Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
73/12.3GDABT.E2
Relator: MARIA DE FÁTIMA BERNARDES
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
DOENÇA GRAVE DO CONDENADO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 07/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Não constitui causa de suspensão da prescrição da pena de prisão por dias livres, a situação de doença grave do condenado que determinou que fossem julgadas justificadas as suas sucessivas faltas à apresentação no estabelecimento prisional.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1 – RELATÓRIO
1.1. Nestes autos de processo sumário, foi o arguido LG, melhor identificado a fls. 41, condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, a cumprir por dias livres, por 24 períodos de 48 horas, com entrada às 9h da manhã de sábado e saída às 9h da manhã de segunda-feira, tendo a decisão condenatória transitado em julgado em 18/03/2013.

1.2. O condenado iniciou o cumprimento da pena em 11/05/2013, tendo cumprido apenas sete dos vinte e quatro períodos impostos, o que aconteceu, com referência ao ano de 2013, nos períodos de 11/05 a 13/05, 18/05 a 20/05 e 01/06 a 03/06 e no referente ao ano de 2017, nos períodos de 08/02/2017 a 10/02, 22/02 a 24/02 e 01/03 a 03/03 e 26/07 a 28/07, tendo faltado nos intervalos de tempo entre os períodos que cumpriu e continuadamente desde então.

1.3. Por despacho proferido em 07/01/2019, pela Sr.ª Juiz titular dos autos, que recaiu sobre promoção do Ministério Público e acolhendo a mesma foi fixado o prazo máximo da prescrição da pena em 18/03/2019.

1.4. Na sequência de solicitação do TEP para que fosse confirmada a data prevista para o termo do prazo de prescrição da pena imposta ao condenado e mediante promoção do Ministério Público, a Sr.ª Juiz titular do processo manifestando concordância com a promoção «considerando que enquanto o não cumprimento da pena se dever a faltas do arguido em razão do seu grave estado de saúde, o prazo de prescrição encontra-se suspenso, voltando a decorrer quando essa causa cessar (se cessar)

1.5. Inconformado com o assim decidido, o arguido/condenado interpôs recurso para este Tribunal da Relação apresentando a motivação do recurso e dela extraindo as conclusões que seguidamente se transcrevem:

1 - A sentença proferida pelo Tribunal "a quo" omitiu o dever de fundamentação, imposto pelo artigo 374º do Código de Processo Penal.

2 - Estando em causa a análise e interpretação de causa de suspensão da pena de prisão, ainda que por dias livres, e as consequências daí decorrentes, impunha-se ao Tribunal a quo a expressa menção às razões de Direito que subjazem ao entendimento seguido, assim o fundamento legal da causa de suspensão.

3 - Pelo que, ao omitir esse dever de fundamentação, tal decisão é nula nos termos do disposto no artigo 379, al, a) do CPP.

4 - Não constitui causa legal de suspensão da prescrição da pena a circunstância do arguido, por motivo de doença grave, faltar justificadamente à comparência no estabelecimento prisional.

5 - Sujeitar a prescrição da pena à possibilidade de ficar suspensa até que a condição de doença grave cessar, se cessar, constitui uma interpretação que leva à possibilidade da imprescritibilidade da pena, o que é constitucionalmente inadmissível.

6 - Sendo, ainda, inadmissível a aplicação analógica de norma que seja desfavorável ao arguido, devendo, o processo penal, estrita obediência ao princípio da legalidade.

7 - O prazo máximo de prescrição da pena, tendo em conta a ocorrência de causas de interrupção, ocorreria em 18 de Março de 2019, pelo que desde essa data que a pena aplicada ao arguido se deve considerar extinta, por decurso do prazo de prescrição.

8 - Por razões de certeza e segurança jurídica impõe-se a execução da pena dentro do prazo que o legislador consagrou, findo o qual o Estado perde o interesse na punibilidade do condenado.

9 - Violando o princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 125.º, n.º 1 do CP, na interpretação de que o facto de o arguido se encontrar doente e, por isso, não poder cumprir a pena de prisão por dias livres que lhe foi aplicada, é causa legal de suspensão da prescrição da mesma.

10 - A prescrição das penas constitui uma autolimitação do Estado no exercido do jus puniendi e a sua razão de ser está no não exercício, em tempo congruente, do direito de perseguiram o agente de um crime ou de executar uma pena aplicada a quem tenha sido condenado.

11 - A imprescritibilidade viola a dignidade da pessoa humana, os princípios da necessidade, da proporcionalidade (art. 18º, n.º 2 da CRP), da intervenção mínima do direito penal e da culpa.

12 - Sendo que, no caso concreto tendo decorrido mais de sete anos desde o trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena, cujo prazo de prescrição é de 4, ultrapassando o prazo máximo com interrupção, deixaram de se fazer sentir as razões de ordem social e de prevenção geral e especial que determinaram essa aplicação, desvanecendo, pelo decurso do tempo, o fundamento da necessidade de execução da pena.

13 - Não sendo congruente com um Estado de Direito Democrático, defensor da segurança e certeza jurídicas, da legalidade e proporcionalidade, assim como do direito a um processo justo e equitativo, admitir que pela infelicidade do arguido que se encontre num grave estado de saúde, este seja penalizado por não ter tido capacidade, em tempo útil de cumprir a pena em que foi condenado.

14 - Muito menos, admitir que a suspensão não tenha fim, e que perdure enquanto a condição de saúde do mesmo se mantiver, se cessar, o que redunda na determinação da imprescritibilidade da pena em relação ao arguido, o que é inconstitucional!

15 - Devendo a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que determine a extinção da pena de prisão por dias livres aplicada ao arguido.

16 - Mostrando-se violados os artigos 125º do Código Penal, 379º, a) e 374º do Código de Processo Penal, artigos 2º, 7º, 18, nº 2 da CRP.

1.6. O recurso foi regularmente admitido.

1.7. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 396 a 398, tendo concluído no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.

1.8. Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, apôs Visto.

1.9. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Delimitação do objeto do recurso
É consabido que as conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o respetivo objeto do recurso (cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, são suscitadas as seguintes questões:

- Nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação;

- Prescrição da pena;

- Inconstitucionalidade da norma do artigo 125º, n.º 1, do CP, na interpretação de que o facto de o arguido se encontrar doente e, por isso, não poder cumprir a pena de prisão por dias livres que lhe foi aplicada, é causa legal de suspensão da prescrição da mesma e de que a suspensão pode perdurar até a condição de doença grave do condenado cessar, se cessar, por violação do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e dos princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 7º da CRP), da necessidade, da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2 da CRP).

Para que possamos apreciar as questões suscitadas no recurso, importa que se tenha presente o teor do teor do despacho recorrido, que se passa a transcrever:

2.2. Despacho recorrido
«Concordamos na íntegra com a promoção que antecede, considerando que enquanto o não cumprimento da pena se dever a faltas do arguido em razão do seu grave estado de saúde, o prazo de prescrição encontra-se suspenso, voltando a decorrer quando essa causa cessar (e se cessar).
Notifique, com cópia da promoção que antecede.»

2.2.1. A promoção em relação à qual é manifestada a concordância no despacho recorrido, é do seguinte teor:

«Tomei conhecimento do despacho proferido pelo TEP.
De facto, e na senda da nossa promoção de 20-12-2018, a fls. 359 e segs., é nosso entendimento que a prescrição não ocorrerá em 18-03-2019, uma vez que, para além desse prazo, existe o tempo de suspensão que, como referido naquela promoção, não tem limite temporal – artigo 125º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Ora, as faltas do arguido são, no nosso entender, justificadas e devem ser consideradas causas legais de suspensão do prazo de prescrição da pena.

Pelo que, no nosso entendimento, tal como melhor explicado a fls. 359 e segs, que aqui reiteramos, enquanto o não cumprimento da pena se dever a faltas do arguido em razão do seu grave estado de saúde, o prazo de prescrição encontra-se suspenso, voltando a decorrer quando essa causa cessar (se cessar), o que se promove.»

2.2.2. E a promoção de fls. 359 e seguintes, para que se remete na promoção transcrita em 2.2.1., é do seguinte teor:

«O prazo de prescrição da pena aplicada ao arguido nos presentes autos é de 04 anos.
A sentença transitou em julgado no dia 18-03-2013 e o arguido iniciou o cumprimento da pena no dia 11-05-2013.
Os artigos 125º e 126º do Código Penal estabelecem as causas de suspensão e de interrupção da prescrição.
Nos presentes autos, a prescrição interrompeu quando o arguido iniciou o cumprimento da pena, ou seja, em 11-05-2013, começando a correr novo prazo de prescrição.

Para além disso, não tem sido possível executar a pena em virtude do estado de saúde do arguido que tem vindo a faltar.

Ora, atendendo a que só pode ser imposto pelo TEP o cumprimento da pena em regime contínuo, em caso de faltas injustificadas (artigo 125º, nº 4, do CEPMPL, aplicável à prisão por dias livres, na redacção conferida pela Lei nº 21/2013, de 21.02), entendemos que faltas justificadas deverão ser consideradas causa de suspensão, nos termos do artigo 125º, nº 1, alínea a), do Código Penal, ou seja, por força da lei (que permite faltas justificadas sem que haja alteração na forma de cumprimento da pena) a execução não pode continuar a ter lugar.

A lei não estabelece limite máximo para a duração da suspensão, ao contrário do que acontece com a suspensão da prescrição do procedimento criminal.

A suspensão da prescrição da pena, não implica a contagem de novo prazo de prescrição. Assim, nos termos do artigo 125º, nº 2, do Código Penal, a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

Portanto, a 11-05-2013 a prescrição interrompeu com o início do cumprimento de pena e se inexistissem quaisquer causas de suspensão, a prescrição ocorreria a 11-05-2017.

No entanto, houve no nosso entendimento vários períodos de suspensão.

Assim, compulsados os elementos remetidos pelo TEP, constata-se que entre 03-06-2013 (3º período) e 08-02-2017 (4º período), 10-02-2017 e 22-02-2017, 03-03-2017 e 26-07-2017 e, por fim, a 28-07-2017, o prazo de prescrição suspendeu.

Nos termos do artigo 126º, nº 3, do Código Penal, a prescrição terá sempre lugar quando desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, ou seja, em 18-03-2019 acrescentando-se o tempo de suspensão que, como já referido, não tem limite temporal.»

2.3. Do conhecimento do recurso

2.3.1. Da nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação
Sustenta o recorrente que o despacho recorrido é nulo por que não contém qualquer fundamentação de direito, violando o disposto nos artigos 374º e 379º, al. a), ambos do CPP.

Vejamos:
O dever de fundamentação das decisões judiciais resulta, desde logo, de imposição constitucional, nos termos consagrados no n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e tem concretização, no âmbito do processo penal, no artigo 97º, n.º 4, do CPP, que dispõe que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Especificamente no referente à fundamentação da sentença, esta tem de observar os requisitos estabelecidos no artigo 374º do CPP, no processo comum e as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389º-A e 391º-F, respetivamente, nos processos sumário a abreviado, sendo, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 379º do CPP, nula a sentença que não contiver tais menções ou, em processo comum, as menções referidas no n.º 2 e na al. b) do n.º 3 do artigo 374º.

O dever de fundamentação dos atos decisórios tem por objetivo a explicitação pelo tribunal acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, de modo a que os destinatários da decisão possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, possam sindicá-la e reagir contra a mesma, designadamente, através da interposição de recurso.

No caso dos autos, importa, desde logo, deixar claro que, contrariamente à menção feita pelo recorrente, no recurso, designadamente, na Conclusão 1 extraída da motivação, a decisão recorrida não consubstancia uma sentença, mas sim um despacho.

A Sr.ª Juiz a quo, no despacho recorrido, manifestando concordar, na íntegra, com a promoção do Ministério Público antecedente ao despacho, considerou/decidiu «que enquanto o não cumprimento da pena se dever a faltas do arguido em razão do seu grave estado de saúde, o prazo de prescrição encontra-se suspenso, voltando a decorrer quando essa causa cessar (e se cessar).»

Temos assim, que o despacho recorrido integrou, na sua fundamentação, as razões de facto e de direito – com indicação da disposições legais aplicáveis –, invocadas pelo Ministério Público na sua promoção, decidindo que o prazo de prescrição da pena se encontra suspenso enquanto o não cumprimento da pena se ficar a dever a faltas do arguido em razão do seu grave estado de saúde.

Sendo esta a situação, entendemos que não se está perante uma falta de fundamentação da decisão, uma vez que da promoção do Ministério Público com a qual a Sr.ª Juiz, no despacho recorrido, afirma concordar na íntegra, constam expressamente os fundamentos de facto e as normas legais em que se fundamenta a decisão no sentido de considerar que o prazo de prescrição da pena de prisão por dias livres em que o ora recorrente foi condenado nos autos não se mostra recorrido, encontrando-se suspenso o prazo de prescrição, enquanto o não cumprimento da pena se dever a faltas do arguido em razão do seu grave estado de saúde.

Entendemos que essa forma de fundamentação do despacho de que se trata é suficiente, na medida em que dela se pode concluir que o juiz ponderou os motivos de facto e de direito da sua decisão, isto é, não agiu discricionariamente.

Na mesma linha de orientação, o Tribunal Constitucional chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma constante do artigo 97º, n.º 5, do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão relativa aos prazos máximos da prisão preventiva ou da declaração da especial complexidade do processo pode ser feita por remissão para a promoção Ministério Público, decidiu não ser inconstitucional, desde que revele o exercício de uma ponderação própria pelo juiz (cf. Ac. do TC n.º 684/2015, de 15/12/2015, publicado no DR n.º 42/2016, Série II de 2016-03-01).

Ora, o despacho recorrido satisfaz a apontada exigência, pelo que, entendemos que não ocorre a apontada omissão de fundamentação do despacho recorrido.

Mas ainda que assim não se entendesse, como vem sendo orientação constantemente afirmada na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores (cf., entre outros, Ac. do STJ de 15/12/2015, proc. 684/2015; Ac. da RL de 17/01/2007, proc. 9118/2006-3, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt), tratar-se-ia, não de uma nulidade (por não estar cominada na lei como tal e estando as nulidades sujeitas ao princípio da legalidade), mas de uma mera irregularidade (cf. artigo 118º, n.ºs 1 e 2, do CPP), sujeita ao regime previsto no artigo 123º, n.º 1, do CPP, que devia ter sido arguida, nos três dias seguintes a contar da notificação do despacho, o que não aconteceu (sendo o recurso interposto em 16/04/2019 e tendo o arguido, através da sua il. defensora, sido notificado do despacho recorrido em 15/03/2019), pelo que, sempre estaria sanada.

Nesta vertente, o recurso, é, pois, improcedente.

2.3.2. Da prescrição da pena
Pugna o recorrente para que seja declarada a prescrição da pena de prisão por dias livres em que foi condenado nos autos, com efeitos a partir de 19/03/2019.

Para tanto, defende que contrariamente ao entendimento sufragado no despacho recorrido, a situação de doença grave do condenado não constituiu causa de suspensão da prescrição da pena e que a interpretação analógica do artigo 125º, n.º 1, do CEPMPL é contrária á lei.

Apreciando:
O ora recorrente foi condenado, por decisão transitada em julgado, em 18/03/2013, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, a cumprir por dias livres, por 24 períodos de 48 horas.

O prazo de prescrição da enunciada pena é de 4 anos (cf. artigo al. d), do n.º 2 do artigo 122º do CP), iniciando-se a contagem desse prazo no dia do trânsito em julgado da decisão que lhe aplicou tal pena (cf. nº. 2 do artigo 122º do CP).

A propósito da prescrição da pena, escreve-se no Acórdão n.º 625/2013, do TC, de 26/09/2013, proferido no proc. n.º 239/13, 2ª Secção e acessível em www.pgdlisboa.pt/jurel.cst:

«O legislador entendeu que, decorrido um determinado lapso de tempo após o trânsito em julgado da decisão que determinou a aplicação duma pena, o qual varia proporcionalmente à gravidade desta, sem que se tenha iniciado o seu cumprimento, as finalidades visadas com a sua imposição esfumam-se, perdendo sentido o seu cumprimento. Seguindo o pensamento de Figueiredo Dias (em “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, pág. 699, da ed. de 1993, da Aequitas), com o decurso do tempo, além do enfraquecimento da censura comunitária presente no juízo de culpa, por um lado, perdem importância as razões de prevenção especial, desligando-se a sanção das finalidades de ressocialização ou de segurança. Por outro lado, também do ponto de vista da prevenção geral positiva se justifica o instituto da prescrição. Com o correr do tempo sobre a fixação da pena, vai perdendo consistência a prossecução do efeito desta de afirmação contrafáctica das expectativas comunitárias sobre a vigência da norma, já apaziguadas ou definitivamente frustradas. Em associação com a ideia de que à intervenção penal deve ser reservado um papel de ultima ratio, só legitimada quando ainda se mantenha a necessidade de assegurar os seus objetivos, justifica-se que o Estado não aplique a pena fixada, transcorrido que seja o período de tempo legalmente determinado.

Pode dizer-se, por isso, que a prescrição das penas é uma exigência do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade. Dado que o direito penal utiliza como sanções os meios mais onerosos para os direitos e as liberdades, designadamente o direito à liberdade, ele só deve intervir quando haja uma carência absoluta de tutela penal para a proteção de um determinado bem jurídico. Ora, quando o tempo decorrido torna desnecessário o cumprimento da pena, deve o instituto da prescrição atuar de modo a impedir que ela aconteça.

A prescrição das penas funciona, assim, como um pressuposto negativo da punição, sendo apontado a este instituto uma natureza mista, substantiva e processual, que leva a que as normas que integram o seu regime sejam qualificadas como normas processuais materiais (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 702, da ed. de 1993, da Aequitas, e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, em “Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág. 383, da 2.ª ed., da Universidade Católica Editora).

Contudo, tal como sucede com a prescrição do procedimento criminal, nos artigos 125.º e 126.º do Código Penal tipificam-se várias situações de suspensão e interrupção da contagem dos prazos de prescrição estabelecidos no artigo 122.º, do mesmo diploma.

Na verdade o mero decurso de um determinado período de tempo não é suficiente para que se conclua pelo apagamento das finalidades da pena. Como diz Figueiredo Dias (ob. cit., pág. 708), o decurso do tempo não deve favorecer o agente quando a pretensão punitiva do Estado é confirmada através de certos atos de perseguição penal ou quando a situação é tal que exclua a possibilidade daquela perseguição. Há circunstâncias ou situações que determinam a suspensão e a interrupção do prazo de prescrição das penas e que se encontram enumeradas, respetivamente, nos artigos 125.º e 126.º do Código Penal.»

Assim:
Relativamente à suspensão da prescrição da pena, dispõe o artigo 125º do Código Penal:

1. A prescrição da pena (…) suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d) (…).

2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

E no concernente à interrupção da prescrição da pena, estatui o artigo 126º do Código Penal:
1. A prescrição da pena (…) interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a declaração de contumácia.

2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3. A prescrição da pena (…) tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade.

Na alínea a), do n.º 1, do citado artigo 125º, prevê-se que os prazos de prescrição das penas se suspendam quando, por força da lei, a sua execução não se possa iniciar ou continuar a ter lugar.

Como se faz notar no supra referenciado Acórdão do TC, n.º 625/2013 «Com esta causa de suspensão relevam-se as condicionantes legais que possam impedir o início ou a continuação do cumprimento da pena. Designadamente, a necessidade do prosseguimento, por imposição da própria lei, de um determinado programa processual que é incompatível com o simultâneo cumprimento da pena, justifica que, durante o respetivo período, não conte o prazo de prescrição estabelecido. Nessas situações, o tempo que corre não é fator de esquecimento da pena, antes mantém viva a sua existência, por força da pendência ativa desse procedimento conducente à sua execução, mas impeditivo do seu início ou continuação.»

Ao abrigo do referido preceito legal, o Tribunal a quo sustentou, na decisão recorrida, que as faltas justificadas do ora recorrente, na apresentação ao Estabelecimento Prisional, para cumprir os períodos de prisão por dias livres a que foi condenado, por motivo de doença grave, constitui causa de suspensão do prazo de prescrição da pena e que a suspensão perdurará até que tal causa cesse.

É contra este entendimento que se insurge o recorrente, manifestando que não constitui causa legal de suspensão da prescrição da pena de prisão por dias livres, o facto do arguido, por motivo de doença grave, faltar justificadamente a apresentação no estabelecimento prisional e, em decorrência, pugnando para que seja declarada prescrita a pena em que foi condenado, por já haver decorrido o prazo máximo de prescrição.

Vejamos:
A contagem do prazo de prescrição da pena de prisão por dias livres em que o ora recorrente foi condenado nos presentes autos, prazo esse que como já referimos é de 4 anos, iniciou-se em 19/03/2013.

A prescrição da pena interrompeu-se, por diversas vezes, com a execução da pena (cf. al. a) do n.º 1 do artigo 126º do CP), correspondente aos períodos de cumprimento da pena pelo condenado, ora recorrente, que ocorreram, respetivamente, de 11 a 13/05/2013 (1º período), de 18 a 20/05/2013 (2º período), de 01 a 03/06/2013 (3º período) e, subsequentemente, de 08 a 10/02/2017 (4º período), de 22 a 24/02/2017 (5º período), de 01 a 03/03/2017 (6º período) e de 26 a 28/07/2017 (7º período).

É sabido que a interrupção da prescrição inutiliza o tempo já decorrido desde o início da contagem do respetivo prazo, começando a correr, depois de cada interrupção, novo prazo de prescrição (artigo 126º, nº 2, do CP).

Entre cada uma das apontadas interrupções da prescrição da pena, não chegou a completar-se o prazo normal da prescrição que, como se vem referindo, é de 4 anos.

A partir de 28/07/2017, o condenado, ora recorrente, não mais retomou o cumprimento da pena, o que se fica a dever à circunstância de padecer de doença grave, do foro oncológico, tendo sido, com esse fundamento, consideradas justificadas as respetivas faltas de apresentação no Estabelecimento Prisional, para continuar a cumprir a pena de prisão por dias livres que lhe foi aplicada.

A questão que se coloca é a de saber se a situação de doença grave do condenado, impeditiva da continuação da execução da pena de prisão por dias e sendo as faltas do condenado julgadas justificadas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro e que veio a ser revogada pela Lei n.º 24/2017, de 23 de Agosto, que eliminou a pena de prisão por dias livres (prevista no artigo 45º do CP), constitui causa de suspensão da execução da pena de prisão por dias livres, caindo no âmbito da previsão da al. a) do n.º 1 do artigo 125º.

Conforme acima referimos, as normas relativas à prescrição da pena são normas processuais materiais (neste sentido, cf. entre outros, Prof. J. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 700; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República …, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 487, anotação 2 ao artigo 122º; Américo Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis Penais, 2ª edição revista, Coimbra Editora, 1997, pág. 291).

Assim, como se decidiu no Acórdão do TRL de 05/05/2015, proferido no processo n.º 5/10.3PGLRS.A.L1-5, acessível no endereço www.dgsi.pt: «Sendo o artigo 125.º do Código Penal uma norma processual material, - na medida em que produz efeitos jurídico-materiais e condicionam a efectivação da responsabilidade penal - apenas consente interpretação de acordo com as regras e princípios de interpretação reservados ao direito substantivo, tendo, por isso, de respeitar as regras e os limites da interpretação admissível em direito penal substantivo….».

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 125º do Código Penal a suspensão da prescrição da pena apenas pode ocorrer “nos casos especialmente previstos na lei” e por força das circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas do mesmo normativo, designadamente, durante o tempo em que, por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar (cf. al. a) do n.º 1 do artigo 125º).

Ora a situação de doença grave do condenado não se encontra legalmente prevista, como causa de suspensão da prescrição da pena, não integrando, por isso, em nosso entender, uma situação em que, por força da lei, a execução da pena não possa continuar a ter lugar (contrariamente ao que acontece, por exemplo, com a execução da medida de coação da prisão preventiva, nos termos previstos no artigo 211º do CPP), constituindo, isso sim, se se tratar de doença grave, evolutiva e irreversível, fundamento para que possa haver lugar à modificação da execução da pena de prisão, nos termos previstos nos artigos 118º a 122º e 216º e seguintes, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, com a alterações subsequentemente introduzidas, a penúltima das quais e que aqui importa considerar, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, designadamente, para o regime de permanência na habitação (neste sentido, referindo-se à competência do TEP, nesse âmbito, cfr. Ac. da RL de 27/10/2015, proc. n.º 398/13.0PTPDL.L2-5, acessível no endereço www.dgsi.pt), tendo o Ministério Público legitimidade para requerer essa modificação, ainda que pressupondo o consentimento do condenado (cf. artigos 216º, al. c) e 119º, ambos do CEPMPL).

Entendemos que a interpretação da norma do artigo 125º, n.º 1 do Código Penal, que é feita no despacho recorrido, de que a situação de doença grave do condenado, que determinou que fossem julgadas justificadas as suas faltas de entrada no estabelecimento prisional, para cumprir a pena de prisão por dias livres que lhe foi aplicada, é causa legal de suspensão da prescrição de tal pena e de que a suspensão se manterá até a condição de doença grave do condenado venha a cessar e se vier a cessar, não é legalmente admissível, na medida em que alarga o alcance daquela norma, erigindo uma causa de suspensão da prescrição da pena, que não se encontra prevista na lei, com consequências desfavoráveis para o arguido/condenado «ultrapassando a fronteira da punibilidade legalmente prescrita, a qual não pode ser modificada em desfavor do arguido» - cf. citado Acórdão do TRL de 05/05/2015, proferido no processo n.º 5/10.3PGLRS.A.L1-5 -, sendo certo que a situação de “doença grave” não pode ser considerada como um facto imputável ao condenado, contrariamente ao que acontece, nas circunstâncias que são elencadas pelo legislador como causas de suspensão da prescrição da pena, previstas no artigo 125º, n.º 1, do CP, mormente, aquelas em que a suspensão da prescrição se pode manter indefinidamente até que cesse o facto suspensivo, v.g. na situação da contumácia.

Em suma: Não constitui causa de suspensão da prescrição da pena de prisão por dias livres, a situação de doença grave do condenado que determinou que fossem julgadas justificadas as suas sucessivas faltas à apresentação no estabelecimento prisional, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 125º, n.º 1, do CEPMPL, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro e que veio a ser revogada pela Lei n.º 24/2017, de 23 de Agosto, tendo o cumprimento de tal pena sido iniciado em 11/05/2013, sendo cumpridos sete dos vinte e quatro períodos de prisão correspondentes e faltando o condenado/recorrente, por aquele motivo de doença, continuadamente, a partir de 28/07/2017.

Consideramos que só esta interpretação é conforme à Constituição e respeitadora dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, com consagração no artigo 18º, n.º 2 da CRP, cuja violação pelo Tribunal a quo, na decisão recorrida, é invocada pelo recorrente.

Nesta conformidade e atento o disposto no n.º 3 do artigo 126º do Código Penal, segundo o qual «a prescrição da pena tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade», há que concluir que, no caso dos autos, o prazo de prescrição da pena de prisão em que o aqui recorrente foi condenado, já se mostra decorrido e, consequentemente, a pena está extinta.

Com efeito, tendo em conta que a contagem do prazo de prescrição da pena de que se trata, que como se vem referindo é de 4 anos (cf. artigo 122º, n.º 2, al. d), do CP), se iniciou em 18/03/2013 (data em que transitou em julgado a decisão que aplicou a pena – cf. n.º 2 do artigo 122º do CP), tendo existido interrupções da prescrição (concretamente, com referência aos sete períodos reportados ao cumprimento da pena, verificou-se o facto interruptivo previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 126º do CP), mas não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão da prescrição (não a constituindo aquela que foi considerada na decisão recorrida e não se identificando outras causas que a pudessem suspender), constata-se ter já decorrido o prazo de prescrição (4 anos), acrescido de metade (2 anos), tendo-se completado, em 18/03/2019, seis anos sobre a data em que se iniciou a contagem do prazo da prescrição.

Assim sendo, nos termos do disposto no artigo 126º, n.º 3, do CPP, impõe-se concluir, que a prescrição da pena, ocorreu, tal como defendido pelo recorrente, no dia 18/03/2019.

Termos em que, com tal fundamento, se impõe declarar extinta, a pena de prisão por dias livres em que o ora recorrente foi condenado nos presentes autos.

O recurso é, pois, com este fundamento, procedente, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

3 – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Secção do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido/condenado LG e, em consequência, declarar extinta, pelo decurso do prazo de prescrição, a pena de prisão por dias livres, em que foi condenado nos presentes autos.

Sem tributação.

Notifique e comunique, de imediato, à 1ª instância e ao TEP.

Évora, 02 de julho de 2019

Maria de Fátima Bernardes

Fernando Pina