Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
577/21.7T8SLV-A.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Sumário: Nas situações de contratos de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios o prazo de prescrição aplicável às duas componentes (capital e juros), mesmo que ocorra resolução do contrato e vencimento antecipado ou exigibilidade antecipada da totalidade das prestações, é o de 5 anos, sendo aplicável à situação o regime da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação nº 41/08.0TBSTB.E1



Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

Na oposição de executado que (…) intentou na sequência de execução e em que é exequente (…) STC, SA, foi proferida decisão, procedente a oposição e, em consequência, declarou prescrito o direito de crédito invocado pelo exequente.
Inconformada com tal decisão, veio a exequente interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
“A. A douta decisão em crise, não está em perfeição com as normas aplicáveis, face aos factos alegados e bem assim à prova produzida nos autos, que necessariamente teria que conduzir à total improcedência dos embargos apresentados.
B. Em primeiro lugar, importa invocar entendimento jurisprudencial de que o prazo de prescrição a aplicar é o prazo ordinário de 20 anos, considerando o vencimento do contrato.
C. A este propósito, e a título de exemplo, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/03/2017, Processo n.º 589/15.0T8VNF-A.G1 – onde se conclui “em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos”.
D. Veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/06/2018, Processo n.º 17012/17.8YIPRT.C1 – onde se conclui “Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamentos em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310.º, e), do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”.
E. Da factualidade dada como provada, resulta que “O contrato não foi pontualmente cumprido pelo devedor, acabando a credora por considerar vencidas as prestações de 15 de Janeiro de 2016 e seguintes”.
F. Aqui chegados, coloca-se a questão de perceber qual o enquadramento jurídico da dívida peticionada, para efeitos de prescrição: se no regime geral dos 20 anos do artigo 309.º do CC, se no regime dos 5 anos do artigo 310.º do CC por referência à aplicação da alínea e).
G. Tem-se entendido amplamente que o mútuo bancário que prevê a existência de um plano de pagamento em prestações de capital e juros, como, de resto, é o caso do mútuo peticionado nos autos principais, encontra acolhimento na aludida alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
H. A jurisprudência supra enunciada perfilha inclusivamente o entendimento segundo o qual, no mútuo bancário, onde foi delineado um plano de amortização para reembolso da divida, composto por diversas quotas, compostas por capital e juros, estando em causa a existência de várias prestações periódicas, cada uma delas com um prazo de vencimento autónomo, é-lhes aplicável o regime prescricional de 5 anos.
I. No entanto, se o banco mutuante considerar vencidas todas as prestações, o plano de amortização de reembolso da dívida fica sem efeito, e a dívida é exigível na sua totalidade. Ou seja, com o incumprimento definitivo do plano de amortização, deixa de se poder falar em “quota de amortização”, porque na realidade deixou de estar em causa o vencimento de prestações autónomas e periodicamente renováveis. A partir da resolução do contrato, passa a ser exigível por parte do banco mutuante, a totalidade da dívida, com enquadramento jurídico, para efeitos de prescrição, no disposto no artigo 310.º do Código Civil.
J. Compulsados os autos, foi justamente o que aconteceu: com efeito, veja-se que a ora Recorrente lançou mão do expediente a que alude o artigo 781.º do CC, previsto aliás na cláusula 7ª das Condições Gerais do contrato celebrado entre as partes e, em face da manutenção do incumprimento, declarou vencida a totalidade da dívida, cessando, desta forma, o plano prestacional outrora acordado.
K. Assim, resulta, pois, que a resolução do contrato de mútuo marca um ponto de viragem, marca o momento a partir do qual deixamos de estar perante prestações periodicamente renováveis para estarmos perante um valor unitário global.
L. A perda de benefício do prazo aplicável aos mutuários, dado o não pagamento das prestações do capital mutuado, confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital, cujo reembolso estava outrora convencionado ser fraccionado em prestações.
M. Na verdade, o plano prestacional a que o contrato de empréstimo faz referência convolou-se noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda em dívida, o qual não poderá estar sujeito ao prazo prescricional de 5 anos.
N. Ou seja, com a resolução passamos a deixar de aplicar o regime previsto no artigo 310.º do CC para aplicar o regime do artigo 309.º, sendo, por esse motivo, aplicável não o prazo de prescrição de 5 anos para cada uma das prestações, mas o prazo de 20 anos para a totalidade das prestações vencidas e vincendas.
O. A alínea e) do artigo 310.º do Código Civil não se aplica à situação sub judice, pois estamos na presença de uma única obrigação (para cada um dos contratos de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais se pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo.
P. Os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam revestir – no caso em apreço um crédito à habitação –, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos, é a chamada “prescrição ordinária” (artigo 309.º do Código Civil).
Q. Na situação em apreço, estando a dívida incorporada em título executivo – escritura pública – documento exarado por notário que importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação (vide n.º 1 alínea b) do artigo 703.º do Código de Processo Civil, fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do 311.º, n.º 1, do Código Civil, não se aplicando a alínea e) do artigo 310.º do mesmo Código).
R. O que importa para que se conclua que está em causa o pagamento de uma única obrigação face ao incumprimento prestacional e não o pagamento fracionado do valor em dívida.
S. Não se tratam de obrigações periódicas e renováveis, característica esta que nos reconduz ao supra referido prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.º do Código Civil.
T. Pelo que estamos perante uma dívida total do montante vencido à data do incumprimento, o que é uma única obrigação à qual cabe aplicar o prazo geral de 20 anos, regulado no artigo 309.º do Código Civil.
U. É inequívoco que o capital peticionado no requerimento executivo não abrange os juros remuneratórios nem corresponde à soma das prestações que ficaram por liquidar, mas apenas a totalidade do capital em dívida após afectação dos pagamentos recebidos, sendo de concluir pela aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos.
V. Uma vez que o prazo de 20 anos a contar da data da propositura da acção ainda não foi atingido, a excepção da prescrição não poderia proceder, como procedeu.
W. A douta sentença recorrida fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos, na parte que diz respeito à prescrição, pois a factualidade impunha ao Tribunal que a oposição fosse julgada improcedente.
X. Sem embargo, a douta sentença recorrida, recorre ao disposto no artigo 310.º, do Código Civil, nos termos do qual as razões justificativas das prescrições de curto prazo destinam-se a obstar a situações de ruína económica por parte do devedor.
Y. O artigo 310.º, alínea e), do Código Civil encontra-se em vigor há décadas continuadamente e sempre foi interpretado no sentido de que não se aplicava aos mútuos bancários, mormente quando ocorre, tal como in casu, um vencimento antecipado de toda a dívida por inadimplemento.
Z. O antedito artigo não é uma norma especial para justificar o injustificável, que é o credor ficar impossibilitado de cobrar até o seu capital do devedor.
AA. Todas as disposições que estão no Código Civil gozam da mesma prevalência, umas não são mais especiais que outras.
BB. O legislador não quis, como parece, agora, com as interpretações que vão sendo dadas àquela disposição legal (310.º, alínea e), do Código Civil), nem favorecer o credor, nem prejudicar o devedor.
CC. Conforme já expendido e consta do elenco de factos provados, entre a Recorrente e os mutuários foi celebrado um contrato de mútuo, entregando a primeira ao último uma quantia que estes se comprometeram a devolver-lhe, acrescida da respectiva renumeração, em prestações, mensais e sucessivas, de capital e juros, prestações essas que correspondem ao fraccionamento da obrigação da restituição do capital mutuado (artigos 1114.º e 781.º, do Código Civil) e compreendem parte do capital e respectivos juros remuneratórios (artigos 1145.° do Código Civil e 395.° do Código Comercial).
DD. No predito contrato, os mutuários adstringiram-se ao cumprimento de todas as obrigações assumidas, mormente a de reembolso do capital e dos juros.
EE. Os mutuários não satisfizeram as prestações a partir de 15 de Janeiro de 2016, o que determinou o vencimento das restantes, nos termos do disposto no artigo 781.° do Código Civil: "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
FF. Desde que ocorre o vencimento imediato, fica sem efeito o plano acordado, deixando de existirem "quotas de amortização de capital", passando a falar-se apenas de capital e juros, sujeitos aos prazos prescricionais de 20 anos para o capital (artigo 309.º do Código Civil) e de 5 anos (artigo 310.º, alínea d), do Código Civil) para os juros de mora.
GG. Salvo melhor opinião, o artigo 310.º do Código Civil só pode ser interpretado como aplicável aos frutos civis ou rendimentos ou a créditos inerentes ao gozo continuado de uma coisa, isto é, às prestações periódicas, dependentes do factor tempo. Neste sentido vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16.09.2008, processo n.º 4693/2008-l, disponível para consulta em www.dgsi.pt, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15.10.2013, processo n.º 3992/12.3TBPRD.Pl, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
HH. O artigo 310.º do Código Civil não pode ser interpretado como aplicável ao capital, ao contrário do que pugna a decisão recorrida.
II. A jurisprudência já citada nestas alegações entende, salvo o devido respeito, que, uma vez vencidas todas as prestações, não estamos perante o reembolso de quotas de capital e de juros amortizáveis, mas, outrossim, do capital mutuado.
JJ. A douta sentença recorrida não podia, salvo o devido respeito, restringir o prazo de prescrição de 20 para 5 anos, sobretudo com o vencimento imediato de todas as prestações, porquanto, atenta a própria natureza do contrato de mútuo e que tem inerente a obrigação de restituição de capital (artigo 1142.º do Código Civil), cessou o reembolso fraccionado e periódico do capital.
KK. Cabe ao Julgador interpretar a lei, tendo em conta os interesses do devedor, não o onerando, excessivamente, mas, também os interesses do credor que tem direito à restituição do capital e à compensação pelo tempo, em que disponibilizou o mesmo, ao devedor (artigo 9.º do Código Civil).
LL. Todos os mútuos bancários têm, como regra, o reembolso em prestações mensais e sucessivas de capital, juros e demais encargos, pelo que, a ser acolhida a tese defendida na douta sentença recorrida, a regra para os empréstimos bancários passaria a ser a da prescrição do capital, no prazo de 5 anos.
MM. Oque representa uma desprotecção do credor que nem sequer vê o valor de capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituindo, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor e credor o que ataca o princípio de segurança jurídica e bancária.
NN. Passar-se ia, então, do "8 ao 80", pois, com a preocupação de protecção "à parte dita mais fraca", o consumidor, aproveitar-se-ia este da inércia do credor, muitas vezes benevolente com a mora dos mutuários, em que aguarda pela regularização dos devedores dos valores em dívida durante 5 anos, para se ver dispensado de pagar uma dívida de capital que podia ser de 100, 200, 300 mil euros, e não foi isso seguramente que o legislador quis.
OO. Tratando-se de um mútuo destinado à aquisição de um imóvel, o capital e os juros do exequente são assegurados pela existência de hipoteca voluntária constituída.
PP. A douta sentença recorrida, ao aplicar o artigo 310.º do Código Civil, indiscriminadamente, ao capital e juros, absolvendo a Embargante do pedido, penaliza a Recorrente, que peticionando aquilo a que tem direito, capital em dívida e juros, vê os devedores serem absolvidos, até do capital que prescreve no prazo de 20 anos.
QQ. A interpretação acolhida, na douta sentença recorrida, aplicada de forma generalizada, viola o princípio de segurança jurídica pois desprotege instituições bancárias, que concedem crédito, e se vêem, depois, em caso de incumprimento, impedidos de reaver, até o capital que emprestaram, pois que esta interpretação não assegura igualmente a segurança nos mútuos bancários e no próprio ordenamento jurídico.
RR. Sucede, porém, desde que ocorreu o vencimento imediato de toda a dívida, esta já não se encontrava repartida em prestações pagáveis num dado decurso temporal periódico.
SS. Ocorreu, pois, um novo quadro obrigacional entre as partes, não já amortizável em prestações periódicas de capital e de juros, mas devido de imediato na sua totalidade, o que afasta, indiscutivelmente, a aplicabilidade do prazo de prescrição previsto para as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
TT. Ainda sobre esta matéria, importa olhar para os ensinamentos de Almeida Costa (in “Direito das Obrigações”, pág. 236) que defende que “a resolução consiste no acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não houvesse sido celebrado. Essa faculdade pode resultar da lei ou da convenção dos contraentes (...) Por outro lado, a resolução efectiva se extrajudicialmente por declaração à contraparte ou mediante recurso ao tribunal”.
UU. A resolução é um acto jurídico que tem de ser declarado e comunicado, pois essa é a única maneira de poder produzir efeitos.
VV. Pode assim dizer-se que o teor das intervenções judiciais acima referidas traduz o acto de vontade da exequente em efectivar o termo do contrato de mútuo com base no incumprimento definitivo do plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do cap ital e dos juros, acto esse que foi comunicando aos mutuários em dívida, mormente através da citação, muito antes do prazo dos 20 anos.
WW. Por conseguinte, havendo a prova que o contrato de mútuo foi cessado com base no incumprimento definitivo do plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros e que essa resolução chegou ao conhecimento das partes em tempo, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 310.º, e), do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado não poderá ser configurado como “quotas de amortização”, mas sim como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-06-2018. XX. Em consequência, a partir da resolução, deixou de se estar perante prestações periodicamente renováveis e passou-se a estar perante um valor unitário global.
YY. Face ao exposto, é forçoso concluir que a perda de benefício do prazo aplicável, por falta de pagamento das prestações do capital mutuado, confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital, ocorrendo uma convolação numa noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda em dívida, o qual não poderá estar sujeito ao prazo prescricional de 5 anos, sendo assim aplicável o prazo geral de 20 anos.
ZZ. Nos termos expostos, face à análise casuística da situação sub judice, é forçoso concluir que a decisão ora recorrida que determinou a extinção da execução quanto as quantias peticionadas, violou o disposto no artigo 311.º, n.º 1, do Código Civil, no que diz respeito ao prazo de prescrição aplicável, e caso assim não se entenda, violou o disposto no artigo 310.º, d), do Código Civil em conjugação com o artigo 323.º, n.º 1 e 2, do Código Civil.
Termos em que, e nos demais de Direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso de apelação, e em consequência, ser revogada a douta decisão agora recorrida, substituindo-se por outra que ordene o prosseguimento da acção executiva com o ressarcimento total dos créditos aqui peticionados, como é de DIREITO E JUSTIÇA!»
Nas contra-alegações o executado apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
a) A sentença ora recorrida encontra-se devidamente fundamentada de forma criteriosa e real, quer de facto, quer de Direito.
b) Resulta da lei e, bem assim, de toda a extensa jurisprudência ora citada, toda ela recente, que ao mútuo pagável fracionadamente é aplicável o prazo prescricional de cinco anos, previsto na alínea e) do artigo 310.º do CC.
c) Conforme os Doutos acórdãos: Acórdão do STJ de 18.10.2018, Processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, Acórdão STJ Processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1, Acórdão do STJ de 27.3.2014, processo n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S, Acórdão de 29.9.2016, processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1.
d) Deverá improceder o recurso interposto pela Recorrente por se encontrar prescrito, razão pela qual a sua pretensão, não deverá merecer provimento.
e) A sentença de que ora recorre a A. não merece qualquer reparo, não se verificando a violação de qualquer dispositivo legal.
f) Os motivos apresentados pela requerida são desprovidas de fundamentação legal, dos factos e do direito e da própria razão que não lhe assiste.
Nestes termos
E nos demais de direito, que VªS. Exas. mui doutamente suprirão,
Deverá a presente contra-alegação ser julgada totalmente procedente e, no demais, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.
Porém, Vªs Exªs farão A COSTUMADA JUSTIÇA”.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos dados como provados na 1.ª instância são os seguintes:
1. “(…) STC, S.A.” (Embargada) veio instaurar, em 29 de Março de 2021, acção executiva para cobrança de quantia certa contra … (Embargantes), com vista ao pagamento do valor global de € 16.655,64, sob a forma sumária.
2. Para tanto, apresentou o documento que fez juntar ao requerimento executivo, correspondente a um contrato de empréstimo, datado de 15 de Maio de 2013, mediante o qual foi entregue ao Embargante o valor de € 16.900,00, pelo prazo de 10 anos, com obrigação de reembolso em 120 prestações mensais, desde a data do contrato.
3. O contrato não foi pontualmente cumprido pelo devedor, acabando a credora por considerar vencidas as prestações de 15 de Janeiro de 2016 e seguintes.


2 – Objecto do recurso.

Questão (única) a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3, do CPC:
Saber se nas situações de contratos de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios o prazo de prescrição aplicável às duas componentes (capital e juros) é o de 5 anos, sendo aplicável à situação o regime da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil ou de 20 anos nos termos do artigo 309.º do Código Civil.


3 - Análise do recurso.

Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou prescrito o direito da exequente, entendendo que o prazo de prescrição é de 5 anos, aplicando para tal o artigo 310.º do Código Civil, por referência à aplicação da alínea e).
A recorrente discorda desta decisão, argumentando que atenta a própria natureza do contrato de mútuo, que tem inerente a obrigação de restituição de capital (artigo 1142.° do Código Civil), uma vez vencidas todas as prestações, como foi o caso, já não estamos perante o reembolso de quotas de capital e de juros amortizáveis, pois cessou o reembolso fraccionado e periódico do capital e passamos a estar perante um valor unitário global e por isso o prazo a aplicar é o de 20 anos nos termos do artigo 309.º do Código Civil.
Vejamos:
A M.ª Juiz do Tribunal a quo considerou que o crédito da exequente se encontrava prescrito, por aplicação ao caso dos autos do prazo estabelecido no artigo 310.º do Código Civil, ou seja, prescrição de cinco anos.
A exequente sustenta que no caso em apreço não se aplica o prazo estabelecido no artigo 310.º, mas sim o prazo estabelecido no artigo 309.º do Código Civil, ou seja, prescrição de vinte anos.
Sabemos que, nos termos do artigo 298.º, n.º 1, do CC, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
No caso dos autos, estamos perante uma situação em que foi acordado o pagamento do empréstimo em prestações e a falta de pagamento de uma delas importou o vencimento de todas, com a resolução do contrato de mútuo (artigo 781.º do Código Civil).
A decisão recorrida julgou que a dívida estava prescrita, por aplicação do prazo estabelecido no artigo 310.º do Código Civil, ou seja, prescrição de cinco anos.
A recorrente defende a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil.
Nos termos das alíneas d) e e) do artigo 310.º do CC: (Prescrição de cinco anos)
Prescrevem no prazo de cinco anos:
(…)
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;»
A razão essencial desta prescrição de curto prazo é a de evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor contra a acumulação da sua divida.
Quanto a este prazo, já Manuel de Andrade ensinava: “a lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar” (Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1972, página 452).
Tal como Vaz Serra, que refere que, a lei “destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas. (Prescrição Extintiva e Caducidade in BMJ n.º 107, página 285).
A questão de saber qual o prazo de prescrição aplicável às situações de contratos de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios, com duas componentes (capital e juros) e com vencimento antecipado ou exigibilidade antecipada da totalidade das prestações, não tem sido solucionada de forma uniforme pela doutrina e pala jurisprudência.
Por um lado, temos a posição que vê o contrato de mútuo a liquidar em prestações como um contrato de natureza duradoura e prestação única, distinto do contrato de prestações continuadas, no qual as prestações de amortização não assumem autonomia, sendo por tal de aplicar ao capital total em dívida o prazo de prescrição geral de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil – Neste sentido, Acórdão da RG de 16.03.17, proc. n.º 589/15.0T8VNF-A.G1, Acórdão RC de 12.06.18, proc. n.º 17012/17.8YIPRT.C1 e Acórdão RL de 12.11.2020, proc. n.º 927/14.2TBALM-A.L1-8.
Por outro lado, temos a posição de conceptualização oposta, que vê o mútuo bancário como uma obrigação de valor predeterminado – a restituição do capital e juros – mas, cujo cumprimento pelo mutuário, conforme o convencionado, liquidável em prestações mensais, traduz um plano de amortização fraccionada do valor dívida, com prazos de vencimento autónomo e que se o devedor deixa de pagar algumas das quotas de amortização de capital mutuado, a prescrição não pode pôr-se em relação às quotas em dívida como um todo, mas em relação a cada uma delas e consequentemente, sujeitando a extinção da prestação global ao prazo de prescrição quinquenal estabelecida no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
Para esta posição, em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização, pelo que, em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, entendendo ainda que a circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
É esta a posição perfilhada por Vaz Serra, (Op. cit.) e Antunes Varela (Anotação ao Parecer da Procuradoria-Geral da República de 31 de Outubro de 1969, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103.º, n.º 3421, páginas 249-256 e Das Obrigações em Geral, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1973, página 53).
Há ainda quem defenda – embora acolhendo o funcionamento da prescrição quinquenal no que respeita à extinção de cada uma das prestações vencidas – que em caso de incumprimento, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida, os valores em dívida retomam a sua natureza original de capital (e juros), ficando o capital global sujeito ao prazo ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.
Ou seja, entendem que, se – como no caso dos autos – de resolução do contrato e vencimento antecipado ou exigibilidade antecipada da totalidade das prestações – resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310.º, e), do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”.
E concluem que, neste caso, em que o contrato foi resolvido com base no incumprimento definitivo, estipulando-se a perda do benefício do prazo e se reclama o montante da dívida global, não estamos perante quotas de amortização e com essa conclusão afastam a aplicação do prazo da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
Neste sentido Ac. RC de 12 de Junho de 2018 (Relator: Jorge Arcanjo) onde se argumenta o seguinte: «(…) o “regresso” (não necessariamente retroactivo) ao estado económico-jurídico anterior à frustração ou à alteração contratual e numa base, quanto possível, igualitária entre ambas as partes” (A Resolução do Contrato No Direito Civil, 1982, páginas 173, 178). Portanto, o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como a dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data do incumprimento (…) Por isso, não tem aplicação o regime especial da prescrição do artigo 310.º, e), do Código Civil, mas o prazo geral da prescrição de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil)”.
Parece ser essa a posição de Menezes Cordeiro, (Tratado de Direito Civil, V, páginas 175, 176 e Código Civil Comentado, Volume I – Parte Geral, Almedina, 2020, páginas 892/893), quando refere: “a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização“.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem consistentemente defendido que nas situações de contratos de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios o prazo de prescrição aplicável às duas componentes (capital e juros), mesmo que ocorra resolução do contrato e vencimento antecipado ou exigibilidade antecipada da totalidade das prestações, é o de 5 anos, sendo aplicável à situação o regime da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
E Acórdãos do STJ (entre outros) de 26-01-2021, no âmbito do processo n.º 20767/16.3T8PRT-A-S2, de 23/01/2020, processo n.º 4518.17.8T8LOU.A.P1.S1, de 12-11-2020, processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, onde se pode ler: “A dívida emergente de um contrato de mútuo bancário, em que, por acordo entre credor e devedor, se prevê a amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e dos juros correspondentes está sujeito ao prazo de prescrição, previsto na alínea e) do artigo 310.º do CC e a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
(…) No que se refere à alínea e) do artigo 310.º do CC, estabelece-se um prazo prescricional único, de curta duração, aplicável ao capital e aos juros correspondentes, que devam ser pagos de forma conjunta.
Na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida” – vide Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil, Coimbra editora, 2ª edição, Junho de 2014, pág. 127.
Por conseguinte, “a estipulação de um plano de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas frações, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração de capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista na referida alínea e) do artigo 310.º do CC e prejudica a aplicação do prazo ordinário de prescrição de vinte anos» (vide Ana Filipa Morais Antunes, ob. cit, pág. 128).
Da mesma forma pode ler-se no Ac. do STJ de 29.9.2016, proc. nº 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro Lopes do Rego: “no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.
Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado artigo 310.º, já que – por explicita opção legislativa – esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que , neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º».
E ainda no Acórdão de 03-11-2020, n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Relatora Fátima Gomes): “Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.
Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.”
E muito recentemente, o Acórdão do STJ de 28.04.2021, proc. 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1 (Relatora Graça Amaral): “O contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fraccionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as fracções.»
Também neste sentido Ana Filipa Antunes (Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, 2010, volume III, páginas 44-48), onde expressamente se refere “…na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diver­sas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em presta­ções autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida (…) … constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
Acompanhamos o entendimento do STJ.
Cremos que o facto de se tratar de uma situação de pagamento fraccionado em prestações condiciona a aplicação do regime do art.º 310.º, pois o legislador equiparou esta situação à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
E além disso, como chama a atenção, Manuel de Andrade (Teoria Geral, II, 1966, página 452), não pode envolver a alteração do regime da prescrição o facto de o credor ter exigido a totalidade das prestações devido à mora do devedor que se converteu em incumprimento definitivo sob pena de deixar nas mãos do mesmo o tempo da prescrição, conforme se prevaleça da faculdade de exigir todas as prestações de uma só vez ou, não obstante o incumprimento, alterando o enquadramento da dívida para efeitos de prescrição e não cremos que essa seja a melhor solução, por contrariar as exigências de segurança que deve corresponder ao regime de prescrição.
Em suma, no caso dos autos, sendo a obrigação de reembolso da dívida objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, é assim, de concluir pela aplicação do regime previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
Em face do exposto, tem-se por verificada a prescrição do crédito exequendo.
Não merece qualquer censura a decisão recorrida, improcedendo as conclusões da recorrente.

Sumário: (…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 24.02.2022
Elisabete Valente
José António Moita
Declaração de Voto
Concorda-se com o sentido do julgamento – manutenção da decisão do tribunal da primeira instância – mas discorda-se da fundamentação constante na motivação de direito do acórdão quando ali se defende que também no caso de resolução do contrato de mútuo (com base em incumprimento definitivo do mutuário) e em que as partes hajam acordado um reembolso de capital e juros remuneratórios, o prazo de prescrição aplicável é o quinquenal, previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
Quando o credor/mutuante recorre ao mecanismo previsto no artigo 871.º do Código Civil – ocorre aqui uma perda do benefício do prazo, gerando-se um vencimento antecipado das prestações vincendas – está-se no âmbito do cumprimento do contrato, daí que o vencimento imediato das demais prestações com perda de benefício do prazo não gere a modificação do objeto mediato do contrato – prestações compostas por capital e juros remuneratórios de montante pré-determinado, insuscetível de alteração pelo mero decurso do tempo – e o que continue a ser devido sejam as quotas de amortização individualmente consideradas (compostas pelo capital e juros remuneratórios), pelo que cada uma delas – vencidas e vincendas – continua sujeita ao prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
Porém, quando o credor resolve o contrato por incumprimento contratual da contraparte, a solução, no que respeita ao prazo de prescrição aplicável, é diversa: por força do exercício potestativo do direito de resolução, o vínculo contratual tal como foi acordado extingue-se, surgindo uma nova relação obrigacional, de liquidação, da qual emergem novos deveres de prestação, fruto da retroatividade, para além do direito a uma indemnização pelos danos eventualmente causados com o incumprimento, e aos direitos de créditos emergentes dessa nova relação obrigacional aplica-se o prazo prescricional de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.
Daí que se entenda, como se defendeu no acórdão proferido na apelação n.º 49/20.7T8LLE-A.E1 relatado pela ora signatária, que se deva distinguir, quanto ao prazo de prescrição aplicável, as situações em que, em face do seu incumprimento, o mutuário perde o benefício do prazo, vencendo-se antecipadamente as prestações acordadas, nos termos previstos no artigo 781.º do Código Civil, daquelas outras em que o credor resolve o contrato de mútuo em virtude do incumprimento do mutuário.
Cristina Dá Mesquita