Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
342/17.6PALGS.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: INDEFERIMENTO
MEIOS DE PROVA
RECURSO
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Existindo um despacho autónomo de indeferimento de meios probatórios proferido antes de encerrada a audiência de julgamento, despacho que, por não ter sido posto em causa pela arguida no prazo legal, transitou em julgado e assumiu caráter definitivo, não pode tal despacho ser posto em causa no recurso interposto da sentença.

II - No processo de apreciação da prova poderá legitimamente o tribunal “a quo” analisar os factos objetivos, articulá-los de acordo com um critério lógico e, com auxílio das regras da experiência comum, realizar as inferências que lhe permitiram chegar à autoria dos factos por parte da arguida, valorando a chamada prova indireta ou por presunção.

sumário elaborado pela Relatora
Decisão Texto Integral:



Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.
Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo Local criminal de Portalegre, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, com o n.º342/17.6PALGS, foi a arguida (...), condenada pela prática de um crime de burla simples, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de duzentos e cinquenta dias de multa, à taxa diária de seis euros, no montante global de mil e quinhentos euros.
*
Inconformada com tal decisão, veio a arguida interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:
“A- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos de processo comum que condenou a Arguida como autora material, na forma consumada, de um crime de burla simples, p. e p. pelo art. 217.º, n.º1 do Cód. Penal, na pena de duzentos e cinquenta dias de multa, à taxa diária de seis euros, no montante global de mil e quinhentos euros.
B- A Arguida, dele vem interpor recurso, dado que não poderiam ter sido dados como provados os factos constantes nos parágrafos da sentença abaixo elencados, e como tal, inexiste prova para a condenação como autora do crime, tendo o presente recurso como objeto a matéria de facto e a de direito, nos termos do disposto no art. 412.º n.º 2 e 3 e 431.º al. b) todos do C.P.P.
C- Quanto à nulidade sentença
A Arguida aquando as suas declarações prestadas em sede de Audiência de Julgamento realizada no dia 21.01.2021 solicitou ao tribunal prazo para requerer outros meios de prova que melhor comprovassem as suas declarações tendo para tal o tribunal à quo não só deferido como também incentivado a recorrente a fazê-lo nos termos que a abaixo melhor se descrevem.
D- Ouça-se as declarações da Arguida na sessão de julgamento de 21.01.2021 no sistema de gravação integrado de gravação digital nº20210121121649_1056563_2871417, dos 07m:29s aos 09m:20s e dos 9m38s aos 9m48s:
E- Face ao supra exposto, e conforme o solicitado pela arguida ao tribunal à quo em sede de audiência de julgamento, pelo mesmo, foi-lhe concedido um prazo de 7 dias para vir juntar prova que, a mesma protestou juntar, dentro do prazo estabelecido, como sendo essencial para a descoberta da verdade material.
F- Assim sendo, na sequência das declarações prestadas pela arguida, foi junto aos autos requerimento com a indicação de mais meios de prova, nomeadamente, o contrato de arrendamento, fotos e comprovativos de encomendas, bem como a inquirição de testemunhas, tudo ao abrigo do disposto do art. 340.º do Cód. de Processo Penal, como sendo essencial para a descoberta da verdade material.
G- Sucede que, pela Mmª Juiz de julgamento foi indeferido o requerido nos termos e para os efeitos do art. 340.º n.º4 al.a) do CPP.
H- Salvo melhor entendimento, cremos que este segmento da decisão do tribunal a quo – aliás, com fundamentação manifestamente insuficiente ao desiderato do indeferimento – viola ostensivamente o princípio de investigação e de descoberta da verdade previsto no art.º 340.º n.º 1 CPP, ofendendo os mais básicos postulados constitucionais de garantias de defesa em processo criminal (art.º 32.º n.º 1 do CRP) e direito a uma processo equitativo (art.º 20º n.º 4 CRP), e violando ainda os n.ºs 1 e 3 b) do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
I- Gerando, assim, a nulidade da decisão recorrida, nesta parte, nos termos previstos no art.º 120.º n.º 2 al. d) do CPP, e art 379 nº 1 alinea c) 1ª parte do CPP por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, nulidade que aqui se alega.
J- Pelo que, verificando-se a nulidade por omissão de diligência numa das sessões de julgamento, a nulidade cometida tem como consequência, nos termos do art.º 122.º do Cód. Processo Penal, a invalidade desta e de todos os atos praticados posteriormente que dela dependem, como seja a sentença.
K- Ora, a Arguida para tal, protestou juntar documentos probatórios para dúvidas não haver quanto à veracidade das suas declarações em sede de audiência e julgamento.
L- Portanto, a Arguida nas suas declarações imputou a prática de tais fatos à sua amiga e sócia (…), pessoa com quem vivia à data da prática de tais fatos tendo sido a efetiva beneficiária da nota de encomenda que constam nas fls. 180 e 181 da marca (...), fato que não poderia ter sido olvidado pelo tribunal a quo.
M- Mais, protestou juntar o contrato de arrendamento, documento este cuja essencialidade se revela para comprovar que a sua residência à data da prática dos fatos não corresponde à morada cedida pela pessoa que se identificou como sendo (...) cujos dados foram registados na nota de encomenda da compra online a fls.180 e 181, no valor de 129,81 €, sendo que e conforme consta do referido contrato a arguida só foi viver para espinho a partir de 1 de janeiro de 2018. Pelo que, se assim se entendesse, jamais o tribunal à quo, principalmente, nas suas motivações a fls.5 do parágrafo 3 da sentença podia ter dado como provado onde pode ler-se: - “… Por outro lado, a morada onde as compras foram entregues é a casa onde a arguida vivia à data (…)”, pois o contrato junto aos autos sob o Doc. nº1 pelo requerimento de 02.02.2021, demonstra que à data dos fatos a arguida não vivia na casa sita na rua (…), mas sim outra morada sita em Gaia com a sua amiga (…) e cuja a senhoria era a (…).
N- Ademais, a Arguida protestou juntar várias notas de encomendas e fotografias suas, e da sua amiga e sócia (...) como prova de que os artigos de vestuário que constam na nota de encomenda a fls. 180 e 181 não lhe pertencem nem têm como pertencer, até porque, ambos (a Arguida e o seu companheiro) vestem tamanho XL, XS ou L e não tamanhos M. Sendo certo que a (...), como rapidamente se constataria, atento à suas características físicas, veste tamanho M, e, inclusive veste marca (...), tal como fotos que foram juntas pela recorrente por requerimento datado de 02.02.2021, Docs. 2 e 3, bem como as referidas notas de encomenda à marca (...) de vestuário de tamanho XL e L, tamanhos esses que como se diz e reitera são de fato os tamanhos que a aqui recorrente usa.
O- Não se entendendo como pôde o tribunal à quo afirmar que foi a arguida a beneficiária de tal roupa quando além do tamanho constante na nota de encomenda não lhe servir não há nos autos prova careada que demonstrem que foi de fato a Arguida que solicitou o pagamento da quantia de 129,81 € à Ofendida nem que foi a mesma que colocou o anuncio na internet em relação ao apartamento T2 Lagos.
P- E, por último, solicitou a inquirição da Sra. (...) e Sra. (…) (senhoria) na qualidade de testemunhas a fim de prestar declarações sobre os fatos que aqui se discutem.
Q- Portanto, parece-nos que o requerido jamais poderia ser indeferido, e mostrou-se, mais do que relevante para a descoberta da verdade material.
R- Até porque, a junção destes meios de prova, justifica-se pela necessidade de corroborar as declarações da Arguida para que, dúvidas não existissem quanto à credibilidade e veracidade dos fatos por ela declarados em sede de audiência de julgamento.
S- Ou seja, na hipótese de serem admitidos estes meios de prova, os mesmos confirmam as declarações da Arguida afastando a mera convicção do tribunal à quo quanto à condenação da Arguida pela prática destes fatos, sendo que tal fato serviu como fundamentação nas motivações do tribunal à quo.
T- Nesta senda, a inquirição da Sra. (…) em sede de audiência de julgamento seria essencial para a descoberta da verdade material, dado que a mesma é a senhoria da casa onde ambas residiam à data da prática dos fatos aqui praticados bem como da referida (...).
U- NO QUE CONCERNE Á MATÉRIA DE FACTO, discorda-se da matéria de facto dada como provada IMPUGNANDO-SE ESPECIFICADAMENTE os seguintes factos que foram dados como provados:
(…)
V- Ora, salvo devido respeito, que é muito, nos presentes autos, não deveria ter sido dada como provada a atuação da Arguida na qualidade de Autora da prática do crime pelo qual foi condenada.
W- Nenhuma prova existe nos autos que aponte no sentido dos factos vertidos na
matéria de facto e supra elencada, ter sido dada como provada, verificando-se o vício da motivação insuficiente o que configura um erro de julgamento, sendo que conforme se irá demonstrar estes factos devem ser considerados como NÃO PROVADOS.
X- No que concerne à matéria de facto dada como provada nos pontos acima melhor descritos – e desde já começando pelos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 9, 10 que aqui se impugnam para os devidos e legais efeitos.
Y- A única prova produzida pelo Ministério Público em sede de audiência de julgamento limita-se, essencialmente, e tão só, ao depoimento prestado pela ofendida conjugado com os depoimentos das testemunhas (…).
Z- Ouça-se o depoimento da Ofendida na sessão de julgamento de 05.01.2021 no
sistema de gravação integrado de gravação digital nº 20210105143548_1056563_2871417, dos 02m:09s aos 02m:28s; dos 02m:30s aos 02m:48s dos 02m:57 aos 03:31s; dos 03m:40s aos 04m:29s; dos 04m:36s aos 4m:46s; dos 5m:01s aos 06m39s; dos 06m:45s aos 06m:48s; dos7m:06s aos 07m:17s
AA- As declarações da ofendida prestado em sede audiência de julgamento jamais poderá sustentar faticamente a condenação da arguida (…). A mesma limita-se, e, tão só, a descrever os fatos concretos de que tem conhecimento próprio limitando-se a equacionar a hipótese do email (…), imputando-lhe, sem mais, todos os atos aqui praticados resultantes do anúncio de publicitação do arrendamento do apartamento T2 em Lagos, como sendo ela a responsável pela colocação do anúncio no “OlX” e pela celebração do dito contrato de arrendamento desde a fixação das condições contratuais, fixação do preço e modo de pagamento.
BB- O certo, é que, em momento algum a ofendida falou ou conheceu a arguida pessoalmente, nem tão pouco, a contactou por outro meio que não este, nem sequer contactou presencialmente a pessoa que efectivamente a burlou.
CC- Pela mesma sempre foi dito que não conhece a Arguida pessoalmente, nem sequer tem qualquer termo identificativo para que possa afirmar perentoriamente que a pessoa que contactou, via email, na altura era a Arguida.
DD- Perante tais fatos, se a ofendida só contactou a autora do crime em causa via email, como se pode afirmar a quem é que pertence o referido email ou ate por quem
foi usado?!
EE- Quando a ofendida em sede das suas declarações em audiência de julgamento se refere à Arguida, pode-se estar a referir a uma outra pessoa que faz uso deste email, podendo esta ser um elemento até do sexo masculino.
FF- Não pode o tribunal à quo ficar preso à mera convicção do que pode ser sem haver prova que o demonstre.
GG- NÃO HÁ CRITÉRIOS IDENTIFICADORES DA PESSOA! APENAS TEMOS
UM EMAIL QUE PODE PERTENCER A QUALQUER PESSOA!
HH- No que concerne à matéria de facto dada como provada nos pontos acima melhor descritos –7 e 8 que aqui se impugnam para os devidos e legais efeitos.
II- Mais uma vez, a única prova produzida pelo Ministério Público em sede de audiência de julgamento limita-se, essencialmente, e tão só, ao depoimento prestado pela ofendida conjugado com os depoimentos das testemunhas (…).
JJ- Ouça-se o depoimento da testemunha (…) na sessão de julgamento de 05.01.2021 no sistema de gravação integrado de gravação digital nº 20210105144401_1056563_2871417, dos 01m:10s aos 03m:05s; dos 04m:41s aos 05m:00s; dos 05m:27s aos 05m:38s; dos 05m:40s aos 06m10s; dos 06m:30s aos 07m33s; dos 07m:38s aos 08m:15s; dos 08m:43s aos 09m:09s; dos 09m:33s aos 09m:57s;
KK- Veja-se a motivação do “Tribunal à quo”, parágrafo 3 da 4 página da sentença: “No que respeita à matéria elencada em 1 a 10, o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento isento e credível da ofendida, a qual relatou a forma como tomou conhecimento do anuncio, as negociações que formulou com arguida com vista aos arrendamento da casa para férias, o valor que pagou e o fato de não ter conseguido usufruir da casa em questão, pelo fato da arguida nunca ter comparecido no local, conforme combinado. Tal depoimento foi conjugado com a documentação junta aos autos e o depoimento das testemunhas (…). Donde é possível concluir que a arguida foi a beneficiária do pagamento das compras realizadas no site (...) e bem assim quem montou o esquema para levar a ofendida a efetuar o pagamento das compras que aquela realizou.
LL- Ora a arguida negou a prática dos factos pelos quais veio acusada, a prova produzida em audiência analisada à luz das regras da experiência comum não é suficiente para concluir, sem margem para dúvidas, de que a aqui Arguida foi a autora desses fatos…”.
MM- Face ao exposto, conjugando os depoimentos das testemunhas (…), na qualidade de representantes da empresa (...), jamais o tribunal à quo poderia ter o entendimento que verteu na sentença.
NN- Como se verifica, dos depoimentos transcritos que não resulta “Sem margem para dúvidas” que a Arguida foi a autora da prática de tais fatos!!
OO- Não se entende de onde se pode extrair as ilações que se encontram vertidas na sentença de que a arguida praticou os factos dos quais vem acusada!! A não ser da mera convicção hipotética do tribunal à quo.
PP- ORA VEJAMOS, atento o supra exposto, do depoimento da ofendida conjugado com os depoimentos das testemunhas (…), apenas há um elemento comum – o email registado na plataforma da empresa (...) que corresponde ao email facultado na publicitação do anúncio de arrendamento do apartamento T2 em lagos no “OLX” através do qual a Ofendida encetou negociações não conhecendo a pessoa com quem conversava, podendo ser qualquer pessoa.
QQ- Mas, nem a ofendida pode afirmar que o referido email pertence à Arguida
e com ela estabeleceu sempre contato, nem as testemunhas disserem que o nome registado como cliente (...) na plataforma da empresa e os restantes dados, nomeadamente, o email (…) e a morada (…), foram inseridos pela Arguida.
RR- Ouça-se o depoimento da testemunha (...) na sessão de julgamento de 05.01.2021 no sistema de gravação integrado de gravação digital nº 20210105145723_1056563_2871417, dos 8m:37 aos 10m:43s.
SS- Ou seja, dos depoimentos supra, tanto a testemunha (...) como a testemunha (...) foram perentórios em afirmar que o nome ou os dados dos clientes inseridos na plataforma da empresa podem não corresponder ao próprio, mas sim, a um terceiro.
TT- Aliás, não conseguem assegurar que as encomendas feitas em nome de (...) foram feitas pela aqui recorrente, nem têm meios de como fazê-lo.
UU- E mais, de onde se extrai que há nexo de causalidade entre a nota de encomenda de fls.180 e 181 corresponde à referência gerada na compra online dos referidos artigos de vestuário? E que, tais encomendas foram efetuadas pela Arguida?
Ou até que esta seria a beneficiária dos respetivos artigos de vestuário. Quem fez a receção dos artigos de vestuário na dita morada (…).
VV- Sendo certo que, à data dos fatos a arguida morava na rua (…), juntamente com o seu atual companheiro e filha e uma sua amiga e sócia (...) e que tal encomenda foi direcionada para a (…), morada esta, onde as compras foram entregues e não para a morada da residência da ora Arguida á data dos factos.
WW- Leia-se o parágrafo 3 da página 5 da sentença: “… Por outro lado, a morada onde as compras foram entregues é a casa onde a arguida vivia à data, sendo que os donos da dita loja declararam que o nome da arguida lhe é bastante familiar, pois após terem sido chamados várias vezes para depôr em processos de burla, fizeram uma investigação com base no nome da arguida, email e morada e concluíram que havia vários registos no site de compras com aqueles dados, sendo que nem sempre o email usado era o mesmo, nem o nome do usuário, mas a morada coincidia (neste sentido o teor do email junto aos autos remetido pela advogada da empresa “Great I Am, junto aos autos).
XX- Face ao exposto, e a tudo o que até aqui foi dito, como pôde o “Tribunal à Quo” concluir - “… que a morada onde as compras foram entregues é a casa onde a arguida vivia à data”, sendo certo que a Arguida residia na rua (…), juntamente com o seu atual companheiro e filha e uma sua amiga e sócia (...).
YY- Digam, Srs. Desembargadores de onde resulta que:
- A nota de encomenda dos artigos de vestuário de fls.180 e 181 foi efetuada pela
Arguida?????
- O email e os restantes dados, nomeadamente, a morada, inseridos na plataforma de registo clientes da empresa (...) pertence à Arguida ou foram por esta
introduzidos?????
- A mesma foi a beneficiária dos artigos de vestuário que constam na nota de encomenda ou os produtos foram por ela rececionados????
- Há data dos fatos (data anterior a 4 de Julho de 2017) a Arguida residia na (…) ????
ZZ- Denote-se que, as testemunhas (...) e (...) apenas têm conhecimento direto dos fatos no que às encomendas diz respeito. Em momento algum, por eles foi dito que conhecem a Arguida a não ser através dos dados que constam no registo dos clientes da empresa.
AAA- Ademais, o tribunal à quo não produziu qualquer prova que ligue a Arguida às notas de encomenda de fls. 180 e 181, e, que a referência gerada para pagamento foi facultada à ofendida pela Arguida para proceder ao pagamento da quantia de 129,31 € a título de sinal do arrendamento do apartamento T2 de lagos.
BBB- Leia-se na sentença em crise na página 5, que: “(…) sendo que os donos da dita loja (...) fizeram uma investigação com base no nome da arguida, email e morada e concluíram que havia vários registos no site de compras com aqueles dados, sendo que nem sempre o email usado era o mesmo, nem o nome do usuário, mas a morada coincidia (…)
CCC- Das declarações das testemunhas (...) e (...), não foi produzida prova que permita concluir que mesmo existindo vários registos existentes no site de compras com o nome - (...), email – (…) e morada – (…), que a encomenda em causa foi efetuada pela Arguida.
DDD- Ouça-se o depoimento da testemunha (...) na sessão de julgamento de 21.01.2021 no sistema de gravação integrado de gravação digital nº 20210121120000_1056563_2871417, dos 1m:16s até aos 04m:29s; dos 4m:34s aos 5m17s; dos 12m:44s aos 12:48s.
EEE- Ou seja, das declarações prestadas pela testemunha (...), o mesmo corrobora o que dito pela Arguida no que se refere que à data da pratica dos factos o mesmo viva na (…) com a sua filha, com a Arguida e a (...) e que usa roupas da marca Great I Am, tamanhos XL ou XS, o que não significa que pelo facto da testemunha usar roupa desta marca tenha sido a arguida a fazer a encomenda que deu origem a referida nota a fls 180 e 181.
FFF- No que concerne à matéria de facto dada como provada nos pontos acima melhor descritos – 6, 11, 12 e 13 que aqui se impugnam para os devidos e legais efeitos, não há uma 64 única prova produzida pelo Ministério Público em sede de audiência de julgamento, que resulte, que o anúncio colocado no “Olx” foi aí colocado pela Arguida.
GGG- Como pode a Arguida ter conhecimento de fatos que não praticou?!
HHH- Nem se vislumbra, como pode o tribunal à quo entender que foi a Arguida a autora da concretização deste “plano”?!
III- Também é nosso entendimento, que a regra da experiência comum não pode extrapolar a prova produzida em sede de audiência de julgamento.
JJJ- Portanto, não havendo prova, que demonstre que a Arguida é a autora da prática dos fatos pelos quais vem acusada, como pôde o “Tribunal à quo” aplicar as regras da experiência comum para justificar a condenação da mesma.
KKK- Não resulta de modo algum que a Arguida encetou um plano com vista a obter para si uma vantagem patrimonial de forma ilícita, induzindo astuciosamente a ofendida no engano de que teria para arrendar um apartamento de férias no período pretendido por esta, o qual não existia, determinando-a, dessa forma, a entregar-lhe a referida quantia em dinheiro, assim lhe causando o correspetivo prejuízo.
LLL- Tem sido uma prática comum nas burlas informáticas as pessoas usarem dados pessoais de outros para fins ilícitos. Cada caso é um caso, e na análise do caso em concreto com a devida conjugação com a prova produzida em sede de audiência de julgamento e os documentos juntos, não há prova, que justifique a condenação da Arguida pela prática destes fatos.
MMM- Não há dúvida que os fatos foram praticados. Mas por quem?!
NNN- Ouça-se o depoimento da Arguida na sessão de julgamento do dia 21.01.2021 no sistema de gravação nº20210121114327_1056563_2871417, dos 3m:11s aos 5m26s ; dos 5m:28s aos 06m:44s; dos 12m:34s aos 12m:48s ; dos 13m:35 aos 15m:22s
OOO- Atento o supra exposto, a Arguida prestou um depoimento todo ele credível e não contraditório com as demais testemunhas – (...) e (...) e não se entende como o “Tribunal à quo” não deu qualquer valoração ás suas declarações.
PPP- Ou seja, a Arguida à data dos fatos morava com a (...) (sua amiga e sócia) e com o seu atual companheiro, na Rua (…).
QQQ- Ora, pela mesma foi dito que quem era cliente da loja online (...) era a (...) e não ela e que o email (…) não lhe pertence. Mais, referindo, que o seu email pessoal é (…).
RRR- Além, de que, as roupas que constam nas notas de encomenda de fls. 180 e 181 não lhe pertencem e nem tão pouco usa os tamanhos que ali constam. Nem ela nem o seu companheiro, sendo que ambos usam L, XL ou XS.
SSS- Mais refere que, ela e a (…) além de morarem juntas eram sócias da loja de roupa online e que quem fez compras online na empresa (...) no valor de 129,00 € foi a (…) e não ela.
TTT- Ora, também não ficou demonstrada a suposta intervenção da Arguida na colocação do anúncio de arrendamento do apartamento T2 em lagos no “OLX”, nem tão pouco que tivesse sido ela a beneficiária da respetiva roupa.
UUU- Ou seja, não ficou provado que:
- O email (…) pertence ou é usado pela Arguida;
- A pessoa com quem a ofendida comunicava via email era a Arguida;
- A pessoa com quem os responsáveis da loja (...) trocavam email era a Arguida;
- Foi a arguida que no dia 04 de julho de 2017 colocou o anúncio no “OLX” publicitando o arrendamento de um apartamento T2 em lagos para arrendar no período de férias do Verão;
- As referências facultadas à ofendida, para pagamento do sinal do arrendamento, correspondem integralmente às compras on-line de artigos de vestuário na empresa “… ” feitas pela Arguida;
WWW- - RELATIVAMENTE AO DIREITO E DA SUA DISCORDÂNCIA QUANTO AO DECIDIDO NESTA MATÉRIA,
XXX- Quanto à nulidade da sentença, a Arguida, nas suas últimas declarações em sede de audiência de julgamento, e tendo em conta toda a prova produzida em sede da mesma, julgou ser oportuno, e, solicitou ao tribunal à quo que lhe concedesse prazo para vir juntar prova como sendo essencial para a descoberta da verdade material.
YYY- Assim sendo, foi junto aos autos requerimento em 02.02.02021 para admissão de mais meios de prova, nomeadamente, o contrato de arrendamento, bem como a inquirição de testemunhas, invocando o disposto do art. 340.º do Cód. de Processo Penal, como sendo essencial para a descoberta da verdade material.
ZZZ- Sucede que, pela Mmª Juiz de julgamento foi indeferido o requerido nos termos e para os efeitos do art. 340.º n.º4 al.a) do Cód. Processo Penal.
AAAA- Salvo melhor entendimento, cremos que este segmento da decisão do Tribunal a quo – aliás, com fundamentação manifestamente insuficiente ao desiderato do indeferimento – viola ostensivamente o princípio de investigação e de descoberta da verdade previsto no art.º 340.º n.º 1 CPP, ofendendo os mais básicos postulados constitucionais de garantias de defesa em processo criminal (art.º 32.º n.º 1 do CRP) e direito a uma processo equitativo (art.º 20º n.º 4 CRP), e violando ainda os n.ºs 1 e 3 b) do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
BBBB- Gerando, assim, a nulidade da decisão recorrida, nesta parte, nos termos previstos no art.º 120.º n.º 2 al. d) do Cód. Processo Penal, e art 379 nº 1 alinea c) 1ª parte do CPP, por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, nulidade que aqui se alega para os devidos e legais efeitos.
CCCC- Conquanto, verificando-se a nulidade por omissão de diligência numa das sessões de julgamento, a nulidade cometida tem como consequência, nos termos do art.º 122.º do Cód. Processo Penal, a invalidade desta e de todos os atos praticados posteriormente que dela dependem, como seja a sentença.
DDDD- Ora, a Arguida para tal, protestou juntar documentos probatórios para dúvidas não haver quanto à veracidade das suas declarações em sede de audiência e julgamento.
EEEE- Mais, protestou juntar o contrato de arrendamento, documento este cuja
essencialidade se revela para comprovar que a sua residência à data da prática dos fatos não corresponde à morada cedida pela pessoa que se identificou como sendo (...) cujos dados foram registados na nota de encomenda da compra online a fls.180 e 181 dos artigos de vestuário à loja “…”, no valor de 129,81 €.
FFFF- Vindo mais tarde, a desconfiar que a pessoa em causa poderia ser a sua amiga, ex cunhada e sócia (...), pessoa com quem residia à data.
GGGG- Ademais, a Arguida protestou juntar notas de encomendas e fotografias suas e da (…) como prova de que os artigos de vestuário que constam na nota de encomenda a fls. 180 e 181 não lhe pertencem nem tem como pertencer, até porque, quer a Recorrente quer o seu namorado vestem tamanho L, XL ou XS e não tamanhos S/M.
HHHH- Sendo certo que a (...), como rapidamente se constataria, atento às suas características físicas, conforme fotos juntas da (…), sob DOC 3, veste tamanho S/M., não se entendendo como pôde o “Tribunal à quo” afirmar que foi a arguida a beneficiária de tal compra.
IIII- E, por último, solicitou a inquirição da (...) na qualidade de testemunha a fim de prestar declarações sobre os fatos que aqui se discutem.
JJJJ- Portanto, parece-nos que o requerido jamais poderia ser indeferido, e mostrou-se, mais do que relevante para a descoberta da verdade material.
KKKK- Até porque, a junção destes meios de prova, afere-se pela necessidade de justificar as declarações da Arguida para que, dúvidas não existissem quanto à credibilidade e veracidade dos fatos por ela declarados em sede de audiência de julgamento.
LLLL- Pelo que, caso assim se entendesse, jamais o “Tribunal à quo”, principalmente, nas suas motivações a fls.5 do parágrafo 3 da sentença onde pode lêr-se: - “… Por outro lado, a morada onde as compras foram entregues é a casa onde a arguida vivia à data (…)”.
MMMM- Ou seja, na hipótese de serem admitidos estes meios de prova, os mesmos confirmam as declarações da Arguida afastando a mera convicção do tribunal à quo quanto à condenação da Arguida pela prática destes fatos, sendo que tal fato serviu como fundamentação nas motivações do Tribunal à quo.
NNNN- DA ABSOLVIÇÃO DA ARGUIDA - Para que o agente possa ser jurídica e penalmente responsabilizado tem que tal crime ser provado em Audiência de Julgamento sob pena de violar o princípio da imediação.
OOOO- Considera-se que a manifesta ausência prova produzida em sede de audiência de julgamento nunca poderia ter levado o “Tribunal a quo” a dar como provados os pontos a 1 a 13, expostos supra da matéria de facto, reiterando- se in totum o supra alegado.
PPPP- Ao dar como provados os factos aqui impugnados da sentença que aqui se recorre, a mesma viola o Princípio da livre apreciação da prova plasmado no artigo 127.º do C.P.C..
QQQQ- Na verdade, a ausência de prova produzida nos presentes autos impunha ao “Tribunal a quo” uma decisão oposta à que resulta da sentença recorrida, e consequentemente a absolvição da arguida.
RRRR- Entendemos que, se o “Tribunal a quo” tivesse atendido a toda a prova produzida prova, não podiam os factos ter sido dados como provados, pois, no mínimo, subsistiam dúvidas razoáveis quanto à sua verificação.
SSSS- Aliás, impunha-se ao “Tribunal a quo”, quer quanto à decisão sobre a matéria de facto, quer quanto ao direito a aplicar, socorrer-se do princípio in dúbio pro reo.
TTTT- E, atento ao supra exposto, a verdade é que a Arguida não poderia efetivamente ter sido condenada pelo tribunal a quo, pois a prova produzida, foi sujeita a um erro notório na sua apreciação.
UUUU- Exmos. Srs. Desembargadores, é gravíssimo que uma arguida seja condenada como foi, que salvo melhor entendimento, baseado no depoimento da ofendida e das testemunhas (...) e (...), que em momento algum, nos seus depoimentos reconhecem ou identificam a pessoa que com quem trocavam emails correspondia à pessoa da aqui Arguida, violando-se nestes termos, os direitos de defesa do arguido consagrados no artigo 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa, designadamente o princípio in dubio pro reo.
WWWW- Da decisão que, ora, se recorre, das provas produzidas, segundo as regras da experiência comum, deveriam ditar outro factualismo apurado, que mais não fosse em obediência ao princípio in dúbio pro reo e, dessa forma, deveria a Arguida ter sido absolvida.
XXXX- Pois veja-se o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
YYYY- Se bem que, esta liberdade de apreciação que o Julgador detém não se confunde, de todo, com arbitrariedade, sendo que, o Juiz não pode ignorar os depoimentos produzidos em sede de Audiência de Discussão e Julgamento ou a prova documental existente e decidir como lhe aprouver, de forma imotivada, como entendemos, com a devida vénia, ter ocorrido in casu.
ZZZZ- O tribunal a quo olvidou um princípio estruturante do processo penal: o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade.
AAAAA- Na ausência desse juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), vale o princípio de presunção de inocência da arguida (artigo 32º, nº 2, da Constituição) e a regra, seu corolário, in dúbio pro reo.
BBBBB- Deste modo, não poderá nunca deixar de ser razoável a dúvida da autoria do crime por parte da arguida.
CCCCC- Com o devido respeito e vénia merecidos, o “caminho da convicção” seguido pelo Tribunal recorrido mostra-se ofensivo das regras da experiência comum uma vez que deu como certeza uma mera probabilidade, violação grosseira do princípio in dúbio pro reo e do princípio da legalidade.
DDDDD- Violando-se nestes termos os direitos de defesa da Recorrente consagrados no artigo 32.º n.º 1 C.R.P., designadamente o principio in dúbio pro reo.
EEEEE- O citado princípio, sendo uma garantia substantiva do processo penal, constitui uma consequência de um processo de partes e segundo o qual a dúvida sobre qualquer circunstância que exima ou diminua a responsabilidade do Arguido deve ser valorizada e valorada em seu favor.
FFFFF- Ora, in casu, conclui-se que, o “Tribunal a quo” não poderia ter dado como provados factos que não existiram, sendo que aqueles que efetivamente se verificaram e já supra identificados não são suficientes para decidir com certeza que a Arguida praticou o crime de que era acusada.
GGGGG- O in dúbio pro reo constitui uma imposição dirigida ao Juiz, no sentido deste se pronunciar de forma favorável à Arguida quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
HHHHH- Pelo supra exposto deverá a arguida ser absolvida da prática do crime pelo qual foi condenada.”
Termina pedindo a declaração de nulidade da sentença e, subsidiariamente, a sua revogação por acórdão no qual a Recorrente seja absolvida da prática do crime pelo qual vem condenada.
*
O recurso foi admitido.
Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“Veio a arguida invocar nulidade por omissão de diligências probatórias essenciais por lhe ter sido indeferido um requerimento de prova.
2) Tal requerimento com indicação dos concretos meios de prova veio a ser apresentado, já após o momento a que alude o art.º 361º do CPP, mais concretamente em 02.02.2021,tendo vindo a ser indeferido por despacho de 14.04.2021, notificado à arguida e sua Defensora.
3) Uma vez que o despacho que indeferiu as diligências requeridas foi notificado à arguida e sua Defensora em 19.04.2021, deveria a mesma ter recorrido de tal despacho, não podendo vir agora fazê-lo, por ser tal recurso extemporâneo.
4) De facto, se a produção do meio de prova tiver sido requerida e o tribunal indeferir por despacho tal requerimento, a impugnação deve ser feira por via de interposição de recurso desse despacho.
5) Uma vez que a Defesa deixou decorrer o prazo de recurso de tal despacho, sem que tenha tomado qualquer posição, perante o indeferimento do tribunal, quanto às diligências que tinham sido requeridas, a inacção da arguida, deve ser interpretada no sentido de que a diligência perdeu, para si, o interesse, tendo o mesmo transitado em julgado.
6) Ao não recorrer de tal despacho, ou não o tendo feito tempestivamente, como é o caso, o despacho transitou em julgado – neste sentido vide o Ac. da RP de 12.02.2014 – Proc. 93/08.2GASJP.P1
7) Mesmo que assim não se entenda, os documentos oferecidos, conforme se alcança do teor dos mesmos, já poderiam ter sido juntos, pelo menos, com a contestação (que a arguida não apresentou), o que não sucedeu, tendo sido apresentados já após o encerramento da discussão sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para a sua apresentação tardia. O mesmo se diga das testemunhas arroladas.
8) Assim sendo o critério para deferir o requerido é o de a prova em causa ser indispensável (ou seja, imprescindível e não apenas pertinente como se fora numa fase mais preliminar) para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
9) Ora, não se vê de que forma os documentos oferecidos poderiam pôr minimamente em crise a prova já produzida nos autos já que não demonstram de forma alguma que tenha sido um terceiro e não a arguida a praticar os factos que lhe vinham imputados.
10) De facto, tendo sido produzida em audiência de julgamento prova cabal de que a arguida encomendou os artigos em causa e os recebeu (conforme referido por várias testemunhas, nomeadamente, pelas pessoas a quem fez a encomenda e pelo seu próprio companheiro, com quem residia ao tempo, além do que já resulta da prova documental), torna-se absolutamente irrelevante saber que casa(s) arrendava à época ou qual o tamanho que vestia (poderia perfeitamente destinar os artigos, não ao seu uso pessoal mas à venda ou cedência a terceiros, o que não afasta a sua responsabilidade criminal).
11) Pelas mesmas razões, não se vê qualquer relevância na inquirição das testemunhas indicadas que destinavam a provar o mesmo que os documentos.
12) É bem patente que a prova requerida não era relevante, muito menos indispensável, para se chegar à descoberta da verdade, pelo que bem andou o Tribunal ao indeferir o requerido – cfr. art.º 340º nº4 alínea a) do CPP.
13) O Tribunal apreciou criteriosamente a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, tendo feito um exame coerente e lógico da mesma, sendo que os elementos probatórios, obtidos em audiência de discussão e julgamento e devidamente analisados na sentença não só são suficientes para dar como provados os factos dados como assentes na douta sentença, como nunca poderiam ter redundado em conclusão distinta que não a condenação da arguida.
14) Quanto à matéria de facto dada como provada nenhuma censura nos merece a sentença recorrida. Pensamos que na sentença recorrida estão devidamente explicitados os motivos por que foram valoradas positivamente determinadas provas e desconsideradas outras, sendo perfeitamente inteligível o itinerário que conduziu à convicção do julgador e os meios de prova em que foi alicerçada essa convicção – convicção que o Tribunal recorrido alcançou e exprimiu, nos termos que supra se transcreveram, através do privilégio da imediação e da oralidade, tudo analisado de acordo com as regras da experiência, não havendo qualquer indício de que tenha sido erradamente valorada ou interpretada tal prova.
15) Assim, não ocorreu qualquer violação do art.º 127º do CPP.
16) Inexiste qualquer violação do princípio in dubio pro reo porquanto a motivação da matéria de facto exarada na sentença recorrida demonstra uma tomada de posição clara e inequívoca com a necessária indicação dos elementos que influíram na convicção do Tribunal, efetuando uma análise crítica aos fundamentos que a sustentaram.”
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O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da sua improcedência.
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Procedeu-se a exame preliminar.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II – Fundamentação.
II.I Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10.95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.
No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, são duas as questões a apreciar e a decidir, a saber:
- Apreciar a nulidade da sentença invocada pela recorrente por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, nos termos previstos nos artigos 120.º n.º 2 al. d) e 379 nº 1 alínea c) 1ª parte do CPP.
- Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, em violação do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP.
- Determinar se existiu violação do princípio “in dubio pro reo”.
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De acordo com as regras da precedência lógica, aplicáveis às decisões judiciais – artigo 608.º, nº 1.º CPC, ex vi do artigo 4.º CP – cumpre apreciar, primeiramente, os vícios formais da decisão recorrida.

II.II - A decisão recorrida.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, deu por provados os seguintes factos:
“1. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 04 de Julho de 2017 a arguida (...) colocou um anúncio em diversos sites de internet, designadamente no “OLX” publicitando o arrendamento de um apartamento T-2 em Lagos para arrendar no período de férias do Verão, descrevendo as condições do mesmo e as condições do contrato a outorgar;
2. No dia 04/07/2017, a ofendida (...) respondeu ao anúncio colocado pela arguida e entrou em contacto com ela, para o email (…);
3. Após troca de alguns emails, arguida e ofendida combinaram o arrendamento de um apartamento T-2, em Lagos, para o período de 16 a 23 de Julho de 2017;
4. Para sinalizar o arrendamento, a arguida solicitou o pagamento da quantia de € 129.81 (cento e vinte e nove euros e oitenta e um cêntimos), tendo indicado as seguintes referências bancárias para que a ofendida pudesse efectuar o pagamento: Entidade 11877 e referência 199 382 174 sendo que os restantes 315,00 € seriam pagos no dia da entrada no imóvel;
5. Acreditando que tudo estaria conforme o acordado e no seguimento das instruções que lhe foram transmitidas, no dia 05.07.2017, pelas 09:31 H, a ofendida efetuou o pagamento da quantia acordada, isto é € 129,31 para a entidade indicada pela arguida;
6. Todavia, o imóvel descrito pela arguida no “OLX” nunca foi de sua pertença, nem nunca esteve na sua posse, não tendo a mesma qualquer disponibilidade sobre qualquer imóvel com as mesmas características e situado em Lagos para efectuar qualquer contrato, de arrendamento ou outro, nas condições que publicitou e que a ofendida acreditou existir;
7. Na verdade, as referências de pagamento fornecidas pela arguida diziam respeito a uma encomenda de artigos de vestuário que esta fizera na loja on-line da empresa “…” e que haviam sido geradas para pagamento da mesma;
8. Assim, a arguida levou a ofendida efetuar o pagamento de tal encomenda pensando que estava a pagar o arrendamento de uma casa para férias;
9. Posteriormente, em 16.07.2017, quando a ofendida chegou a Lagos e se dirigiu ao local de encontro que tinha ficado combinado, a arguida não estava lá para a receber e não existia o apartamento que combinara arrendar;
10. Tendo a ofendida tentado chegar à fala com a arguida, esta apenas lhe enviou um único email dizendo que estava atrasada porque estava com outros hóspedes, mas que já iria ao seu encontro, o que nunca chegou a acontecer sendo que após esse único contacto a arguida deixou de responder as mensagens enviadas pela ofendida, tendo esta ficado sem o dinheiro e sem acesso ao apartamento que lhe havia sido prometido arrendar;
11. Bem sabia a arguida que o imóvel que publicitou não existia nem estava na sua disponibilidade e que só convencendo a ofendida dessa disponibilidade lhe seria entregue a quantia pretendida;
12. Agiu a arguida de forma livre, deliberada e conscientemente, na concretização de um plano previamente estabelecido, com intenção de obter para si uma vantagem patrimonial de forma ilícita, induzindo astuciosamente a ofendida no engano de que teria para arrendar um apartamento de férias no período pretendido por esta, o qual não existia, determinando-a, dessa forma, a entregar-lhe a referida quantia em dinheiro, assim lhe causando o correspetivo prejuízo;
13. Mais sabia a arguida que tal conduta lhe era vedada e proibida por Lei Penal;
14. A arguida trabalha por conta própria;
15. Vive com o companheiro, em casa arrendada, pela qual paga €450,00;
16. O seu companheiro trabalha, auferindo o salário mínimo;
17. A arguida foi condenada no âmbito do processo n.º 239/17.0GALNH, por sentença transitada a 2018/10/08, pela prática, em 2017/06/09, de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 200 dias de multa;
18. A arguida foi condenada no âmbito do processo n.º 122/17.9PACTX, por sentença transitada a 2020/11/09, pela prática, em 2017/06/10, de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 dias de multa;
19. A arguida foi condenada no âmbito do processo n.º 186/17.5GAMMV, por sentença transitada a 2019/06/28, pela prática, em 2017/04/30, de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa;
20. A arguida foi condenada no âmbito do processo n.º 289/17.6PASJM, por sentença transitada a 2020/09/10, pela prática, em 2017/07/20, de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 200 dias de multa
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Factos não Provados
Com interesse para a boa decisão da causa, inexistem factos não provados.”
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II.III - Apreciação do mérito do recurso.
Da invocada nulidade da sentença invocada pela recorrente.
Como questão prévia invoca a recorrente a nulidade da sentença por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, nos termos previstos nos artigos 120.º n.º 2 al. d) e 379 nº 1 alínea c) 1ª parte do CPP.
Conforme alega a arguida na motivação do seu recurso, aquando das suas declarações finais prestadas em sede de audiência de julgamento, aquela solicitou ao tribunal prazo para apresentar outros meios de prova, tendo-lhe sido concedido um prazo de 7 dias para o efeito.
Analisando o processo, verifica-se que o requerimento probatório que veio a ser apresentado pela arguida foi indeferido por despacho proferido em 14.04.2021, devidamente notificado à arguida e à sua defensora. Contra tal despacho não se insurgiu a arguida, não tendo do mesmo sido interposto recurso.
Argumenta a recorrente que, não sendo, em seu entender, a prova produzida nos autos suficiente para conduzir à sua condenação, o julgador deveria ter investigado os factos, deferindo o requerimento probatório acima referido. Não o tendo feito, alega a arguidas ter ocorrido uma nulidade da sentença por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, nos termos previstos no art.º 120.º n.º 2 al. d) do Cód. Processo Penal e artigo 379 nº 1 alínea c) 1ª parte do CPP.
Não lhe assiste, porém, razão.
Resulta, efetivamente, do artigo 340.º do CPP, que consagra os princípios gerais da produção de prova em processo penal, e especificamente do seu n.º 1, que o tribunal “ordena oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
Deste dispositivo decorre claramente que o princípio da investigação ou da verdade material não está limitado pelo acervo probatório definido na acusação e na contestação. Indícios seguros nesse sentido são dados pelos artigos 323.º, 327.º e pelo já citado artigo 340.º, todos do CPP.
O princípio da procura da verdade material pelo tribunal permite a junção ao processo de qualquer meio de prova até ao encerramento da audiência de julgamento, ou seja, até à leitura da sentença. O único limite processual imposto à aceitação de meios de prova até ao encerramento do julgamento é o da necessidade de ser respeitado, em relação a eles, o princípio do contraditório.
Já sob o ponto de vista substancial, tal como como é aceite pela generalidade da jurisprudência[1], a junção do novo meio de prova terá que ter em conta a sua legalidade, adequação e viabilidade, bem como a necessidade do mesmo para a descoberta da verdade material que o tribunal pretende alcançar.
O respeito pelo princípio da investigação oficiosa do tribunal, observados os limites formais e substanciais referidos, permite, no dizer de Germano Marques da Silva[2], um equilíbrio entre o objeto do processo definido pela acusação e a busca da verdade material que deve sempre, e em todo o caso, ser prosseguido pelo julgador.
Também Paulo Pinto de Albuquerque[3] defende nada obstar à junção de documentos ordenada pelo juiz até ao momento da leitura da decisão do tribunal de 1.ª instância[4], sustentando que a omissão de prova estritamente indispensável constitui uma nulidade sanável nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP.
Contudo, tal nulidade, a existir, não seria uma nulidade da sentença, resultando antes da omissão de um ato imposto ao Tribunal, pelo que, tendo sido cometida em momento anterior à prolação da decisão final, deveria ter sido suscitada atempadamente. Efetivamente, a nulidade por "omissão posterior de diligências que puderem reputar-se essenciais à descoberta da verdade" prevista no artigo 120.°, n.º 1, alínea d) do CPP, não sendo uma nulidade da sentença, mas uma nulidade do procedimento, não está sujeita ao regime das nulidades da sentença previsto no artigo 379.°, mas sim ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral decorrente dos artigos 120.º e 121.º do CPP, que estabelece que a mesma tem que ser invocada no prazo de dez dias (artigo 105.º, n.º 1 do CPP), se outra coisa não resultar do n.º 3 do mesmo artigo 120.º. Por isso, a existir qualquer nulidade, o que não se concebe, ela estaria sanada, sendo intempestiva a sua invocação em sede de recurso.
Sucede que, no caso dos autos, mais do que a omissão de diligências – que, atenta a sua eventual essencialidade, poderia consubstanciar uma nulidade, arguível nos termos gerais após o seu conhecimento nos termos sobreditos – existe um despacho de indeferimento dos mencionados meios probatórios, despacho que, por não ter sido posto em causa pela arguida no prazo legal, transitou em julgado e assumiu caráter definitivo, não podendo, obviamente, ser posto em causa nesta instância recursiva que tem por objeto exclusivamente a impugnação da sentença.
Tal como propugna o Ministério Público nas suas contra-alegações de recurso, “(…) uma vez que o despacho que indeferiu as diligências requeridas foi notificado à arguida e sua Defensora em 19.04.2021, deveria a mesma ter recorrido de tal despacho, não podendo vir agora fazê-lo, por extemporâneo. Perante o indeferimento das diligências de prova requeridas, a arguida poderia e deveria ter reagido recorrendo do despacho de indeferimento. Ao não recorrer de tal despacho, ou não o tendo feito tempestivamente, como é o caso, o despacho transitou em julgado e o tribunal superior não pode sindicar o indeferimento(…)”.
No sentido em que agora decidimos, se pronunciou, entre outros, o Acórdão da Relação de Évora de 07.11.2017, também citado pelo Ministério Público nas sua resposta ao recurso, relatado pelo Desembargador António João Latas, no proc. nº275/12.2GCMMN.E1, nos seguintes termos: “I - O meio processual próprio de reagir contra o indeferimento de diligência probatória requerida em audiência (prestação de esclarecimento em audiência por perito), nos termos do art. 340º nº4 a) do CPP, é o recurso do despacho judicial respetivo e não a arguição de nulidade, pois de acordo com postulado antigo que, no essencial, se mantem válido, «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se
II - Na verdade, constituindo o recurso o meio normal de impugnação das decisões judiciais, através do qual se pretende obter decisão sobre a legalidade de decisão judicial por um órgão judicial diferente do que proferiu a decisão que, em regra, lhe é hierarquicamente superior, mantem-se atual a afirmação de A. Reis de que «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente».
III - Só assim não será no caso de a decisão judicial não admitir recurso, pois nessas hipóteses a arguição de nulidade será o único meio de o requerente ou a parte contrária suscitarem decisão expressa sobre os argumentos que pretendam fazer valer contra o despacho proferido e, simultaneamente, sujeitar a decisão que os desatenda a apreciação por um tribunal superior.”.
Nesta conformidade e com os fundamentos expostos, improcede a nulidade da sentença arguida pela recorrente.
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Do invocado erro na apreciação da prova
Sabendo-se que os recursos são soluções de natureza jurídico processual, que se encontram vocacionados para verificar a existência e, sendo caso disso, para corrigir erros de julgamento – quer os que resultam da violação de normas direito processual, quer os emergentes da não aplicação ou da aplicação incorreta de normas de direito substantivo – importa ter presente que no caso dos recursos sobre a matéria de facto, «o tribunal ad quem não julga de novo (…)como se inexistisse uma decisão de primeira instância. E a sindicância dessa decisão (…) não inclui ainda a compressão da margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar (…).»[5]
No presente recurso encontra-se impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, invocando-se, assim, a existência de um erro de julgamento.
Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”.
Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto em sentido amplo, ou a invocação de um erro de julgamento – com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 acima transcritos – não se confunde com a invocação dos vícios consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, que denominamos de impugnação restrita. Na impugnação restrita, diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo, os vícios da decisão, consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP e invocados no recuso, deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Conforme decorre do disposto no artigo 412.º, nº 3.º do CPP, o erro de julgamento, ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
A este propósito, preceitua o art.º 412.º do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso:
“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c ) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Na situação dos autos, encontramo-nos perante uma impugnação ampla da matéria de facto, realizada com respeito pelo disposto no artigo 412.º do CPP. Relativamente à satisfação de tais requisitos, escreve Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação à referida norma, no Comentário do Código de Processo Penal “[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (…)” ; “[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (…) [m]ais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento”. “(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.”[6]
Verificamos assim que para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis.
Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso.[7]
E foi isso que a recorrente fez nos presentes autos – pese embora tenha redigido as suas conclusões de forma prolixa e repetitiva, sem ter logrado sintetizar, como era dever, o objeto do recurso – tendo assinalado não ter sido produzida prova bastante demonstrativa da autoria dos factos atinentes ao crime de burla pelo qual foi condenada.
***
Previamente à incursão que se impõe realizar sobre as provas concretas produzidas nos autos e que sustentaram a decisão recorrida, importa fazer uma breve referência ao princípio da livre apreciação da prova, a que acima nos reportámos e que encontra consagração legal no artigo 127.º CPP.
Assim, caberá reter que, segundo tal princípio processual penal, «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Tal liberdade de apreciação da prova assenta em pressupostos valorativos e obedece aos critérios da razão, da lógica, da experiência comum e dos conhecimentos científicos disponíveis, tendo por referência a pessoa média suposta pela ordem jurídica, pelo que, de forma alguma, poderá confundir-se com arbítrio.
Encontra-se a referenciada liberdade orientada para a objetividade, com vista a lograr obter a verdade validamente adquirida. A formação da convicção do julgador só será válida se for fundamentada e, desse modo, se tiver a capacidade de se se impor aos seus destinatários através da demonstração do processo intelectual e lógico seguido para a afirmação da verdade dos factos, para além de dúvida razoável.
Como assinala Figueiredo Dias[8], a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade meramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova), e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, capaz de se impor aos outros.
Deste modo, importa reter que o princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, não representa a possibilidade de uma apreciação puramente subjetiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objetiva e crítica e, em boa medida, objetivamente motivável, de harmonia com as regras da lógica, da razão, da experiência e do conhecimento científico.
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A arguida, que nos presentes autos assume a qualidade de recorrente, afirma não ter sido produzida prova bastante demonstrativa da autoria dos factos atinentes ao crime de burla pelo qual foi condenada. Pretendendo impugnar a matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo, a recorrente observou as exigências legais necessárias à impugnação da matéria de facto constantes do artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP acima explicitadas, pois que:
- Indicou os pontos concretos da sua discordância, concretamente os factos 1 a 13 da matéria de facto provada;
- Especificou os pontos do suporte informático em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados de que se socorreu, passagens que transcreveu na sua motivação de recurso;
- E explica as razões pelas quais, no seu entendimento, tal prova levaria a decisão diversa da recorrida.
Realizemos então a análise crítica das provas sobre as quais o recurso assentou o invocado erro de julgamento.
Importa em primeiro lugar atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto à parte que se impugna. Assim, no que tange à motivação da convicção probatória, ajuizou a sentença recorrida da seguinte forma:
“B) Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento das testemunhas, ouvidas em audiência, conjugado com o teor da prova documental junta aos autos. Tudo analisado criticamente e com recurso às regras da experiência comum.
Vejamos.
No que respeita à matéria elencada em 1 a 10, o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento isento e credível da ofendida, a qual relatou a forma como tomou conhecimento do anúncio, as negociações que formulou com a arguida com vista ao arrendamento da casa para férias, o valor que pagou e o facto de não ter conseguido usufruir da casa em questão, pelo facto da arguida nunca ter comparecido no local, conforme combinado. Tal depoimento foi conjugado com a documentação junta aos autos e o depoimento das testemunhas (...), (...) e (...), donde é possível concluir que a arguida foi a beneficiária do pagamento das compras realizadas no site (...) e bem assim quem “montou” o esquema para levar a ofendida a efetuar o pagamento das compras que aquela realizou. Pese embora inexistam declarações da arguida nesse sentido, já que a mesma negou a prática dos factos, a prova produzida em audiência, analisada à luz das regras da experiência comum é suficiente para concluir, sem margem para dúvidas, de que a aqui arguida foi a autora desses factos. Efetivamente, foi o próprio companheiro da arguida que afirmou usa roupa da marca (…), oferecida pela aqui arguida e que recebem várias encomendas dessa loja, realizadas pela aqui arguida, o que já deu origem a outros processos. Por outro lado, a morada onde as compras foram entregues é a casa onde a arguida vivia à data, sendo que os donos da dita loja declararam que o nome da arguida lhe é bastante familiar, pois após terem sido chamados várias vezes para depôr em processos de burla, fizeram uma investigação com base no nome da arguida, email e morada e concluíram que havia vários registos no site de compras com aqueles dados, sendo que nem sempre o email usado era o mesmo, nem o nome de usuário, mas a morada coincidia (neste sentido o teor do email junto aos autos remetido pela advogada da empresa …, junto aos autos). Apesar da arguida ter tentado fazer crer que era outra pessoa que com ela vivia que fazia estas compras e depois colocava os anúncios, a verdade é que da prova reunida nestes autos é possível concluir, com segurança, que os factos aqui em análise foram praticados pela aqui arguida, atento o teor do depoimento do companheiro da arguida, em conjugação com os demais elementos probatórios dos autos.
A factualidade descrita em 11 a 13 resulta da conjugação dos demais factos com a regra da experiência comum.
Quanto às suas condições de vida, o Tribunal baseou-se nas declarações da arguida que nos pareceram sinceras e credíveis.
No respeitante aos antecedentes criminais, o Tribunal valorou o certificado do registo criminal junto aos autos.”
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Em primeiro lugar, cabe referir que, analisada a prova produzida nos autos, constatamos que a motivação transcrita, no que diz respeito ao que foi relatado em audiência por cada um dos intervenientes, arguida, ofendida e testemunhas, está alinhada com o que foi efetivamente dito por cada um deles.
De facto, a arguida não assumiu, em nenhum dos seus aspetos, a prática dos factos que lhe vêm imputados, nem no que diz respeito à colocação do anúncio para arrendamento, nem no que concerne aos subsequentes contactos com a ofendida e à realização e recebimento das encomendas feitas à empresa (...).
Por seu turno, a ofendida, num depoimento completo e compreensível, descreveu o sucedido, nos termos que vieram a ser julgados provados, tendo confirmado os factos objetivos relativos ao seu engano e prejuízo e os atinentes aos contactos com uma pessoa que se identificou pelo nome de Marta.
As testemunhas (…), representantes da empresa (...), confirmaram que a arguida era cliente de tal empresa, que efetuava encomendas através de e-mail, encomendas que eram enviadas para a morada que a mesma indicava, sendo que os pagamentos eram efetuados através do pagamento de serviços por referência multibanco. Mais afirmou a testemunha (…) que, fruto de uma investigação que realizou com base no nome da arguida, email e morada, verificou que havia vários registos no site de compras da empresa com tais dados, sendo que nem sempre o e-mail e o nome de usuário utilizados eram os mesmos, mas a morada coincidia.
Finalmente, o companheiro da arguida, (…), disse que reside atualmente com a arguida na morada sita na Rua (…), não conseguindo precisar com rigor a partir de que data aí passaram a residir. Mais afirmou que conhece a empresa de venda de roupa “on line” denominada (...), uma vez que, pese embora ele próprio nunca tenha feito compras a tal empresa, a arguida costuma oferecer-lhe roupa aí adquirida, o que vem fazendo desde que se conhecem, sendo que tal aconteceu em data anterior à prática dos factos.
A recorrente sustenta a impugnação da matéria de facto na pretensa ausência de prova demonstrativa do seu envolvimento pessoal na factualidade firmada no acórdão recorrido, nomeadamente que tenha colocado o anúncio para arrendamento, que tenha estabelecido contactos subsequentes com a ofendida e que tenha procedido à realização e recebimento das encomendas feitas à empresa (...). Afirma não haver qualquer prova demonstrativa de ter sido ela a utilizar o endereço de correio eletrónico (…) nas circunstâncias descritas na acusação, nem prova válida de que teve alguma intervenção na demais factualidade.
Entendemos, porém, não lhe assistir razão.
Afigura-se-nos, ao invés, que o que legitimamente fez o tribunal “a quo” foi analisar os factos objetivos, articulá-los de acordo com um critério lógico e, com auxílio das regras da experiência comum, realizar as inferências que lhe permitiram chegar à autoria dos factos por parte da arguida, tendo, assim, valorado a chamada prova indireta ou por presunção.
Com efeito, pese embora o CPP não contenha normas específicas reguladoras da prova por presunção, a mesma é pacificamente aceite como um meio legítimo para chegar ao facto probando a partir da prova de outros factos que a ele conduzem com segurança, o que deverá ser feito sempre com auxílio das regras da lógica e da experiência comum.
A prova por presunção é legítima, realizando-se por ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º do Código Civil). Assim tem sido reconhecido por várias instâncias superiores, designadamente pelo Tribunal Constitucional[9] e pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos[10].
A respeito da prova indireta, citamos na doutrina recente Susana Aires de Sousa que, a tal respeito, escreveu que «a prova indireta de um facto consiste em dar esse facto como provado sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova. O factum probandum presume-se e dá-se como provado.
Sendo o facto presumido contrário ao arguido, é dever do juiz objetivar o juízo de inferência por si realizado, superando, por essa via, a presunção de inocência de que é titular um arguido em processo penal (…) Na medida em que o facto conhecido (base da presunção) não prova mas antes indicia o facto presumido, a convicção probatória do julgador, admitida pelo artigo 127.º está sujeita ao dever acrescido de fundamentação nos termos do artigo 374.º, n.º 2.»[11]
É, pois, através da motivação que o julgador torna clara a razão pela qual se convenceu da verificação dos factos que teve por provados através do juízo de inferência lógica, para além de qualquer dúvida razoável, legitimando desse modo a sua decisão. E foi isso que, ainda que de forma concisa, fez o tribunal “a quo” na sentença recorrida.
A recorrente afirma que não há qualquer prova da sua envolvência nos factos.
Não tem, porém, razão. Todas as questões colocadas pela arguida encontram na fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida resposta cabal, lógica, convincente e alinhada as regras da experiência comum.
Naturalmente que a explicação constante do acórdão recorrido se não mostra do agrado da recorrente. É certo que, conforme a mesma refere na sua motivação, nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência pode atestar que a pessoa com quem falou por e-mail ou telefonicamente – no caso da ofendida – ou de quem recebeu as encomendas – no caso dos representantes da empresa vendedora – foi a arguida. Inexiste, por isso, prova direta da autoria do crime. Porém, consabidamente e reiterando o que acima deixámos já explanado, a convicção probatória não se sustenta apenas em tal tipo de prova. Outras formas, igualmente válidas, existem e deverão ser tidas em consideração no processo de convencimento do julgador, tais como a valoração da prova indireta, que a recorrente parece não valorar.
Vejamos. Analisada a prova produzida no processo – concretamente os depoimentos da ofendida e do seu companheiro, dos legais representantes da empresa de venda de roupa “on line” e os documentos juntos aos autos, a saber: os e-mails de fls. 9/17,19,36/46, o talão de multibanco de fls. 21, os comprovativos de mensagens trocadas de fls. 8/26, as informações bancárias de fls. 170/176, as informações de fls.15,178,180/189 e a certidão permanente de fls. 157/162 – temos por seguro que:
- Em data anterior a 04 de julho de 2017 foi colocado um anúncio em diversos sites de internet, designadamente no “OLX”, publicitando o arrendamento de um apartamento T-2 em Lagos para arrendar no período de férias do Verão, descrevendo as condições do mesmo e as condições do contrato a outorgar;
- No dia 04/07/2017, a ofendida (...) respondeu a tal anúncio e entrou em contacto com uma mulher que se identificou pelo nome de (…), o que fez para o email (…);
- Após troca de alguns emails, a ofendida e a sua interlocutora combinaram o arrendamento de um apartamento T-2, em Lagos, para o período de 16 a 23 de julho de 2017;
- Para sinalizar o arrendamento, a pessoa que se identificou com o nome de (…) solicitou o pagamento da quantia de € 129.81, tendo indicado as seguintes referências bancárias para que a ofendida pudesse efetuar o pagamento: Entidade 11877 e referência 199 382 174 sendo que os restantes 315,00 € seriam pagos no dia da entrada no imóvel;
- As referências de pagamento fornecidas à ofendida diziam respeito a uma encomenda de artigos de vestuário feito na loja on-line da empresa “…” e que haviam sido geradas para pagamento da mesma;
- A arguida, de há alguns a esta parte, tem vindo a fazer compras na loja on-line da empresa “…” (conforme foi atestado pelo seu companheiro no depoimento que prestou na audiência final, que reputámos absolutamente credível).
- O mail (…) reporta-se à empresa da arguida.
- As encomendas efetuadas pela pessoa que se identificava como (…), entre as quais aquela a que se reportava a referência para pagamento entregue à ofendida foram entregues na morada onde atualmente reside a arguida.
Ora, foi precisamente destes factos de teor objetivo que o tribunal “a quo” extraiu as inferências relativas à autoria dos mesmos por parte da arguida. E pensamos que bem. Efetivamente, para além de as declarações da arguida não se nos afiguraram credíveis desde logo atendendo à manifesta contradição detetada entre as mesmas e o depoimento prestado pelo seu companheiro no que diz respeito à realização de encomendas na loja on-line da empresa (…) – todos os factos objetivos que acabámos de enumerar apontam no sentido de ter sido a arguida a autora dos factos. Seriam efetivamente demasiadas coincidências, para as quais não encontramos qualquer explicação lógica, que o anúncio tivesse sido criado com a utilização de um site da empresa da arguida, que os contactos subsequentes tenham sido realizados com uma mulher que se identificou pelo nome da arguida, que a encomenda à qual se reporta a referência de pagamento enviada à ofendida tivesse sido igualmente realizada com utilização do identificado e-mail e ainda que a encomenda tenha sido entregue na morada onde atualmente reside a arguida, sem que tivesse sido ela própria a autora de todos estes factos.
Entendemos, pois, revelar-se absolutamente legítimo e sustentado, de acordo com as regras da experiência comum, inferir dos aludidos factos objetivos que temos por assentes ter sido a arguida a autora dos mesmos.
Bem andou, assim, o tribunal “a quo” em decidir como decidiu, nada havendo a alterar a tal respeito.

Da alegada violação do princípio “in dubio pro reo”.
Como corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no seu artigo 1.º, estabelece a Constituição da República Portuguesa, como direitos fundamentais o direito à liberdade (artigo 27.º, nº 1) e o princípio da presunção de inocência dos arguidos, plasmado nos artigos 32.º, nº 2.º e 27.º, nº 1.º.
O princípio da livre apreciação da prova, com a abrangência e significado a que acima nos reportámos, e a que se refere o artigo 127.º CPP, constitui uma concretização do princípio da presunção de inocência – maxime na sua dimensão in dubio por reo – que encontra referência normativa expressa no artigo 6.º, nº 2.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 14.º, nº 2.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Retenhamos, porém, que «o princípio da presunção de inocência excede em significado e consequências o princípio in dubio pro reo, constituindo este apenas um critério de decisão em caso de dúvida quanto à verificação dos factos.[12]» ou seja, uma «regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos»[13].
De acordo com tal regra, que inevitavelmente se conexiona com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, determina-se que a dúvida seja resolvida a favor do réu. O seu âmbito reconduz-se, pois, à valoração pelo julgador de toda a prova produzida. Se o resultado desse processo de valoração for uma dúvida – uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos – o juiz terá que decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Voltando ao caso em apreciação nos presentes autos, verificamos que os princípios explanados se mostram devidamente observados. Efetivamente, analisada a sentença recorrida, constata-se que, após o processo de valoração da prova não subsistiu ao julgador qualquer dúvida razoável que impusesse a aplicação do princípio do in dubio pro reo.
Levando em conta as razões descritas na motivação da decisão recorrida e as considerações que deixámos expostas, somos a concluir que a da valoração da prova produzida não surgiu o non liquet, que, por aplicação do aludido princípio determinaria que os factos considerados provados devessem ser julgados não provados.
Nesta conformidade, nada haverá, pois, a alterar na matéria de facto que se considerou provada na sentença recorrida e, não merecendo a mesma qualquer reparo, improcederá o presente recurso.

III- Dispositivo.
Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)


(Processado em computador e revisto pela relatora)

Évora, de outubro de 2021

Maria Clara Figueiredo
Maria Margarida Bacelar


Sumário
I - Existindo um despacho autónomo de indeferimento de meios probatórios proferido antes de encerrada a audiência de julgamento, despacho que, por não ter sido posto em causa pela arguida no prazo legal, transitou em julgado e assumiu caráter definitivo, não pode tal despacho ser posto em causa no recurso interposto da sentença.
II - No processo de apreciação da prova poderá legitimamente o tribunal “a quo” analisar os factos objetivos, articulá-los de acordo com um critério lógico e, com auxílio das regras da experiência comum, realizar as inferências que lhe permitiram chegar à autoria dos factos por parte da arguida, valorando a chamada prova indireta ou por presunção.

__________________________________________________
[1] Neste sentido veja-se o acórdão da RE de 9.6.2009, proferido no processo 2721/07-1, relatado por Gilberto Cunha e disponível para consulta em www.dgsi.pt/jtre.
[2] Germano Marques da Silva – “Direito Processual Penal Português: Noções e Princípios Gerais: Sujeitos Processuais: Responsabilidade Civil conexa com a Criminal: Objeto do Processo. Universidade Católica Editora. Lisboa: 2019. P. 91 e 92. ISBN 9789725405666.
[3] Paulo Pinto de Albuquerque – “Comentário do Código Processo Penal: À Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. 4.ª edição atualizada. Universidade Católica Editora. P. 461. ISBN 978-972-54-0295-5.
[4] Cf. P. 881 do mesmo Comentário.
[5] Decisão Sumária de 20.02.2019, proferida nesta Relação pela Desembargadora Ana Brito, no proc. 1862/17.8PAPTM.E1.
[6] 3.ª edição, página 1121.
[7] Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 9.ª edição, 2020, página 109.
[8] Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 204 e ss.
[9] Acórdãos n.ºs 391/2015, de 12 de agosto e 521/2018, de 17 de outubro, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt
[10] Guide on Article 6 of the European Convention on Human Rights (2018), disponível em: www.echr.coe.int/Documents/Guide_Art_6_criminal_ENG.pdf
[11] Susana Aires de Sousa, Prova Indireta e Dever Acrescido de Fundamentação da Sentença Penal, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva, Universidade Católica Editora, Vol. IV, pp. 2272.
[12] Helena Bolina, Razão de Ser, Significado e Consequências do Princípio da Presunção de inocência, Boletim da Faculdade de Direito, 70, 1994, pp. 433.
[13] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pp. 215.