Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1367/16.4T8PTM-A.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: PERÍCIA
OBJECTO DA PROVA
AMPLIAÇÃO
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A rejeição da ampliação da perícia apenas pode ter como fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1367/16.4T8PTM-A.E1 (2ª Secção Cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No âmbito da ação declarativa de condenação com processo comum, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Local Cível de Portimão – J1) em que é autora (…) Comunicações, S. A., e ré Condomínio do Edifício Clube Praia da (…), veio esta, interpor recurso do despacho de 06/04/2017, pelo qual lhe foi indeferida a ampliação do objeto da perícia, o qual foi admitido, tendo apresentado as respectivas alegações terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
Em abono da verdade não se pode aceitar a decisão de indeferimento dos quesitos formulados pelo réu, pelas seguintes razões:
a) A instalação em edifícios de sistemas de receção e distribuição de sinais de radiofusão sonora e televisiva para uso privativo, quer se trate de emissões por via hertziana terrestre, quer por via de satélites, bem como sistemas de receção e distribuição de sinais provenientes das redes de distribuição de radiofusão sonora ou televisiva por cabo está sujeito ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 249/97, de 23 de Setembro (cf. artigo 1.º e 2.º do referido diploma legal).
b) Naquele diploma estão contidas uma série de obrigações legais e condições técnicas que têm de ser cumpridas pela operadora para “melhor aproveitamento dos equipamentos pelos utilizadores” e salvaguarda de preocupações de melhoria de paisagem urbana.
c) Do que resulta dos autos está em causa uma instalação que está abrangida por este regime legal, desde logo o disposto no artigo 3.º, 4.º e 6.º daquele regime (incluindo o projeto de instalação na ANACOM que deverá ser fornecido aos peritos), entre outras disposições, cujo cumprimento necessariamente se pressupõe no âmbito dos contratos firmados entre a operadoras e clientes, sejam eles particulares ou coletivos, enquanto obrigação que decorre do conhecimento técnico e atividade da operadora.
d) Naturalmente que os quesitos requeridos pelo réu visam confirmar se a autora cumpriu ou não com as obrigações legais e técnicas previstas naquele diploma, condições técnicas muito específicas e que só técnicos especializados têm competência técnica para as verificar e analisar.
e) Os quesitos formulados pelo réu permitem também corroborar se as ligações que a autora terá feito admitem a ligação de outras operadoras de televisão, ou, se pelo contrário, visa exclusivamente garantir a ligação do SEU sinal às frações autónomas dos seus clientes que aderiram ou venham a aderir aos seus serviços ou pacotes e com os quais terá celebrado contrato de fornecimento de televisão ou internet (não tendo os restantes condóminos, que então não usam desse serviço, nem o condomínio, de suportar esse preço de instalação).
f) Em suma, os quesitos requeridos pelo réu permitem analisar se o serviço cujo pagamento do preço a autora reclama ao réu condomínio está prestado tecnicamente e mesmo legalmente de forma correta ou se se verifica uma situação que justifique uma decisão diversa daquela pretendida pela autora, ou de exceção de não cumprimento, com as respetivas consequências jurídicas que podem decorrer (por exemplo a redução do preço), tudo isto em abono de uma decisão judicial mais justa e equitativa.
g) A realização da perícia que tenha em conta os quesitos formulado também pelo réu (e não só os da autora) é absolutamente essencial para a descoberta da verdade, e o seu indeferimento tem influência direta no exame e boa decisão da causa que gera a sua nulidade, a qual desde já se argui (cf. n.º 1 do artigo 195.º do Cód. de Processo Civil).
h) Ora, tendo sido já admitida a peritagem e qual será realizada pelos próprios técnicos da ANACOM, não há qualquer impedimento que os técnicos e peritos desde já façam uma análise e uma peritagem incluindo os quesitos indicados pelo réu e não só os da autora, não representado qualquer acréscimo de tempo ou de custos, em vez de tal se relegar tal questão para um eventual recurso a final e, porventura, uma repetição da perícia.
i) Pelo que deverá o despacho em crise que inferiu a ampliação da perícia requerida pelo réu ser revogado e substituído por outro que admite os quesitos formulados pelo réu.
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Não foram apresentadas contra alegações.
Cumpre apreciar e decidir
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O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar consiste em saber se é ou não de admitir a ampliação do objeto da perícia, nos termos requeridos pelo recorrente.

Com interesse para apreciação da questão, há que ter em conta:
A autora intentou ação reclamando ao réu o pagamento de duas faturas de € 7.903,98 e € 8.782,00, emitidas em 2012;
O réu contestou, defendendo-se por exceção e impugnação, alegando, entre outros fundamentos, o desconhecimento dos serviços concretamente prestados e se os mesmos teriam sido prestados nas devidas condições técnicas e contratuais;
A autora requereu a realização de uma perícia às instalações tendo o réu, no âmbito da pronúncia sobre tal meio de prova, requerido a sua ampliação através da formulação de mais quesitos para além daqueles indicados pela autora.
Por despacho de 06/04/2017 foi indeferido o requerido pelo réu relativamente à ampliação do objeto da perícia por não se vislumbrar utilidade dos quesitos apresentados.

Conhecendo da questão
Veio o recorrente recorrer da decisão da Mª Juiz “a quo” que lhe indeferiu a ampliação da perícia, que fora requerida pela autora.
Conforme se dispõe no artigo 475º, nº 1, do CPC, no caso de a perícia ser requerida por alguma das partes, a requerente, indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da requerida diligência.
Acrescentando-se no seu nº 2 que a perícia pode reportar-se quer a factos articulados pela própria requerente, quer pela parte contrária.
Nos termos do seu artigo 476º, não se entendendo que a diligência não é impertinente nem dilatória, o Juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição, cabendo ao Juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.
No caso em apreço, a parte contrária notificada da ampliação do objeto da perícia requerida pela recorrente, nada veio dizer aos autos.
Efetivamente, como resulta dos preceitos acima citados, a rejeição da perícia requerida, apenas pode ser rejeitada com fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório.
A ampliação obedece às mesmas regras que o requerimento tem de observar ao indicar o objeto da perícia (artº 475º) – v. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil, Anotado, vol. 2º, 326.
Efetivamente, como resulta dos preceitos acima citados, a rejeição da ampliação da perícia, apenas pode ter como fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório.
Como se refere no Ac. do STJ de 15/03/2005, proc. n.º 04B4664, disponível in www.dgsi.pt “o poder do Juiz indeferir a perícia requerida, embora discricionário em si, é limitado à existência das condicionantes ora referidas e (ora) constantes do artigo 476º, nº 1, do NCPC, ou seja, não se trate de diligência impertinente ou dilatória, tornando-se, por isso, vinculado, no sentido de que o Juiz para indeferir perícia que seja requerida terá de legalmente, se fundamentar em qualquer destas condicionantes e não outras, ali não previstas”.
Não nos parece que o alargamento da perícia requerida não tenha utilidade, pois, a mesma está relacionada com a perícia requerida pela autora, tanto assim que esta quando do exercício do contraditório, nada veio dizer aos autos, podendo retirar-se daí a ilação que julgou pertinente a ampliação requerida pelo recorrente, relativamente às perguntas formuladas e que pretende que sejam respondidas pelo(s) perito(s).
Por outro lado parece resultar evidente como bem salienta o recorrente que os quesitos apresentados por este “visam confirmar se a autora cumpriu ou não com as obrigações legais e técnicas” previstas no Dec. Lei 249/97, de 23/09, bem como aferir “se as ligações que a autora terá feito admitem a ligação de outras operadoras de televisão, ou, se pelo contrário, visa exclusivamente garantir a ligação do seu sinal às frações autónomas dos seus clientes que aderiram ou venham a aderir aos seus serviços ou pacotes e com os quais terá celebrado contrato de fornecimento de televisão ou internet” de modo a que se possa “analisar se o serviço cujo pagamento do preço a autora reclama está prestado”.
Assim, tendo por finalidade a descoberta da verdade material pensamos que quanto mais os senhores peritos explicarem sobre a matéria em questão, tendo por sustentáculo a posição de cada uma das partes litigantes, melhor ficará, até, o julgador habilitado para proferir a decisão final.
Relevam as conclusões do recorrente sendo de julgar procedente o recurso e de revogar o despacho recorrido.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação, e consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que admita a requerida ampliação do objeto da perícia.
Sem custas.
Évora, 23 de Novembro de 2017

Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes