Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
593/20.6GBLLE.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA
PENA DE MULTA
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Na situação dos autos, há que atender que, pese embora dois dos ilícitos pelos quais o arguido é condenado sejam puníveis com pena de multa, a exigências de prevenção especial que se manifestam, consequência dos antecedentes criminais do arguido, impõem que se considere que a mera sanção pecuniária não é adequada ou suficiente a satisfazer as necessidades da punição, pelo que o arguido deverá ser condenado em pena de prisão.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, decide-se:

a) Absolver o arguido AA da prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelos artigos 14º, n.º 2 da Lei 67/2007 de 6 de Novembro), artigos 14º, n.º 1, 26º e 348º, n.º 1 al. a) e 2 do Código Penal;

b) Condenar o arguido AA pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de condução perigosa, previsto e punido pelo artigo 291º, n.º 1 al. b), do Código Penal; na pena de dez meses de prisão;

c) Condenar o arguido AA, por decorrência da condenação referida em b), na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de sete meses (art.º 69º, n.º1, al.a) do Código Penal);

d) Condenar o arguido AA pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelo art.º 374º, n.º 1, por referência ao art.º 373º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão;

e) Condenar o arguido AA pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 348º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de sete meses de prisão;

f) Condenar o arguido AA, por decorrência da condenação referida em e), na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de sete meses (art.º 69º, n.º1, al.c) do Código Penal);

g) Proceder ao cúmulo jurídico das penas de prisão e condenar o arguido na pena única de dois anos de prisão;

h) Proceder ao cúmulo jurídico das penas acessórias mencionadas em c) e f) e condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de dez meses;

i) Suspender a execução da pena de prisão, pelo período de dois anos, sujeitando a suspensão a regime de prova, a delinear pela DGRSP, mas ficando o arguido sujeito às seguintes obrigações:

a. obrigação do arguido, no prazo de 1 mês (a contar do trânsito em julgado), se inscrever e comparecer em consulta de psiquiatria, fim de obter aconselhamento adequado, devendo juntar aos autos, nos 15 dias posteriores, comprovativo do cumprimento;

b. obrigação do arguido iniciar tratamento adequado na ETET, ficando obrigado a cumprir o tratamento que lhe for prescrito, com a comparência às consultas determinadas e toma de medicação prescrita;

c. obrigação do arguido se sujeitar aos exames medicamente prescritos, necessários para execução do tratamento ou para detecção do consumo de bebidas alcoólicas; “

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Inconformado com a referido acórdão, dele recorreu o arguido, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1.Por acórdão datado de 19-04-2023 o tribunal absolveu o arguido da prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 2 da Lei 67/2007 de 6 de Novembro), artigos 14º, n.º 1, 26º e 348º, n.º 1 al. a) e 2 do Código Penal, condenou o arguido AA pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de condução perigosa, previsto e punido pelo artigo 291º, n.º 1 al. b), do Código Penal; na pena de dez meses de prisão, condenou o arguido AA, por decorrência da condenação referida em b), na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de sete meses (art.º 69º, n.º1, al. a) do Código Penal), condenou o arguido AA pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelo art.º 374º, n.º 1, por referência ao art.º 373º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão, condenou o arguido AA pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 348º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de sete meses de prisão, condenar o arguido AA, por decorrência da condenação referida em e), na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de sete meses (art.º 69.º, n.º1, al.c) do Código Penal), proceder ao cúmulo jurídico das penas de prisão e condenar o arguido na pena única de dois anos de prisão, proceder ao cúmulo jurídico das penas acessórias mencionadas em c) e f) e condenou o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de dez meses, suspender a execução da pena de prisão, pelo período de dois anos, sujeitando a suspensão a regime de prova, a delinear pela DGRSP, mas ficando o arguido sujeito às seguintes obrigações: a) obrigação do arguido, no prazo de 1 mês (a contar do trânsito em julgado), se inscrever e comparecer em consulta de psiquiatria, fim de obter aconselhamento adequado, devendo juntar aos autos, nos 15 dias posteriores, comprovativo do cumprimento; b) obrigação do arguido iniciar tratamento adequado na ETET, ficando obrigado a cumprir o tratamento que lhe for prescrito, com a comparência às consultas determinadas e toma de medicação prescrita; c) obrigação do arguido se sujeitar aos exames medicamente prescritos, necessários para execução do tratamento ou para deteção do consumo de bebidas alcoólicas; ordenar a entrega da carta de condução pelo arguido, no prazo de 10 dias do trânsito em julgado do acórdão, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, nos termos do artigo 500º n.º 2 do Código de Processo Penal, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência. Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça devida em 3UC, bem como nos encargos a que a sua atividade tiver dado lugar.

2. O arguido, ora recorrente, não se conforma com o acórdão recorrido, desde logo porquanto foram incorretamente julgados e apreciados pelo Tribunal “a quo” o vertido nos factos provados n.º s 4, 5 e 6.

3. O arguido prestou declarações sobre os factos que estavam imputados na acusação pública, tendo admitido que ingeriu bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do seu veículo automóvel e que não se recusou submeter ao exame de álcool, apenas verbalizou que pretendia ser levado ao hospital para aí realizar os testes, o que voltou a verbalizar quando os militares deram voz de detenção e lhe disseram que tinha de ir para o posto.

4. Já quanto à oferta de quantias monetárias aos militares da GNR, o arguido negou ter praticado esses factos.

5. Andou mal o tribunal “a quo” ao não valorar as declarações prestadas pelo arguido ora Recorrente, dado que as mesmas não foram infirmadas por qualquer outro elemento probatório, sendo as declarações totalmente credíveis.

6. O facto de o arguido revelar ter “falta de memória” não faz com que as suas declarações não possam ser totalmente valoradas pelo tribunal “a quo”, nem se pode considerar que as mesmas não são totalmente credíveis.

7. Face ao supra exposto deverá o tribunal “ad quem” valorar as declarações prestadas pelo arguido e consequentemente deverão os factos que ora se impugnam serem dados como não provados.

8. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado porquanto os factos n.ºs 4, 5 e 6 encontram-se incorrectamente julgados, devendo os mesmos serem julgados como não provados e consequentemente deverá o arguido ora Recorrente ser absolvido da prática dos crimes de desobediência e de corrupção activa.

9. O acórdão de que ora se recorre viola ainda o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o princípio da presunção de inocência “in dubio pro reo” e do artigo 32.º, n.º 2 da nossa Constituição.

10. Na esteira da impugnação da matéria de facto dada como provada consideramos que não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito de corrupção activa e de desobediência.

11. Devendo o acórdão recorrido ser revogado por violação do disposto no artigo 374º, n.º 1, por referência ao art.º 373º, n.º 1, do Código Penal e no artigo 348º, n.º 1, al. a) do Código Penal e consequentemente deverá o arguido ora Recorrente ser absolvido da prática do crime de corrupção ativa e de desobediência.

12. Sem prescindir o arguido ora Recorrente não se conforma com a pena e com as medidas acessórias a que foi condenado.

13.O acórdão recorrido viola o artigo 40.º e o artigo 70.º ambos do Código Penal e os princípios orientadores dos fins das penas.

14.Face ao supra exposto somos do entendimento que o arguido deverá ser absolvido quanto aos crime de corrupção activa e de desobediência e deverá ser condenado pelos mínimos legais.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá o recurso interposto ser julgado procedente, revogando-se o acórdão de que ora se recorre e em consequência deverá o arguido ora Recorrente ser absolvido quanto aos crime de corrupção activa e de desobediência e deverá ser condenado pelos mínimos legais, com o que se fará justiça!”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo pugnado pela improcedência total do mesmo.

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Neste tribunal da relação, o Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada resposta.

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APRECIAÇÃO

Questões a apreciar:

Impugnação dos pontos 4, 5 e 6 (considerados provados)/violação do artº 127º do C.P.P./violação do princípio “in dúbio pro reo” (ao contrário do referido no ponto 14 da resposta do Ministério Público, o recorrente não alega existir erro notório na apreciação da prova nos termos da al. c) do nº 2 do artº 410º do C.P.P.);

- medida das penas principal e acessórias.

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A decisão de facto é do seguinte teor:

“1 - Factos Provados

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 9 de Julho de 2020 pelas 22:35 horas, o arguido, que havia ingerido bebidas alcoólicas, seguia ao volante do veículo automóvel de matrícula … na M…, Estrada da …, sentido … - …, quando foi avistado por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana composta pelos militares BB, CC e DD, que seguia na mesma estrada, mas em sentido contrário, num veículo automóvel da Guarda Nacional Republicana devidamente identificado.

2. Sucede que o arguido conduzia aos ziguezagues, chegando a entrar na faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário, pelo que o condutor da viatura militar supra descrita teve de desviar a viatura que conduzia para o lado direito para evitar a colisão.

3. A patrulha da Guarda Nacional Republicana que seguia nessa viatura militar fez inversão de marcha e iniciou o seguimento ao arguido, tendo alcançado o mesmo já na EN … Rotunda …, onde o arguido foi fiscalizado.

4. Quando o arguido estava a ser fiscalizado e os militares da Guarda Nacional Republicana BB e CC verificavam os documentos o arguido, este dirigiu-se aos referidos militares da Guarda Nacional Republicana e propôs entregar a quantia de a cada um deles se estes o deixassem ir embora e não o fiscalizassem, o que os militares da Guarda Nacional Republicana recusaram.

5. De seguida o militar da Guarda Nacional Republicana BB informou o arguido que teria de efectuar um teste de despiste de álcool no sangue, o que o arguido disse que não faria.

6. O militar da Guarda Nacional Republicana BB advertiu então o arguido que se recusasse efectuar o teste de despiste de álcool no sangue incorria na prática de um crime de desobediência, tendo o mesmo mantido que não faria o teste.

7. Foi então dada voz de detenção ao arguido, e o mesmo foi informado que teria de acompanhar os militares até ao Posto de …, tendo aquele se recusado a fazê-lo.

8. Atenta a recusa do arguido em obedecer à ordem legítima do militar da Guarda Nacional Republicana, foi chamada ao local uma patrulha de apoio, sendo que foi então possível algemar o arguido e levá-lo para o Posto da Guarda Nacional Republicana de ….

9. O arguido quis conduzir como acima descrito, violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita.

10. Sabia, ainda, o arguido que, ao conduzir nas condições acima descritas, criava perigo para a vida e integridade física de quem circulava na estrada e com ele se cruzou e para bens patrimoniais alheios de valor elevado, o que efectivamente veio a acontecer.

11. O arguido sabia ainda que estava a prometer a funcionários públicos - militares da Guarda Nacional Republicana em exercício de funções policiais uma vantagem patrimonial a que estes não tinham direito e que não aceitaram, com o objectivo de que esses militares omitissem actos respeitantes às suas funções o de o fiscalizarem enquanto condutor.

12. Sabia o arguido que estava obrigado a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção de álcool no sangue, e que ao recusar a realização do referido exame, desrespeitava uma ordem legal dada por funcionário competente, o qual estava devidamente uniformizado e no exercício da sua função e desrespeitava ainda a lei penal, que pune a recusa de efectuar o referido teste como crime de desobediência, o que o arguido bem sabia.

13. O arguido sabia ainda que estava a desobedecer às ordens legítimas emanadas por militares da Guarda Nacional Republicana em exercício de funções policiais e devidamente fardados e, ainda assim, recusou acompanhar a patrulha ao posto da Guarda Nacional Republicana de … após ser legitimamente detido, ordens legítimas que não acatou, apesar de as ter compreendido e a que sabia dever obedecer.

14. Em tudo acima descrito, o arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas por lei penal.

Das condições pessoais e antecedentes criminais do arguido

15. À data dos factos o arguido residia em … juntamente com a então companheira, em casa arrendada, avaliada como detentora de adequadas condições de habitabilidade.

16. Após a separação AA viria a retomar a união com a mãe dos seus dois filhos, presentemente com 10 e 5 anos de idade, com a qual havia residido maritalmente entre 2011 e 2016.

17. Este último período de vida em comum revelar-se-ia, contudo, efémero, tendo em Dezembro de 2021 o arguido reintegrado o agregado de origem.

18. Desde Março de 2022, encetou a união marital com a actual companheira, que se encontra no 8º mês de gestação, residindo o casal em …, em casa

19. A dinâmica relacional no seio familiar é descrita como isenta de conflituosidade.

20. Integra, desde há cerca de 3 anos, o mapa de pessoal da empresa …, onde desempenha as funções de chefe de Equipa e que lhe permite auferir um .000,00/mês.

21. Natural … e mais velho de uma fratria de quatro elementos, descreve um percurso de desenvolvimento integrado no agregado de origem, constituído pelo próprio, pais e irmãos, numa dinâmica relacional descrita como afectiva e isenta de conflituosidade.

22. O arguido concluiu, em idade própria, o 6º ano de escolaridade, altura a partir da qual integrou o mercado de trabalho, tendo, desde então, a laborar de forma sistemática no sector da construção civil.

23. Já beneficiou de acompanhamento por parte da Equipa Técnica Especializada de Tratamento (ETET) de …, condição imposta no processo nº 717/16.8… a qual viria a cessar com o término do referido acompanhamento.

24. Tendo sido condenado em penas de prisão suspensas na sua execução, a suspensão foi sujeita a regime de prova, tendo o arguido vindo a cumprir com os objectivos delineados.

25. Reconhece padecer de problemática aditiva, com consumo excessivo de álcool, que não consegue combater sozinho.

26. No âmbito do processo sumário n.º 21/11.8…, do extinto …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de …, foi condenado, por factos praticados em 9/3/2011, pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 65 dias de multa e pena acessória de inibição de conduzir, já declarada extinta.

27. No âmbito do processo comum singular n.º 457/12.7…, do extinto …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de …, foi condenado, por factos praticados em 4/7/2012, pela prática de crime de ofensa à integridade física, na pena de 100 dias de multa, já declarada extinta.

28. No âmbito do processo comum singular n.º 1323/12.1…, do Juízo Local Criminal de …, foi condenado, por factos praticados em 19/11/2012, pela prática de crime de ofensa à integridade física negligente, omissão de auxílio e condução perigosa de veículo rodoviário, na pena única de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e pena acessória de inibição de conduzir por 8 meses, penas já declaradas extintas.

29. No âmbito do processo comum singular n.º 717/16.8…, do Juízo Local Criminal de …, por acórdão transitada em julgado em 30/9/2016, foi condenado, por factos praticados em 17/7/2016, pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e pena acessória de inibição de conduzir, penas já declaradas extintas.

30. No âmbito do processo comum singular n.º 278/20.3…, do Juízo Local Criminal de …, por acórdão transitada em julgado em 29/7/2021, foi condenado, por factos praticados em 7/6/2020, pela prática de crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo.

31. No âmbito do processo sumário n.º 738/21.9…, do Juízo Local Criminal de …, por acórdão transitada em julgado em 26/10/2021, foi condenado, por factos praticados em 31/8/2021, de crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 1 ano, tendo sido declarada extinta a pena acessória.

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2. Factos Não Provados

(…)

3. Fundamentação da Matéria de Facto

A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada e não provada assentou no conjunto da prova produzida em audiência recorrendo às regras de experiência e fazendo-se uma apreciação crítica da mesma nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Sendo que o arguido prestou declarações sobre os factos que estavam imputados na acusação pública, o mesmo admitiu que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução do seu veículo automóvel. Sendo que foi evidente que o arguido não assumiu de forma plena a prática dos factos imputados, o mesmo foi alegando não se recordar de segmentos do sucedido, nomeadamente quanto à forma como exercia a condução do veículo automóvel ou se os militares o advertiram em qualquer momento que incorreria em crime de desobediência. No que se refere ao recusar-se a submeter aos exames de álcool no local, o arguido apenas referiu que quando tal foi solicitado verbalizou que pretendia ser levado ao hospital para aí realizar os testes, o que voltou a verbalizar quando os militares deram voz de detenção e lhe disseram que tinha de ir para o posto. Já quanto à oferta de quantias monetárias aos militares da GNR, o arguido negou ter praticado esses factos. O arguido prestou ainda declarações sobre as suas condições pessoais, em moldes corroborantes de algumas das informações já constantes do relatório social elaborado pela DGRSP constante de fls. 180 e ss -., declarando, de forma que se considerou espontânea e sincera, que tem consciência de que padece de um problema de adição ao álcool, que estará na génese dos seus contactos com o sistema judicial, necessitando de tratamento.

O Tribunal também valorou o depoimento prestado pelos três militares que se encontravam presentes no local. Sendo evidente que os militares não foram unânimes quanto à identidade de quem exercia a condução da viatura automóvel da GNR, onde se encontravam em patrulha, o que se mostrou compreensível face ao hiato temporal decorrido desde a data da ocorrência, ocorrida há cerca de dois anos e meio, tal não se mostrou de qualquer forma demonstrativo de que as testemunhas inquiridas, os militares BB, CC e DD estivessem a faltar à verdade no depoimento que prestaram. Os três mostraram-se isentos, coerentes, corroborantes ente si e sem demonstrar qualquer animosidade para com o arguido ou sequer o conhecendo de outra situação que não aquela que nos ocupa, tendo todos sido unânimes de que o arguido exercia a condução da sua viatura automóvel de forma errática e invadindo a faixa de rodagem onde a viatura da GNR seguia, em sentido inverso, tendo sido necessário que o condutor desviasse a viatura policial para a sua direita sob pena de, não o fazendo, se ter dado a colisão das viaturas.

De acordo com estes testemunhos foi esta conduta do arguido que determinou que invertessem a sua marcha e efectuassem a perseguição e consequente abordagem do veículo que o arguido conduzia. E terá sido após ter-lhe sido pedida a identificação e demais documentos que o arguido terá pedido aos militares BB e CC que se chegassem à parte e ofereceu €100,00 a cada um, e de tal forma não ser sujeito aos testes de despiste de álcool no sangue. Sendo que depois de instado a cessar a sua conduta, por estar a cometar um crime, o arguido não mais insistiu na oferta do dinheiro aos militares, mas, instado a fazer o teste também se negou a fazê-lo, não obstante tivessem insistido com ele e o tivessem questionado se tinha algum problema de saúde que o impedisse de realizar o teste por ar expirado. Tendo o arguido mantido que não faria o teste, foi-lhe dito que estava a cometer um crime de desobediência, mas tal não o determinou à realização do exame, pelo que foi-lhe dada voz de detenção. Nesta sequência foi dito ao arguido que deveria acompanhá-los ao Posto ao que o mesmo se negou, tendo depois comparecido no local outra patrulha, tendo o arguido sido algemado e levado.

E atente-se que tendo os três militares presenciado o arguido a negar-se a fazer o teste de álcool no sangue, embora nenhum recorde as concretas palavras que o arguido dizia na verbalização dessa recusa, nenhum referiu que o arguido pretendia era realizar o teste através de exame ao sangue e em meio hospitalar.

Assim, e sendo evidente que o arguido também não prestou declarações totalmente credíveis, escudando-se em falta de memória, entendeu o Tribunal que a conjugação dos depoimentos das três testemunhas se mostraram credíveis e determinantes de que se considerem como verificados os factos considerados como provados.

O Tribunal atendeu ainda ao teor do auto notícia de fls. 7, a fim de apurar o dia, hora e concreto local onde os factos decorreram.

Sendo que também se procedeu à inquirição de duas testemunhas arroladas pelo arguido, do depoimento de EE nada resultou de relevante, tendo sido evidente que a testemunha, primo do arguido e que até se encontrava no veículo do arguido aquando dos factos, foi até contraditória com o que o próprio arguido declarou. Já a testemunha FF, companheira do arguido, prestou um depoimento corroborante de segmentos do relatório social.

(…)

Relativamente aos factos provados sob os pontos 9 a 14. que integram o elemento subjectivo dos ilícitos, o Tribunal fundou-se essencialmente nas regras da experiência comum, pois que, sendo aqueles elementos internos da consciência do agente, os mesmos podem inferir-se de presunções naturais ou regras de experiência, resultando claro que quem actua da forma como se considerou provado tem como intenção praticar as condutas descritas, sendo que não se poderá olvidar que a consciência da ilicitude resulta implícita dos próprios factos porquanto é do conhecimento geral que os mesmos são proibidos (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/92, in www.dgsi.pt).

Atendeu-se ainda ao certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 229 e ss..”

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Quanto à impugnação dos pontos 4, 5 e 6 (considerados provados)/violação do artº 127º do C.P.P./violação do princípio “in dúbio pro reo”

No fundo, o presente recurso limita-se a isto: deve o tribunal acreditar no arguido e não nos depoimentos das três testemunhas que na qualidade de militares da G.N.R. tiveram intervenção nos factos.

Acreditando no arguido, devem considerar-se como não provados os pontos 4, 5 e 6 e, em consequência, ser o arguido absolvido da prática dos crimes de corrupção activa e de desobediência.

Para isso, o arguido invoca o seu próprio depoimento, sem, porém, dar minimamente cumprimento ao disposto no aetº 412º, nºs 3, al. a) e 4 do C.P.P., nem no corpo da motivação, nem nas conclusões. Daí que não tenha havido lugar a qualquer convite nos termos do artº 417º, nº 3, do C.P.P..

Tanto bastaria para que se não conhecesse do recurso quanto à matéria de facto.

Sempre se dirá, no entanto, mais o seguinte:

Uma vez que as relações conhecem de facto e de direito (artº 428º do C.P.P.), o recurso pode ter como fundamento a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, devendo, nesse caso, o recorrente dar cumprimento ao disposto no artº 412º, nº 3, do C.P.P..

Sendo utilizada tal forma de pôr em crise a matéria de facto, o tribunal poderá modificar a decisão sobre a matéria de facto nos termos do artº 431º, al. b), do C.P.P..

Significa isto que o tribunal, reapreciando a prova produzida, na parte concretamente indicada pelo recorrente (als. a) e b) do nº 3 do artº 412º do C.P.P.), e sem prejuízo de poder ouvir outras passagens que não as concretamente indicadas, caso se trate de depoimentos gravados (nº 6 do artº 412º do C.P.P.), vai averiguar se perante a prova produzida, o tribunal procedeu adequadamente ao fixar a matéria de facto provada e não provada.

E na análise dessa adequação o que importa é verificar se existem provas concretas que imponham diversa decisão da que foi tomada, como claramente consta na al. b) do nº 3 do artº 412º do C.P.P.. Não basta, pois, que o recorrente indique prova que torne possível outra decisão, é necessário que essa outra decisão seja imposta pelas provas indicadas, isto é, a decisão de facto tomada pelo tribunal recorrido não pode de forma alguma persistir.

Ora, está por demais referido doutrinária e jurisprudencialmente que face ao sistema de recursos previstos no nosso código de processo penal, o recurso da matéria de facto não se pode destinar a um novo julgamento no tribunal de recurso, nem a substituir uma convicção por outra, tratando-se apenas de uma “válvula de escape” para corrigir situações de flagrante erro, nos vários prismas em que o mesmo pode ocorrer.

Como se referiu na fundamentação do ac. de Fixação de Jurisprudência de 8/3/2012, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18/4/2012: “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.

A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.

O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.

Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”.

No mesmo sentido, Leal Henriques e Simas Santos, Recurso em Processo Penal, 7ª edição, pág. 105, quando referem:

“ (…) todos os recursos vêm concebidos na lei como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial (…)”

O que é jurisprudência pacífica, como se constata no sumariado no acórdão do STJ de 15-03-2007 (proc. 07P514, relator Cons. Simas Santos, d.g.s.i. – no sumário publicado na d.g.si existe manifesto lapso, passando do nº 7 para o nº 9):

“7 – Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.

9 – Assim, o julgamento em recurso não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade.”

É por isso que a al. b) do nº 3 do artº 412º do C.P.P. refere que as provas concretas indicadas pelo recorrente têm que impor uma decisão diversa. Não basta que tornem possível uma outra decisão. As provas indicadas (neste caso, o que se indicou foi apenas o depoimento do próprio arguido, de forma genérica) têm que servir de fundamento para que se conclua que a decisão só pode ser a indicada pelo recorrente e não qualquer outra, designadamente a que foi tomada pelo tribunal recorrido.

Ora, o tribunal recorrido explicitou em que meios de prova se baseou para formar a sua convicção e referiu o raciocínio lógico que serviu para formar essa convicção, tendo em conta que “a decisão do juiz há-de ser sempre uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo, não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (vg. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais.” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 204.

É o tribunal da 1ª instância que está mais apto a apreender a credibilidade da prova testemunhal ou por declarações produzida no julgamento, atentos os princípios da oralidade e da imediação.

Referindo-se a esses princípios, diz o Prof. Figueiredo Dias In Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, a págs. 233 a 234:

“Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efetivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais corretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais".

Por outro lado, como se referiu no ac. do S.T.J. de 25/5/10 – procº 11/04.7GLABT.C1.S1 – “sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”

Como já se referiu, o tribunal recorrido explicitou bem o processo de formação da sua convicção, indicando os raciocínios que levaram à conclusão a que chegou, tudo ao abrigo do artº 127º do C.P.P..

Não apontou o recorrente a violação de qualquer norma sobre prova vinculada, isto é, prova que em princípio, está subtraída a essa livre apreciação da prova (“Salvo quando a lei dispuser diferentemente …”, conforme prevê o artº 127º do C.P.P.).

Sabe-se que a convicção não se pode confundir com “impressão”, mas não foi isso que aconteceu. Como já sobejamente se referiu, o tribunal recorrido através de raciocínios

lógicos e coerentes explicitou o seu processo de formação da convicção, não resultando que esta tenha sido adquirida por “mera impressão”.

Como se refere no Ac. do S.T.J. de 4/11/98, C.J., III, 209, o princípio da livre apreciação da prova “não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos e, dessa forma, determinar uma convicção racional, logo, também ela objectivável e motivável”.

O que aconteceu é que o tribunal formou a sua convicção com base na prova que foi produzida ou examinada em audiência, de determinada forma, conforme lhe permitia o artº 127º do C.P.P., entendendo o recorrente que a deveria ter formado de outra forma.

Ou seja: o recorrente pretende substituir a sua convicção à convicção do julgador, o que não pode acontecer, precisamente por virtude do princípio da livre apreciação da prova, contido na indicada disposição legal.

Não há, pois, qualquer violação do artº 127º do C.P.P..

Também não ocorreu qualquer violação do princípio in dúbio pro reo.

Com efeito, o tribunal recorrido não demonstrou ter tido qualquer dúvida quanto à realidade de um facto, tendo-a decidido em prejuízo do arguido.

Só nesse caso deve operar o referido princípio, em obediência à presunção de inocência prevista no artº 32º, nº 2, da C.R.P..

Na verdade, o referido princípio apenas actua em caso de dúvida quanto à verificação de determinado facto: existindo essa dúvida, deve o tribunal decidir em benefício do arguido.

Como se refere no acórdão do S.T.J. de 6/12/2018: “O princípio in dubio por reo, além de constituir uma garantia subjectiva, é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.”

Também como refere Heinrich Jescheck, em Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4ª ed., pág. 127, tal princípio “serve para resolver dúvidas a respeito da aplicação do Direito que surjam numa situação probatória incerta”.

Se o tribunal recorrido não teve quaisquer dúvidas, como resulta claramente da decisão recorrida, mas o recorrente acha que deveria ter tido, é questão que ultrapassa completamente o referido princípio in dúbio pro reo.

Como bem se refere de forma lapidar no Acórdão do S.T.J. de 14/4/11 (relatado pelo Exmº Cons. Souto de Moura):

“A situação de dúvida tem que se revelar de algum modo, e designadamente através da acórdão. A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido.”

Assim sendo, também por aqui não há razões para alterar a decisão de facto.

Face a tudo o exposto, resulta que a decisão de facto deve ser mantida.

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Quanto às penas

Escreveu-se no acórdão recorrido:

“Assim, há que atentar que:

- o arguido actuou com dolo necessário e dolo directo;

- do crime de condução perigosa não resultou qualquer dano para terceiro;

- a ilicitude dos factos mostra-se média;

- o arguido não ter assumido integralmente os factos;

- o ter já anteriores condenações por crime de condução perigosa e condução de veículo em estado de embriaguez;

- após a prática dos factos ter novamente praticado factos pelos quais foi condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

- o arguido ter assumido que exercia a condução sob o efeito de bebidas alcoólicas;

- o ter interiorizado que padece de problemática de consumo abusivo de bebidas alcoólicas e demonstrando vontade de efectuar um efectivo tratamento;

- ter mostrado arrependimento;

- mostrar-se inserido familiar e profissionalmente;

Nestes termos, face à moldura abstracta de punição, e o já supra exposto sobre a determinação do quantum concreto da pena, considera-se adequada à censura éticojurídica que se pode fazer da conduta do arguido as seguintes penas:

- 10 meses de prisão para o crime de condução perigosa;

- 1 ano e 3 meses de prisão para o crime de corrupção;

- 7 meses de prisão para o crime de desobediência.

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6 - Das Penas Acessória

(…)

Para que possa fixar o período de proibição, devem considerar-se os factores e condições ponderados para a determinação da medida concreta da pena principal, ou seja os já supra referidos.

Também, na fixação desta pena se tem de considerar que esta visa prevenir a perigosidade do agente bem como finalidades de intimidação, sendo que a circunstância de o arguido ter problemas de alcoolismo potencia a sua perigosidade enquanto condutor.

Atendendo à moldura penal abstracta e a todos os factores determinantes para a aplicação das penas acessórias, supra referidos, julgamos adequada, justa e proporcional a aplicação ao arguido de duas penas acessórias de 7 meses de inibição de conduzir.

*

7. Do cúmulo jurídico das penas

(…)

Ponderando-se, em conjunto, o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido, a intensidade do dolo com que actuou, os seus antecedentes criminais, o percurso de vida do arguido, bem como a sua personalidade e condições pessoais, considera-se ajustadas as seguintes penas:

- pena de 2 anos de prisão;

- pena de acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses.”

Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, As consequências jurídicas do crime, 2ª reimpressão, pág. 215:

“A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.”

Por outras palavras:

«A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade» (Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182).

Ora, tendo em conta os referidos ensinamentos e o que provado se considerou, consideram-se completamente adequadas todas as penas que foram fixadas, pois que estão plenamente de acordo com as finalidades da punição acima referidas.

Tendo em conta os antecedentes criminais do arguido (com realce para a condenação transitada em julgado em 30/9/2016, na pena de suspensão da execução da pena de prisão, pela prática de crime de condução sob o efeito do álcool), pode até dizer-se que as penas foram fixadas com alguma benevolência, a que certamente o enquadramento familiar e profissional do arguido não foi alheio.

De resto, nem sequer o arguido indica, em concreto, em que termos é que os artºs 40º e 70º do Cód. Penal foram violados, sendo certo que ao contrário do referido, os mesmos foram devidamente ponderados na decisão recorrida, como desde logo resulta da seguinte passagem:

“Na situação dos autos, há que atender que, pese embora dois dos ilícitos pelos quais o arguido é condenado sejam puníveis com pena de multa, a exigências de prevenção especial que se manifestam, consequência dos antecedentes criminais do arguido, impõem que se considere que a mera sanção pecuniária não é adequada ou suficiente a satisfazer as necessidades da punição, pelo que o arguido deverá ser condenado em pena de prisão.”

Nada há, pois, a alterar quanto às penas fixadas.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Deverá o recorrente suportar as custas, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

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Évora, 12 de Setembro de 2023

Nuno Garcia

Laura Goulart Maurício

Maria Filomena Soares