Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1218/22.0PAOLH-A.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: INQUÉRITO TUTELAR EDUCATIVO
FINALIDADE DAS MEDIDAS CAUTELARES
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. As medidas cautelares aplicáveis no inquérito tutelar educativo têm por finalidade exclusiva satisfazer exigências cautelares ou preventivas e estritamente processuais, acautelando a investigação dos factos, sem perder de vista as necessidades educativas do menor.
II. E visam a educação dos menores para o direito e a sua inserção de forma digna e responsável na comunidade.

III. Nessa fase procedimental tem plena vigência o princípio da presunção de inocência, afirmado nos artigos 27.º, § 2.º e 32.º, § 1 da Constituição.

IV. E a liberdade, enquanto direito fundamental, apenas poderá ser restringida na estrita medida do necessário para salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos.

Decisão Texto Integral: I – Relatório
1. No âmbito de inquérito tutelar educativo, realizou-se no 1.º Juízo (1) de Família e Menores de …, o primeiro interrogatório judicial dos menores AA, nascido a …2007; BB, nascido a …2007, CC, nascido a …2007 e DD, nascido a …2007, tendo a final sido determinado que BB ficasse sujeito à medida cautelar de guarda em Centro Educativo, em regime semiaberto, nos termos conjugados dos artigos 17.º, § 1.º, 2.º e 3,º, 56.º, 57.º, al. c), 58.º, 59.º e 60.º, n.º 1 da Lei Tutelar Educativa (LTE), por se ter considerado estar fortemente indiciada a prática, pelo mesmo, de um crime de roubo agravado, previsto no artigo 210.º, § 1.º e 2.º do Código Penal (CP); e aos menores AA, CC e DD, a medida cautelar de entrega à guarda dos pais, nos termos do artigo 58.º al. a) da LTE com a imposição dos seguintes deveres:

«a) Os jovens devem recolher a casa assim que terminem as atividades letivas;

b) Permanecer na sua residência fora do período letivo, apenas saindo para compromissos familiares ou indicados por seus pais;

c) Não podem contactar com os elementos do grupo …;

d) Frequentar as aulas sem faltas injustificadas;

e) Comparecer às consultas de psicologia agendadas e aderir ao tratamento proposto pela/o profissional»; Indiciando-se, quanto a estes a prática, em coautoria: ao primeiro: um crime de roubo qualificado, um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de dano com violência; ao segundo, um crime de roubo qualificado; e ao terceiro a prática de um crime de roubo qualificado, um crime de furto e um crime de apropriação ilegítima de coisa achada.

2. Inconformado com a decisão tomada relativamente aos menores AA, CC e DD o Ministério Público recorre daquela decisão para este Tribunal da Relação, terminando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:

«1. Na sequência de interrogatório de jovens para aplicação de medida cautelar, o Tribunal aplicou aos jovens AA e DD, a medida cautelar de entrega à guarda dos pais, comas seguintes imposições:

a) Os jovens devem recolher a casa assim que terminem as atividades letivas;

b) Permanecer na sua residência fora do período letivo, apenas saindo para compromissos familiares ou indicados por seus pais;

c) Não podem contactar com os elementos do grupo …;

d) Frequentar as aulas sem faltas injustificadas;

e) Comparecer às consultas de psicologia agendadas e aderir ao tratamento proposto pelo/a profissional.

2. À semelhança do que sucedeu com o jovem BB, entende o Ministério Público que aos jovens AA e DD deveria ter sido aplicada a medida cautelar de guarda em centro educativo,

3. Tal como vertido na decisão recorrida, com o que se concorda na íntegra:

- Os factos demonstram insensibilidade pelos valores ético-jurídicos, total desrespeito pelo sentimento de segurança, pela integridade física e psicológica dos outros;

- A pluralidade de infrações e o respetivo modo de execução demonstram que os ilícitos praticados não constituem um incidente na vida destes jovens, nem se inserem num processo normal de desenvolvimento da personalidade,

- Os jovens revelam desinteresse escolar;

- Não sendo os elementos mais violentos e ativos do grupo, os jovens estavam inseridos no mesmo, filmavam as agressões e ali permaneciam a assistir ao sofrimento que causavam às vitimas, sem que dali arredassem pé, ao ponto de um vídeo se ter tornado viral nas redes sociais, o que demonstra que estes jovens partilham como os outros mais velhos da mesma ausência de valores de vivência em sociedade e de respeito pelo outro, assumindo comportamentos disruptivos a que urge por termo;

- Os jovens entraram num caminho contrário ao dever ser jurídico, pautando a sua vida sem projeto estruturado de futuro, ao sabor dos dias mas regido por normas desviantes, mostrando se desrespeitadores das regras vigentes na sociedade;

- O grau de ilicitude dos factos é elevada;

- Os autos são conta de alguma falta de supervisão parental;

- Existe clara necessidade de imediata intervenção no sentido de inverter a sua situação atual, que, seguramente, os conduzirá, se nada for seito, à sua marginalização da sociedade.

4. Ao que acrescentamos, especificamente em relação ao jovem AA:

- E o jovem que apresenta maiores exigências cautelares;

- De entre os jovens para quem se requereu a aplicação de medida cautelar no presente processo, foi o que mais participação teve nos factos — estamos perante um jovem que cometeu factos punidos com penas de prisão de até 4 anos, entre 1 e 8 anos e entre 3 a 15 anos, E que, ademais, os cometeu com o mesmo grupo, em momentos distintos no tempo,

5. Já quanto a DD, diremos que:

- Apesar do jovem ter demonstrado alguma humanidade para com uma das vítimas, objetivamente cometeu três fatos qualificados como crime, um deles com moldura entre 3 a 15 anos de prisão;

- Já foi alvo de um processo de promoção e proteção no passado, arquivado porque o perigo deixou de subsistir;

- Não evidenciou ter um projeto de vida e não manifestou responsabilidade, tendo referido, nomeadamente, chegar atrasado às aulas e, quando questionado sobre o motivo de tal atraso, não soube explicar, referindo-se vagamente a dificuldades em acordar cedo;

- Apesar do suporte familiar, este jovem aderiu ao grupo e agiu nos moldes descritos.

6. Face a tudo o exposto, entendemos que a medida de entrega ao pai e à mãe não bastam — note-se que esses, até ao momento, não conseguiram conter os comportamentos dos filhos ou, ainda que não soubessem das ações que esses levavam a cabo, permitiram que andassem na rua, sem supervisão com as idades que têm, durante o período noturno em dias úteis da semana, como bem evidencia a decisão recorrida, os progenitores, por si mesmos, já não conseguem controlar os jovens.

7. E, se assim é, a medida de entrega ao pai e mãe com sujeição a obrigações é insuficiente para fazer face às exigências cautelares.

8. Pelo que se pugna pela aplicação aos jovens AA e DD a medida cautelar de guarda em centro educativo,

9. Ao não ter aplicado tal medida, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 56º da Lei Tutelar Educativa, visto que a única medida adequada às exigências preventivas, processuais e proporcional à gravidade do facto é a de guarda em centro educativo em regime semiaberto.»

3. Admitido o recurso, responderam os menores AA e DD. AA sustentando, em síntese, que assumiu em juízo uma autocritica relativamente à sua participação nos factos ilícitos indiciados, estando arrependido, tendo plena consciência do desvalor dos factos em que participou, e considerando, por isso, que a medida tutelar aplicada assegura suficientemente as finalidades cautelares que as circunstâncias exigem. Por seu turno DD sustenta, em síntese, que a medida aplicada é suficiente para assegurar as necessidades cautelares que a sua intervenção nos factos ilícitos suscita e que a assunção de responsabilidade exige.

4. Neste Tribunal da Relação o Ministério Público teve vista nos autos, elaborando parecer no qual propugna pela procedência do recurso.

5. No exercício do contraditório nada se acrescentou.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido, desse modo delimitando o âmbito do recurso.

E, nessa sequência, a única questão suscitada é a de saber se as necessidades cautelares exigem a aplicação aos menores AA, CC e DD da medida cautelar de guarda em centro educativo (artigo 56.º LTE).

i) A decisão recorrida tem o seguinte teor:

Nestes autos, e em face dos elementos de prova até agora recolhidos, nomeadamente, as declarações dos jovens, audição dos pais, bem assim:

- Certidão do processo 112/23.2…, junta aos ITE apensos 751/23.1… e 752/23.0…, em concreto, por reporte à certidão junta ao processo 751/23.1…:

- Declarações das testemunhas - fls. 37, 38, 40, 41, 50, 51, 52, 54, 271, 272, 280, 281, 298, 299, 303, 304, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 327, 328, 329, 343, 344, 346, 353, 354, 356, 392, 399, 400, 409, 411, 423, 424, 457, 468, 472, 503.

- Participações de fls. 43, 47;

- Aditamentos de fls. 45, 49, 144, 313, 314, 317, 345, 355, 388; - Reportagem fotográfica – 56 e ss., 357 e ss., 410, 469 e ss.;

- Autos de busca e apreensão acompanhados das respetivas reportagens fotográficas – fls. 108 e ss., 120 e ss., 122 e ss., 135 e ss., 136 e ss., 146 e ss., 156 e ss., 164 e ss.;

- Autos de denúncia/notícia – 185 e ss., 273, 275, 296, 301, 315, 331, 389, 398, 402, 420, 422, 456, 459, 502;

- Termos de entrega – 261, 262, 263, 264, 265, 266;

- Autos de visionamento de imagens – 359 e ss., 366 e ss., 371 e ss., 373 e ss., 425 e ss., 431 e ss., 440 e ss., 473 e ss., 488 e ss.;

- Perícia médico-legal de fls. 286 e ss., 289 e ss.; ITE 1218/22.0…

- Auto de notícia – fls. 3;

- Auto de apreensão – fls. 4; - Termo de entrega – fls. 5; ITE 1384/22.5…

- Participação por factos ilícitos – fls. 3;

- Informação da Lei Tutelar Educativa – fls. 7 e 8.

Identificação completa de AA – apenso 752/23.0… Certidão de nascimento de AA – autos principais

Ata de regulação das responsabilidades parentais e morada – autos principais.

Por último a certidão extraída do processo de promoção e proteção do jovem BB – 567/11.8….

*

Consideram-se indiciados os seguintes factos:

1. Em data não concretamente apurada, EE (16 anos), FF (16 anos), GG (16 anos), HH (16 anos) formaram um grupo a que atribuíram o nome de “…” destinado à prática de ilícitos contra o património, designadamente roubos, a que foram adicionados os jovens em causa nestes autos AA, BB, DD e CC.

2. Os jovens em causa nestes autos e os demais elementos com idades superiores a 16 anos atuavam em grupo, durante o período noturno e escolhiam vítimas especialmente vulneráveis, designadamente imigrantes e sem abrigo, a fim de melhor e mais facilmente concretizarem os seus intentos, dada a fraca capacidade de resistência destas vítimas e bem assim ao facto de, por norma, as mesmas evitarem o contacto com as autoridades, acabando por não apresentar queixa.

3. No dia 25 de janeiro de 2023, cerca das 23.30h, II circulava de bicicleta pela Rua …, em …, trazendo às costas uma mochila, contendo no seu interior uma carteira de cor preta com €340, que era todo o dinheiro que o mesmo possuía.

4. Nessa altura, FF, GG, EE, HH, e os jovens, CC e AA, atuando de comum acordo e em conjugação de esforços, abordaram o referido II e, sem que nada o fizesse prever, o EE desferiu-lhe uma bofetada e um soco na face bem como um pontapé nas pernas.

5. Ato contínuo, o GG desferiu-lhe de imediato com um pau nas costas fazendo com que o mesmo caísse para o chão.

6. De imediato alguns dos elementos do grupo começaram a agredir o mencionado indivíduo com sucessivos pontapés, socos e com o pau, ao mesmo tempo que lhe retiraram a mochila que trazia às costas, tendo o AA filmado as agressões e o CC ali permanecido junto com o grupo.

7. Após, retiraram do interior da mochila a carteira com os €340 apropriando-se da mesma.

8. Não satisfeitos, continuaram a agredir o II da forma descrita, desferindo-lhe sucessivos pontapés e socos que o atingiram por todo o corpo, bem como o arrastaram pelo chão enquanto o mesmo implorava que parassem com as agressões, tendo o CC pedido aos outros elementos do grupo para pararem.

9. Como não paravam, o ofendido entregou-lhes um par de phones sem fios no valor de € 35 e um isqueiro.

10. Na posse do isqueiro, o EE tentou atear fogo ao cabelo do ofendido, só não o tendo conseguido por que foi impedido por outro elemento do grupo.

11. Derivado da ação do grupo, o II sofreu lesões e dores por todo o corpo, nomeadamente dores na zoa lombar, braços, pernas, ombros, mãos e cabeça, cuja extensão concreta ainda está por determinar em concreto.

12. Na posse dos referidos objetos e valores, os elementos do grupo fugiram de imediato do local, apropriando-se dos mesmos, tendo o ofendido ficado despojado de todos os bens de valor que possuía e sem dinheiro para prover às suas necessidades mais básicas, designadamente de alimentação (NUIPC 149/23.1…).

13. No dia 27 de janeiro de 2023, cerca das 23.00h, JJ, encontrava-se na Praça da …, em ….

14. Nessa altura, GG, EE e FF, e ainda HH, abordaram o referido JJ, agrediram-no com diversos socos e pontapés que o atingiram em diversas partes do corpo, atiraram-no para o chão e retiram-lhe uma bolsa que o mesmo trazia a tiracolo, de marca … no valor de €190, contendo um par de chinelos de marca …, no valor de €35, umas calças de fato de treino de marca … e uns calções de futebol do …, tendo permanecido junto ao grupo os jovens BB e DD, atuando todos de comum acordo e em conjugação de esforços

15. Derivado da ação dos elementos do grupo, o JJ sofreu uma ferida na boca e diversas dores nas zonas atingidas, cuja extensão ainda está por determinar em concreto.

16. Na posse da referida bolsa e de todo o seu conteúdo os elementos do grupo fugiram de imediato do local, apropriando-se da mesma (NUIPC 112/23.2…).

17. No dia 30/01/2023, pelas 23:00h, FF e os jovens BB e AA, dirigiram-se ao Restaurante denominado …, sito na R…, em …, propriedade de KK.

18. Uma vez aí, os três, atuando de comum acordo e em conjugação de esforços, começaram de imediato a partir a louça e o mobiliário do mencionado espaço, danificando bens e valores ainda por determinar.

19. O ofendido LL que também se encontrava no local tentou impedi-los de continuar a danificar aquele espaço, tendo sido agredido pelos mesmos na face e nas pernas através de socos e pontapés, bem como empurrões.

20. Das referidas agressões resultaram para o ofendido uma equimose peri-orbital direita, com hemorragia conjuntival e uma escoriação com 3 cm no 1/3 superior da perna direita (NUIPC 130/23.0…).

21. Tais lesões determinaram para o ofendido, direta e necessariamente, 10 dias para a cura, 2 dos quais com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

NUIPC 1218/22.0 PAOLH

22. Em data não concretamente apurada, no período compreendido entre as 15h00 do dia 31 de agosto de 2022 e as 23h00 do dia 8 de setembro de 2022, na Avenida …, em …, o jovem DD apoderou-se do telemóvel Iphone com o IMEI … pertencente ao jovem MM, como se fosse seu, apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que não poderia apropriar-se do objeto que tinha encontrado.

23. Posteriormente, DD entregou o telemóvel na esquadra da PSP de …, tendo o objeto sido entregue ao proprietário.

NUIPC 1384/22.5 PAOLH

24. No dia 7 de outubro de 2022, pelas 10h30, na Escola EB 2/3 … em …, o jovem DD e o jovem EE, retiraram e fizeram seu um rooter portátil pertencente à escola, sem que para tanto tivessem autorização do estabelecimento de ensino, com valor ainda por apurar.

25. Posteriormente, quando chamados, acabaram por devolver o aparelho em causa.

26. Dos certificados de registo de medidas tutelares dos jovens, nada consta (fls.35 a 38).

27. O BB tem pendente um processo de promoção e proteção em que foi aplicada medida provisória de acolhimento residencial, tendo o jovem recusado o ingresso na instituição.

28. O AA frequenta o 10º ano de escolaridade e no 1º período registou três negativas, porém, tendo subido as notações nos testes realizados no 2º período.

29. Reside com a mãe e o padrasto.

30. O BB frequenta um curso de hotelaria, que lhe dará equivalência ao 9º ano de escolaridade, na Escola … em ….

31. Do relatório da Técnica no processo de promoção resulta que o BB não expressa qualquer arrependimento quanto ao insucesso da medida que lhe foi aplicada, nem manifesta vontade em alterar o padrão.

32. Reside com a mãe e tem dois irmãos de 7 e 2 anos de idade.

33. O CC frequenta o 10º ano, no curso de línguas e humanidades na Escola Secundária de ….

34. No 1º período teve negativas, o que está a recuperar neste 2º período.

35. Vive com os pais e a irmã.

36. O DD frequenta o mesmo curso que o BB e neste período, declarou que está a melhorar as notas.

37. Vive com a mãe e o irmão de 7 anos.

*

Tais factos indiciam, desde já, a prática em co-autoria material, por parte dos jovens de factos, que, não fora a sua inimputabilidade em razão da idade, seriam suscetíveis de integrar os seguintes tipos legais de crime, a que cabem as seguintes penas:

- BB:

Um crime de roubo qualificado, previsto e punidos pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. g), do Código Penal, punido com pena de 3 a 15 anos de prisão;

Um crime de dano com violência, previsto e punido pelo artigo 212.º e 214.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

- DD:

Um crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. g), do Código Penal, punido com pena de 3 a 15 anos de prisão; um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa; um crime de apropriação ilegítima de coisa achada, pp pelo art.º 209º nº 1 do CP, com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.

- CC:

Um crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. g), do Código Penal, punido com pena de 3 a 15 anos de prisão.

- AA:

Um crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. g), do Código Penal, punido com pena de 3 a 15 anos de prisão; um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, 145.º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. h) todos do Código Penal, punido com pena até 4 anos de prisão; um crime de dano com violência, previsto e punido pelo artigo 212.º e 214.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

*

Os jovens prestaram declarações, admitindo pertencerem ao grupo do Instagram, ao qual foram adicionados e denominado “…”, porém, disseram que desconheciam que se destinava à prática de crimes e que aderiram pela necessidade de “aceitação”, ou seja de pertença ao grupo, para se sentirem protegidos e porque aquele grupo era conhecido como o “mais forte” de …, sendo que no caso do BB foi referida a motivação relacionada com a proteção a si próprio e à mãe.

Os jovens fizeram questão de dizer que não se planejava a prática de crimes e o grupo era apenas para falarem e combinarem sair uns com os outros, o que não nos convenceu nesta parte, porque após a publicação no grupo do vídeo relativo aos factos do dia 25 de janeiro, que os jovens tiveram acesso e conhecimento, ainda assim, continuaram no grupo e mais grave, continuaram a acompanhar os outros jovens mais velhos, nomeadamente no dia 27 e 30 de janeiro, ou seja, aquele vídeo que chocou toda a gente pela violência gratuita que foi empregue a uma pessoa indefesa, não foi suficiente para inibir estes jovens de continuar a pertencer ao grupo e de os acompanhar.

A ação concertada, pelo menos em parte dos factos, por parte dos jovens aqui em causa com outros jovens mais velhos, resulta evidente das imagens colhidas com autos de visionamento no processo e das declarações dos ofendidos conjugadas com as das testemunhas NN e OO e com as declarações prestadas pelos próprios jovens neste interrogatório.

Repare-se que cada elemento do grupo executava os seus atos, ou seja, enquanto uns desferiam agressões e retiravam os bens aos ofendidos, os outros permaneciam no local em vigia, rodeavam os ofendidos, intimidando-os com a sua superioridade numérica, e filmavam as agressões, para posteriormente publicarem nas redes sociais e se vangloriarem do seu feito.

E quanto a este aspeto, de realçar que os próprios jovens indicaram pertencer ao grupo e ter acompanhado o mesmo nos factos descritos, embora com nuances próprias na participação de cada um.

Efetivamente e, no essencial os factos mostram-se indiciados, sendo que no que se refere ao dia 25 de janeiro, não se mostra indiciado que o BB ali tenha estado com o grupo e que tenha tido intervenção nos factos.

O BB não surge nas imagens e os jovens ouvidos nesta sala que identificaram os intervenientes verbalmente e posteriormente através de fotografias, expressamente referiram que BB não se encontrava no local. Não se mostra, pois, indiciado que o jovem tenha cometido estes factos.

Já os jovens CC e AA embora com participações distintas, colaboraram nos factos relativos ao dia 25 de janeiro.

Dos depoimentos do ofendido e da testemunha PP conjugados com as imagens de CCTV, resulta demonstrado o encadeamento dos acontecimentos.

A testemunha NN, quando inquirida e confrontada com os autos de visionamento das imagens, esclareceu a identidade de todos os intervenientes, o que, de resto, também fizeram os jovens CC e AA neste interrogatório.

Não se olvida que nas imagens, apenas, os mais velhos são visionados a desferir agressões ao ofendido e a retirar-lhe fisicamente os bens, sendo que os demais presentes, nos quais se incluem os jovens CC e AA, executaram outras partes dos factos, nomeadamente a vigia, a sua intimidação e impossibilidade de fuga pela superioridade numérica do grupo.

O ofendido refere na denúncia e posteriormente quando inquirido, que foi abordado por todos os elementos do grupo que formaram um cerco em seu redor, momento em que alguns deles o passaram a agredir. Após esta primeira agressão, terá conseguido fugir do local, altura em que foi perseguido pelos indivíduos que compunham o grupo.

Das imagens colhidas com autos de visionamento resulta que enquanto uns agrediam, outros vigiavam/controlavam a vítima e o AA filmava os factos e foi ele quem enviou posteriormente o vídeo aos mais velhos para publicação nas redes sociais.

Por sua vez o CC quando é confrontado com as agressões infligidas após o roubo, dirigindo-se aos jovens mais velhos grita para pararem com a agressão, o que não poderá deixar de ser valorado como um ato de arrependimento e com relevância, já que as agressões se autonomizam em relação ao crime de roubo, o que quanto a nós e acompanhando o Ministério Público entendemos não ser imputável a este jovem a prática de tais agressões considerando que terá gritado para os colegas para cessarem as mesmas, ao se ter apercebido da sua brutalidade.

Posto isto e nesta parte, concluímos como o Ministério Público, que se o CC participou na parte inicial dos factos, não concordou com a parte seguinte e até tentou evitá-la.

O jovem BB foi quanto a nós o jovem que se revelou menos genuíno, pois que, apenas admitiu a sua presença nos factos que não podia ocultar, por ter sido intercetado pela policia e conduzido á esquadra, que são os factos do dia 30, no mais negou a sua presença e a sua comparticipação nas agressões. E, mais curioso, ainda, notou-se nos restantes jovens uma preocupação em não identificar o BB no local das agressões, com exceção do dia 30, o que nos suscitou muitas reservas e que só concebemos por terem conhecimento que sobre o mesmo já existe uma medida cautelar de acolhimento residencial, que ainda não se mostra executada por recusa do jovem.

No que concerne ao dia 27 o BB refere ter estado no local, mas em momento anterior às agressões, porém, não é isso que resulta do cotejo da demais prova junta aos autos, bem assim do depoimento do ofendido e da testemunha NN.

A própria mãe do BB não conseguiu dizer com certeza ao tribunal que o seu filho àquela hora já estava em casa.

A testemunha NN disse que se encontrava com a amiga OO e com o ofendido, quando chegou o arguido EE com um canivete e de cara tapada, tendo a testemunha fugido. Depois, a testemunha NN veio a encontrar-se com o grupo cerca de quinze minutos depois, tendo todos contado o que tinham feito. Este depoimento é corroborado pelas declarações prestadas pela testemunha OO.

O ofendido JJ referiu que o grupo era composto por cerca de 12 indivíduos e que o “jogaram ao chão”, sendo que uns o cercaram, outros atingiram diretamente a integridade física do ofendido, ao passo que os outros impediram a sua fuga e engrandeceram a superioridade numérica do grupo.

O DD admitiu ter estado no local durante as agressões, e que ainda tentou afastar um dos mais velhos e conseguiu que o EE lhe desse a chave para entregar à vitima, revelando aqui um ato de arrependimento quando se depara com a violência da situação e o estado em que a vitima ficou, o que demonstra alguma humanidade para com a vitima.

Relativamente ao dia 30 os jovens BB e AA, embora assumissem a sua presença no local, apresentaram uma versão em que se denotou pretenderem se eximir ás suas responsabilidades, alegando que iam a passar e nesse momento surgiram os ofendidos e outros atrás deles com ferros, o que os levou a fugir, sendo que o DD muniu-se de um pau e voltou para ajudar o FF que ali tinha ficado, assim como o BB também referiu que fugiu, mas acabou por voltar para trás, o que é bem demonstrativo do espirito de grupo e da respetiva dinâmica que animava os diversos membros do grupo.

Sucede que, o depoimento dos jovens é frontalmente contrariado com o depoimento dos ofendidos e ao invés mostra com clareza o espirito do grupo, animado da mesma dinâmica criminosa, já que os jovens fogem, mas voltaram ao local dos factos, o que demonstra uma ação concertada e combinada entre todos.

O tribunal considerou, igualmente a certidão do 1º interrogatório judicial no âmbito dos autos 112/23.2 …, no qual se dá como indiciada a prática por estes jovens nos factos ocorridos a 25, 27 e 30 de janeiro deste ano.

Atentou-se também no depoimento dos ofendidos de fls. 37, 272, 281, 298 e 299, 320 e 321, que descrevem a atuação do grupo e as lesões e danos que sofreram.

Com especial destaque os depoimentos da testemunha NN, de fls. 38, onde se refere que no dia 27 de janeiro estavam presentes na agressão ao ofendido JJ o BB e o DD, o que foi confirmado pela testemunha OO a fls. 41.

Por sua vez a fls 321, 317 e 343 o ofendido II descreve as agressões de que foi vitima, mencionando ter sido agredido por um grupo de seis indivíduos.

Nas buscas feitas às residências do BB e do CC (fls. 156 e 164) foram encontradas indumentárias usadas pelo grupo nas diversas situações.

Os autos de visionamento de imagens – 359 e ss., 366 e ss., 371 e ss., 373 e ss., 425 e ss., 431 e ss., 440 e ss., 473 e ss., 488 e ss., aliados ao depoimento da testemunha NN permite concluir pela indiciação dos jovens nos factos descritos.

As perícias médico-legal de fls. 286 e ss., 289 e ss. confirmam as lesões dos ofendidos.

No que respeita ao ITE 1218/22.0…, considerou-se o auto de notícia – fls. 3, o auto de apreensão – fls. 4 e o Termo de entrega – fls. 5, que permite concluir ter sido o jovem DD quem se apoderou do telemóvel em apreço, aliás aqui admitido pelo próprio jovem.

O tribunal atentou, ainda, quanto ao jovem BB aos motivos da sinalização do jovem no âmbito do processo de promoção e proteção nº 567/11.8 …, do qual resulta que este jovem assume comportamentos disruptivos em contexto escolar, com o mesmo modus operandi, ou seja, em grupo valendo-se da superioridade numérica, atenta contra a segurança dos outros, para além de não ter aproveitamento escolar e estar em situação de absentismo escolar, pelo menos durante o 1.º período.

Repare-se que este jovem tem pendente um processo de promoção e protecção, beneficiando de medida protetiva, tendo assumido em Tribunal determinadas obrigações e mesmo sabendo que estava a ser acompanhado por Técnica da Segurança Social com processo em Tribunal, não se inibiu de se juntar a este grupo e ter intervenção nos factos nos moldes supra descritos.

Acresce que lhe foi aplicada, provisoriamente, uma medida de acolhimento residencial, e o mesmo recusou ingressar na instituição, o que denota uma personalidade avessa à autoridade.

No mais, e à mingua de outros elementos considerou-se as declarações dos jovens no que respeita às suas condições pessoais, familiares e escolares.

*

As medidas tutelares educativas visam a educação para o direito e a inserção dos jovens de forma digna e responsável na vida em comunidade.

As medidas cautelares devem ser adequadas às exigências preventivas do caso concreto e proporcionais à gravidade do facto.

Do supra exposto resulta que os factos são muito graves, basta atentar na organização do grupo que foi fundado com vista à prática de crimes contra o património e que escolhiam as vitimas mais frágeis, levando a cabo agressões violentas sendo indiferentes à dor e ao sofrimento que causavam, fazendo-o por gozo e sem qualquer motivo justificativo.

Os factos acima descritos e imputados aos jovens demonstram insensibilidade pelos valores ético-jurídicos, total desrespeito pelo sentimento de segurança, pela integridade física e psicológica dos outros, pela consideração dos outros elementos da sociedade e pelo respetivo património.

Do que se conclui que a atuação dos jovens se dirige para bens jurídicos diversos, demonstrando não possuir sensibilidade para o respeito de quaisquer deles.

A pluralidade de infrações e o respetivo modo de execução demonstram que os ilícitos praticados não constituem um incidente na vida destes jovens, nem se inserem num processo normal de desenvolvimento da personalidade.

Por outro lado, os jovens revelam desinteresse escolar, já que todos no 1º período tiveram notações baixas, porém, e curiosamente neste 2º período todos declararam estar a subir as notas, sendo certo que o percurso escolar dos jovens não mitiga a gravidade dos factos por estes praticados, mas obviamente que terá de ser ponderado na determinação da medida a aplicar.

Por sua vez e como já dissemos o jovem BB tem pendente processo de promoção e proteção beneficiando de medida protetiva, com acompanhamento da segurança social, sem que esta medida tenha tido algum sucesso, o que já culminou com a aplicação de medida provisória de acolhimento residencial.

Não se olvida, que no grupo há jovens mais interventivos e violentos, e que têm um ascendente sobre os jovens destes autos, mas saliente-se que estes jovens estavam inseridos no grupo, filmavam as agressões e ali permaneciam enquanto as mesmas ocorriam a assistir ao sofrimento que causavam às vitimas, sem que dali arredassem pé, ao ponto de um vídeo se ter tornado viral nas redes sociais, o que demonstra que estes jovens partilham como os outros mais velhos da mesma ausência de valores de vivência em sociedade e de respeito pelo outro, assumindo comportamentos disruptivos a que urge por termo.

Forçoso é, assim, concluir, que os jovens entraram num caminho contrário ao dever ser jurídico, pautando a sua vida sem projeto estruturado de futuro, ao sabor dos dias mas regido por normas desviantes, mostrando-se desrespeitadores das regras vigentes na sociedade, nomeadamente daquelas relativas ao convívio entre as pessoas e à resolução dos conflitos entre elas e ao respeito para com os outros, pondo em causa a sua inserção no meio comunitário, o que demonstra a necessidade de imediata intervenção no sentido de inverter a sua situação atual, que, seguramente, os conduzirá, se nada for feito, à sua marginalização da sociedade.

O grau de ilicitude dos factos é elevado, traduzida na organização do grupo, na convivência com pares envolvidos na prática de crimes, porém mitigado pelo grau de comparticipação que cada um tem nos factos e nos comportamentos de alguns deles – CC e DD - no sentido de evitar a escalada da violência.

Acresce que, embora os jovens estejam inseridos em famílias que aqui evidenciaram serem protetoras e estarem chocadas com o envolvimento dos filhos nestes atos bárbaros, os autos dão conta de alguma falta de supervisão parental, considerando que os pais permitiam que os jovens andassem a altas horas da noite na via pública e em dias de escola, não sendo os pais capazes de impor a assunção de comportamentos socialmente aceitáveis, o que leva a concluir pela necessidade da aplicação de uma medida cautelar de entre aquelas taxativamente previstas e enumeradas no art.º 57º da LTE durante os ulteriores termos do processo.

De tudo isto resulta clara a necessidade de intervenção tutelar do Estado, necessidade em medida proporcional à medida do desvio do dever ser jurídico que as condutas praticadas revelam.

Do exposto, conclui-se que existem indícios da prática pelos jovens dos factos descritos e que é previsível a aplicação de medida tutelar educativa a cada um dos jovens.

Por outro lado, os progenitores dos jovens já não conseguem, sozinhos, inverter o percurso desviante dos filhos.

E, resulta ainda claro, das personalidades reveladas pelos jovens, ao levar a cabo os factos descritos, do próprio contexto em que tais factos ocorreram e da motivação intrínseca para a respetiva prática, o receio de que aqueles jovens continuem a praticar factos semelhantes, acrescendo que a contemporização com estes comportamentos fará com que outros se sucedam, com tendência para assumirem contornos ainda mais graves.

Aliás, diga-se, que estas condutas poderiam ainda ter tido resultados mais graves, nomeadamente, a morte das vitimas.

É conhecido o perigo que acarreta a formação de grupos de jovens destas idades que, em grupo, se dedicam a assaltar pessoas indefesas.

Não se pode olvidar que as finalidades das medidas cautelares visam, simultaneamente, a salvaguarda da investigação pela defesa do próprio interesse dos jovens – quer seja pelo não agravamento da sua situação jurídica pelo cometimento de novos factos, quer seja pela hipótese de se tentarem eximir à intervenção da justiça.

Outrossim, o facto de serem os próprios jovens, parte essencial no seu futuro processual, havendo diligências de prova e de comprovação da aplicação de medida tutelar educativa que incidem diretamente sobre eles, como é o caso da perícia sobre a personalidade, bem assim, os relatórios sociais com relevância para a decisão que vier a ser proferida a final.

Importa, por conseguinte, proceder à aplicação de medida cautelar aos jovens, atalhando assim ao perigo de cometimento por parte dos mesmos de outros factos típicos semelhantes e evitando a subtração destes à ação da justiça tutelar e orientando a sua vida quotidiana para atividades estruturadas, de formação escolar/profissional, de inserção digna na vida em sociedade e, maxime, na sua Educação para o Direito (cfr. art. 2º da LTE).

Mostram-se, pois verificados os pressupostos da aplicação de uma medida cautelar, por serem em concreto prementes as necessidades educativas demonstradas por estes jovens, nos termos do art.º 58º da LTE.

Destarte, dada a gravidade dos factos levados a cabo pelos jovens, às personalidades neles revelada, à falta de capacidade para compreender a danosidade social dos seus comportamentos, à manifesta necessidade da sua educação para o direito, à existência de perigo de fuga por parte dos jovens, considerando a medida tutelar que a final lhes será aplicada, ao perigo de cometimento de outros factos qualificados pela lei como crime, à falta de capacidade dos progenitores para supervisionarem os filhos e conformarem a atuação destes com uma vida estruturada, nos termos do art.º 58º al.a) da LTE decide-se aplicar aos jovens AA, CC e DD a medida de entrega à guarda dos pais, com as seguintes imposições:

a) Os jovens devem recolher a casa assim que terminem as atividades letivas;

b) Permanecer na sua residência fora do período letivo, apenas saindo para compromissos familiares ou indicados por seus pais;

c) Não podem contactar com os elementos do grupo …;

d) Frequentar as aulas sem faltas injustificadas;

e) Comparecer às consultas de psicologia agendadas e aderir ao tratamento proposto pela/o profissional.

Relativamente ao jovem BB, considerando que este jovem já beneficiou de medida protetiva, e repare-se que o que é pedido pela ilustre defensora quanto a este jovem, já lhe foi permitido e concedido no âmbito dos autos de promoção, porém, sem qualquer resultado positivo.

Este jovem mesmo sendo acompanhado e supervisionado não se inibiu de praticar os factos, e não descuramos a motivação que o mesmo alegou para justificar a sua presença no grupo e a ascendência que os mais velhos têm sobre ele, mas este jovem estava a ser acompanhado e dispunha das entidades de primeira linha a quem podia recorrer e inverter o seu percurso, o que optou por não fazer.

A própria mãe do BB, mostrou-se preocupada com o rumo dos acontecimentos e as companhias do BB, o BB não respeita a autoridade da mãe, esta tentou no dia 27 ligar-lhe por inúmeras vezes para que viesse para casa, o que só veio a conseguir através de outro elemento do grupo.

No âmbito protetivo a medida provisória não está, ainda, a ser executada, porque o jovem se recusou a acompanhar a Técnica, o que denota uma personalidade desrespeitadora e de falta de reconhecimento de autoridade.

Tudo isto, aliado à sua postura de falta de assunção de responsabilidade, leva a considerar que do elenco de medidas constante do artigo 57º da LTE, apenas a guarda em centro educativo se mostra capaz de assegurar as exigências cautelares que a situação apresenta.

Assim e relativamente ao jovem BB decido aplicar a medida cautelar de guarda em Centro Educativo, em regime semiaberto, nos termos conjugados dos arts. 17º, nºs 1, 2 e 3, 56º, 57º, al. c), 58º, 59º e 60º, nº 1 da LTE.

A referida medida cautelar de guarda do jovem em Centro Educativo em regime semiaberto têm a duração de três meses e será revista após o decurso de (dois) meses, nos termos dos arts. 60º, nº 1 e 61º, nº 2 da LTE.»

ii) Conhecendo do objeto do recurso

A aplicação de qualquer medida cautelar pressupõe a existência de indícios da prática de facto previsto na lei como crime, a previsibilidade de aplicação de uma medida tutelar e a existência de perigo de fuga ou de cometimento de novos crimes, devendo ainda verificar-se, quanto à concreta medida reclamada pelo recorrente, os pressupostos da al. a) do § 4.º do artigo 17.º LTE (ex vi artigo 58.º, § 2.º LTE): «Ter o menor cometido facto qualificado como crime a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a cinco anos ou ter cometido dois ou mais factos contra as pessoas qualificados como crimes a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a três anos.» Mostra-se inquestionável a existência de fortes indícios da prática dos ilícitos típicos assinalados na decisão recorrida, que contaram com a comparticipação neles dos menores AA, CC e DD (juntamente com outros), nos termos ali referidos.

Indubitável é ainda a gravidade dos factos ilícitos nos quais os referidos menores foram comparticipantes - nos precisos termos assinalados na decisão recorrida. «Bastando atentar na organização do grupo que foi fundado com vista à prática de crimes contra o património e que escolhiam as vitimas mais frágeis, levando a cabo agressões violentas sendo indiferentes à dor e ao sofrimento que causavam, fazendo-o por gozo e sem qualquer motivo justificativo.»

Sendo os referidos factos demonstrativos de insensibilidade pelos valores ético-jurídicos, desrespeito pelo sentimento de segurança, pela integridade física e psicológica dos outros, pela consideração devida aos outros e pelo respetivo património. Visando as medidas cautelares a educação dos menores para o direito e a sua inserção de forma digna e responsável na comunidade, necessário é aferir se a medida que foi aplicada aos menores AA, CC e DD, com os deveres que lhe foram associados, se mostra a necessária, adequada e proporcional (artigos 56.º a 64 LTE) aos factos indiciariamente por eles praticados como comparticipantes. Ou se, pelo contrário, é insuficiente, conforme sustenta o recorrente. Comecemos por afirmar que sendo a liberdade um direito fundamental, apenas poderá ser restringida na estrita medida do necessário para salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, nº 2). E também lembrar que nesta fase do procedimento tem plena vigência o princípio da presunção de inocência, afirmado nos artigos 27.º, § 2.º e 32.º, § 1 da Lei Fundamental.

Vejamos, então.

O leque de medidas cautelares aplicáveis está delimitado no artigo 57.º LTE:

«a) A entrega do menor aos pais, representante legal, família de acolhimento, pessoa que tenha a sua guarda de facto ou outra pessoa idónea, com imposição de obrigações ao menor;

b) A guarda do menor em instituição pública ou privada;

c) A guarda do menor em centro educativo.»

Sendo pressuposto da sua aplicação, no âmbito de procedimento tutelar educativo a existência de indícios da prática de factos qualificados pela lei penal como crime, que como vimos é inquestionável. Tendo essa aplicação por finalidade exclusiva satisfazer exigências cautelares ou preventivas e estritamente processuais, acautelando a investigação dos factos, sem perder de vista as necessidades educativas do menor. No especialmente concernente à medida de guarda em centro educativo (que é medida mais fortemente constritora da liberdade dos menores), a sua aplicação depende da verificação dos requisitos comuns às demais medidas cautelares e, ainda, dos específicos previstos no artigo 58.º, § 2.º e 3.º: «1 - A aplicação de medidas cautelares pressupõe: a) A existência de indícios do facto; b) A previsibilidade de aplicação de medida tutelar; e c) A existência fundada de perigo de fuga ou de cometimento de outros factos qualificados pela lei como crime. 2 - A medida prevista na alínea c) do artigo anterior só pode ser aplicada quando se verificarem os pressupostos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 17.º 3 - No caso previsto no número anterior, a medida é executada em centro educativo semiaberto se o menor tiver idade inferior a 14 anos. Se o menor tiver idade igual ou superior a 14 anos, o juiz determina a execução da medida em centro educativo de regime semiaberto ou fechado.»

O recorrente preconiza a aplicação da medida cautelar de guarda de menor em centro educativo (que é a medida mais fortemente constritora da liberdade dos menores) aos menores AA, DD e CC, considerando existirem fortes indícios do envolvimento na prática dos ilícitos supra referidos, acompanhando com outros de idade superior à deles, todos pertencentes ao grupo denominado «…»; e só esta acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa. Com efeito, ao contrário do que se verificou relativamente ao jovem BB, ao qual o tribunal decidiu aplicar a medida de guarda em centro educativo, relativamente aos menores AA, DD e CC, a medida entendida ajustada foi a de entrega à guarda dos pais, com imposição dos seguintes deveres:

a) de frequentarem as aulas sem faltas injustificadas;

b) de se recolherem nas respetivas casas logo que terminem as atividades letivas;

c) de permanência na sua residência fora do período letivo, apenas saindo para compromissos familiares ou indicados por seus pais;

d) de não contactar com os elementos do grupo …;

e) de comparecerem às consultas de psicologia agendadas e aderirem ao tratamento proposto pela/o profissional.

A distinção feita pelo tribunal recorrido, aplicando ao jovem comparticipante (BB) a medida de guarda em centro educativo; e aos demais (AA, CC e DD) uma medida menos restritiva, decorre das circunstâncias da participação deles nos concretos factos ilícitos em que estiveram envolvidos. Mas também no modo assertivo como em Juízo assumiram a sua participação nos factos (sobretudo DD e CC), demonstrando que o processo de alinhamento com os deveres sociais que conhecem e que sabem lhes serem exigíveis e as responsabilidades que têm nos factos ocorridos está já em curso. É verdade que os menores AA DD e CC foram, juntamente com outros jovens com maior idade, comparticipantes nos factos ilícitos em referência, mas a participação de cada um foi distinta e a assunção de responsabilidades por cada um também o foi. Veja-se, p. ex. que AA esclareceu os factos em que participou, identificando todos os intervenientes. Sendo que a sua participação neles se cingiu a acompanhar os outros, nunca se tendo envolvido diretamente na agressão a pessoas. É certo que a medida de proteção de que já beneficiou logo o deveria alertar para o desalinhamento dessa comparticipação, mas em Juízo assumiu o que fez. A mais disso encontra-se a frequentar o 10.º ano de escolaridade, tendo no 1.º período registado três negativas, mas subido as notações nos testes realizados no 2.º período. Sendo óbvias as vantagens em manter o percurso escolar (preocupação que subjaz à medida aplicada). Por sua vez o jovem DD, confessou parcialmente os factos. A sua participação nos atos ilícitos foi acompanhar outros, nunca tendo estado diretamente envolvido nas agressões às vítimas. Tendo, a mais disso, ele próprio, devolvido o telemóvel de MM, do qual se havia ilicitamente apropriado. O mesmo sucedendo com o router portátil pertencente à escola.

Também se encontra a estudar, frequentando o curso de hotelaria, que lhe dará equivalência ao 9.º ano de escolaridade, na Escola … em …. E vive com a mãe e o irmão de 7 anos de idade.

E o CC tendo estado presente no assalto a II, na noite de 25 de janeiro de 2023, não interveio nas agressões físicas sobre desferidas, tendo aliás nessa ocasião intervindo a pedir aos outros elementos do grupo para pararem. Sendo a mais disso este o único caso em que participou nos factos a que se refere este processo.

Perante realidades tão distintas (com referência ao menor BB - ao qual foi aplicada medida de guarda em centro educativo) mostra-se justificada a não coincidência das respetivas decisões. Não só nada o impedia como imperativos de justiça o exigiam (de necessidade, adequação e proporcionalidade).

Sem prejuízo da gravidade dos factos ilícitos em que todos estiveram envolvidos, como já atrás sublinhado, mostra-se incontornável não haver qualquer indício da existência de perigo de fuga. E, perante o contacto que estes menores tiveram com as instâncias formais de controlo (nomeadamente com o tribunal) e as consequências que percecionaram poderem advir do rumo que vinham seguindo, o perigo de cometimento de outros factos ilícitos-típicos estará significativamente diminuído. A tudo acrescendo que sendo obrigatoriamente revistas as medidas cautelares aplicadas, de dois em dois meses - ou até menos em caso de se vir a verificar incumprimento dos deveres associados às medidas cautelares tomadas -, então poderá suscitar-se a necessidade de uma medida mais restritiva - conforme previsto no artigo 61.º da LTE.

Em suma: entendemos que a decisão recorrida fez uma correta avaliação da situação de cada um dos menores envolvidos na prática dos ilícitos que se indiciam e uma criteriosa aplicação dos princípios e regras previstos na Constituição e na LTE, sendo a medida cautelar aplicada ajustada à pretendida educação dos menores para o direito e para a sua inserção de forma digna e responsável na comunidade, nada justificando a alteração que se reclama relativamente ao decidido.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, julgar não provido o recurso interposto pelo Ministério Público.

Notifique.

Évora, 9 de maio de 2023

J. F. Moreira das Neves (relator)

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).