Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA FERNANDA PALMA | ||
Descritores: | REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA EXTINÇÃO DA PENA | ||
Data do Acordão: | 06/23/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | A circunstância de o arguido evitar a sua notificação pessoal no que respeita a sentença de cúmulo jurídico das penas entretanto elaborada, não pode ser entendida como comportamento processual evidenciador de desinteresse pelo cumprimento da pena em que foi condenado e, consequentemente, demonstrativo que execução da pena suspensa, com a simples censura do facto e ameaça de pena de prisão, não foi suficiente para realizar as finalidades da punição, nos termos dos arts. 50º, nº 1, e 56º, nº 1, a), do Código Penal. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora No Processo Comum Singular nº 643/11.7JDLSB, do Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém, J1, da Comarca de Setúbal, datado de 23-08-2019, a Mmª Juiz proferiu o seguinte despacho: “O arguido TASA foi condenado nos presentes autos numa pena de catorze meses de prisão, suspensa na sua execução, por Sentença datada de 13/02/2015, transitada em julgada em 15/10/2015. Uma vez que se trata de uma pena de prisão suspensa simples, a pena inicia-se a contar desde o dia do trânsito em julgado. Assim sendo, o termo do prazo da suspensão ocorreu no dia 15/02/2016. É certo que existiu um cúmulo jurídico da presente pena com a dos processos 164/11.8GHSTC, 294/11.6JAFUN, 3247/11.0TASXL e 36/11.6JAFAR, contudo, a mesma não transitou em julgado, pelo que apenas podemos levar em linha de conta a presente sentença sob pena de nulidade. Ora, decorrido que se mostra o período de suspensão da pena de prisão, cabe apreciar se a pena deve ser declarada extinta ou se existem motivos que determinem a revogação da suspensão da pena de prisão. Dispõe o art. 56.°, n.° 1 do CP que: “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Ora, a presente suspensão não estava sujeita a condições, pelo que não se verifica a alínea a) do referido artigo. Por outro lado, por referência à data em que a sentença proferida nos autos transitou em julgado, verifica-se que no certificado de registo criminal do Condenado não se encontra averbada qualquer condenação pela prática de ilícito criminal durante o período de suspensão da execução da pena de prisão. - cfr. artigo 56°, n.° 1, alínea b), do Código Penal. Por fim, mais se constata que apenas existe um processo de natureza criminal pendentes em relação ao Arguido por factos praticados após o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nestes autos, contudo tais factos respeitam a 31/05/2019, portanto, muito depois de ter decorrido o prazo da suspensão da pena de prisão - cfr. artigo 57.°, n.° 2, do Código Penal. Assim sendo, não se vislumbram quaisquer motivos para revogar a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do disposto no artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal. Face a todo o exposto, impõe-se declarar extinta a pena de prisão aplicada ao arguido. Nestes termos, ao abrigo do disposto nos artigos 57.°, n.° 1, do Código Penal e 475 ° do Código de Processo Penal, declaro extinta a pena de prisão aplicada a TASA. Notifique - cfr. artigo 475.° do Código de Processo Penal.”
Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, nos termos da sua motivação constante de fls. 84 vº a 89 vº, concluindo nos seguintes termos: 1ª- Por sentença datada de 13-02-2015, transitada em julgado em 15-10-2015, o arguido foi condenado na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução, cujo cumprimento perduraria até 15-02-2016. 2ª- Com vista a decidir sobre a revogação de tal decisão, agendou-se data para audição do arguido, nos termos do art. 495º, nº 2, do Código de Processo Penal, e 56º do Código Penal, o que não foi possível por ser desconhecido o paradeiro do arguido há vários anos. 3ª- O Ministério Público pronunciou-se sobre a revogação de tal pena, por entender que o comportamento processual do arguido evidenciava desinteresse pelo cumprimento da pena em que foi condenado nestes autos e, consequentemente, demonstrava que execução da pena suspensa, com a simples censura do facto e ameaça de pena de prisão, não foi suficiente para realizar as finalidades da punição, nos termos dos arts. 50º, nº 1, e 56º, nº 1, a), do Código Penal. 4ª- Por despacho de 23.08.2019, o Tribunal a quo declarou extinta tal pena, por considerar que não se aplicava o disposto no art. 56º, nº 1, a), do Código Penal, e por inexistir registo de processos pendentes ou condenações pela prática de outros crimes durante o período de execução da aludida pena de prisão suspensa, ou seja, entre 15.10.2015 e 15.02.2016. 5ª- Todavia, o CRC e registo de contumácia juntos aos autos nessa data não estavam válidos, por terem sido emitidos a 8.03.2019 - fls. 738 e ss -, pelo que a decisão recorrido foi proferida sem informações válidas respeitantes a condenações por factos praticados no aludido período de execução da pena. 6ª- Acresce que, conforme se afere do seu registo de contumácia (fls. 741), dos pedidos de paradeiro pendentes e da listagem de processos pendentes 23.08.2019 (refª 88794804 e refª 88794806), o arguido tem pendente contra si os processos nºs 1006/15.0SPLSB, nº 146/17.6P8LSB e nº 107/17.5JGLSB que, atentos os respectivos NUIPC, poderão ser relativos a factos praticados durante o período de execução da pena de prisão suspensa, ou seja, entre 15.10.2015 e 15.02.2016. 7ª- Termos em que a aludida pena não pode ser declarada extinta enquanto não se determinar se tais processos respeitam a crimes susceptíveis de conduzir à sua revogação ou modificação, atento o disposto no art. 57º, nº 2, do Código Penal, e no art. 495º, nº 2, do Código de Processo Penal. 8ª- Consequentemente, a decisão recorrida, datada de 28.08.2019, é nula nos termos dos arts. 120º, nº 2, d), e 495º, nº 2, do Código Penal, por não terem sido realizadas as diligências que se impunham para aferir se existiam condições para declarar extinta a pena de prisão suspensa. Por tudo o exposto, Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho datado de 23.08.2019 e substituindo-se por outro que determine que: a) se requisite e junte CRC e registo de contumácia actualizados, respeitantes ao arguido; e b) se oficie aos processos nºs 1006/15.0SFLSB (Comarca Lisboa – JLC 5), NUIPC 146/17.6P8LSB (Comarca Lisboa – JLC 13) e 107/17.5JGLSB (Comarca Lisboa – JLC 5) solicitando que: - informem o respectivo estado e - remetam certidão da acusação, decisão instrutória, sentença e/ou acórdão, com informação relativa ao eventual trânsito em julgado, informando que os presentes autos se mostram classificados como urgentes por perigo de prescrição de pena (15.02.2020).
Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, no qual concluiu no sentido da procedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respetivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objeto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao Ministério Público, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, as quais se prendem com a extinção da pena aplicada ao arguido TASA, por decurso do respetivo período de suspensão, ou não.
Vejamos então: O arguido TASA foi acusado da prática de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, nº 1 da Lei nº 109/2009 de 15/09, de um crime de sabotagem informática, p. e p. pelo artigo 5º do mesmo diploma legal, e de um crime de burla, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 217º, 22º e 23º do CP. Procedeu-se a audiência de julgamento, sendo que, a final, veio a ser condenado pela prática de um crime de burla informática e nas comunicações (na forma tentada) em concurso aparente com os crimes de acesso ilegítimo e de sabotagem informática, na pena de catorze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, isto é, por catorze meses. Entretanto, terá deixado de residir na morada constante dos autos (TIR), subscrito procuração a favor de mandatário judicial e revelado vontade de voltar a comparecer, sem que no entanto tal tenha acontecido. Foi declarado contumaz noutros processos. Não chegou a ser notificado pessoalmente da sentença de cúmulo jurídico a que entretanto se procedeu nestes autos, pelo que a mesma nunca transitou em julgado. Procedeu-se a audiência para inquirição do condenado, à qual o mesmo faltou, não obstante se encontrar devidamente notificado para a morada constante do TIR, tendo faltado, igualmente, o seu mandatário, pelo que foi nomeado defensor para o ato – v. fls. 81 e 82 dos autos de recurso em separado. Nesta audiência, quando já se encontrava junta ao processo toda a informação sobre o passado criminal do arguido, CRC e demais informações, foi ouvido o Ministério Público, o qual aludiu genericamente à prática de outros crimes por parte do arguido, após este trânsito em julgado, à existência de mandados de detenção europeus pendentes e ao desinteresse daquele pelo cumprimento de qualquer pena. O Ministério Público não apresentou, nem tão pouco veio posteriormente a juntar aos autos, qualquer prova do que alegou. De salientar, que a documentação junta aos autos sobre o passado criminal do arguido foi emitida em data muito posterior à do termo da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada nestes autos. Como o despacho sub judice refere: “Decorrido que se mostra o período de suspensão da pena de prisão, cabe apreciar se a pena deve ser declarada extinta ou se existem motivos que determinem a revogação da suspensão da pena de prisão. Dispõe o art. 56.°, n.° 1 do CP que: “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: c) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou d) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Ora, a presente suspensão não estava sujeita a condições, pelo que não se verifica a alínea a) do referido artigo. Por outro lado, por referência à data em que a sentença proferida nos autos transitou em julgado, verifica-se que no certificado de registo criminal do Condenado não se encontra averbada qualquer condenação pela prática de ilícito criminal durante o período de suspensão da execução da pena de prisão. - cfr. artigo 56°, n.° 1, alínea b), do Código Penal. Por fim, mais se constata que apenas existe um processo de natureza criminal pendentes em relação ao Arguido por factos praticados após o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nestes autos, contudo tais factos respeitam a 31/05/2019, portanto, muito depois de ter decorrido o prazo da suspensão da pena de prisão - cfr. artigo 57.°, n.° 2, do Código Penal.” Ora, o Ministério Público, nas conclusões do presente recurso, as quais delimitam o objeto do mesmo, vem aludir genericamente a um desinteresse do arguido no cumprimento da pena, sendo que, no entanto, a mesma foi suspensa na sua execução, sem quaisquer condições. Aliás, esse termo de suspensão terá ocorrido em 15-12-2016, o que em nada altera a qustão a decidir. É certo que o arguido tem evitado a sua notificação pessoal no que respeita à sentença de cúmulo jurídico das penas entretanto elaborada, mas tal circunstância não está em causa no presente despacho, já que a legislação a aplicar não a contempla expressamente, nem o Ministério Público concretiza os motivos pelos quais entende que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não foram suficientes para realizar as finalidades da punição. Finalmente, alude o Ministério Público a uma hipotética prática de crimes pelo arguido durante o decurso do período de suspensão da execução da pena, apontando aos nºs dos NUIP constantes das informações respeitantes aos antecedentes criminais daquele. Porém, nada concretiza, no sentido do desacerto da decisão recorrida, já que, não alude a qualquer processo em concreto, e que devesse de ter sido tomado em conta, limitando-se a formular hipóteses. E assim sendo, não se vislumbra que a decisão recorrida padeça da nulidade que lhe é assacada no presente recurso – cfr. artigo 120º, nº 2, al. d) do Código de Processo Penal.
Assim, e pelo exposto, acordam os juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, o despacho recorrido. Sem tributação. |