Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
189/15.4T8PTM.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A discordância da parte relativamente à decisão de facto proferida pelo tribunal a quo só pode ser considerada se houver impugnação da mesma deduzida com observância das formalidades exigidas pelo art.º 640º do Código de Processo Civil.
2. Estando provado, apenas, que a desvinculação contratual foi promovida pela entidade empregadora antes de decorridos 90 desde o início da vigência da relação laboral, há que concluir que a mesma ocorreu durante o período experimental, não dando lugar a qualquer indemnização.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 189/15.4T8PTM.E1


Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:


Na 2ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, em Portimão, e com o patrocínio oficioso do Ministério Público, BB, identificado nos autos, demandou CC, Lda., com sede em Almancil, pedindo a condenação da R. no pagamento, acrescidas de juros, das quantias de € 192,50, de férias pelo trabalho prestado em 2014, e respetivo subsídio, € 96,25, de subsídio de Natal, proporcional, de 2014, € 1.400,00, de férias vencidas em 1/1/2015, e respetivo subsídio, € 25,23, de crédito de horas por falta de formação profissional, € 2.362,49 de indemnização por despedimento ilícito, pela qual desde logo optou, e ainda nas retribuições salariais contadas desde 30 dias da propositura da ação, até à data do trânsito em julgado da sentença. Para o efeito, alegou em resumo ter sido admitido ao serviço da R. em 19/5/2014, para trabalhar como empregado de mesma no Restaurante …, sito em Albufeira, e propriedade da demandada, mediante o salário mensal de 700,00; no dia 26/7 seguinte foi-lhe comunicado que estava despedido, tendo-lhe a R. entregue um cheque no montante de € 1.430,00, para pagamento da retribuição dos meses que o A. trabalhou ao serviço da mesma.
Gorada a tentativa de conciliação efetuada no âmbito da audiência de partes prevista no art.º 55º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), a R. veio contestar de seguida, afirmando em síntese ter sido o A. que não quis continuar a trabalhar para a empresa e que se despediu, e concluindo pela improcedência da ação e consequente absolvição.
Foi proferido despacho saneador, que dispensou a seleção da matéria de facto relevante, assente e controvertida.
Procedeu-se a audiência final, sendo depois dela ainda designada nova tentativa de conciliação das partes, que resultou infrutífera.
Foi finalmente proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, e em cujo segmento dispositivo se consignou o seguinte:
‘Nestes termos e por tudo o exposto, julgando a acção parcialmente procedente e absolvendo-a do demais peticionado, decide-se condenar a ré “CC, Lda.” a pagar ao autor BB a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação de sentença (onde se apurará o vencimento mensal acordado e o número exacto de dias em que prestou serviço) e referente à retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal e crédito de horas por falta de formação profissional pelo trabalho prestado entre Maio e Julho de 2014, tudo com o limite de €1.713,98 (mil, setecentos e treze euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos contados à taxa legal e até integral pagamento.
Mais se decide condenar a ré “CC, Lda.” como litigante de má fé, no pagamento da multa de 4 (quatro) Unidades de Conta.’
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Inconformado com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar o A.. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
- O Autor/Recorrente discorda da douta sentença por considerar, ao contrário do que foi decidido, que a cessação do contrato de trabalho declarada pela R. não ocorreu no período experimental por ter de se considerar a sua exclusão, em virtude do A. ter anteriormente prestado a mesma atividade para o mesmo ’patrão’, sendo, consequentemente, irrelevante que tenha ficado provado que o A. não tenha trabalhado para a R..
- O recorrente já tinha trabalhado no Restaurante … da R. entre 29/4/2013 e 29/10/2013, facto que a própria R. aceita quando refere no art.º 7º da contestação ‘já reconhecendo o trabalho do mesmo pelo facto de ter trabalhado anteriormente nesse mesmo estabelecimento’, reforçando esse seu reconhecimento no art.º 15º ainda da contestação ao referir com o conhecimento que só a prática e experimentação permitem ‘sendo o autor um empregado com experiência e de enorme qualidade profissional’.
- O período experimental corresponde àquele espaço temporal inicial durante o qual o empregador e trabalhador avaliam o interesse comum na continuação, ou não, da relação laboral, no qual experimentam a compatibilidade entre ambos.
- Assim, o A. ter sido chamado novamente a prestar colaboração no mesmo restaurante, ou seja na mesma atividade significou o reconhecimento pela R. da prestação anteriormente efetuada, um retomar de funções a contento de ambas as partes, que por si afastava a necessidade de um novo período experimental, em conformidade com o pretendido pela lei.
- Isso mesmo é corroborado tacitamente pela própria R. ao não invocar na contestação que quando despediu o A. estava no período experimental, podendo assim ‘matar’ facilmente e à nascença esta questão, pois sabia que não era a situação existente.
- Ante as várias situações previstas no art.º 112º, nº 4 do CT a conclusão a que o Tribunal chegou que o A. não trabalhou para a R. (leia-se ‘CC, Lda.’) não tem qualquer relevância, na medida em que para haver exclusão do período experimental tal não era necessário, podendo tão só concluir-se que a decisão do Tribunal que o A. não trabalhou para a mesma sociedade ‘CC, Lda’, mas já não que trabalhou para as mesmas pessoas que constituíram essa sociedade, embora com outra designação, sob pena de não fazerem sentido os arts.º 7º e 15º da contestação.
- Mesmo que se entenda que a posição do A. não está contemplada exatamente em nenhuma das situações previstas no art.º 112º, nº 4 do CT, tal não obsta que seja abrangida nesta norma já que, como se refere no Acórdão do RL de 4/6/2014 esta ‘ não pode deixar de abranger essa situação, desde logo pela referência que é feita ao período experimental ‘de acordo com os números anteriores’, onde também se inclui o período experimental por tempo indeterminado, e depois pela teleologia desta norma, ‘cuja razão de ser radica sobretudo sobretudo na presumida desnecessidade da sujeição do novo contrato ao normal período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão’.
- Estando excluído o período experimental, tal leva a que, quando o a. se apresentou para iniciar o trabalho num dia do final de Julho de 2014 e lhe foi comunicado verbalmente que não o queriam lá a trabalhar, se operou um verdadeiro despedimento sem justa causa, como o A. sempre reclamou, com as necessárias e legais consequências.
- A douta sentença recorrida violou o art.º 112º nº 4 do C.T.
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Notificada da interposição do recurso, a R. não contra-alegou.
Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, foram dispensados os vistos legais.
Cumpre pois decidir.
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E decidindo, recordemos antes de mais a matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido, que foi a seguinte:
1. O autor foi admitido ao serviço da ré em Maio de 2014, por ajuste verbal para, sob sua autoridade, direcção e fiscalização prestar serviço de empregado de mesa no estabelecimento propriedade da ré, restaurante …, sito nos Olhos d’Água, Albufeira.
2. No desempenho das suas funções competia nomeadamente ao A. servir refeições e bebidas a clientes, acolher e atender os clientes, apresentar-lhes a ementa ou lista do dia, dar-lhes explicações sobre os diversos pratos e bebidas e anotar pedidos; servir os alimentos escolhidos.
3. Como contrapartida do seu trabalho foi ajustado um vencimento mensal.
4. Num dia do final de Julho de 2014, quando o autor se apresentou para iniciar o seu trabalho, foi-lhe comunicado verbalmente que não o queriam lá a trabalhar.
5. Em 29/07/2014 a ré entregou ao autor o cheque nº… no montante de €1.430,00.
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Sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação (cfr. arts.º 635º, nsº 3 e 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil – C.P.C.), vem no caso dos autos questionado pelo apelante o entendimento, acolhido na sentença recorrida, que considerou ter a cessação contratual aqui em causa ocorrido no decurso do período experimental, sendo portanto livre a denúncia da relação laboral, sem direito a indemnização, tal como prevê o art.º 114º, nº 1, do Código do Trabalho (C.T.).
Insurge-se o recorrente contra tal construção, já que em seu entender resultaria dos autos, designadamente do teor dos arts.º 7º e 15º da contestação, que o demandante havia já trabalhado no estabelecimento propriedade da R., e por isso aproveitar-lhe-ia a regra do art.º 112º, nº 4, do C.T., não havendo sequer lugar a período experimental nesta nova contratação.
O objeto do recurso cinge-se pois à correta qualificação jurídica a dar à desvinculação contratual promovida pela R..
Ora, a tal propósito importa antes de mais sublinhar que o entendimento do tribunal a quo, quanto à decisão de mérito que ora nos ocupa, fundamentou-se na matéria apurada e constante dos pontos 1 e 4 da factualidade julgada provada, que supra se reproduziu, donde resulta que o vínculo laboral celebrado entre A. e R. perdurou, apenas, desde datas indeterminadas de Maio a Julho de 2014, ou seja, durante cerca de dois meses. Nessa lógica, entendeu a 1ª instância caber a hipótese dos autos, plenamente, na previsão do já referido art.º 114º, nº 1..
Certo é que, para contrariar tal entendimento, o recorrente não impugnou a matéria de facto julgada como provada e como não provada, e muito menos o fez observando as formalidades exigidas pelo art.º 640º, nsº 1 e 2, do C.P.C.. Mas esse deveria ter sido, necessariamente, o caminho a seguir, na precisa medida em que a decisão de facto proferida sobre a factualidade relevante julgara como não provada, para além do mais, exatamente a matéria alegada nos referidos arts.º da contestação, que o apelante agora pretendia reverter em seu favor (cfr. despacho de fls. 78/84).
Há portanto que considerar como estando definitivamente assentes os factos que a 1ª instância deu como provados, e é só neles que pode assentar o julgamento de direito. Nessa lógica não pode deixar de concordar-se com a solução acolhida na sentença recorrida, já que a rutura da relação laboral ocorreu no decurso dos primeiros 90 dias da sua vigência.
Concluímos pois, e em suma, pela improcedência de todas as conclusões da alegação do apelante.
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Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente.

Évora, 15-12-2016
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes