Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
213/16.3PBSTB-A.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Ainda que o condenado tenha cumprido a totalidade das horas de trabalho a favor da comunidade que hajam sido fixadas pelo tribunal, em substituição da pena de prisão em que foi cominado, tal não obsta a que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade possa ser revogada, se existir fundamento para a revogação, designadamente, se após a condenação na pena de prisão que foi substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser cominado, e revelar que as finalidades que da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cf. al. c) do n.º 2 do artigo 59º do CP).

2 - Tendo o condenado cumprido a totalidade das 180 horas de trabalho a favor da comunidade, fixadas pelo tribunal em substituição da pena de prisão de 6 meses aplicada, e fazendo-o de forma considerada satisfatória, operando o desconto dos dias de trabalho prestados, no tempo de prisão, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 59º do Código Penal (correspondendo 180 horas de trabalho ao mesmo número de dias – cf. n.º 3 do artigo 58º ex vi do n.º 4 do artigo 59º, ambos do CP), não existe qualquer tempo de prisão por cumprir, pelo que, sem necessidade de liquidação da pena pelo Ministério Público, impunha-se que, no despacho recorrido, se fizesse constar não haver qualquer tempo de prisão a cumprir pelo condenado, ora recorrente.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nos autos de processo sumário, n.º 213/16.3PBSTB, da Comarca de Setúbal – Instância Local – Secção Criminal – Juiz 3, o arguido (...), melhor identificado nos autos, foi julgado e condenado, por sentença proferida em 07/03/2016, transitada em julgado a 15/04/2016, pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade.
1.2. O arguido/condenado cumpriu as 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, que iniciou em 27/04/2018 e completou em 26/07/2019 (cf. relatório de avaliação a fls. 34-35 deste traslado).
1.3. Por factos praticados em 06/05/2016 e por sentença proferida em 30/05/2016, transitada em julgado em 16/03/2017, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão efetiva.
1.4. Havendo conhecimento no processo n.º 213/16.3PBSTB da condenação referida em 1.3., foi designada data para a audição do arguido/condenado, ao abrigo do disposto no artigo 495º, n.º 2, do CPP, que teve lugar, no dia 22/10/2019.
1.5. O Ministério Público promoveu que fosse determinado o cumprimento da pena de prisão em que o arguido foi condenado nos autos. Sobre tal promoção recaiu despacho proferido em 12/11/2019, que decidiu revogar a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 57º, n.º 1, aplicável ex vi do artigo 59º, n.º 3, ambos do CPP e ordenar o cumprimento da pena principal de 6 (seis) meses de prisão, em estabelecimento prisional.
1.6. Inconformado, o arguido/condenado recorreu de tal despacho, apresentado a respetiva motivação e extraindo dela as seguintes conclusões:
«1. O recorrente não se conforma com a decisão em crise, porquanto a mesma apenas coloca em enfase na prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, durante o período de cumprimento da pena substitutiva nos presentes autos.
Ora,
2. A prestação de trabalho em que o recorrente foi condenado encontra-se totalmente cumprida.
Assim sendo,
3. A eventual revogação dessa pena acarretaria o desconto integral da pena de substituição;
Depois,
4. A tese sustentada pelo Tribunal a quo, na relação directa com a promoção da Digníssima Procuradora do Ministério Publico, é contrária aos princípios fundamentais ínsitos no direito penal português que, seguindo de perto as recomendações do Conselho da Europa, privilegia a aplicação de penas alternativas às penas curtas de prisão.
5. E ainda que viesse a ocorrer uma eventual revogação da pena de prestação de trabalho, da conjugação dos nºs 2 e 4 do artigo 59º do CP, caso se verificasse que a mesma não havia surtido os efeitos da condenação, acarretaria, a posteriori, a necessidade de desconto dos períodos de trabalho comunitário, o que, in casu, se traduziria num desconto integral da eventual pena a cumprir, em virtude do cumprimento integral da pena substitutiva.
De facto,
6. O cumprimento integral da pena TFC torna inócua a sua revogação, pois a decisão judicial a proferir, não pode “apagar” ou “restituir” ao arguido, as horas despendidas na execução da pena.”
7. O Tribunal a quo faz uma apreciação retro do teor do art.º 56.º, n.º 1, do Código Penal, porquanto pretende revogar automaticamente a suspensão da pena de prisão, sem verificar se o comportamento criminoso descrito na decisão condenatória sustenta a conclusão de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas;
8. O cometimento pelo recorrente de um crime (durante o período de cumprimento da pena substitutiva (que foi integralmente cumprida) não implica necessariamente a sua revogação pois que, para que tal aconteça é necessário que tal comportamento criminoso evidencie que aquele não é merecedor do juízo de prognose positiva em que alicerçou a aplicação daquela pena de substituição;
9. A revogação da pena substitutiva pela prática de crime terá que ter na sua base causas que “deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.” (in Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Janeiro de 2006, in www.pglisboa.pt);
10. A decisão recorrida funda-se exclusivamente no teor do CRC (actual), ou seja, aparentemente, o Tribunal a quo limitou-se a considerar que a simples prática de outro crime era suficiente para concluir pela revogação da pena de TFC;
11. O Tribunal a quo limitou-se a revogar a pena substitutiva com base na prática de um novo crime sem explicar fundadamente em que medida o cometimento deste é revelador da falência total da prognose positiva que esteve na base da sua aplicação e, por isso, deveria o Tribunal a quo ter recolhido os elementos necessários para decidir fundamentadamente, mormente, mediante a elaboração de relatório social, o que não aconteceu;
12. A condenação por novo crime cometido no período do cumprimento da pena substitutiva à pena de prisão não ditará, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição, mormente, mediante a aplicação do regime estatuído no do art.º 57.º do Código Penal (por remissão do art.º 59.º, n.º 2).
13. Deste modo, a condenação posterior, ainda que em pena de prisão efectiva, conforme ocorreu com o recorrente, não permite, de forma automática, considerar que este se encontra definitivamente perdido para a sociedade, até porque, o cumprimento integral da pena de substituição em concreto, como foi o caso, permitirá sinalizar, em princípio, a manutenção da confiança na ressocialização do recorrente em liberdade.
Por outro lado,
14. A decisão recorrida não revela ter equacionado a possibilidade de a prorrogação do período de trabalho comunitário, acrescido as 180 horas já cumpridas, sujeitando o recorrente a um novo regime de cumprimento, ao abrigo do disposto no art.º 57.º, nº 2 (in fine), por remissão do art.º 59.º, n.º 3, ambos do Código Penal.
15. Sujeitando-se o recorrente a prorrogação do período do TFC, contado a partir do trânsito da decisão do recurso, permitirá ao Tribunal a quo poder vir a formular, oportunamente, um juízo mais informado e mais esclarecido sobre a eventual frustração, ou não, da prognose inicialmente formulada na sentença;
16. Afigurando-se prematuro, por tudo o que se disse, que o Tribunal a quo determine a revogação da pena de substituição, o recorrente requer V. Exas., Venerandos Desembargadores, a revogação da decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine a prorrogação do período de TFC, fixando-se um novo regime de cumprimento do mesmo.
Mas, em caso desacolhimento,
17. O recorrente insurge-se, ainda assim, contra o cumprimento efetivo da pena de 6 meses de prisão, pelo que, propugna pelo cumprimento da pena em regime diverso da prisão efetiva, mormente, mediante a aplicação do regime jurídico da Lei n.º 94/2017 de 23/08.
18. Perante a revogação da pena não privativa da liberdade (em cuja tipologia se enquadra a pena de trabalho a favor da comunidade), admite-se agora expressamente, que a pena de prisão não superior a dois anos possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir (artigo 43.º, n.º 1, al. c), do Código Penal).
19. O novo regime jurídico traduz o entendimento generalizado (um novo pensamento político tendo em vista a diminuição do número de reclusos nos estabelecimentos prisionais, mediante a concretização de meios alternativos para a execução das penas de prisão) de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado.
20. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respetivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação.
21. Assim, considerando, que a referida alteração legislativa entrou em vigor em 22/11/2017, impõe-se que seja equacionada a aplicação do novo regime de permanência na habitação, em termos de aplicação da lei penal no tempo (artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal), na consideração do princípio da aplicação retroativa da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido (artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa).
22. A norma transitória do artigo 12º da citada Lei n.º 94/2017 de 23/08 permite concluir que existe um juízo do legislador sobre o caráter mais favorável ao arguido do regime de obrigação de permanência na habitação em face ao cumprimento da prisão contínua, como nos parece ser claro esse mesmo juízo em face do contexto normativo-legal e também do grau de privação de liberdade que cada uma das penas contém.
23. Com o regime de permanência na habitação evitam-se as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa e trata-se de regime que tem justamente por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral.
24. Contudo, a obrigação de permanência na habitação assenta em pressupostos e requisitos, previstos no artigo 43.º do Código Penal, na sua nova redação, como a viabilidade de instalação de meios técnicos de controlo à distância e o consentimento do próprio condenado, que terão de ser obtidos e verificados pela 1ª instância, depois de devidamente equacionada a “adequação e suficiência” desta forma de execução ou de cumprimento da pena de 6 meses de prisão a cumprir pelo condenado, eventualmente subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas no n.º 4 do citado artigo 43.º.
25. Assim, em virtude da aplicação da nova lei penal de conteúdo mais favorável, deverá agora ser equacionada pelo Tribunal a quo a ponderação relativamente à execução da pena de 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação.
Termos em que, se requer a V. Exas. Senhores Juízes Desembargadores, que o presente recurso seja julgado procedente, por provado, e, consequentemente, seja revogada a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que, depois de ter sido recolhida a informação necessária e de terem sido cumpridos os trâmites legalmente estabelecidos, determine a prorrogação do período de cumprimento de TFC, fixando-se um novo regime de cumprimento.
Em alternativa, deverá ser aplicado o regime jurídico instituído da Lei n.º 94/2017 de 23/08, mormente, na nova redacção do art.º 43.º, e, perante a viabilidade de instalação de meios técnicos de controlo à distância e o consentimento do próprio condenado, que terão de ser obtidos e verificados pela 1.ª instância, depois de devidamente equacionada a “adequação e suficiência” desta forma de execução ou de cumprimento da pena de 6 meses de prisão a cumprir pelo condenado, eventualmente subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas no n.º 4 do artigo 43º.
ASSIM SE CUMPRIRÁ O DIREITO E SERÁ FEITA JUSTIÇA!»
1.7. O recurso foi regularmente admitido.
1.8. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se no sentido de o recorrente não ter interesse em agir, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1.ª O recurso resultou de excesso de zelo do recorrente, já que nada restará para cumprir dos 6 meses de prisão, por desconto das 180 horas de trabalho comunitário prestadas pelo recorrente, desconto esse a operar em sede de contagem da pena, a elaborar pelo Ministério Público nos 5 dias posteriores ao trânsito do despacho em crise.
2.ª Consequentemente, deve o presente recurso ser liminarmente rejeitado, por falta de interesse em agir do recorrente.»
1.9. O Senhor Juiz a quo proferiu despacho de sustentação da decisão recorrida.
1.10. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso ser liminarmente rejeitado, por falta de interesse em agir do recorrente ou, caso assim não se entenda, deve ser julgado improcedente.
1.11. Foi cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo o recorrente exercido o direito de resposta.
1.12. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Como é sabido, as conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o respetivo objeto do recurso (cf. artigo 412º, n.º 1, do C.P.P.), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir:
- Ilegalidade da decisão de revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, existindo cumprimento integral dessa pena;
- Inexistência de fundamento para a revogação da referida pena de substituição;
- Cumprimento da pena principal de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

2.2. Despacho recorrido
O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Nos presentes autos, por decisão transitada em julgado em 14-04-2016, foi o arguido (...), condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3-01, na pena de seis (6) meses de prisão, substituída na sua execução pela prestação de 180 horas de trabalho a favor da comunidade.
Elaborado o Plano de Trabalho pela DGRSP a fls. 65 e ss., o mesmo foi homologado por despacho datado de 07-02-2017 e cotado a fls. 69.
Entretanto, a DGRSP apresentou informação de fls. 76, onde dá conta que o condenado não iniciou a execução da pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, por aquele se encontrar em situação de prisão em permanência na habitação com VE, à ordem do processo n.º 6/16.8PESTB, desde 18-01-2017.
Perante tal ocorrência, foi designada data para audição do condenado (cf. fls. 78, 89), o que se veio a concretizar em 04-07-2017 – [cf. acta de fls. 94 e 95]
Por despacho datado de 20-02-2018 e cotado a fls. 137, foi determinado que se solicitasse ao aludido proc. se autorizava o condenado cumprir a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, tendo na sequência da resposta de fls. 141, sido auscultada a DGRSP (cf. fls. 143), que por informação prestada a fls. 146 e a fls. 147, informou que entretanto o condenado cessara a medida de permanência na habitação.
Por informação da DGRSP datada de 12-04-2018 e cotada a fls. 150, foi informado que o condenado iniciou a execução do trabalho a favor da comunidade no dia 10-04-2018, tendo sido lavrado despacho datado de 27-04-2018 e cotado a fls. 152, a homologar o novo plano de trabalho.
Por informação intercalar da DGRSP datada de 13-09-2018 e cotada a fls. 159 e ss., foi informado que o condenado até então havia prestado trabalho a um ritmo adaptado à sua disponibilidade laboral, tendo executado 53 h.
Por informação da DGRSP datada de 11-04-2019 e cotada a fls. 170 e ss., foi informado que o condenado até então executara 97 h das 180 h a que se obrigou, tendo comparecido a última vez junto da EBT em 15-02-2019.
Entretanto, conforme relatório de avaliação final da prestação do trabalho a favor da comunidade da DGRSP (cf. fls. 181 a 183), atestou-se que o arguido cumpriu na íntegra o TFC que lhe foi determinado.
Porém, resulta dos autos que o arguido foi condenado na pena de um ano e dois meses de prisão efetiva pela prática de crime de condução sem habilitação legal por factos ocorridos no dia 06-05-2016 no âmbito do PCS n.º 601/16.5PBSTB.
Foi ouvido o condenado no dia 22-10-2019, conforme resulta da acta de fls. 222 e ss..
Perante tal ocorrência, o Ministério Público veio promover que seja revogada a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade e seja determinado o cumprimento da pena principal de nove meses de prisão que foi aplicada ao arguido nestes autos – [fls. 225 e ss.]
Notificada a il. defensora do condenado para, querendo, exercer o direito de contraditório, nada disse.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no art.º 59.º, n.º 2 do Cód. Penal:
«O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:
a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou
c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderem, por meio dela, ser alcançadas.»
Por sua vez, diz-nos ainda o art.º 57.º, n.º 1, aqui aplicável ex vi art.º 59.º n.º 3, ambos do Cód. Penal, que:
«1. A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação
Desde já se diga que a questão axial a resolver neste domínio se situa na análise do comportamento adoptado pelo arguido após ter sido condenado numa pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, a qual, como se sabe, repousa a sua aplicação numa emissão de um juízo de prognose favorável à reintegração do condenado na sociedade, pelo que será este o critério, limite e fundamento da sua aplicação.
Ora, in casu, constatamos que o arguido, pese embora o seu percurso criminal assinalável demonstrado pelo seu certificado criminal, pôde ainda beneficiar, nestes autos, da aplicação de uma pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade; sendo, no entanto, certo que a aplicação desta pena substitutiva não se mostrou suficientemente dissuasora para afastar o arguido da criminalidade, porquanto, volvidos apenas vinte e um dias sobre a data do trânsito da condenação, o arguido voltou a persistir na prática de um idêntico crime de condução de veículo sem habilitação legal, tendo por isso sido condenado no âmbito do PCS n.º 601/16.5PBSTB, na pena de um (1) ano e dois 82) meses de prisão efectiva. Nesta decisão não existiu, pois, um juízo de prognose favorável de que o arguido viverá afastado da criminalidade, pelo menos, quanto ao tipo legal de crime em causa.
Ora, temos para nós que tal conduta desviante do arguido incorrida durante o período da vigência da pena substitutiva aplicada nestes autos - pela qual foi condenado numa pena de prisão efectiva no PCS n.º 601/16.5PBSTB -, constitui um motivo relevante para estribar uma revogação da pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, por se integrar, em nossa óptica, na previsão do n.º 1 do citado art.º 57.º do Cód. Penal, aqui aplicável ex vi do art.º 59.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, porquanto, perante tal ocorrência, não pode este tribunal continuar a manter a emissão de um juízo de prognose favorável à reintegração social do arguido com base no qual substituiu a pena principal de prisão por trabalho a favor da comunidade, dado que, apreciada a conduta levada a cabo pelo arguido após tal condenação, tal substituição se mostrou manifestamente inadequada e insuficiente a salvaguardar as necessidades de punição que o caso veio entretanto a requerer.
Ademais, em sede de audição de condenado, este não apresentou qualquer argumento que pudesse inviabilizar o entendimento sufragado pelo este tribunal supra expresso.
Ora, in casu, mais uma vez se enfatiza, o comportamento desviante, intencional e doloso do arguido, levado a cabo pelo mesmo durante a vigência da pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, pelo qual foi condenado numa pena de prisão efectiva, após ter sido condenado numa pena de substituição de trabalho a favor da comunidade nestes autos, necessariamente afasta a manutenção da emissão de qualquer juízo de prognose favorável à sua reintegração social, através de tal pena substitutiva, frustrando, destarte, as finalidades que lhe estavam subjacentes.
Vale por dizer que o arguido não soube aproveitar a derradeira oportunidade que lhe foi concedida por este tribunal para começar a trilhar o seu caminho à luz do Direito, quando lhe substituiu a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, pois antes quis continuar a realizar acto ilícito e doloso durante a vigência da pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, pelo qual foi condenado numa pena de prisão efectiva, não demonstrando, destarte, ter interiorizado o desvalor da sua conduta e, nessa medida, inviabilizou a própria manutenção de um juízo de prognose favorável à reintegração social do arguido, com base no qual se aplicou tal pena de substituição de trabalho a favor da comunidade.
Ou seja e em suma: consideramos que a condenação numa pena de prisão efectiva sofrida pelo arguido no âmbito do PCS n.º 601/16.5PBSTB, revelou que as finalidades que estiveram na base da substituição da pena não puderam ser alcançadas por essa via. Com efeito, como já enfatizamos supra, verificamos que apenas vinte e um dias depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, o arguido voltou a praticar crime da mesma natureza pelo qual foi condenado na pena de um ano e dois meses de prisão efectiva. Nesta decisão não existiu, pois, um juízo de prognose favorável de que o arguido viverá afastado da criminalidade, pelo menos, quanto ao tipo legal de crime em causa.
Ademais, ouvido em declarações nos termos do disposto no art.º 495.º do Cód. Proc. Penal, o condenado justificou a sua conduta no PCS n.º 601/16.5PBSTB pela necessidade de ir trabalhar e acrescentou não ser ainda possuidor de carta de condução.
Donde se conclui que o condenado não apresentou nenhuma justificação plausível e/ou documentada para os factos pelos quais foi condenado no PCS n.º 601/16.5PBSTB, tendo tido uma conduta de menosprezo censurável. Por outra banda, a circunstância de não possuir ainda título de condução outrossim reduz qualquer possibilidade de um juízo de prognose favorável de que o arguido não voltará a praticar factos ilícitos da mesma natureza dos em causa nestes autos.
Por conseguinte e tal como promovido pelo Ministério Público na sua promoção de fls. 225 dos autos, cabe ao tribunal revogar a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade e, destarte, ordenar o cumprimento da pena principal de seis meses de prisão determinada na sentença, transitada em julgado.
Termos em que concluímos que as finalidades que estiveram na base da substituição da pena de prisão em que o arguido foi condenado nos presentes autos por trabalho a favor da comunidade não foram alcançadas impondo-se, destarte, que seja determinado o cumprimento da pena em que foi condenado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 57.º n.º 1, aqui aplicável ex vi art.º 59.º n.º 3, ambos do Cód. Penal

*
Entende-se, por fim, que perante a frustração pelo condenado da possibilidade de cumprir a pena “fora de muros”, as necessidades de punição reivindicam um contacto efectivo do mesmo com o sistema prisional, pelo que não se aplica o disposto no art.º 43.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal, na redacção dada pela Lei n.º 94/2017, de 23-08.
*
Pelo exposto e de harmonia com as disposições supra indicadas:
a) Revogo a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido (...), nos termos do art.º 57.º, n.º 1 do Cód. Penal, aqui aplicável ex vi do art.º 59.º, n.º3 do mesmo diploma legal;
b) E, destarte, ordeno o cumprimento da pena principal de prisão fixada na sentença proferida nestes autos, pelo período de seis (6) meses de prisão em estabelecimento prisional;
c) Após trânsito em julgado do presente despacho: abra vista ao MP para promover os ulteriores termos processuais (art.º 469.º do CPP).
Notifique, sendo o arguido por via postal, com PD para a morada indicada no TIR prestado a fls. 195.
(…).»

2.3. Conhecimento do recurso
2.3.1. Da ilegalidade da decisão de revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, existindo cumprimento integral dessa pena
No despacho recorrido o Tribunal a quo revogou a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido, nos termos do disposto no art.º 57º, n.º 1, aplicável ex vi do art.º 59º, n.º 3, ambos do Código Penal e ordenou o cumprimento da pena principal de prisão de 6 (seis) meses de prisão, em estabelecimento prisional.
É contra esta decisão que se insurge o arguido/recorrente, defendendo que tendo existido cumprimento integral da pena de substituição da prisão de trabalho a favor da comunidade, não pode esta pena ser revogada e ser determinado o cumprimento da pena principal de prisão.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de o recurso dever ser rejeitado por falta de interesse em agir do recorrente, tendo em conta que, operando o desconto dos dias de trabalho a favor da comunidade que prestou, nada lhe resta cumprir da pena principal de prisão em que foi condenado.
O cerne da questão ora em apreciação está em saber se, em casos como o presente, em que se mostra integralmente cumprida a pena de substituição de trabalho a favor da comunidade, não havendo qualquer tempo de prisão a cumprir, por força do desconto a operar, em caso de revogação, nos termos do disposto no artigo 59º, n.º 4, do Código Penal, se deverá haver lugar, mesmo assim, à revogação daquela pena de substituição.
O entendimento que tem sido acolhido pela jurisprudência desta Relação de Évora[1] e que sufraga, é o de que, ainda que o condenado tenha cumprido a totalidade das horas de trabalho a favor da comunidade que hajam sido fixadas pelo tribunal, em substituição da pena de prisão em que foi cominado, tal não obsta a que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade possa ser revogada, se existir fundamento para a revogação, designadamente, se após a condenação na pena de prisão que foi substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser cominado, e revelar que as finalidades que da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cf. al. c) do n.º 2 do artigo 59º do CP).
A revogação da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade pode ser decretada não só quando a mesma pena ainda esteja a ser cumprida ou se encontre por cumprir, parcial ou totalmente, como também após o seu cumprimento integral, neste último caso, desde que não haja sido declarada extinta a pena, nomeadamente pelo seu cumprimento, já que após a sua extinção já não pode ser revogada.
Há que não perder de vista, como se faz notar no enunciado Acórdão desta RE de 11/07/2013, que a prestação de trabalho a favor da comunidade, prevista no artigo 58º do Código Penal não é uma pena principal, que se extingue uma vez cumpridas as horas de trabalho; é uma pena de substituição da prisão. E estas penas substitutivas pressupõem a possibilidade de regresso à prisão principal, em caso de incumprimento culposo ou de cometimento de novo crime.
Por outro lado, conforme se refere no referenciado Acórdão desta RE de 18/02/2014, independentemente de restar ou não qualquer tempo de prisão a cumprir, nunca é indiferente saber se a pena substitutiva foi revogada, «pois os efeitos desta “produzem-se no processo e também fora dele, permitindo, através do registo criminal, apresentar a situação penal do condenado ao longo do tempo, no que respeita a condenações e respectivo cumprimento, com ou sem incidentes de revogação ou modificação das penas. Tal é um elemento decisivo na determinação das penas futuras, tanto que o registo criminal tem valor de documento autêntico e tem que, por isso, traduzir a realidade da situação de cada processo em que foi proferida uma decisão condenatória, no que respeita à sua execução e respectivas vicissitudes (substituição, suspensão, revogação e extinção)”
Como é salientado no referenciado Acórdão uma coisa é a decisão sobre a revogação da pena de substituição, outra a liquidação e cumprimento da prisão principal, sendo que nos termos do disposto no artigo 59º, n.º 4, do Código Penal, em caso de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, «o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver já prestado trabalho a favor da comunidade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir os dias de trabalho já prestados, de acordo com o nº 3 do artigo anterior» (artigo 58º).
Assim, ainda que o arguido/condenado, ora recorrente, haja cumprido integralmente a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, o Tribunal não podia deixar de apreciar da existência de causa(s) de revogação dessa mesma pena, como fez, não podendo, sem que procedesse a essa indagação, declarar a extinção da pena, como pretende o recorrente.
E tendo o Tribunal a quo decidido revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade a aplicada ao arguido em substituição da pena principal de prisão, independentemente de não haver qualquer tempo de prisão a cumprir pelo condenado, por força do desconto dos dias de trabalho que prestou, na sua totalidade, não sendo a decisão inócua, em termos de registo criminal e da repercussão na eventualidade de futuramente vir a sofrer outras condenações, existe interesse em agir por parte do ora recorrente, em ver sindicada, por via do recurso, a decisão de revogação.

2.3.2. Da inexistência de fundamento para a revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade
Sustentando o recorrente que não existe fundamento para que seja revogada a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, porquanto a ocorrência de condenação posterior, ainda que em pena de prisão efetiva, não permite, de forma automática, considerar que o condenado se encontra definitivamente perdido para a sociedade, até por que o cumprimento integral da pena de substituição, permitirá sinalizar, em princípio, a manutenção da confiança na ressocialização do recorrente em liberdade.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de se revelar acertada a decisão recorrida de revogação da pena de substituição.
Apreciando:
Sobre a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, dispõe o artigo 59º, n.º 2, do Código Penal que: «O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:
a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou
c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.»
Decorre do disposto no n.º 2 alínea c) da citada disposição legal que para a pena de substituição de trabalho a favor da comunidade deve ser revogada e ordenado o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação «cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas».
Para a revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, com o enunciado fundamento, exige-se, pois, que estejam verificados dois requisitos, quais sejam:
1º- A prática, após a condenação na pena de prisão que foi substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e durante a vigência dessa pena de substituição, de um crime por que venha a ser condenado[2]; e
2º - que se constate que as finalidades que estiveram na base da decisão de substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho, não foram atingidas.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque[3], «O critério material para decidir sobre a revogação da prestação de trabalho é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de substituição da pena podem ser alcançadas com a prestação de trabalho ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado
Significa isso que, a posterior condenação, ainda que em pena de prisão efetiva, não conduz inelutavelmente à revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade da anterior condenação.
Assim, perante o cometimento de novo crime, após a condenação - na pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade e sem que esta se mostre extinta -, por que venha a ser condenado, ainda que em pena privativa da liberdade, impõe-se indagar se o juízo de prognose favorável em que se baseou a decisão de aplicar aquela pena de substituição, no sentido de por meio dela, o condenado se afastar da prática de futuros crimes, ficou, definitiva e inexoravelmente infirmado, caso em que deverá ser revogada a prestação de trabalho a favor da comunidade ou se, não obstante, o cometimento de novo crime, tendo em conta as particularidades do caso concreto, nomeadamente, as circunstâncias em que o condenado voltou a delinquir e a evolução das suas condições de vida, não se frustraram total e irremediavelmente as expetativas e finalidades que, por via da substituição da pena de prisão, se pretendeu fossem alcançadas, decidindo, nesse caso, o tribunal, pela extinção da pena (artigo 57º, n.º 1, aplicável ex vi do n.º 3 do artigo 59º, ambos do C.P.).
Para aquilatar se as finalidades que estavam na base da substituição da pena de prisão pela de prestação de trabalho a favor da comunidade, não puderam, por meio desta última, ser alcançadas, em ordem a decidir se é de revogar ou não essa pena de substituição, importa ponderar, à semelhança do que acontece com outras penas de substituição, designadamente, com a suspensão da execução da pena de prisão, a relação temporal entre a data do trânsito em julgado da sentença que aplicou a pena de substituição e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime, ou seja, do quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a substituição da pena de prisão, e bem assim a evolução das condições de vida do condenado até ao presente – num juízo reportado ao momento em que importa decidir[4].
No caso vertente, o pressuposto formal da revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, encontra-se manifestamente demonstrado nos autos, tendo o arguido/recorrente, após a condenação na pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade de que aqui se trata (por sentença transitada em julgado em 15/04/2016), sido condenado, pela prática, em 06/05/2016, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, no âmbito do Processo n.º (…).
Questão é saber se está verificado o pressuposto material da revogação, ou seja, se o cometimento pelo ora recorrente do enunciado crime, revela que as finalidades que estiveram na base da substituição da pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, não puderam, por meio desta última, ser alcançadas.
O recorrente pugna por uma resposta negativa a tal questão, sustentando que a condenação posterior, ainda que em pena de prisão efetiva, conforme ocorreu com o recorrente, não permite, de forma automática, considerar que este se encontra definitivamente perdido para a sociedade, até porque, o cumprimento integral da pena de substituição em concreto, como foi o caso, permitirá sinalizar, em princípio, a manutenção da confiança na ressocialização do recorrente em liberdade.
Que dizer?
Antes de tudo, há-de conceder-se que a razão trazida pelo condenado, ora recorrente, em abono da pretendida não revogação da pena de substituição da prestação de trabalho a favor da comunidade, configura um juízo conclusivo, não se revelando, de modo algum, bastante que o condenado haja cumprido a totalidade e ainda que satisfatoriamente, das horas de trabalho fixadas pelo tribunal, para que se possa concluir que as finalidades preventivas subjacentes à decisão de substituição da pena de prisão, puderam ser alcançadas por meio da prestação de trabalho, o que, à partida, se revelaria insuficiente para contrariar o juízo revogatório formulado pelo Mmº. Juiz a quo, no despacho recorrido.
Sem embargo, mesmo de ofício, não se encontram razões que suportem a não revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade em que o ora recorrente foi condenado no processo n.º (…).
Como sublinha a decisão recorrida, o ora recorrente não soube aproveitar a oportunidade que lhe foi concedida pelo tribunal, quando lhe substituiu a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, tendo, decorridos que estavam apenas 20 dias sobre o trânsito em julgado dessa decisão, voltado a delinquir, praticando crime da mesma natureza daquele por que fora condenado naquela pena de substituição, o que é revelador de que o ora recorrente não levou em devido sopeso a advertência contida na condenação pretérita e de não ter interiorizado o desvalor da sua conduta.
Neste quadro, mostra-se irrefutável a conclusão de que o juízo de prognose favorável acerca do comportamento futuro do arguido, em termos de conseguir adequar a sua conduta ao direito e se abster da prática de crimes, alcançando a ressocialização em liberdade, que levou à substituição da pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade se mostra definitivamente arredado.
Destarte e, na medida em que a fundamentação do despacho recorrido não deixou de ponderar, devidamente, os fatores de revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto no 59º, n.º 2, al. c) do Código Penal, não merece censura a decisão de revogação dessa mesma pena de substituição aplicada ao arguido/recorrente.
Assim e, nesta vertente, o recurso é improcedente.

Resta por último apreciar se deve haver lugar ao cumprimento da pena principal de prisão, fixada em 6 (seis) meses em que o ora recorrente foi condenado, sendo que no despacho foi ordenado o cumprimento dessa pena, em estabelecimento prisional.
Salvo o devido respeito, nesta parte, a decisão recorrida não pode manter-se, posto que tendo o condenado, ora recorrente, cumprido a totalidade das 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, fixadas pelo tribunal, em substituição da pena de prisão de 6 (seis) meses aplicada e fazendo-o de forma considerada satisfatória, operando o desconto dos dias de trabalho prestados, no tempo de prisão, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 59º do Código Penal (correspondendo 180 horas de trabalho ao mesmo número de dias – cf. n.º 3 do artigo 58º ex vi do n.º 4 do artigo 59º, ambos do CP), não existe qualquer tempo de prisão por cumprir, pelo que, sem necessidade de liquidação da pena pelo Ministério Público, impunha-se que, no despacho recorrido, se fizesse constar não haver qualquer tempo de prisão a cumprir pelo condenado, ora recorrente.
Assim, concedendo parcial provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido na parte em que revogou a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao recorrente, revoga-se o mesmo despacho, na parte em que ordenou o cumprimento da pena principal de seis meses de prisão, em estabelecimento prisional e, em substituição, declara-se que tendo o condenado cumprido a totalidade das 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, fixadas pelo tribunal, em substituição da pena de prisão de 6 (seis) meses aplicada e fazendo-o de forma satisfatória, operando o desconto das horas de trabalho cumpridas na pena de prisão, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 59º do Código Penal, não existe qualquer tempo de prisão que lhe reste cumprir.
Em face do acabado de decidir fica prejudicado o conhecimento da questão do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (artigo 43º do CP, na redação da Lei n.º 94/2007, de 23 de agosto).

3. DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido/condenado (...) e, em consequência:

- Confirmando-se o despacho recorrido na parte em que revogou a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido/condenado, revoga-se o mesmo despacho, na parte em que ordenou o cumprimento da pena principal de seis meses de prisão, em estabelecimento prisional e, em substituição, declara-se que atento o disposto no artigo 59º, n.º 3, do CP, não existe qualquer tempo de prisão a cumprir pelo arguido/condenado.

Sem tributação (cf. artigo 513º, n.º 1 do CPP, a contrario sensu).

Évora, 08 de setembro de 2020

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[1] Neste sentido, cfr., entre outros, Ac.s da RE de 11/07/2013, Proc. 283/10.8GHSTC.E1 e de 18/02/2014, Proc. n.º 175/12.6GGSTC.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.

[2] Sendo que, tal como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal …, 3ª edição, 2015, Universidade Católica Portuguesa, página 324, a condenação «pode ter lugar antes ou mesmo depois de concluída a prestação de trabalho a favor da comunidade, se o processo criminal já estiver pendente à data em que finda a execução da prestação de trabalho e o incidente de revogação da prestação de trabalho tiver ficado suspenso até à decisão final do processo criminal (artigo 57º, n.º 2, ex vi do artigo 59º, n.º 3).»

[3] In ob. e loc. cit.

[4] Neste sentido, em relação á suspensão da execução da pena de prisão, cfr., entre outros, Ac. da RL de 23/04/2013, proc. n.º 90/01.9TBHRT-C.L1-5 e Ac. da RC de 27/01/2016, respetivamente, in www.dgsi.pt e CJ, Ano XLI, Tomo I, pág. 289)