas por alguma das formas admitidas a por lei para cada tipo de sociedade, - artº 53º nº 1 do CSC - sendo que nas sociedades por quotas, além das deliberações tomadas nos termos do art.º 54º, os sócios podem tomar deliberações por voto escrito e deliberações em assembleia geral, - art.º 247º nº 1 do CSC.
E o art.º 54º, no que respeita às deliberações tomadas sem que o sejam em assembleia geral, exige a unanimidade por voto escrito”.
Ora, conclui a apelante, como “não ocorreu qualquer assembleia geral, nem os sócios da Autora deliberaram por voto escrito e unânime a aludida renúncia do direito ao arrendamento” tal renúncia foi ineficaz e inválida não podendo ter-se por findo o contrato de arrendamento com base no qual a Autora sustenta o direito de preferência invocado nestes autos.

Vejamos então.
Dispõe a norma invocada pela apelante – o art.º 246º, nº2 c) do CSC - que se encontra sujeita a deliberação dos sócios a alienação ou oneração de bens imóveis, a alienação, a oneração e a locação de estabelecimento.
A pretendida equiparação da “renúncia ao arrendamento” à alienação ou oneração de bens imóveis não faz, em nosso entender, sentido.
Os bens imóveis a que alude a disposição citada não podem deixar de ser os bens imóveis, propriedade da sociedade, exigindo-se a intervenção dos sócios na defesa do seu património próprio, quer ao nível da sua oneração, por exemplo na constituição de garantias reais, quer ao nível da sua eventual alienação.

E o mesmo se diga, aliás, no que tange ao segundo segmento da norma já que de igual forma a renúncia ao arrendamento que tenha por objeto o estabelecimento da sociedade se não confunde com a alienação, a oneração ou a locação do próprio estabelecimento.

Com efeito uma coisa será o comerciante renunciar ao arrendamento como elemento integrante (uma parcela) da universalidade que constitui o estabelecimento e outra, completamente diferente, é concretizar um qualquer negócio jurídico que tenha como objeto o estabelecimento como um todo.

O comerciante pode resolver um determinado contrato de arrendamento que tenha por objecto o seu estabelecimento e continuar o exercício do seu comércio num outro lugar ao abrigo de um outro contrato de arrendamento.

Situação diametralmente oposta será aquela em que o comerciante decide alienar ou locar o próprio estabelecimento, como universalidade e deixar de, relativamente a ele, exercer o seu comércio.
Tendo em consideração o carácter taxativo da norma invocada que limita a situações concretas a intervenção do corpo societário em detrimento da atuação isolada da gerência no exercício da gestão corrente da sociedade, a decisão sobre a manutenção ou não de um arrendamento, ainda que o mesmo tenha por objecto o estabelecimento não se enquadra nas situações ali previstas.

A deliberação social só é exigida nos casos de alienação ou oneração de bens imóveis e alienação, oneração e locação de estabelecimento, cabendo os demais actos nos poderes da gerência, pelo que o acto praticado pelo sócio-gerente da Autora, BB, não carecia de deliberação dos sócios, sendo o mesmo eficaz porque praticado pelo Gerente no exercício das suas competências[5] .

Ainda que assim se não entendesse sempre se poderia dizer que, no caso em concreto, a decisão do Gerente havia sido sindicada pelos sócios em deliberação que fizeram inserir na escritura pública de dação em pagamento outorgada nesse mesmo dia, ou seja, em 07/12/2011.
Escritura essa subscrita por todos os sócios da sociedade que atestam que o prédio identificado em 1) dos factos assentes não se encontra arrendado, nem onerado por qualquer forma que lhes diminua o valor e que o mesmo se encontra devoluto, numa declaração que vem assim confirmar a decisão contemporânea da Gerência de renunciar ao arrendamento que tinha o referido prédio por objecto.

Cremos, pois, por um lado, que tal declaração configura uma verdadeira deliberação dos sócios e respeita a forma exigida para a sua concretização.

De facto, como refere Carlos Olavo[6] , as deliberações sociais “… consistem no resultado da vontade dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva, em termos de serem a esta normativamente imputáveis”. São, assim, a materialização da vontade de uma sociedade, não só a nível interno, mas, também, perante terceiro.

No caso todos eles manifestaram de forma clara ter sido vontade da sociedade pôr termo ao já citado contrato de arrendamento.

Já relativamente à forma utilizada para a deliberação a mesma revela-se válida, ainda que tomada no seio de uma escritura pública.

Com efeito não podendo deixar de reconhecer que a nossa lei comercial, no que respeita à tomada de deliberações sociais revela algumas exigências de natureza formal, seremos de igual modo levados a concluir, como a maioria da doutrina, que a mesma consagra uma razoável abertura no que se refere ao possível abandono desses mesmos formalismos quando está em causa o registo da vontade unânime dos sócios.

Razão pela qual o Código veio prever a disciplina do artigo 54º, nº 1 que consagra as figuras das deliberações unânimes por escrito e das assembleias totalitárias ou universais, permitindo respetivamente que a vontade social se manifeste fora do conclave ou em assembleia não regularmente convocada ou sobre assunto não previamente agendado.

A escritura pública de dação em pagamento, outorgada por todos os sócios pode ser considerada uma "deliberação unânime por escrito", nos termos do nº1 - 1ª parte - do artigo 54º do CSC.

A vontade normativa das sociedades surge expressa quando a soma das vontades individuais dos sócios conduzem a uma resolução.

Se todos os sócios acordaram num determinado sentido e esse acordo unânime é vertido num documento, por todos subscrito, formalizando o negócio acordado, está verificada a tomada de deliberação unânime por escrito[7].

Existe, assim, coeva da outorga da escritura em apreço, uma declaração tácita (a lei permite a tomada de deliberações sob a forma tácita – cfr. Artigos 260º e 409º do CSC e ainda o Acórdão do STJ de 22 de Novembro de 1995 - BMJ 451-460) que permite concluir com toda a segurança a exteriorização da vontade de aderir ao negócio firmado pelo Gerente.

É um verdadeiro procedimento concludente inequívoco por, implicitamente, traduzir a vontade social.

A escritura pública de dação em pagamento em apreço incorpora, por conseguinte, uma deliberação unânime de todos os sócios da sociedade CORTICEIRA DO FIDALGO, LDA., ora Autora.

Em suma: Soçobra na íntegra a argumentação da apelante tendente a fazer subsistir o arrendamento sub judice e, por consequência, o direito de preferência de que se arroga.


6.5. Da (in) justeza da condenação da Autora como litigante de má-fé.

A 1ª instância fundou a sua decisão na circunstância de a Autora, de forma consciente, ter omitido factos que lhe são pessoais e de que tem conhecimento directo, adulterando, de forma consciente, a realidade de factos que não podia desconhecer, designadamente os que se conexionam com o direito ao arrendamento que sustentava o pedido de preferência.

Consideramos que a sua conduta se subsume ao disposto na alínea a) do nº2 do artigo 542.º do CPC já que agiu confiada de que poderia arrogar-se de tal direito omitindo factos relevantes que tentou mais tarde contrariar com recurso a argumentação que sabia ser de duvidosa consistência jurídica, como se viu.

Em vão, é certo. Mas a implicar um esforço acrescido da máquina judiciária e de todos os intervenientes processuais.

Não podemos, portanto, deixar de acompanhar o juízo de censura que é feito à conduta processual da recorrente, o que à semelhança do que foi decidido, não se pode deixar de sancionar.

E, por isso, também nesta parte, o recurso improcede.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, julga-se a presente apelação improcedente e, em consequência, se mantém a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

______________________________________

[1] Que a apelante refere por óbvio lapso tratar-se da alínea N).

[2] Cfr. Acórdão deste Tribunal proferido em 30.11.2016 no Processo n.º 1510/10.7TBSTB.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal.

[3] Que, como dissemos, a apelante refere por óbvio lapso tratar-se da alínea N).

[4] Cfr. Acórdão do STJ de 9.4.2019, relatado pela Cons. Maria João Tomé.

[5] Tal é aliás , também, o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão proferido em 04.06.2009 no âmbito do Processo 6538/04.3YXL.SB.L1-2 em que foi relatora a Desembargadora Teresa Albuquerque.

[6] In “Impugnação das Deliberações Sociais “, CJ, Ano XIII, 1988, T.3. pag. 21.

[7] Cfr. Acordão do STJ de 18/05/2006 – Processo SJ200605180011061 em que foi Relator o Conselheiro Sebastião Póvoas.