Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5202/15.2T8ENT-A.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. Não sendo título executivo uma sentença, o executado está perante o requerimento executivo na mesma posição em que estaria perante a petição inicial na acção declarativa, podendo, por conseguinte, alegar nos embargos tudo o que poderia invocar na contestação àquela acção, quer por impugnação quer por excepção.
II. Pretendendo o executado/oponente demonstrar que a quantia reclamada na execução não é devida, no todo ou em parte, compete-lhe a alegação e prova dos factos em que assenta tal pretensão, tendentes a afastar/reduzir o pedido executivo.
III. Na falta de alegação de tais factos, não obstante o convite ao aperfeiçoamento da petição de embargos, deve ser liminarmente indeferido o requerimento inicial, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 732º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. AA, deduziu embargos à execução que lhe move BB, S.A., transcrevendo passagens do Acórdão de Uniformização n.º 7/2009, concluindo pelo pedido de redução da quantia exequenda, com a dedução do valor reclamado a título de juros remuneratórios.

2. Com a ref.ª 73006934 foi proferido o seguinte despacho:
“Antes de mais, e considerando a alegação conclusiva oferecida pela embargante em sede de embargos, que se traduz na citação de diversas passagens do Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 7/2009, convido-a no prazo de 10 dias a concretizar de forma factual quais os montantes constantes do requerimento executivo que entende ser não devidos.”

3. Em resposta o oponente apresentou requerimento dizendo que “… não dispõe de elementos para concretizar numericamente os valores, porquanto os mesmos foram somados a outras despesas e encargos reclamados e ao próprio capital, de acordo com a descrição dos factos constante do ponto 18 do Requerimento Executivo”, requerendo “… a notificação da Exequente, para vir aos autos descriminar os valores reclamados e, em concreto, qual o valor de face da livrança que diz respeito a juros remuneratórios, moratórios, encargos, despesas e capital, por se tratar de elementos que estão na posse daquela parte.”

4. Foi, então, proferido o seguinte despacho de indeferimento liminar:
«A embargante deduziu embargos de executado, transcrevendo conclusivamente um Ac. de Fixação de jurisprudência.
Notificada para densificar factualmente a sua alegação, refere que não dispõe de elementos que lhe permita satisfazer as conclusões que retira nos seus embargos.
O executado pode opor-se à execução por embargos - artigo 728.°, n.º 1, do Novo
Código de Processo Civil.
A oposição por embargos de executado toma o carácter de contra-acção do executado à iniciativa do exequente, tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo que nele se baseia. Daí que esta forma de oposição introduza, no processo executivo, uma fase declarativa, autónoma e própria, com a particularidade de o embargante, ter de afirmar na petição, factos impugnativos (impeditivos, modificativos ou extintivos) da própria exequibilidade do título, da inexistência de «causa debendi» ou do direito do exequente, ou factos que, em processo normal, constituiriam matéria de excepção.
Os embargos são liminarmente indeferidos se for manifesta a sua improcedência - artigo 732.°, n.º 1, alínea c), do Novo Código de Processo Civil.
É o caso dos autos, pelas razões que ficaram expostas: A embargante não alega quaisquer factos onde suporte as conclusões que argui.
Termos em que, porque inútil fazer os autos prosseguirem seus termos, indefiro liminarmente os embargos de executado.»

5. Inconformado recorreu o oponente, pedindo o recebimento dos embargos, com os fundamentos seguintes [transcrevem-se as conclusões do recurso]:
a) Citado da execução contra si movida, veio o Recorrente a deduzir oposição mediante embargos, porquanto na descrição da quantia exequenda a Exequente indicou que estavam em causa juros moratório e juros compensatórios.
b) Inconformado, porquanto entendeu tratar-se de uma duplicação ilegal, na senda aliás do mui douto Ac. que citou nos seus embargos, deduziu oposição com tal fundamento.
c) Notificado para densificar, indicando os concretos valores, veio o Recorrente esclarecer que o não podia fazer porquanto a informação estará na posse da Exequente, que não descriminou os valores no seu requerimento executivo inicial.
d) Entendeu o Tribunal a quo - em nosso entender mal - rejeitar liminarmente os embargos por manifesta improcedência. Ora, com o devido respeito, não se consegue alcançar a razão de ser de tal douta sentença, ora recorrida.
e) Não se vislumbra da parca fundamentação porque terá o Tribunal a quo achado, sem mais, que os embargos haviam de improceder. De uma vez que nem determinou a diligência requerida pelo Recorrente.
f) Cifrando-se a fundamentação da douta sentença ora recorrida no facto de o Recorrente não ter alegado factos. O que, não corresponde ao vertido no embargo, são factos relevantes e está em causa apenas matéria de direito, que a Exequente cobre 2 tipos de juros sobre a mesma quantia. E esse é o facto ao qual o Recorrente queria ver aplicado o direito que invocou, sendo a quantia exequenda reduzida ao seu justo valor.
g) O recorrente não está a fugir às suas responsabilidades, mas não assume o que for para além destas. E viu na douta decisão ora recorrida, coarctada a possibilidade de ver a sua pretensão julgada e decidida nos termos constitucionalmente previstos.
h) Pelo que, deverá a douta decisão ora recorrida ser revogada e substituída por douto despacho que receba os embargos, ordenando o prosseguimento dos autos.

6. Não se mostram juntas contra-alegações.
Remetidos os autos a esta Relação, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se ocorre fundamento para a rejeição liminar dos embargos.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências factuais resultantes do relato dos autos, sendo ainda de considerar que do requerimento executivo consta o valor do pedido assim liquidado:
“Valor líquido: 93.345,21 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 22.311,81 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético 0,00 €
Total: 115.675,02 €
1 - O valor líquido corresponde à soma do capital em dívida no empréstimo nº PT 00350003007001385 no montante de € 50.121,46, do empréstimo nº PT 00350003007928285 no montante de € 30.550,89 e no cartão de crédito nº 10016363870 no montante de € 12.672,86;
2 - O valor dependente de cálculo aritmético corresponde à soma dos seguintes valores:
Empréstimo nº PT 00350003007001385
Juros de 06/05/2011 a 06/08/2015 - € 7.985,44
Despesas - € 210,90
Comissões devidas à exequente no âmbito do empréstimo - € 1.129,80

Empréstimo nº PT 00350003007928285
Juros de 13/05/2011 a 06/08/2015 - € 4.597,99
Comissões devidas à exequente no âmbito do empréstimo - € 946,57

Cartão de Crédito nº 10016363870
Juros de 20/10/2011 a 19/08/2015 - € 7.219,87
3 - Aos valores indicados acrescem os juros vencidos e vincendos até integral pagamento calculados nos termos legais e contratuais, desde 07/08/2015 inclusive no caso dos empréstimos nº PT 00350003007001385 e PT 00350003007928285, e de 20/08/2015 no caso do cartão de crédito, com encargos correspondentes a juros calculados à taxa actualizada de 5,417% no primeiro contrato, de 5,292% no segundo contrato e de 21,70% no cartão de crédito, tudo acrescido das despesas extrajudiciais que a exequente efectue e que sejam da responsabilidade dos devedores.
4- Sobre os juros e comissões a cobrar incidirá Imposto de selo à taxa em vigor.”
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B) – O Direito
1. Nos autos executivos a que os presentes embargos se reportam, pretende a exequente ser ressarcida das quantias em dívida decorrentes do incumprimento dos contratos de mútuo celebrados com CC, garantidos por hipoteca e por fiança do oponente e de sua mulher, e bem assim, dos valores em dívida referentes a conta de cartão de crédito daquela executada, garantidos por livrança avalizada pelo aqui oponente, que subscreveu o pacto de preenchimento referido no ponto 18 do requerimento inicial.
O embargante não coloca em causa nem a validade dos títulos dados à execução nem sua exequibilidade.
A sua discordância em relação à execução parece assentar apenas no facto de na quantia exequenda poderem estar incluídos juros compensatórios, daí ter invocado o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2009.
Mas, perante a constatação de que não havia no requerimento de embargos a alegação de qualquer facto concreto que justificasse a redução do valor do pedido executivo, como era sua pretensão [no requerimento apresentado o embargante limita-se exclusivamente a transcrever passagens do acórdão de uniformização], e que nem quando convidado a completar o seu requerimento o embargante os alegou, vindo apenas dizer que não tinha elementos para concretizar numericamente os valores, requerendo a notificação da exequente para discriminar os valores reclamados, rejeitou-se liminarmente os embargos.
Confrontado com esta decisão, que indeferiu a sua pretensão por falta de alegação de factos que suportem o pedido formulado, diz o ora recorrente que está em causa unicamente matéria de direito.
Porém, não lhe assiste razão.
Senão vejamos:

2. Como se sabe, apesar de bastar ao credor estar munido do título executivo para poder lançar mão da acção executiva, tal não significa que a sua existência garanta em absoluto a existência do crédito, já que o direito de acção executiva é autónomo e independente do direito substancial.
Daí que seja lícito ao executado fazer valer as eventuais divergências do título com a realidade substancial, bem como eventuais vícios processuais ou substantivos procedentes da formação do título, por via da dedução de oposição à execução, por embargos, com os fundamentos actualmente previstos nos artigos 729.º e 731.º do CPC, quando a execução não seja fundada em sentença. Ou seja, não sendo título executivo uma sentença, o executado está perante o requerimento executivo na mesma posição em que estaria perante a petição inicial na acção declarativa, podendo, por conseguinte, alegar nos embargos tudo o que poderia invocar na contestação àquela acção, quer por impugnação quer por excepção.
Trata-se, pois, de processo que decorre com contraditório pleno, configurando-se como uma verdadeira acção declarativa enxertada na executiva.
Assim, pretendendo o executado/oponente demonstrar que a quantia reclamada na execução não é devida, no todo ou em parte, compete-lhe a alegação e prova dos factos em que assenta tal pretensão, tendentes a afastar/reduzir o pedido executivo (cf. artigo 342º, n.º 2 do Código Civil).

3. No caso, o oponente, no requerimento executivo, limitou-se exclusivamente a transcrever passagens do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2009, onde se decidiu que: “[n]o contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados” [publicado no DR 86 SÉRIE I de 2009-05-05].
Em lado algum do requerimento da oposição o oponente indica onde no requerimento executivo estão incluídos os juros remuneratórios proibidos pelo citado aresto, nem menciona quais os valores indevidamente pedidos, e, não obstante o convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido, tal omissão não foi suprida.
Acresce que, do requerimento executivo, na parte respeitante à liquidação da quantia exequenda, constam discriminados os montantes de capital, juros (com indicação dos períodos em causa) e outras despesas, como acima se transcreveu, com referência a cada contrato, constando do mesmo requerimento as datas em que ocorreram os incumprimentos contratuais, o que permitia que o oponente, em face dos títulos e da documentação anexa pudesse questionar os valores em causa, indicando, quais as quantias que não eram devidas, designadamente de juros remuneratórios, se efectivamente fosse esse o caso.
Em síntese, é ao executado/oponente que compete a alegação e prova dos concretos factos que demonstram a inexigibilidade no todo ou em parte da quantia exequenda, pelo que na falta de alegação de tais factos, não obstante o convite ao aperfeiçoamento da petição de embargos, deve ser liminarmente indeferido o requerimento inicial, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 732º do Código de Processo Civil, como sucedeu.
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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. Não sendo título executivo uma sentença, o executado está perante o requerimento executivo na mesma posição em que estaria perante a petição inicial na acção declarativa, podendo, por conseguinte, alegar nos embargos tudo o que poderia invocar na contestação àquela acção, quer por impugnação quer por excepção.
II. Pretendendo o executado/oponente demonstrar que a quantia reclamada na execução não é devida, no todo ou em parte, compete-lhe a alegação e prova dos factos em que assenta tal pretensão, tendentes a afastar/reduzir o pedido executivo.
III. Na falta de alegação de tais factos, não obstante o convite ao aperfeiçoamento da petição de embargos, deve ser liminarmente indeferido o requerimento inicial, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 732º do Código de Processo Civil.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
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Évora, 8 de Fevereiro de 2018

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(Francisco Xavier)

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(Maria João Sousa e Faro)

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(Florbela Moreira Lança)