Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
92/13.9TBTMR-I.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: RESOLUÇÃO DE ACTO PREJUDICIAL À MASSA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Embora a declaração de insolvência prive o insolvente dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa, tal situação de indisponibilidade relativa não o priva de actuar em defesa dos seus interesses no próprio processo de insolvência e respectivos apensos, pelo que o mesmo detém legitimidade para a prática de vários actos, designadamente para impugnar a resolução de actos em benefício da massa insolvente nos termos artº 125º do CIRE, face ao seu interesse em demonstrar que inexistiu prejuízo para a massa.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 92/13.9TBTMR-I.E1 (2ª Secção Cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo de Comércio de Santarém – J2) corre termos ação pela qual Massa Insolvente de (…) e mulher, (…), representada pelo respetivo Administrador da Insolvência, (…), demanda (…) – Investimentos e Participações, SGPS, S.A. alegando factos que em seu entender alicerçam o pedido de resolução em benefício da massa insolvente e que pela procedência do mesmo:
a) Seja declarado resolvido em benefício da massa insolvente, aqui autora e, em consequência, ineficaz em relação à mesma, o ato consubstanciado na Acta n.º 1, do Livro das Assembleias-Gerais da ré, lavrada em 22.07.2011 e exarada de fls. 2 a 10, por via do qual os insolventes subscreveram as seguintes participações sociais na aqui ré:
- (…) – 106.110,00 €, correspondentes a 21.222 ações mediante a transmissão de 21.222 ações do capital social da sociedade (…) – Equipamentos Para Motores, SA, NIPC (…);
- (…) – 16.760,00 €, correspondentes a 3.352 ações mediante a transmissão de 3.352 ações do capital social da sociedade (…) – Equipamentos Para Motores, SA, NIPC (…);
- (…) e (…) – 13.570,00 €, correspondentes a 2.714 ações mediante a transmissão de 2.714 ações da sociedade (…) – Equipamentos Para Motores, SA, NIPC (…), devendo, na expressão legal “(…) reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado (…)”.
A ré veio, além do mais, na sua contestação arguir a exceção da ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário passivo.
Na resposta a autora defende a inexistência da exceção de ilegitimidade passiva, mas “cautelarmente” requereu o chamamento dos insolventes à lide a fim de intervirem como réus nos presentes autos (artº 29º da réplica), requerendo, a final, a sua citação na pessoa do seu legal representante, administrador da Insolvência.
Em sede de saneador o Julgador indeferiu o chamamento dos insolventes requerido “cautelarmente” pela autora, por entender “não ser essa a forma processualmente adequada para chamar um interessado a intervir na ação” e apreciou a alegada ilegitimidade concluindo que a ação devia ter sido intentada não só contra a beneficiária das participações sociais, mas também contra os insolventes, reconhecendo a verificação da exceção dilatória da ilegitimidade passiva e em consequência absolveu a ré da instância.
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Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor recurso, tendo apresentado as respetivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
“I. A primeira questão que se coloca é a de saber se, em ação de resolução em benefício da massa insolvente, os insolventes também têm de ser demandados enquanto réus, sob pena de preterição de litisconsórcio passivo.
II. “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.” – Cf. art.º 1º, do CIRE.
III. Nos termos do art.º 81º, n.º 1, do CIRE, “…a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.”
IV. E, de acordo com o art.º 84º, n.º 4, do CIRE, ”O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.”
V. O administrador da insolvência atua em representação legal do devedor, quando resolve em benefício da massa um ato deste que, em prejuízo dos credores, excluiu bens do seu património.
VI. O CIRE estabelece, portanto, um regime especial de desvio à regra da legitimidade, na medida em que ou o ato foi prejudicial ao património do próprio devedor, e foi praticado com má-fé para prejudicar os seus credores (art.º 120º do CIRE); ou em circunstâncias tais que nem sequer é preciso apurar esses requisitos (art.º 121º do CIRE).
VII. Fosse intenção do legislador fazer intervir o insolvente em ação de resolução em benefício da massa insolvente, por certo o mesmo não prescindiria da consagração expressa de tal obrigatoriedade, à semelhança, aliás, do que sucede, por exemplo, nos termos do art.º 146º do CIRE.
VIII. O conceito de “relação controvertida” não se esgota no negócio jurídico invocado, não podendo confundir-se legitimidade para transferência e aquisição do direito de propriedade, com legitimidade para litigar em juízo, pois que a “relação material controvertida” no caso em apreço prende-se não apenas com a celebração do referido contrato, mas, igualmente e sobretudo, com os efeitos do mesmo em relação a quem, no quadro insolvencial, venha a ser, por eles, afetado, designadamente, em relação à Massa Insolvente e, consequentemente, aos credores da Insolvência.
IX. Este entendimento não colide, antes completa, o previsto no art.º 30º, n.º 1, do CPC, donde resulta que “…o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”, e do n.º 2, daquele mesmo art.º, resulta que “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação”.
X. Não se vê como da procedência dos presentes autos possa derivar qualquer prejuízo para os insolventes. Pelo contrário, in casu, a reintegração dos bens em causa na massa insolvente, para efeito de satisfação dos direitos dos seus (muitos) credores e, consequente redução ou mesmo extinção dos respetivos créditos, incluindo o eventual crédito que para o adquirente no negócio resolvido, de natureza subordinada por força do disposto na alínea e) art.º 48.º do CIRE, resulte da resolução, apenas pode configurar-se como um benefício ou, no dizer da Lei, como uma “utilidade”.
XI. Julgada procedente a presente ação, sem que os insolventes nela participem enquanto réus, a resolução por via da mesma operada torna-se inatacável, produzindo os efeitos inter partes previstos no art. 126º, n.º 1, do CIRE,
Mas ainda que assim não fosse,
XII. Com letras maiúsculas ou minúsculas, com ou sem título, no corpo ou em separado, com um nome juridicamente (in)correcto, o incidente de intervenção provocada, por via do qual a recorrente requereu a intervenção dos insolventes está plasmado na réplica.
XIII. Inexiste fundamento legal bastante para considerar não admissível o requerimento de incidente intervenção principal dos chamados, que a manter-se, redundaria na necessidade de propositura de uma nova ação para apreciação essencialmente dos mesmos factos, com consequente violação do princípio da celeridade e da economia processual, prevalecendo a decisão de forma sobre a decisão de fundo, ao arrepio do que deve ser o escopo essencial das normas adjetivas.
De todo o modo,
XIV. Mesmo que a recorrente não tivesse deduzido o incidente de intervenção principal provocada dos insolventes, sempre o Tribunal a quo, antes de proferir a decisão que determinou a ilegitimidade por preterição do litisconsórcio passivo, estava obrigado a convidar a recorrente a suprir aquela exceção dilatória – Cf. n.º 2, do art.º 590º, e n.º 2, do art.º 6º, ambos do CPC.
XV. A Sentença ora em apreço violou:
a. Quanto à verificação da exceção da ilegitimidade passiva, os comandos legais ínsitos nos art.ºs 1º, 81º, n.º 1, 84º, n.ºs 4 e 5, do CIRE, e 30º, n.ºs 1 e 2, do CPC, devendo tais normas ser interpretadas no sentido de que os insolventes não têm legitimidade para intervir em ação de resolução em benefício da massa insolvente enquanto réus.
b. Quanto à não admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada dos insolventes, o princípio da celeridade e da economia processual;
c. Quanto à falta de convite destinado a providenciar pelo suprimento da excepção dilatória de ilegitimidade, os comandos legais contidos no art.º 590º, n.º 2, e art.º 6º, n.º 2, do CPC.
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Não foram oram apresentadas contra alegações.

Cumprirá apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, importa apreciar:
1) Se na presente ação de resolução em benefício da massa insolvente, os insolventes também têm de ser demandados enquanto réus, sob pena de preterição de litisconsórcio necessário passivo;
2) – No caso de se considerar necessária a intervenção dos insolventes na posição de réus deveria ter sido aceite a pretensão cautelar da autora nesse sentido ou de lhe ser dada a possibilidade de aperfeiçoar tal pretensão.

Para apreciação da questão teremos que ter em consideração o circunstancialismo que se expôs no relatório e que nos dispensamos de reproduzir.

Conhecendo da 1ª questão
Entendeu-se na decisão recorrida que a presente ação devia ter sido instaurada, não apenas contra a beneficiária da subscrição das participações sociais, mas também contra os insolventes, que as subscreveram.
Consagra-se no nº 1 do artº 46º do CIRE que a massa insolvente se destina à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
Sendo o património do devedor garantia geral das suas obrigações, tem particular relevância a manutenção do seu estado, quer durante o processo de insolvência, quer no momento que antecede o início de todo o processo pois poderá ocorrer empobrecimento doloso ou fortuito.
Prevê-se, por isso, no regime do CIRE alguns institutos tendentes à manutenção, ainda que forçada, do património do devedor, por iniciativa dos credores ou do próprio Administrador de Insolvência.
Uma das figuras jurídicas de conservação da garantia patrimonial, no processo de insolvência, consiste precisamente no instituto da resolução de negócios em benefício da massa insolvente, previsto nos artºs 120º e 121º do CIRE, que permite a “destruição de atos prejudiciais a esse património” para que os bens se mantenham na titularidade do insolvente e para reintegrar aqueles que nela se manteriam não fossem determinados atos praticados ou omitidos pelo insolvente – cfr. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª ed. 210/211.
A finalidade prosseguida é, consequentemente, que estes bens sejam apreendidos para a massa insolvente.
Mostram-se previstas no CIRE duas modalidades fundamentais: a resolução condicional, ou seja um regime resolutivo geral – artº 120º e a resolução incondicional – artº 121º.
No âmbito da primeira das referidas modalidades, estabelece o nº 1 do artº 120º do CIRE, que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Como prejudiciais à massa, considera-se no nº 2 do citado normativo, os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
E, decorre do nº 3 do preceito que se presumem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer dos tipos referidos no artigo 121º, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
Nesta modalidade de resolução de negócios em beneficio da massa insolvente, é ainda necessária a existência de má fé do terceiro, a qual se presume quanto a atos (praticados ou omitidos) que tenham ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao inicio do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
A má-fé, entendida como pressuposto para fazer funcionar esta modalidade, consiste, de harmonia com o nº 5 do citado artº 120º do CIRE, no conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias:
- De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
- Do carácter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
- Do início do processo de insolvência.
Na modalidade de resolução incondicional, consagrada no artº 121º do CIRE, a resolução realiza-se independentemente da verificação dos pressupostos previstos no artº 120º do CIRE, mas em relação a certas categorias de atos, sendo, portanto, necessário o preenchimento das diferentes alíneas do nº 1 do artº 121º do CIRE para que possa operar uma resolução incondicional, tendo o preceito um carácter taxativo (neste sentido Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 4ª ed., Almedina, 2012, 220).
E, considerando que a enumeração dos atos sujeitos à resolução incondicional é taxativa, qualquer ato que não esteja previsto nas diversas alíneas do nº 1 do citado normativo, só poderá ser resolvido em benefício da massa insolvente, se se verificarem os pressupostos enumerados no artº 120º do CIRE.
Nos termos das disposições conjugadas dos artºs 120º, nº 4 e 121º, nº 1, do CIRE, pode concluir-se que na resolução incondicional, ao contrário da condicional se dispensa o requisito da má-fé.
É que na resolução incondicional, há uma presunção iuris et de iure da prejudicialidade do ato, pelo que nem se requer qualquer consciência dos intervenientes, nem tão pouco conhecimento ou intenção no tocante ao negócio a resolver.
Após o cotejo do regime jurídico relativo à declaração de resolução em benefício da massa insolvente, voltemos ao caso em apreciação.
Não se põe em causa, tal como afirma a recorrente, que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (artº 1º, nº 1, do CIRE). Que o processo de insolvência visa dar satisfação aos direitos de todos os credores do devedor, por meio das forças do património de que o mesmo dispunha, e que é apreendido para a massa insolvente, sendo portanto, um processo de execução universal. Que a resolução em benefício da massa insolvente, ao permitir a reintegração no património do insolvente, e consequentemente, da massa insolvente, de património desviado do seu objetivo, auxilia o Administrador no cumprimento desse objetivo primordial. Que além de proteger os credores do insolvente, este mecanismo acautela também os interesses patrimoniais do próprio (ainda que contra a sua vontade), uma vez que vê as suas dividas liquidadas, e portanto, os direitos dos credores satisfeitos, o que facilitará, posteriormente, o retorno à vida social e ao circulo de negócios jurídicos.
Também, não olvida que o insolvente perde a sua legitimidade ativa no que respeita à sua atuação para efeitos de carácter patrimonial, por efeitos do disposto no artº 81º, nº 1, do CIRE que afirma: “a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente (…) dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador de insolvência”, o qual “assume a representação do devedor para todos os efeitos de caracter patrimonial que interessem à insolvência” (n.º 4 do artº 81º do CIRE).
No entanto, ao contrário do que se depreende da posição da recorrente o AI não representa o devedor insolvente, para todos os efeitos patrimoniais, substituindo-se-lhe na administração e disposição dos seus bens, e sendo do interesse do insolvente proteger o seu património, ou mais corretamente da massa insolvente, dado que há exceções a essa representação, a qual não se estende à intervenção do devedor no processo de insolvência, incidentes e apensos, salvo expressa disposição em contrário, conforme decorre do disposto no n.º5 do artº 81º do CIRE.
Embora a declaração de insolvência prive o insolvente dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa, tal situação de indisponibilidade relativa não o priva de atuar em defesa dos seus interesses no próprio, processo de insolvência e respetivos apensos pelo que o mesmo detém legitimidade para a prática de vários atos, designadamente para impugnar a resolução de atos em benefício da massa insolvente nos termos artº 125º do CIRE face ao seu interesse em demonstrar que inexistiu prejuízo para a massa (v. Ac. do TRL de 06/03/2008 no processo 1610/2008-8 e Ac. do TRG de 13/03/2014 no processo 1813/12.6TBBRG-D.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt; Maria do Rosário Epifânio in Manual do Direito da Insolvência, 2ª edição, 185).
Tendo o insolvente legitimidade para impugnar a resolução, também devido ao interesse que terá em demonstrar que da prática dos seus atos inexistiu prejuízo para a massa, deverá ser um dos destinatários da declaração resolutiva como interveniente no negócio cuja destruição de efeitos se pretende, donde a resolução, terá de ser dirigida ao(s) insolvente(s) e à pessoa ou às pessoas que com ele(s) negociaram, ou seja contra as partes intervenientes no ato que se pretende resolver (v. Menezes Leitão in Direito da Insolvência 4ª Edição, 222).
Efetivamente, como se salienta no Ac. do STJ de 05/05/2015 (processo 919/09.3TJPRT-F.P3.S1, disponível em www.dgsi.pt), em face do disposto no artº 123º n.º 1 do CIRE, embora “não decorrendo do texto quem tem legitimidade passiva para o direito a exercer, o qual, pelo lado ativo pertence ao AI,” a resolução “deverá ser dirigida por este a ambas as partes intervenientes no negócio que se pretende resolver” isto é no caso sub judice aos Insolventes, subscritores das participações sociais e à ora ré sociedade a que tais participações respeitam, “porquanto aqueles poderão ter interesse em contestar o ato já que o AI intervém em prole da massa insolvente e os Insolventes em defesa do seu património pessoal, neste sentido Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2013, 369/372; Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 2013, 440; Menezes Leitão, Direito Da Insolvência, 222” (v. também, Ac. do TRP de 12/04/2011 no processo 707/07.1TBPRD-D.P1, disponível em www.dgsi.pt)
Conclui-se, desta forma, que tendo o AI enveredado pela instauração de ação com vista a resolução do ato em causa em benefício da massa insolvente devia ter instaurado a mesma, não apenas contra a beneficiária da subscrição das participações sociais, mas também contra os insolventes, sob pena de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário.
Improcede, neste segmento a apelação.

Conhecendo da 2ª questão
Defende a autora que tendo o Julgador considerado necessária a intervenção como demandados dos insolventes, não se justificava que não encetasse esforços para providenciar pelo suprimento da exceção da ilegitimidade passiva dado que a intervenção destes foi requerida, muito embora a título cautelar, sendo indeferida por razões de ordem formal.
É certo que a formulação de intervenção nos autos dos insolventes solicitada pela autora não se mostra no âmbito da forma, processualmente adequada em termos de incidente de intervenção de terceiros, já que não foi identificado como incidente de intervenção de terceiros, nem a sua formulação foi efetuada em separado da réplica, mas o certo é que não deixou de chamar os insolventes à ação, requerendo a respetiva citação.
A incorreta formulação do chamamento, quanto a nós, não podia desde logo conduzir ao seu indeferimento, sem dar à autora a possibilidade de corrigir os termos da formulação, designadamente com a apresentação de um novo articulado para tal efeito, até porque o dever de gestão do processo consignado no artº 590º do CPC, impõe ao Juiz que providencie pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artº 6º do mesmo código.
Estando em causa uma questão de índole processual cumprirá ao juiz determinar a realização dos atos necessários à regularização da instância. No caso, a regularização da situação – exceção dilatória sanável – que embora não pudesse ser alcançada diretamente por via de atuação do juiz, por depender de ato a praticar pela parte, impunha-se ao Julgador fazer a advertência, em conformidade com ao seu entendimento, e expressamente convidar a parte a praticar o ato (v. Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo 214, 212-213; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, 24).
No caso dos autos o juiz não só não convidou a parte a praticar o ato necessário à sanação, nem sequer lhe deu oportunidade, em face da sua prévia iniciativa cautelar, de corrigir a formulação do pedido de intervenção dos insolventes nos autos.
Perante o entendimento de que era necessária a intervenção dos insolventes como demandados nos atos para assegurar o suprimento da exceção da ilegitimidade passiva decorrente de violação de litisconsórcio necessário e evidenciando a autora interesse em suprir tal exceção não se pode aceitar a atitude do Julgador ao não lhe conceder oportunidade de fazer uso da tramitação processual adequada à intervenção daqueles na causa, a fim de possibilitar o normal prosseguimento da ação tendo em vista alcançar uma decisão de mérito.
Nestes termos impõe-se a revogação da decisão recorrida na parte em que indeferiu o chamamento dos insolventes, devendo a autora ser convidada a aperfeiçoar os termos do incidente de intervenção provocada por via do qual os insolventes sejam admitidos a litigar na ação na qualidade de réus.
Relevam, assim, em parte, as conclusões formuladas pela recorrente, sendo de julgar parcialmente procedente o recurso.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte em que indeferiu o chamamento dos insolventes, devendo ser proferido despacho convidando a autora a apresentar (novo) articulado de intervenção de terceiros.
Custas por apelante e apelada na proporção de ½.
Évora, 13-07-2017
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Mário António Mendes Serrano