Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
114/19.3T8RMR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: PRAZOS
SUSPENSÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A suspensão de prazos processuais, a que se reporta n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6/4, aplica-se ao prazo de deserção da instância.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 114/19.3T8RMR.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. Na ação declarativa com processo comum que (…), solteiro, maior, residente na Rua do (…), n.º 4, (…), Rio Maior, instaurou contra (…), residente na Rua (…), n.º 1, Lugar de (…), Rio Maior, (…), residente na Rua (…), n.º 1, Lugar de (…), Rio Maior, (…), viúva, residente na Rua (…), n.º 6, (…), Caldas da Rainha, (…), viúva, residente na Rua do (…), n.º 22, (…), (…), Caldas da Rainha e (…), residente na Rua (…), n.º 4, 1.º-Fte, (…), Alcobaça, foi proferido despacho assim concluído:
“Pelo exposto, declaro a presente instância extinta, por deserção”.

2. O A. recorre do despacho e conclui assim a motivação do recurso:
“I. Em causa nos presentes autos está a questão de se saber se os prazos processuais nos processos não urgentes que se encontraram suspensos entre 2020/03/09 e 2020/06/02 (cfr. artigos 7.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, e 8.º da Lei n.º 16-A/2020, de 29/5), “abarcam”, ou não, o prazo de 6 meses previsto pelo artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

II. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerou que a suspensão dos prazos processuais nos processos não urgentes entre 2020/03/09 e 2020/06/02 (cfr. artigos 7.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e 8.º da Lei n.º 16-A/2020, de 29 de maio) não abarcou o prazo de 6 meses previsto pelo artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

III. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerou que por despacho datado de 2020/02/20 (ref.ª eletrónica 83279672) foi determinada a suspensão da instância em face do óbito da Ré (…), tendo o Autor sido notificado para (no prazo supletivo de 10 dias, previsto pelo artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) promover a habilitação de herdeiros da Ré falecida, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por ofício elaborado nos autos em 2020/02/20, tendo o Tribunal considerado a Il. Mandatária do Autor notificada em 2020/02/24 (2.ª feira, primeiro dia útil – cfr. art.º 248.º do Código de Processo Civil), terminando o prazo supletivo de 10 dias referido em 2020/03/05.

IV. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerou que o prazo de deserção (artigo 281.º do CPC) teve o seu termo inicial em 2020/03/06, por inércia do impulso processual dos autos pelo Autor, verificando-se o seu termo final em 2020/09/02.

V. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerou que, tendo o Autor deduzido o incidente de habilitação de herdeiros em 2020/10/15, encontrava-se já deserta a instância naquela data, por negligência daquele no impulso processual, a qual importou a extinção da instância (artigos 277.º, alínea c) e 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

VI. O Autor visa, com o presente recurso, que seja reconhecido e decidido que prazo de 6 meses previsto pelo artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ficou suspenso entre 2020/03/09 e 2020/06/02, por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6/4 e da Lei n.º 16/2020, de 29/5.

VII. Em consequência do Estado de Emergência em que Portugal se encontrou, foram, pelo Estado, decretadas inúmeras medidas excecionais e extraordinárias, entre as quais a suspensão da generalidade dos prazos judiciais (cfr. Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/3, Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, Lei n.º 4-A/2020, de 6/4).

VIII. O regime consagrado na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, designadamente no seu artigo 7.º, com a epígrafe Prazos e diligências, estabeleceu, que

“1 - (…) todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARSCoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.

2 – O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

3 – A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4 – O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo que vigorar a situação excecional.

(…)”. (negritos nossos)

IX. O artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, no que respeita aos processos não qualificados como urgentes pela lei, estabeleceu que ficaram suspensos desde 9 de março de 2020 todos os prazos para a prática de atos processuais que devessem ser praticados no âmbito dos processos que corressem termos nos tribunais judiciais (cfr. E-book CEJ, Coleção Caderno Especial, Estado de Emergência COVID 19 – Implicações na Justiça, 2ª edição, Junho 2020, pág. 329)

X. “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, quer na redação inicial quer na redação da Lei n.º 4-A/2020, de 06.04, produz efeitos desde 9 de março de 2020” (cfr. artigo 37.º do DL n.º 10-A/2020, artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020 e artigo 6.º da Lei 4-A/2020, de 06.04) (cf. E-book CEJ, Coleção Caderno Especial, Estado de Emergência COVID 19 – Implicações na Justiça, 2ª edição, Junho 2020, pág. 328).

XI. O que está em causa é o cumprimento de um ónus durante certo e determinado prazo processual.

XII. As normas relativas à suspensão dos prazos processuais, de caducidade e de prescrição entre 9/3/2020 e 2/6/2020, são normas especiais, porque excecionais, que não podem ser afastadas pelo artigo 281.º do Código de Processo Civil ou por quaisquer outras normas do mesmo CPC.

XIII. A lei suspendeu “todos os prazos” – não tendo efetuado qualquer “distinguo” entre prazos inferiores a 6 meses e prazos iguais ou superiores a 6 meses.

XIV. O prazo previsto no artigo 281.º do CPC ficou suspenso entre 09.03.2020 e 2/6/2020, inclusive.

XV. Não ocorreu qualquer situação de negligência ou desinteresse do Autor, que depositou o preço e pagou os emolumentos de registo da ação, no prosseguimento dos presentes autos.

XVI. Não era exigível ao Autor que, durante o Estado de Emergência por razões absolutamente excecionais e gravíssimas, praticasse atos processuais durante a suspensão de prazos para o exercício de direitos.

XVII. Pela mesma lógica processual, se o Autor tivesse deduzido o incidente de habilitação de herdeiros entre 9.03.2020 e 2.6.2020, por certo o Tribunal não tinha o ónus de ordenar a citação dos Herdeiros da parte Ré e, se acaso essa citação ocorresse, não correria o prazo processual para os Herdeiros contestarem o Incidente processual.

XVIII. O Tribunal qualifica a situação dos autos como sendo um “prazo”: “O referido prazo de deserção teve, (…) o seu termo inicial nestes autos em 2020/03/06, por inércia do impulso processual dos autos pelo Autor, verificando-se o seu termo final em 2020/09/03” (fls. 4 da douta Decisão);

XIX. O “prazo” processual é, por natureza, um “decurso de tempo” do qual depende a atribuição ou a negação de um direito, consoante haja ação ou omissão do ónus processual a cumprir durante esse prazo;

XX. As leis publicadas no âmbito do Estado de Emergência não efetuaram qualquer distinção entre prazos inferiores ou superiores a 6 meses, sendo todos eles “iguais” entre si.

XXI. Atenta a suspensão dos prazos durante o Estado de Emergência legalmente determinada, tal significa que para o Autor, entre 25/2/2020 e 15/10/2020 (data em que o Autor requereu a Habilitação de Herdeiros da parte Ré) tinham decorrido apenas 148 dias para cumprir o Despacho proferido nos presentes autos notificado ao Autor a 24/2/2020, estando ainda em curso o remanescente de 32 dias do prazo de 6 meses previsto no artigo 281.º do CPC (considerando que o prazo de 6 meses equivale a 180 dias e se suspendeu entre 9/3/2020 e 2/6/2020).

XXII. Considerando a suspensão de todos prazos durante o Estado de Emergência legalmente determinada, tal significa que para o Autor, quando abriu o incidente de habilitação de herdeiros em 15/10/2020 ainda não tinha decorrido o prazo de 6 meses previsto no artigo 281.º do CPC.

XXIII. Não estão verificados os pressupostos para ser declarada a extinção da instância por deserção nos presentes autos, porque os 6 meses previstos na lei processual não foram ultrapassados, pois só decorreram 148 dias de esse prazo.

XXIV. A Sentença recorrida viola a Lei, por interpretação, a nosso ver, errónea, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, da Lei n.º 16-A/2020, de 29/5 e da Lei n.º 16/2020, de 29/5.

Normas violadas:

a) artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/3,

b) artigos 7.º e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3,

c) artigos 2.º e 6.º da Lei n.º 16-A/2020, de 29/5 e

d) artigos 8.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29/5.

Não deveria, por isso, ter sido declarada extinta a instância por deserção, assim se fazendo uma boa aplicação correta do Direito, o que ora se APELA.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas.

Doutamente suprirão, por tudo o exposto, deve ser concedido provimento ao Recurso interposto e, em consequência, deve ser revogada a Douta Decisão recorrida, devendo os presentes autos prosseguir seus termos até final, só assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!”

Responderam os réus (…) e (…) por forma a defenderem a confirmação da decisão recorrida.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso.
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, importa decidir se autos deverão prosseguir com a apreciação do requerimento de habilitação dos herdeiros, por não se mostrar deserta a instância.

III. Fundamentação

1. Factos

Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra e ainda o seguinte:

a) Em 20/2/2020 foi junta aos autos certidão de assento de óbito da ré (…), falecida no dia 11/9/2019.

b) Por despacho, em 20/2/2020, foi declarada suspensa a instância com vista à habilitação dos herdeiros da falecida, notificado por expediente elaborado às na mesma data.

c) Em 6/10/2020 foi proferido despacho a determinar a notificação das partes para se pronunciarem sobre a deserção da instância, por falta de impulso processual do Autor por período superior a seis meses.

d) O A. apresentou requerimento alegando que o prazo de suspensão da instância se suspendeu entre 25/2/2020 e 9/10/2020, por força do regime excecional instituído pela Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, que “não houve qualquer situação de negligência da sua parte, nem lhe era exigível que durante o estado de emergência decretado pelo Estado, por razões absolutamente excecionais e gravíssimas, praticasse atos processuais durante a suspensão de prazos para o exercício de direitos”; os réus (…) e (…) pronunciaram-se pela extinção da instância, por deserção.

e) Em 15/10/2020, o A. deduziu incidente de habilitação de herdeiros.

f) O despacho recorrido foi proferido em 22/10/2020.

2. Direito

2.1. Se autos deverão prosseguir com a apreciação do requerimento de habilitação dos herdeiros, por não se mostrar deserta a instância

A decisão recorrida depois de anotar que os prazos processuais, nos processos não urgentes, se encontraram suspensos entre 9/3/2020 e 3/6/2020, por força do disposto n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3 e artigo 8.º da Lei n.º 16-A/2020, de 29/5, considerou que tal suspensão não se aplica a prazos iguais ou superiores a seis meses e, assim, integralmente decorrido o prazo de deserção da instância.

O Recorrente discorda argumentando que por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, foram suspensos todos os prazos processuais nos processos não urgentes, independentemente da sua duração, designadamente o prazo de seis meses de deserção da instância, suspensão que só veio a terminar com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29/5, o que significa para os autos que o prazo de deserção da instância esteve suspenso entre 2020/03/09 e 2020/06/03 e que o requerimento mediante o qual veio impulsionar o processo foi apresentado antes de decorrido o prazo de deserção da instância.

A divergência está, pois, em determinar se a suspensão de prazos processuais, em processos não urgentes, decorrente da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6/4, não se aplica a prazos iguais ou superiores a seis meses.

O n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, na sua versão originária, dispunha o seguinte: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, (…), aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública”.

A remissão para o regime das férias judiciais dos atos processuais que devam ser praticados, envolvia, por natureza, a remissão para os prazos processuais e, assim, para as regras que dispõem sobre o seu curso, uma vez que estes, durante as férias judiciais são, por assim dizer, descontinuados.

“O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes” – artigo 138.º, n.º 1, do CPC.

Numa interpretação puramente literal seria, assim, admissível sustentar que a suspensão de prazos processuais, decorrente do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, não se aplicava a prazos com duração igual ou superior a seis meses, uma vez que estes não se suspendiam no regime das férias judiciais que lhe servia de paradigma.

Literalidade que joeirada à luz da ratio da norma não era isenta de dificuldades, uma vez que visando a suspensão dos atos processuais, a par de outras medidas legislativas, prevenir, conter, mitigar e tratar a infeção epidemiológica SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, num contexto de distanciamento social e de limitações à liberdade de circulação, consideradas indispensáveis à defesa da saúde pública, nenhuma destas razões se atenuaria por força da extensão do prazo, se inferior ou se igual ou superior a seis meses, o que resultaria particularmente evidente em prazos não inferiores a seis meses já iniciados e porventura a alcançar o seu termo, situação em que os atos processuais teriam necessariamente que ser praticados ainda que na fase mais aguda da infeção epidemiológica que a norma, num quadro legislativo mais abrangente, visava prevenir e conter.

Fosse qual fosse a melhor interpretação, o certo é que o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3 veio a ser assim alterada pela Lei 4-A/2020, de 6/4: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, (…) ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte” [artigo 2.º da Lei 4-A/2020, de 6/4].

Pondo de parte a circunstância de a norma se referir hoje a prazos enquanto a versão originária se reportava a atos processuais, a inovação consiste essencialmente na consagração da suspensão de todos os prazos processuais – todos os prazos (…) ficam suspensos – até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, em substituição da suspensão de prazos judiciais que já resultava da aplicação do regime das férias judiciais.

Inovação que permitiu unificar o regime para todas as jurisdições [v.g. na jurisdição administrativa o prazo de impugnação de atos anuláveis não se suspende nas férias judiciais diferentemente do que se passa no domínio do processo civil em que os prazos processuais se suspendem durante as férias judiciais – cfr. artigo 58.º, n.º 2, do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22/2 e artigo 138.º, n.º 1, do CPC] e da qual resulta, a nosso ver, sem qualquer dúvida, a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais, em processos não urgentes, independentemente da sua duração.

Redação com efeitos retroativos a 9 de março de 2020 – “[o] artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de março de 2020 (…)” [artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020 de 6/4] – e que vigorou até 3/6/2020 data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29/5, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 [artigos 8.º e 10.º].

Assim, a decisão recorrida está certa quanto afirma que os prazos processuais, nos processos não urgentes, se encontraram suspensos entre 9/3/2020 e 3/6/2020, apenas havendo a corrigir o juízo que consistiu em considerar tal suspensão não se aplica ao prazo de deserção da instância por não inferior a seis meses, fazendo uso de um segmento normativo – o regime das férias judiciais – que à data da prolação da decisão não vigorava na ordem jurídica.

Alterado este pressuposto da equação, o requerimento de habilitação de herdeiros de 15/10/2020, mediante o qual o Recorrente veio impulsionar o processo suspenso, deu entrada antes de decorrido o prazo de seis meses previsto para a deserção da instância, uma vez que a instância foi declarada suspensa entre em 20/2/2020 e o prazo da suspensão, por sua vez, esteve suspenso entre 9/3/2020 a 3/6/2020, ou seja, o requerimento foi apresentado decorridos cerca de cinco meses do prazo da suspensão.

Apresentado em juízo o requerimento de habilitação de herdeiros, antes decorrido o prazo de deserção da instância, os autos deverão prosseguir com a sua apreciação, salvo na parte objeto de pronúncia na decisão sob recurso.

Procede o recurso.


3. Vencidos no recurso, incumbe aos recorridos (…) e (…) pagar as custas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo.
Delibera-se, pelo exposto, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida e em ordenar o prosseguimento dos autos nos termos supra expostos.
Custas pelos indicados Recorridos.
Évora, 25/3/2021
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho