Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
271/22.1T8SNS.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
ACÇÕES DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – O art. 113.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não proíbe a possibilidade da ação formativa a ministrar a trabalhador, durante o período experimental, ser superior a metade desse período.
II – O legislador pretendeu com este artigo adotar uma posição de compromisso, determinando, por um lado, que uma parte da ação formativa íntegre o cômputo do período experimental, de forma a salvaguardar os interesses do trabalhador em não possuir um período demasiado prolongado de ação de formação; e, por outro, que pelo menos metade do período experimental se traduza no exercício, por parte do trabalhador, das suas efetivas funções, de forma a salvaguardar os interesses do empregador em exercer uma consistente e ponderada avaliação das capacidades de adequação do trabalhador ao seu posto de trabalho.
III – Assim, todo o período de formação que exceda metade do período experimental determina a suspensão deste período, o qual apenas voltará ser contabilizado após ter terminado a ação de formação.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 271/22.1T8SNS.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA (Autora), patrocinada pelo Ministério Público, intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “Infraestruturas de Portugal, S.A.”[2] (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência:
- ser declarado improcedente o motivo invocado pela Ré para denunciar o contrato, já que o período experimental terminara a 31 de Agosto de 2021;
- ser declarado ilícito o despedimento, ocorrido a partir de 12-11-2021, por não ter sido procedido do respetivo procedimento, nem de qualquer outro motivo que permitisse legalmente o despedimento da Autora;
- ser a Ré condenada a pagar à Autora:
a) €2.495,94 (831,98€ x 3m), referente à indemnização em substituição da reintegração;
b) €831,98 de compensação correspondente ao valor da retribuição mensal que deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da ação, a que acrescerão as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, sem prejuízo da dedução a que se faz referência no artigo 390.º, n.º 2, do Código do Trabalho; e
c) os juros de mora já vencidos sobre os valores atrás reclamados, a que acrescerão os juros vincendos devidos até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que a Ré contratou a Autora com efeitos a 01-03-2021 para prestar serviço, com as funções de encarregada de infraestruturas, sob a sua autoridade, direção e fiscalização, mediante contrato escrito, por tempo indeterminado, competindo à Autora, nas suas funções, acompanhar a equipa da via ferroviária de Ermidas Sado, sendo que a Autora esteve ao serviço da Ré até ao dia 12-11-2021, data em que esta fez cessar o contrato de trabalho, invocando denúncia no período experimental.
Mais alegou que, aquando da denúncia do contrato, o período experimental já tinha sido atingido em 31-08-2021, tendo, desde então, a Autora se tornado uma trabalhadora efetiva da Ré, pelo que o motivo invocado para a cessação do contrato, por ser inválido, correspondeu a um despedimento ilícito, por não ter sido precedido pela instauração de processo disciplinar.
Alegou, por fim, que, em virtude do despedimento ilícito, tem a Autora direito à indemnização prevista no art. 391.º do Código do Trabalho, a qual deverá ser graduada, pelo menos no limite intermédio, correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, ou seja, tem a Autora direito ao montante de €2.495,94; e ainda ao montante de €831,98, a título de compensação correspondente ao valor da retribuição mensal que deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da ação, a que acrescerão as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão final.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.
A Ré “Infraestruturas de Portugal” apresentou contestação, pugnando, a final, pela improcedência da ação, por não provada, com a consequente sua absolvição dos pedidos formulados.
Alegou, em súmula, que a Ré, tem por sua iniciativa e interesse fornecer a formação profissional na área de conservação e manutenção de infraestruturas ferroviárias aos trabalhadores que recruta para a categoria de encarregado de infraestruturas na especialidade de via, como foi o caso da Autora, não sendo possível exercer as funções inerentes a tal categoria sem receber essa formação habilitante do exercício da profissão.
Mais alegou que a Autora, tal como bem sabe, recebeu junto com outros trabalhadores extensa formação dispensada pela Ré, tendo esse período originado a suspensão do seu período experimental, nos termos do art. 113.º, n.º 1, do Código do Trabalho, iniciando-se a formação da Autora com um período de formação e acolhimento, a que se seguiu a formação específica em sala, e, por fim, a formação em contexto de trabalho, sendo que, no decurso de tal período de formação, existem três momento de avaliação, cujo aproveitamento determina que o candidato se encontre apto a desempenhar as funções a que se candidatou.
Alegou igualmente que o período de formação da Autora se iniciou em 01-03-2021, tendo terminado a formação em contexto de trabalho em 29-11-2021, pelo que a formação foi de 124 dias, sendo que a mesma apenas seria dada como terminada após a apresentação final de relatório e prova oral, o que redundaria em 274 dias, sendo que, no caso da Autora, acabou por não se verificar, em virtude de a comunicação da denúncia do seu contrato de trabalho ter ocorrido antes de findo esse período.
Alegou, por fim, que, sendo o período de formação da Autora superior ao período experimental, nos termos do n.º 1 do art. 113.º do Código do Trabalho, cerca de nove meses de duração do período formativo da Autora integram a contagem do decurso do período experimental, excluindo-se de tal período experimental o período de formação remanescente, suspendendo-se, assim, a contagem do período experimental durante esse período de formação remanescente, pelo que ainda se encontravam por decorrer 90 dias do período experimental quando a Autora recebeu a comunicação da denúncia do seu contrato de trabalho.
A Autora veio responder à exceção invocada na contestação, ainda que não especificadamente, pugnando pela sua improcedência.
Alegou sinteticamente que a Autora foi contratada, mediante contrato de trabalho, por tempo indeterminado, não se encontrando, por isso, em formação contínua, sendo que quando iniciou funções para a Ré ninguém a avisou que iria desenvolver o seu trabalho em formação, nunca tendo estado, por isso, em formação de acolhimento, sendo que nunca nenhum colega da equipa onde se encontrava integrada desempenhou funções de formador, não possuindo, sequer, habilitações para tal.
Alegou ainda que, entre 01-03-2021 e 23-05-2021, efetivamente a Autora recebeu, via zoom, algumas horas apelidadas de formação, ainda que tais horas apenas se tenham limitado a dar a conhecer os elementos das diversas equipas, sendo que, nesse período, chegou a receber algumas horas efetivamente de formação ministradas por formadores habilitados.
Mais alegou que, a partir de 25-05-2021, a Ré ordenou à Autora que efetuasse formação específica em sala, a qual decorreu no Pragal e em Santa Apolónia entre 25-05-2021 e 30-07-2021, não sendo, porém, contínua; a que acresce que, a partir de 30-07-2021, não lhe foi ministrada qualquer formação em contexto de trabalho, tendo a Autora estado a trabalhar normalmente até 04-11-2021 sem que lhe tenha sido comunicado que se encontrava em formação em contexto de trabalho.
Alegou também que a formação que a Ré facultou à Autora foi inferior a 90 dias, pelo que tal formação integra o período experimental de 180 dias, sem qualquer alargamento da contagem do período experimental, sendo que se a Ré pretendia classificar todo o trabalho da Autora como formação deveria ter celebrado com a mesma um contrato de estágio e não um contrato de trabalho.
Alegou, por fim, que impugna todos os documentos apresentados pela Ré relativos ao alegado período de formação, por serem documentos elaborados pela Ré, cujo conteúdo a Autora é alheia.
Proferido despacho saneador, foi admitido o articulado de resposta, fixado o valor da causa em €3.327,92, dispensada a realização da audiência prévia, identificado o objeto do litígio e prescindida a enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a sentença em 14-04-2023, com a seguinte decisão:
Em face de tudo quanto se deixou exposto e nos termos dos supra citados preceitos legais, o tribunal julga a acção improcedente e, em consequência, absolve a ré “Infraestruturas de Portugal, S.A.” dos pedidos.
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Custas a cargo da autora, sem prejuízo da isenção de que beneficia [artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e art.º 4.º, n.º 1 al. h), do RCP].
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Registe e notifique.
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Comunique à Segurança Social.
Não se conformando com a sentença, veio a Autora AA, patrocinada pelo Ministério Público, interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª- Entre a recorrente e a recorrida foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com inicio a 01 de Março de 2023, para exercer funções de encarregado de via, nele constando que o período experimental seria de 180 dias.
2ª- Com o inicio do contrato a 01 de Março de 2021 iniciou a recorrente a execução da sua prestação de trabalho para a Entidade Empregadora.
3ª - O período experimental de 180 dias , conta-se a partir de 01 de Março de 2021, compreendendo as ações de formação determinadas pelo empregador, na parte em não exceda metade do período experimental-- artº 113º nº 1 do Código de Trabalho.
4ª - Tendo a Entidade Empregadora- Infraestruturas de Portugal, SA. imposto à ora recorrente um plano formativo , desde o inicio do contrato e que não se encontrava ainda completado à data 12 de Novembro de 2021, salvo o devido respeito, não pode beneficiar de qualquer suspensão do período experimental, a partir do decurso de metade do período experimental como o decidiu a sentença .
5ª - A imposição de um plano formativo que abranja todo o período experimental é contrario ao disposto no artigo 113º do Código do Trabalho , pelo que não poderá a Ré beneficiar de qualquer suspensão do período experimental, sob pena de recorrendo-se a tal entendimento, encontrada estava a formula para contornar o prazo máximo de duração do período experimental estipulado no Código do Trabalho e permitir o seu alargamento, funcionando tal entendimento contra o próprio trabalhador.
6ª- As normas que regulam a contagem do período experimental, excluem do seu cômputo as ações de formação que excedam metade da duração daquele.
7ª- O artigo 113º nª 1 do Código do Trabalho é uma norma de caracter taxativo e imperativo.
8ª- Com tal norma o legislador quis que o trabalhador desenvolvesse, no período experimental metade de tal período no exercício das funções para que foi contratado, destinando a outra metade às ações de formação.
9ª- O que o legislador não quis foi que o trabalhador durante , todo o tempo de duração do período experimental estivesse em formação e daí o ter apenas previsto que não são considerados na contagem de tal período os dias de falta, de dispensa e de suspensão do contrato- artº 113 nº 2 do Código do Trabalho.
10ª - A interpretação constante da sentença de que estando sempre em formação o período experimental se suspende decorrido metade do período de formação, contraria o estabelecido no artigo 113º nº 1 e 2 do Código do Trabalho.
11ª- Se o Empregador pretendia contratar um trabalhador e tê-lo em formação desde o inicio do contrato, a 01 de Março de 2021, deveria ter optado por celebrar outro tipo de contrato que se afastasse da aplicação das normas imperativas do Código do Trabalho, em matéria de duração e contagem do período experimental.
12ª- Ao optar por celebrar um contrato de trabalho sujeitou-se às normas imperativas em aplicáveis ao mesmo, em matéria de duração do período experimental e sua contagem , constante do artigo 113º nº1 do Código do Trabalho.
13ª- De acordo com tal normativo o período experimental , com a duração 180 dias, corresponde ao período de 01 de Março de 2021 a 27 de Agosto de 2021.
14ª- Salvo o devido respeito mal andou o Tribunal ad quo ao considerar que atingindo-se metade de duração do período experimental a 30 de Maio de 2021, ocorreria a partir dessa data , uma suspensão da contagem do prazo do período experimental do contrato , suspensão que se manteria até que cessasse a formação.
15ª- Não desconhecendo a doutrina que perfilha o entendimento de que a formação constitui causa suspensiva do período experimental , quando exceda metade de tal período, não me parece que tal interpretação se enquadre na vontade do legislador, face ao que consta no artigo 113º do Código do Trabalho.
16ª - E não se diga que não houve inicio da execução da prestação do trabalhador, como o faz a sentença referindo-se à formação “ esta factualidade não legitima a conclusão de que a Autora se encontrasse em prestação efectiva de trabalho para a Ré no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre si e a Ré, isto é na sua execução”.
17ª- A recorrente mesmo quando a Ré lhe impôs formação encontra-se a prestar a sua atividade no âmbito do contrato de trabalho celebrado, equiparando-se a formação a execução da prestação de trabalho. Veja-se que a recorrente integrava um equipa de trabalho, anotava as anomalias detectadas na via, por vezes tirava fotografias de suporte reportando-as ao supervisor, cumpria o horário de trabalho que lhe era destinado, conduzia a viatura dos serviços quando lhe era solicitado, acompanhava o trabalho nocturno e a prevenção pagando-lhe a ré pelos exercício das funções de motorista, trabalho noturno e prevenção, tendo concedido á autora o gozo de férias de 5 a 21 de Setembro de 2021.
18ª- Se a Entidade Empregadora , contratou a A., para exercer funções que no entender daquela exigiam conhecimentos técnicos e preparação que a A. não possuía , o que era do seu conhecimento e se tal não foi impeditivo de ter formalizado a sua contratação , em termos de contrato de trabalho, sujeitou-se à aplicação do regime taxativo das regras de duração do período experimental e sua contagem, estabelecidas no Código do Trabalho.
19ª- Mal se compreenderia que ainda assim viesse a beneficiar de uma suspensão da contagem do período experimental , quando nem sequer deu oportunidade à ora recorrente de concluir o plano formativo que lhe impôs , ao tê-la dispensado quando ainda decorria o plano de formação no contexto de trabalho e se encontrava em curso o prazo para entrega do relatório da formação no contexto de trabalho, prazo que só terminaria a 13 de Dezembro de 2021 e não lhe havia sido ainda marcada a prova oral de discussão do mesmo relatório, provas orais que decorreram entre 13 e 14 de Dezembro , conforme da fundamentação de facto, de fls. 15 da sentença.
20ª - Aliás, ao denunciar o contrato, com efeitos a 12 de Novembro de 2021, prescindindo da presença da A de imediato, a partir da comunicação de 04 de Novembro, antes da duração prevista para final da formação em contexto de trabalho, que culminaria com a elaboração de relatório e prova oral, a Entidade Empregadora colocou-se numa situação que não lhe permitia concluir sobre a falta de aproveitamento da formação da Autora, de forma a prescindir da mesma.
21ª- As normas que regulam a contagem do período experimental, excluem da sua contagem as ações de formação que excedam metade da sua duração, ou seja os período de formação que são tidos em conta no computo do período experimental , são apenas os que não excedem metade do mesmo.
22ª -O artigo 113º nª 1 do Código do Trabalho é uma norma de caracter taxativo e imperativo querendo o legislador que o trabalhador desenvolvesse a sua atividade nas funções para que foi contratado, para além de metade do período experimental puder ser ocupado em formação.
23ª -O que o legislador não quis foi que o trabalhador durante todo período de duração do período experimental estivesse em formação e que isso fosse contabilizado no computo desse mesmo período experimental e muito menos que existisse suspensão do período experimental quando se atingisse metade do mesmo período.
24º - Salvo o devido respeito mal andou o Tribunal ad quo ao considerar que estando sempre a Recorrente em formação, atingindo-se metade de duração do período experimental a 30 de Maio de 2021, ocorreria a partir dessa data , uma suspensão da contagem do prazo do período experimental do contrato , suspensão que se manteria até que cessasse a formação.
25ª- A recorrente perfilha o entendimento de que estando a recorrente, em formação, desde o inicio do contrato, a 1/03/2021 e aplicando-se ao contrato o período experimental de 180 dias, à data de 12 de Novembro de 2021, em que a Entidade Empregadora denunciou o contrato já se mostrava decorrido o período experimental, não se aceitando qualquer interpretação no sentido de suspensão na contagem do prazo do mesmo, por tal violar o disposto no artigo 113º nº 1, norma de caracter imperativo.
26ª- Não podia pois aplicar-se o disposto no artigo 114º nº 1 do Código do Trabalho , por já se mostrar ultrapassado o decurso do período experimental, o qual decorreu até ao dia 27 de Agosto de 2021, como aliás consta do documento referente à ficha intercalar de avaliação do período experimental quando refere como fim do período experimental –“ 27 de Agosto de 2021”.
27ª- A denúncia do contrato operada pela Entidade Empregadora a 12 de Novembro de 2021, porquanto efetuado , já após o decurso do período experimental , sem precedência de processo disciplinar, constitui um verdadeiro despedimento ilícito , artº 381º al. c) do Código do Trabalho, com todas as legais consequências resultantes da ilicitude de um despedimento, violando nessa parte a sentença recorrida também as normas constantes dos arts 381º nº 1 al c) 389º a 391ª, todas do Código do Trabalho.
28ª- Ao assim não ter decidido , a sentença recorrida fez uma errada aplicação do direito, violando a aplicação de normas taxativas constantes dos arts. 112º nº 1 al b) e 113º nº 1, 114º e 381 nº 1 al c) , 389º a 391º, todos do Código do Trabalho.
29ª- A sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que não suspenda a contagem do período experimental e considere ilícito o despedimento da A. , porquanto efetuado , já após o decurso de tal período, sem precedência de processo disciplinar- artº 381º al. c) do Código do Trabalho, com todas as legais consequências.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser a douta decisão recorrida revogada e substituída por outra que declare que a denuncia do contrato operada pela Entidade Empregadora a 12 de Novembro de 2021, porquanto efetuado , já após o decurso do período experimental , sem precedência de processo disciplinar, constitui um verdadeiro despedimento ilícito , artº 381º al. c) do Código do Trabalho, condenando-se a Entidade Empregadora, com as legais consequências do despedimento ilícito , conforme consta do pedidos efetuados pela da ora recorrente.
Porém V, Exas., melhor apreciando, decidirão fazendo a costumada JUSTIÇA!
A Ré “Infraestruturas de Portugal” veio apresentar contra-alegações terminando com as seguintes conclusões:
A. O decurso de um plano formativo que abranja todo o período experimental (como é o caso dos autos) não é contrário ao disposto no artigo 113.º, do Código do Trabalho;
B. A execução do contrato de trabalho iniciou-se com a realização do programa formativo pela R. destinado à A. (vide ponto 21 a 31, dos factos provados), mas não com a prestação de trabalho efectiva e integral objecto desse contrato, pelo menos, com uma mínima expressão de autonomia da A. equiparável a realização da sua prestação típica, como bem revela a matéria de facto assente (vide, nomeadamente, s ponto 18, 19, 21, 27 , 38 e 37, dos factos provado).
C. O programa desse percurso formativo destinava-se a habilitar a própria A. para o exercício das funções da profissão de Encarregado de Via, uma vez que não existe em Portugal formação profissional disponível nessa área (vide ponto 18 a 21, dos factos provados).
D. Assim sendo, a sentença não merece censura quando reconhece que a A. se encontrava em formação durante toda a duração do contrato, ou seja, “… desde o início do contrato de trabalho (01.03.2021), prolongando-se a mesma, previsivelmente, até 29.11.2021 (ponto 30), …” porque “… quer na fase de acolhimento, quer na fase posterior de formação em sala, a autora estava integrada na equipa e também já na fase final em contexto de trabalho, por isso, observando, acompanhando a equipa, integrando os turnos e a prevenção, trabalhando á noite e, por vezes, conduzindo viatura para transporte de todos, mas por si não tinha autonomia, não podia elaborar relatórios (como referido na prova testemunhal), pois teria de estar certificada junto dos encarregado de obra, encontrando-se ainda em formação e tendo de elaborar o relatório e realizar o exame final (oral).” (sic) vide pág. 41, da sentença;
E. A ora Recorrente, além de não poder assinar relatórios, não podia substituir colegas da equipa “ … como no caso da autora que não poderia substituir o EI …;” (sic) (vide pág. 14, in fine, da sentença).
F. A natureza formativa do tempo decorrido na execução do contrato de trabalho é totalmente lícita face à letra e espírito da norma consignada no n.º 1, do artigo 113.º, do Código do Trabalho, admitindo o decurso de um plano formativo que abranja toda duração do período experimental, em particular, como sucede no caso sub iudice, não podendo proceder a conclusão 23.ª, das Alegações da Recorrente.
G. É essa mesma a particularidade que foi alvo da jurisprudência proferida no Acórdão de 12.12.20111, do Tribunal da Relação do Porto, proc. n.º 661/09.5TTMTS.P1, a que o tribunal a quo aderiu, onde período experimental em singelo consignado na lei tinha uma duração de 30 dias e o período de formação uma duração de 31 dias, ou seja, um dia além daquele (disponível em www.dgsi.pt).
H. Tendo o contrato de trabalho entre A. e R. iniciado sua execução em 1 de Março o período experimento em singelo (sem formação) de 180 dias culminaria no dia 28 de Agosto, porém, atendendo a que por essa altura ainda decorria o período formativo, a este é acrescentado metade da duração legal do período experimental (i.e., 90 dias) pelo que seu termo ocorreria em 26 de Novembro, todos de 2021.
I. Quando a ora Recorrente em 4 de Novembro conheceu a denuncia do contrato de trabalho com a R., com efeitos a 12 de Novembro, todo de 2021 (vide pontos 11 e 12 dos factos provados), ainda decorria por essa altura o período experimental, não tendo a R. por tal procedido a qualquer despedimento da A., mas sim a denúncia do contrato em período experimental com a devida antecedência legal.
J. Não é defensável a tese da A. reclamando que todo o período formativo sirva para o computo do período experimental, sob pena de perder sentido o segmento daquela norma legal que determina a contagem de apenas metade.
K. As prementes razões de certeza jurídica e segurança no emprego que imperam neste plano, importam que o período formativo não deva constituir uma fórmula arbitrária de prolongamento da incerteza do período experimental na execução do contrato de trabalho.
L. Logo, pelo menos nessa medida de ½ suspende-se a contagem do período experimental em singelo (de 180 dias, no caso dos autos) ou por outras palavras, se se preferir, permanece a contagem do período de experiência em formação acrescentando mais ½ da duração do período experimental em singelo (i.e., 180 + 90 dias, no caso dos autos).
M. O resultado prático não contar ½ daquele tempo, ou se de simplesmente se lhe adicionar ½, é precisamente o mesmo, razão pela qual a sentença proferida no caso sub iudice andou bem e não merece censura apontada pela A., devendo ser mantida por essa Veneranda a Relação.
N. O facto de ao momento da denúncia a A. permanecer em formação em contexto trabalho (pontos 30 e 31, dos factos provados) e, por tal, ainda não ter concluído o seu percurso habilitante (pontos 26 e 27, dos factos provados), não impede que o seu perfil pessoal de adequação à função de Encarregado de Via já não viesse sendo apreciado, denunciando-se insuficiente à sua integração na R. (pontos 32 e 33, dos factos provados) (nesse sentido a doutrina assinalada no ponto 25, das alegações acima).
O. É tão legitima a denúncia operada em período experimental durante o período formativo de ½ consagrado na letra do n.º 1, do artigo 113.º, do Código do Trabalho, como no período formativo subsequente desde que circunscrito ao tempo da duração do período experimental em singelo acrescido de ½ (conforme exposto nos pontos 21 a 23 acima das alegações acima).
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável e com o sempre Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso de Apelação.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo tal recurso sido mantido nos seus exatos termos neste Tribunal.
Colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, a questão que importa decidir é:
1) Se existe suspensão da contagem do prazo do período experimental do contrato de trabalho se o período de formação for superior a metade do período experimental.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. A ré é uma sociedade anónima que tem por objecto, entre outros, a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação, alargamento e modernização das redes rodoviária e ferroviária nacionais, incluindo nesta o comando e o controlo da circulação.
2. Por documento escrito intitulado Contrato de Trabalho Por Tempo Indeterminado, datado de 21.06.2021, assinado entre a ré e autora, por tempo indeterminado e produzindo efeitos a 1 de Março de 2021, consignando ser de boa fé e de livre e esclarecida vontade, esta obrigou-se a prestar os seus serviços profissionais àquela, bem como outros de que legalmente pudesse ser incumbida e mais concretamente a exercer as funções correspondentes à categorial profissional de Encarregada de Infraestruturas da carreira profissional de Infraestruturas, com a retribuição mensal base ilíquida de €831,98, de acordo com o determinado no Sistema de Carreiras Profissionais publicado como Anexo I ao Acordo Colectivo entre a Infraestruturas de Portugal, S.A. e outras e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário e outros – Revisão global, publicado no BTE, n.º 22, de 15.06.2019, ficando assim no desempenho das suas atribuições sob a sua autoridade e direcção (cláusula 1.ª n.º 1, 2 e 7).
2. Por esse acordo, foi estipulado que com a retribuição base seria pago subsídio de refeição de valor idêntico ao fixado para os trabalhadores que exercem funções públicas e de acordo com o respectivo regime (cláusula 1.ª n.º 3).
3. Da cláusula 1.ª n.º 4 desse acordo consta:
«A referência ao no Sistema de Carreiras Profissionais é efectuada apenas para efeitos de determinação da categoria e carreira profissionais, no que respeita ao descritivo funcional e determinação da retribuição base mensal correspondente, não sendo no mais aplicável o referido no Sistema de Carreiras Profissionais ou o clausulado do Acordo Colectivo ao qual está anexo.»
4. Da cláusula 1.ª n.º 8 e 9 desse acordo consta:
«8-Os primeiros 180 dias de execução do presente contrato correspondem ao período experimental, de acordo com o disposto no artigo 112.º do Código do trabalho, e serão contados nos termos do disposto no artigo 113.ºdo Código do Trabalho.
9-Qualquer dos Contraentes pode denunciar o presente contrato durante o período experimental fixado no número 8, nos termos do disposto no artigo 114.º do Código do Trabalho, sem necessidade de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização.»
5. Por esse acordo, a autora teria como local de trabalho as instalações da ré, onde se localiza a Unidade de Via e Geotecnia do Centro Operacional de Manutenção Sul da Direcção de Rede Ferroviária, sitas no Largo da Estação, em Ermidas-Sado ou local que resultasse de transferência nos termos das normas aplicáveis em vigor, sem prejuízo de se comprometer a realizar as deslocações de serviço que se mostrassem necessárias ao desempenho da sua actividade profissional (cláusula 2.ª n.º 1 e 2).
6. Pelo acordo foi fixado o período normal de trabalho da autora de 40 horas, distribuídas de segunda a sexta-feira, sendo o período normal de trabalho diário de 8 horas, de acordo com o horário de trabalho praticado no estabelecimento em que presta a sua actividade, aceitando a autora a alteração da distribuição dos dias de trabalho, podendo prestar trabalho ao sábado e ao domingo, podendo ser para o efeito alterados os dias de descanso semanal, ou determinada a rotação de todos ou parte dos dias de descanso semanal, se tal lhe fosse indicado pela ré por motivos de necessidade empresarial (cláusula 3.ª n.º 1 e 2).
7. Por esse acordo, a autora aceitou que o dia de descanso semanal complementar fosse gozado de modo contínuo ou descontínuo, de acordo com o que lhe fosse indicado pela ré por motivos de necessidade empresarial fundamentada (cláusula 3.ª n.º 3).
8. Pelo acordo a autora aceitou trabalhar em regime de turnos, com descansos fixos ou rotativos se existisse necessidade empresarial por parte da ré (cláusula 3.ª n.º 4).
9. Segundo o determinado no Sistema de Carreiras Profissionais publicado como Anexo I Capítulo IV, ponto VI ao Acordo Colectivo entre a Infraestruturas de Portugal, S.A. e outras e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário e outros – Revisão global, publicado no BTE, n.º 22, de 15.06.2019, as funções correspondentes à categorial profissional de Encarregada de Infraestruturas da carreira profissional de Infraestruturas são:
«Missão
Organizar, orientar e assegurar a realização de atividades no âmbito da construção, manutenção, inspeção, fiscalização, exploração das instalações fixas e monitorização da infraestrutura, de acordo com o planeamento e as necessidades, de forma a garantir a fiabilidade e assegurar as melhores condições de operacionalidade das infraestruturas.
Responsabilidades
No âmbito da presente categoria estão abrangidas as seguintes responsabilidades:
a) Assegurar a inspeção das instalações da infraestrutura, de acordo com o plano anual aprovado, tendo por base os normativos e procedimentos em vigor;
b) Assegurar as intervenções anuais ou pontuais na infraestrutura, de forma a contribuir para o seu adequado estado de manutenção e operacionalidade;
c) Efetuar as atividades de fiscalização dos trabalhos contratados e de terceiros, de forma a contribuir para o adequado estado de conservação e funcionalidade da infraestrutura, tendo por base os normativos e procedimentos estabelecidos;
d) Assegurar o cumprimento do programa de trabalhos estabelecido, orientando tecnicamente as atividades e gerindo e otimizando a afetação de recursos, de forma a garantir o cumprimento dos níveis de qualidade exigidos dentro dos prazos de execução acordados e nas devidas condições de segurança;
e) Assegurar que se reúnem as condições para garantir a execução dos trabalhos na infraestrutura, bem como a reposição das condições de disponibilidade e segurança no mais curto espaço de tempo;
f) Elaborar relatórios e fazer propostas, de forma a zelar pelo cumprimento dos contratos estabelecidos com empreiteiros ou prestadores de serviços;
g) Garantir as ações de vistoria para verificação do estado de conservação dos equipamentos e sistemas;
h) Assegurar o apoio técnico no âmbito da área de especialidade na resolução de anomalias, elaborando propostas de alteração às normas e condições de funcionamento, apontando as medidas corretivas adequadas;
i) Executar o comando e a monitorização das instalações fixas para tração elétrica e a pesquisa e colaboração na resolução de avarias de forma a minimizar o seu impacto na circulação ferroviária;
j) Acompanhar e registar em sistema a informação referente às intervenções e ao estado de disponibilidade da infraestrutura, acompanhando a evolução das avarias e a sua resolução, reportando essa informação aos órgãos diretamente interessados e promovendo a gestão otimizada dos ativos;
k) Operar veículos especiais, máquinas, equipamentos e outros instrumentos de trabalho colocados ao seu dispor, para os quais esteja devidamente habilitado, de forma a contribuir para a funcionalidade dos órgãos e/ou equipas;
l) Executar as funções que lhe sejam atribuídas de acordo com a regulamentação aplicável, no âmbito da respetiva especialidade e de acordo com a habilitação e formação detidas;
m) Promover o cumprimento por parte da sua equipa das normas de segurança e saúde no trabalho, tendo em vista a prevenção de acidentes e de doenças relacionadas com o trabalho, bem como a fiscalização da sua observância por parte de empreiteiros, prestadores de serviços e terceiros;
n) Ministrar formação nos domínios técnicos das infraestruturas, no âmbito da sua especialidade e valências, e de acordo com a responsabilidade atribuída;
o) Analisar processos e métodos, de forma a identificar oportunidades de implementar novos procedimentos e métodos de trabalho numa ótica de melhoria contínua;
p) Colaborar na gestão dos recursos humanos da equipa de trabalho, de forma a garantir o cumprimento das atividades previstas e a integração e desenvolvimento dos trabalhadores.
Especialidades:
Baixa tensão, catenária, construção civil, edificações, energia de tração, geotecnia, pavimentos, permanente geral de infraestruturas (PGI), sinalização, via.»
10. A autora auferia a remuneração mensal de €831,98, acrescida de subsídio de refeição no valor de €7,50, por cada dia de trabalho prestado.
11. Por carta datada de 03.11.2021, sob o assunto “Denúncia do Contrato de Trabalho”, a ré comunicou à autora o seguinte:
«A Infraestruturas de Portugal, S.A. celebrou com V. Exa. um contrato de trabalho por tempo indeterminado, cuja produção de efeito se iniciou no dia 1 de março de 2021.
Vem agora a Infraestruturas de Portugal, S.A., pela presente carta, comunicar a V. Exa., nos termos da cláusula 1.º, n.ºs 8 e 9 do contrato de trabalho e do artigo 114.º, n.º 1 do Código do trabalho, a denúncia do contrato de trabalho celebrado.
A cessação do contrato agora comunicada produz os seus efeitos no próximo dia 12 de novembro de 2021, que será o último dia de vigência do contrato.
Mais informa que fica V. Exa. dispensada do dever de assiduidade até à data da produção de efeitos da cessação do contrato de trabalho.»
12. Esta missiva foi entregue em mão á autora no dia 04.11.2021.
13. Posteriormente, a ré emitiu certificado de trabalho á autora, do qual consta ter esta trabalhado para a ré desde 01.03.2021 até 12.11.2021.
14. Na vigência do contrato de trabalho a ré não instaurou processo disciplinar à autora.
15. No dia 25.11.2021 a ré transferiu para a conta bancária da autora €865,68, como acerto de contas, mas sem entrega de recibo de vencimento de Novembro/2021 e embora tivesse processado os valores para a Segurança Social.
16. A autora gozou 14 dias de férias, no período de tendo-lhe sido liquidados dois dias de ferias não gozados.
17. A autora não se encontra a trabalhar.
18. Presentemente, em Portugal, não existe disponível formação profissional na área de conservação e manutenção de infraestruturas rodoviárias que compreenda as funções que um trabalhador da especialidade de via e com a categoria de encarregado de infraestruturas tem de desempenhar, como a autora.
19. Por isso, a ré tem por sua iniciativa e interesse fornecer essa formação aos trabalhadores que recruta para a categoria de encarregado de infraestruturas na especialidade de via, como a autora.
20. A ré também assim procede para outras especialidades.
21. A autora, como outros trabalhadores recrutados com a mesma especialidade e funções, não se encontrava habilitada a executar a prestação de trabalho com autonomia e sem supervisão, sem receber essa formação habilitante do exercício da profissão.
22. A autora sabia que, como outros trabalhadores, teria de receber formação, por acolhimento e integração em equipa de trabalho, acompanhando os seus trabalhos, por formação especifica em sala, por elaboração de relatório em contexto de trabalho e por prova oral.
23. De acordo com o percurso formativo implementado pela ré, a autora, como outros trabalhadores em iguais condições, iniciou a sua formação com um período de acolhimento de 01.03.2021 até 24.05.2021, até que em 25.05.2021 e até 29.07.2021 iniciou formação especifica em sala a que se seguiu formação em contexto de trabalho com duração prevista até 29.11.2021.
24. A formação de acolhimento ou “Formação em Contexto de Trabalho de Acolhimento”, que decorreu de 01.03.2021 até 24.05.2021, traduziu-se no acompanhamento dos elementos de uma equipa nas diversas funções que estes desempenhavam, adquirindo com a sua presença as noções gerais sobre o trabalho a desempenhar.
25. A formação especifica em sala, que a autora frequentou conjuntamente com um grupo de trabalhadores que constituíram uma turma para esse efeito e que decorreu de 25.05.2021 até 29.07.2021, culminou com a realização de uma prova escrita, com o peso de 50% da avaliação global da autora.
26. Após, a autora, iniciou formação em contexto de trabalho tendo de elaborar um “relatório de Contexto de Trabalho” e realizar uma prova oral, respectivamente com o peso de 25% da sua avaliação global.
27. Após estas avaliações, sem que tenha classificações individuais naquelas etapas, inferiores a 40% e tendo a classificação mínima final global de 50%, o trabalhador recrutado fica apto no Curso.
28. Com data de 12.05.2021 foi elaborada ficha de avaliação intercalar do período experimental relativa à autora, da qual consta que esta não assegurou as funções de imediato, por motivo de não ter formação inicial, tendo acompanhado sempre a actividade da equipa, concluindo-se que a avaliação da autora se encontrava dentro das expectativas.
29. As comparências da autora nas acções de formação realizadas nos períodos de formação de acolhimento ou de formação em sala eram registadas pelos formadores, através da aplicação informática “emForma”, nas datas da sua realização.
30. Apesar da autora ter ingressado na formação em contexto de trabalho, com a duração prevista até 29.11.2021, a culminar com a elaboração de relatório e prova oral, acabou por não fazer estas provas, em virtude da comunicação datada de 03.11.2021.
31. No âmbito da formação em contexto de trabalho, a autora desempenhou as suas funções do mesmo modo das anteriores em contexto de acolhimento e especifica em sala, embora pudesse já questionar diversas situações de trabalho para as quais antes não estava capacitada.
32. Em 03.11.2021, o tutor da autora … enviou mensagem de correio electrónico a …, Gestor da Unidade – Via Geotecnia Sul, com o seguinte teor:
«No decurso da formação inicial em contexto de trabalho da Enc. De Infraestruturas AA entre 01.03.2021 e 21.05.2021, foi possível constar algum desinteresse na aprendizagem bem como atitudes que revelam alguma imaturidade.
Na avaliação em sala que decorreu entre 25.05.2021 e 29.07.2021 fui contactado pela Academia para me dar conhecimento da sua desatenção em sala e pouca motivação que culminou com uma nota inferior a 50 na prova escrita.
Após esta avaliação, novamente em contexto de trabalho o seu desinteresse e desmotivação acentuou-se.
No seguimento do exposto manifesto também algumas dúvidas quanto à sua capacidade de responsabilidade tão necessária à actividade.»
33. Na mesma data, esta mensagem foi reencaminhada pelo destinatário para o Coordenador da Formação, … e ainda com a seguinte informação:
«(…) A nossa avaliação é de que a AA tem demonstrado não ter o perfil ou as competências adequadas ao posto de trabalho.
Os resultados da prova escrita também revelam pouca capacidade de aprendizagem do conhecimento técnico necessário ao desempenho das funções atribuídas á posição de Encarregado de Infraestrutura.
Aproximando-se o término do período experimental somos desde já a remeter esta informação para vos capacitar atempadamente para a tomada de decisão.»
34. Em 01.03.2021 a autora foi integrada numa equipa responsável pela manutenção da via ferroviária, na zona de Ermidas Sado, pertencente ao Centro de Manutenção de Tunes.
35. Faziam parte dessa equipa dois supervisores e um encarregado de via.
36. No período de 01.03.2021 a 24.05.2021 a equipa na qual a autora foi integrada efectuava todo o trabalho de fiscalização aos prestadores de serviço e inspecção da via, incluindo pedestre.
37.Quando integrava a equipa a autora anotava as anomalias detectadas na via, por vezes tirava fotografias de suporte reportando-as ao supervisor, cumpria o horário de trabalho que lhe era destinado, conduzia a viatura dos serviços quando lhe era solicitado, acompanhava o trabalho nocturno e a prevenção.
38.A R. pagava á autora pelo exercício das funções de motorista, trabalho noturno e prevenção e concedeu-lhe gozo de férias de 5 a 21 de Setembro de 2021.
39. Nenhum dos elementos da equipa era formador.
40. No período de 01.03.2021 a 24.05.2021 a autora recebeu por videochamada algumas horas consideradas pela R. como formação e destinadas a conhecer os elementos das diversas equipas.
41. No período de 25.05.2021 a 30.07.2021 a formação em sala não foi ministrada todos os dias, pelo que nos dias em que não tinha essa formação, a autora acompanhava a equipa em Ermidas.
E deu como não provado o seguinte facto:
A. Quando iniciou as suas funções, ninguém informou a autora que iria desenvolve o seu trabalho em formação, em acolhimento e em contexto de trabalho.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) existe suspensão da contagem do prazo do período experimental do contrato de trabalho se o período de formação for superior a metade do período experimental.
1 – Se existe suspensão da contagem do prazo do período experimental do contrato de trabalho se o período de formação for superior a metade do período experimental
Considera a Autora que o art. 113.º, n.º 1, do Código do Trabalho, possui carácter taxativo e imperativo, proibindo que a ação formativa possa ser superior a metade do período experimental, pelo que, quando tal ação formativa ultrapasse metade do período experimental inexiste suspensão deste período.
Concluiu ainda a Autora que, admitindo-se a interpretação constante da sentença recorrida estaria encontrada a fórmula para contornar o prazo máximo de duração do período experimental estipulado no Código do Trabalho e permitir o seu alargamento, em prejuízo do trabalhador.
Apreciemos.
A sentença recorrida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
A interpretação do n.º 1 do artigo 113.º permite, com alguma segurança, retirar as seguintes ilações: (i) em primeiro lugar, não se está, in casu, perante uma verdadeira execução do contrato de trabalho, mas em face de uma equiparação que a lei entendeu ser de conceder aos períodos formativos. Tal equiparação, embora temporalmente delimitada, é facilmente compreensível, sobretudo se se atentar como já referido, que a mesma pode ser ministrada ou imposta pelo empregador. Tal significa que a mencionada equiparação se justifica em razão de o período formativo estar absolutamente enformado por aquelas que, em rigor, são as características essenciais do vínculo laboral: de um lado, o poder de direcção do empregador, manifestado, aqui, na possibilidade de impor a formação e, de outro, o dever de obediência manifestado na obrigação, que impende sobre o trabalhador, de a frequentar; (ii) em segundo lugar, o período formativo releva, em termos de contagem do período experimental, limitadamente, isto é, segundo a letra da lei, relevará desde que não exceda metade do período experimental. Excedendo recuará, naturalmente, até àquele limite.
Abílio Neto em Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 2.ª Ed. Janeiro 2005, Ediforum, em anotação ao art.º 106.º, n.º 1 do CT/2003 pugnava o seguinte «[n]a redacção do Anteprojecto o n.º 1 deste artigo não continha a parte final – “desde que não exceda metade do período experimental” -, a qual veio a ser introduzida no Projecto, com o manifesto propósito de que o período experimental compreenda, no mínimo, uma efectiva execução da prestação d trabalho correspondente a metade daquele período; só a restante metade poderá ser preenchida por acções de formação ministradas pelo empregador ou frequentadas por determinação deste» e apontando que a lei não fixa as consequências de as acções de formação excederem o apontado limite, aí conclui que «[a]tenta a imperatividade da duração máxima do período experimental (cf. art. 110.º), aquele facto nunca poderá conduzir ao alargamento do respectivo prazo, pelo que as acções de formação, mesmo na parte excedente a metade daquele período, relevarão para a sua contagem total.»
O preceito em causa não respondia, como a sua actual redacção continua a não responder expressamente à questão de saber qual a influência do período formativo na contagem do período experimental, na parte que exceda metade deste período, no entanto, cremos que aquela interpretação se afasta não só da ratio do período experimental, que pressupõe uma efectiva prestação laboral, (expressamente consagrado na primeira parte do n.º 1 e na articulação dos n.ºs 1 e 2 do art.º 111.º) como da própria mente legislativa. Com efeito, caso o legislador tivesse pretendido inserir no período experimental todo o período formativo, não teria expressamente consagrado a última parte desse preceito.
A consagração legal em causa merece inteira compreensibilidade, pois por um lado, obsta a períodos formativos demasiado longos e que, de forma artificial, encapotem o verdadeiro e pleno objecto da prestação laboral que pode verdadeiramente conviver com aquela formação; e, por outro lado, salvaguarda um período mínimo para que as partes possam, efectivamente, aquilatar da viabilidade da manutenção do vínculo, uma vez que, como nos diz Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág. 495, «(…) os momentos de formação não são os mais adequados para aferir em que medida é que o trabalhador se adaptará ao ambiente em que vai realizar a sua prestação (…)», nem, seguramente, serão os mais apropriados para que o empregador tome consciência da verdadeira aptidão do trabalhador para as funções a cujo exercício está subordinada a sua contratação.
De forma muito clara quanto á questão da contagem do período experimental em articulação com o período de formação, pode colher-se na anotação ao artigo 113.º, n.º 1, por Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, Almedina, 2020, 12.ª Ed., p. 288-289 que «[d]e acordo com o n.º 1, no máximo, do período experimental integra a formação ministrada ao trabalhador com o objectivo de o preparar para o desempenho das funções contratadas. Para este efeito, a formação profissional já constitui execução da prestação devida pelo trabalhador, não sendo legítimo iniciar a contagem daquele período apenas após o termo da formação. Por outro lado, porque durante a situação de experiência os contraentes “devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho” (artigo 11.º, n.º 2) – o que supõe efectivo cumprimento das prestações a que ambos se obrigaram pela celebração do contrato -, a formação profissional não pode ocupar todo o período experimental, nem sequer a maior parte dele. Pelo menos metade do tempo de experiência deve ser ocupado, máxime pelo trabalhador, com a realização das prestações típicas emergentes do contrato de trabalho.
Quando exceda metade do período experimental, a formação constituiu causa suspensiva da contagem daquele. A letra do preceito conjugada com a regra segundo a qual é o início da prestação de trabalho que marca o começo do período experimental, apontaria para que, em tal situação, a contagem do período experimental apenas se iniciasse após o termo da formação. Crê-se, porém, que a tutela da estabilidade da relação laboral, sobretudo perante situações de fácil manipulação da extensão temporal da formação, impõe a suspensão da contagem do período de experiência apenas durante o tempo em que a formação excede metade daquele período. Esta é, de resto, a leitura que melhor resolve a hipótese em que o início da formação profissional não coincide com o começo da execução do contrato de trabalho.» No mesmo sentido também Pedro Furtado Martins, in Ob. Cit. p.596-587 e Marlene Mendes, in O Contrato de Trabalho na Prática Jurídica, Nova Causa, Março 2015, p. 108.
Por fim, veja-se Digo Vaz Marecos, in Código do Trabalho Anotado, 2.ª Ed. Coimbra Editora, p. 278-279 em anotação ao n.º 1 do artigo 113.º «(…) a contagem do período experimental abrange a acção de formação que seja ministrada enquanto o período experimental estiver a decorrer, estabelecendo contudo um limite: a duração da acção de formação só incluirá até metade da duração do período experimental. Da articulação do n.º 1 com o n.º 2 do artigo 111.º resulta que o período experimental pode comportar a formação do trabalhador, conquanto a sua duração não obste à finalidade desta figura: permitir que ambas as partes, empregador e trabalhador possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho. Como tal, ainda que uma pate da duração do período experimental seja ocupado com a formação do trabalhador, até metade da duração o período experimental, esta formação não pode por em causa que se avalie se as condições efectivas em que se verifica a prestação de trabalho correspondem ao juízo de prognose que cada um dos contraentes empreendeu» e conclui que «[q]uando a duração da formação do trabalhador exceda metade do período experimental, este último deve suspender-se a partir do momento em que ultrapasse metade da duração do período experimental, retomando a sua contagem logo que cesse a formação.»
Neste sentido também Luís Almeida Carneiro, Ob. Cit. p. 70, concluindo que «[n]estes casos, concluiu-se que, no âmbito da contagem do período experimental, a existência de acções de formação profissional frequentadas por determinação do empregador constitui excepção à regra do art.º 111.º, do Código do Trabalho segundo o qual o referido período corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho ainda que a formação decorra no local de trabalho e tenha por objecto as funções a desempenhar pelo trabalhador após o termo da mesma.»
Na jurisprudência veja-se o acórdão do TRP de 12.12.2011, proc. 661/09.5TTMTS.P1, em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta:
«I- O período experimental começa a contar-se a partir do início da execução da prestação do trabalhador e compreende as acções de formação ministradas pelo empregador ou frequentadas por determinação deste, desde que não excedam metade do período experimental.
II - Por isso, se a formação tiver uma duração superior ao período experimental, este será constituído, em termos práticos, pelo tempo de tal formação, acrescido de metade da duração do legal período experimental, pelo que cada uma das partes terá sempre um período experimental mínimo – ½ – para aquilatar do seu interesse, ou não, na manutenção do contrato.
III - A cessação do contrato de trabalho ocorrida durante o período experimental não integra um despedimento, mas mera denúncia do mesmo, não conferindo direito a indemnização.»
Por conseguinte, e aderindo ao entendimento explanado, o período experimental deverá ser contado a partir do início da prestação laboral do trabalhador e compreende a formação profissional ministrada ou determinada pela entidade empregadora, mas se a formação exceder metade da duração do período experimental, o mesmo será suspenso e recomeçará a contar após o termo da formação profissional. Em outras palavas, a formação profissional suspende o período experimental apenas quando se prolongue por metade desse período, o que se retira do disposto pelo n.º 1 do art.º 113.º, do CT e o mesmo será dizer que, pelo menos metade do período experimental deverá corresponder ao efectivo exercício da actividade para a qual o trabalhador foi contratado. O legislador optou, por isso, por uma solução que poderemos considerar de compromisso, mas também de equilíbrio perante a posição de cada uma das partes.

Assumimos, desde já, concordar inteiramente com a bem fundamentada explanação.
Na realidade, contrariamente à pretensão da Autora, não resulta do teor do art. 113.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que se mostre proibida, nessa norma, a possibilidade da ação formativa a ministrar a trabalhador, durante o período experimental, ser superior a metade desse período, o que, atendendo à complexidade de determinadas funções, sempre poria em causa o bom desempenho dos trabalhadores afetos a esse tipo de funções.
Seria, aliás, bastante fácil ao legislador determinar expressamente tal proibição, proibindo que qualquer ação de formação ministrada durante o período experimental pudesse ter duração superior a metade desse período, o que manifestamente não quis fazer.
Não se mostrando, assim, proibida a existência de ação formativa durante o período experimental superior a metade desse período, contando, porém, apenas como integrando o período experimental a ação formativa que não exceda metade da duração do período experimental, importar apurar como integrar o remanescente do período de formação no âmbito do período experimental.
Conforme bem se esclarece na sentença recorrida, o legislador assumiu uma posição de compromisso, determinando, por um lado, que uma parte da ação formativa integre o cômputo do período experimental, de forma a salvaguardar os interesses do trabalhador em não possuir um período demasiado prolongado de ação de formação; e, por outro, que pelo menos metade do período experimental se traduza no exercício, por parte do trabalhador, das suas efetivas funções, de forma a salvaguardar os interesses do empregador em exercer uma consistente e ponderada avaliação das capacidades de adequação do trabalhador ao seu posto de trabalho.
Desta forma, apenas a suspensão do período experimental durante o período de formação que exceda metade do período experimental permitirá dar integrar cumprimento a ambos os interesses constantes da norma prevista no n.º 1 do art. 113.º do Código do Trabalho.
Dir-se-á, de qualquer modo, que caso se comprove que o invocado período de formação invocado pela entidade patronal não consubstanciou um qualquer período de formação, antes sim, uma real e efetiva prestação da atividade profissional, na sua plenitude, por parte do trabalhador, obviamente que inexistirá qualquer suspensão do período experimental, evitando, desse modo, a violação dos prazos do período experimental previstos no art. 112.º do Código do Trabalho.
No entanto, em face dos factos dados como provados nos arts 18.º a 27.º e 30.º a 33.º, e não impugnados pela Autora, esta esteve efetivamente em formação entre 01-03-2021 e 04-11-2021 (data da receção da carta de denúncia do contrato de trabalho pela Autora e que a dispensou, desde essa data, do dever de assiduidade, apesar de a produção dos efeitos da denúncia ocorrerem apenas em 12-11-2021 – facto provado 11), sendo, inclusive, sujeita a diversos tipos de avaliação, não chegando, porém, a elaborar o relatório da fase final de avaliação e a efetuar a respetiva prova oral.
Nesta conformidade, apenas nos resta confirmar que ocorreu a suspensão do período experimental da Autora 90 dias após o início do seu contrato de trabalho (ou seja, após 30-05-2021), suspensão essa que ainda não tinha terminado quando em 04-11-2021 a Autora rececionou a carta de denúncia do contrato, pelo que tal denúncia foi apresentada tempestivamente, ainda havendo a decorrer 90 dias de período experimental após o termo da ação de formação ministrada pela Ré à Autora.
Pelo exposto, improcede na íntegra o recurso interposto pela Autora.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida.
Sem custas, visto a Autora se encontrar isenta (arts. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil e 4.º, n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Évora, 14 de setembro de 2023
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço

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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] Doravante “Infraestruturas de Portugal”.