Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
274/13.7TBPTG-C.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
ARTICULADOS
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: No incidente de intervenção de terceiros, o chamado pode optar por apresentar o seu próprio articulado, nos termos do art.º 319.º, Cód. Proc. Civil.
Decisão Texto Integral: ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No âmbito dos autos de execução n.º 274/13.7TBPTG em que é exequente Banco AA, S.A. e executados BB, Lda. e Outros veio o exequente requerer a intervenção principal provocada de CC alegando que pretende penhorar um imóvel sobre o qual recaem hipotecas a seu favor e que presentemente se encontra na propriedade do requerido, por lhe ter sido doado por sua mãe.
Ouvidos os executados, veio a ser admitido o chamamento de CC como associado dos executados.
Citado o chamado veio ele nos termos do artº 319º n.º 3 oferecer o seu próprio articulado.
Por decisão de 17/02/2016 foi determinado o desentranhamento de tal articulado.
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Inconformado com esta decisão veio o chamado interpor recurso tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1ª O apelante recorre da decisão do tribunal a quo que decidiu pelo desentranhamento do articulado de oposição que deduziu na qualidade de chamado, ao incidente de intervenção principal provocada, por ter referido que o meio processual que utilizou era uma CONTESTAÇÃO AO INCIDENTE DE INTERVENÇAO PRINCIPAL PROVOCADA, e não “embargos de executado”.
2ª Entende que o tribunal recorrido fez incorreta interpretação do art.319.º do CPC, por considerar que quando o apelante foi citado, já o incidente de intervenção principal tinha sido decidido e admitido e como tal o chamado já nada podia fazer, nomeadamente contestar essa admissão por já não haver lugar a nova decisão.
3ª O chamado insurge-se contra esse entendimento, considerando que o tribunal a quo, não teve em conta que o incidente não poderia ser definitivamente decidido sem ser concedido ao chamado o direito ao contraditório, violando assim o art.3º do CPC e o art.20º da CRP.
4ª E não teve ainda em conta que o despacho de admissão do chamamento é um mero despacho de expediente, não transita em julgado nem admite recurso, pelo que o chamado só depois de citado, poderia exercer então esse direito ao contraditório, (cf. art. 319º n.º 3; art.152.º n.º 4; ; 630º n.º1 CPC).
5ª Entretanto tendo o chamado optado por deduzir oposição por meio de articulado próprio, dever-se-iam ter seguido os termos legais subsequentes do processo declarativo, ou seja, o chamante/AA, deveria ter sido notificado da oposição do chamado para querendo responder-lhe, seguindo-se ulteriormente os articulados legalmente admissíveis, (Art. 319º CPC).
6ª Sendo que no entender do apelante, e salvo melhor opinião, diferente do incidente no processo declarativo, o chamado no processo executivo, só adquire a posição de executado se o tribunal vier a admitir definitivamente o incidente, decretando que o bem do chamado responde pela divida exequenda.
7ª Dito de outro modo, só a partir desta decisão, é que o chamante obtém um título executivo valido contra o chamado, pelo que só a partir desta data é que verdadeiramente o chamado passa a assumir a posição de executado, daí que pareça fazer mais sentido contestar do que deduzir embargos de executado.
8ª O que se compreende, até mesmo pela citação que lhe foi feita no âmbito do incidente, apenso B, e não do processo executivo, a qual é em tudo semelhante à citação no processo declarativo, incluído o termo utilizado de contestação, e o prazo de 30 dias, sem a junção do requerimento e do título executivo.
9ª Em ultima instancia, diferentes e distintos do titulo executivo dos autos principais, ou seja, a livrança e o empréstimo, poderiam ex novo vir a ser considerados como títulos executivos, as escrituras de hipoteca e os respetivos registos, mas mesmo contra estes o chamado se insurgiu,
a) Essas hipotecas não respondem pela divida exequenda
b) Alem disso, estão liquidados os empréstimos que a elas deram lugar.
c) E só se mantem no registo, por recusa do AA em emitir os competentes documentos de distrate.
10ª Significa isto, que independentemente do chamado alegar e peticionar a não admissão do incidente, ainda que admitido formalmente, sempre o tribunal a quo, estaria obrigado a apreciar as outras questões que o chamado levantou, isto é,
1ª Se aquelas hipotecas respondiam ou não pela divida exequenda?
2ª Se estavam ou não pagos os empréstimos para os quais foram constituídas, e se constavam ou não do registo por recusa do BCP em emitir os distrates?
11ª Ora, o que está verdadeiramente em causa, é o pedido no chamante/AA em obter um titulo executivo valido e diferente do da ação executiva, para nesta penhorar o imóvel de terceiro, e se o chamado lhe pode deduzir defesa, suscitando questões formais de inadmissibilidade, e questões de fundo alegando que esse titulo ex novo, é inexequível, por não responder pela divida exequenda,
12ª Ora essa defesa, assim apresentada, não impedia, ainda que não utilizado o meio processual adequado, que a meritíssima juiz a quo, nos termos do art.6º e art.193.º do CPC, convolasse para o meio adequado, atento o legado e peticionado pelo chamado, e apreciasse e julgasse nos termos do art. 319º, art.3º e art.608º do CPC., as questões suscitas, dando ou não procedência ao seu pedido.
13ª E nem podia deixar de as apreciar, por os executados já terem deduzido oposição ao incidente com fundamentos idênticos, uma vez que os direitos e interesses dos executados são distintos dos do chamado, visam a extinção da execução, enquanto o chamado não pode sequer formular esse pedido, e mesmo na oposição ao próprio chamamento, aqueles invocaram a litispendência, enquanto este alegou que o bem não respondia pela divida exequenda.
14ª Fez assim o tribunal recorrido, com todo respeito, incorreta interpretação/Violação dos artigos 3º, 4º, 6º, 53º, 56º, 152º, 193º, 318º, 319º, 590º, 608º, 630º, 728º e 733º do CPC, e art.20º CRP.

Não foram apresentadas contra alegações.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar consiste em saber se bem andou a Mª juiz “a quo”, ao determinar o desentranhamento da peça processual “contestação”, apresentada em 06/01/2016, pelo chamado João Filipe Castanho Lopes.

Conhecendo
O exequente AA, SA, veio deduzir o incidente de intervenção principal provocada, nos termos do artº 316º do CPC, contra o menor CC.
Ouvidos os executados, DD e EE, os mesmos deduziram oposição.
Por decisão proferida em 21/05/2015, a Mª Juiz do Tribunal “a quo”, julga procedente a intervenção principal provocada requerida pelo exequente, tendo nos termos do artº 318º, nº 2 do CPC, admitido o chamamento de BB, mandando-o citar nos termos do artº 319º do CPC.
O chamado BB, menor, notificado na pessoa da sua mãe DD, veio nos termos do nº 3 do artº 319º do CPC, oferecer o seu próprio articulado, apelidando-o de “contestação”.
Pela Mª juiz do tribunal “a quo” foi proferida a seguinte decisão:
“Estabelece o artigo 319º, nº 1, do Código de Processo Civil que, após citado o chamado pode apresentar o seu articulado ou fazer seus os articulados do autor ou do réu.
No entanto, o articulado a que faz referência aquela disposição legal nada tem que ver com o incidente de intervenção, porquanto aquando a citação já o chamamento foi deferido.
Desta forma, no que diz respeito ao incidente de intervenção o mesmo já se encontra findo por decisão que admitiu o chamamento (cfr. despacho de 21/05/2015), não havendo lugar a mais nenhuma decisão.
Aliás, cumpre mencionar que na referida decisão foi apreciada a oposição ao chamamento deduzida pelos executados que invocaram fundamentos idênticos àqueles ora invocados pelo chamado, pelo que nada mais há a acrescentar ao já decidido.
Em face do exposto, determino o desentranhamento da peça processual contestação apresentada em 06/01/2016”.
Não podemos sufragar tal entendimento.
O que foi decidido, foi a admissão do chamamento, tanto assim que no referido despacho se mandou citar o chamado para os termos do artº 319º do CPC.
Este normativo estipula no seu nº 1: Admitida a intervenção, o interessado é chamado por meio de citação; e no seu nº 3: O citado pode oferecer o seu articulado ou declarar que fazem seus os articulados do autor ou do réu, dentro de prazo igual ao facultado para a contestação, seguindo-se entre as partes os demais articulados admissíveis.
Resulta, assim, inequívoco, ao contrário do entendido pela Julgadora “a quo”, que o chamado pode optar por apresentar o seu próprio articulado (cfr. Salvador da Costa in Os Incidentes da Instância, 4º ed,122/123).
Donde, sem margem para dúvidas, é assim, legalmente admissível, desde logo, porque a própria lei o admite, o articulado que o chamado ofereceu, não obstante se poder considerar irrelevante ou desadequada total ou parcialmente a defesa que através do mesmo é efetuada considerando os diversos fundamentos que são invocados.
Inexistem, assim, os fundamentos invocados pela Julgadora “a quo”, para mandar desentranhar a peça apresentada, sendo certo que no despacho recorrido não foi invocado qualquer normativo legal donde emergisse o entendimento nele plasmado.
Procedem, assim, as conclusões da alegação do apelante, com a consequente revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita o articulado do chamado, seguindo-se posteriormente a tramitação adequada e oportunamente apreciação e conhecimento das questões nele suscitadas.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que admita o articulado do chamado.
Sem custas.


Évora, 6 de Outubro de 2016


Maria da Conceição Ferreira


Mário António Mendes Serrano


Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes