Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1340/19.0T8STR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
CULPA DA ENTIDADE PATRONAL
NEXO DE CAUSALIDADE
HERDEIRO
CÔNJUGE
Data do Acordão: 11/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. A responsabilidade agravada do empregador, nos termos do art. 18.º n.º 1 da LAT, com fundamento na falta de observação de regras sobre segurança e saúde no trabalho, dispensa a prova da culpa, mas exige a verificação de um nexo de causalidade entre essa violação e a eclosão do acidente.
2. A segurança começa no planeamento e institucionalização de métodos de trabalho seguros e adequados, com controlo da sua efectiva aplicação, e essa responsabilidade cabe directamente ao empregador.
3. Actua culposamente o empregador que determina a abertura de um buraco junto a uma pedra de grandes dimensões, em solo composto por terra e gravilha, sem tomar quaisquer medidas de estabilização da pedra e do solo, se não for possível retirá-la do local, provocando que a pedra caia para o buraco, atingindo mortalmente o trabalhador que ali se encontrava.
4. O agravamento das pensões por actuação culposa do empregador, em caso de morte, tem como limite a totalidade da retribuição da vítima e, existindo vários beneficiários, a pensão a pagar pelo empregador será repartida por eles de acordo com as proporções estabelecidas nos arts. 59.º a 61.º da LAT.
5. Sobrevivendo o cônjuge e dois filhos menores, quando estes perderem o direito às suas pensões, a pensão do cônjuge será aumentada até à totalidade do salário anual, ocorrendo assim a reversão das percentagens dos beneficiários que vão perdendo a pensão a favor dos restantes. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Santarém, foi participado acidente de trabalho, ocorrido no dia 30.04.2019, que vitimou mortalmente G….
Infrutífera a tentativa de conciliação – a Seguradora afirmou ter ocorrido actuação culposa do empregador e este afirmou que desconhecia os trabalhos que estavam a ser realizados pelos seus trabalhadores, uma vez que não os mandou realizar – prosseguiram os autos para a fase contenciosa.
Nesta sequência, L…, por si e em representação dos seus filhos menores M… e A…, propuseram a presente acção contra:
1.ª Ré: Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.; e,
2.ª Ré: Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda..
Pediram a condenação das Rés, na medida das respectivas responsabilidades, no pagamento do seguinte:
«À 1.ª Autora:
i) Uma pensão anual e vitalícia no montante de € 2.866,30, correspondente a 30% da retribuição do sinistrado, até à idade da reforma por velhice, passando a partir dessa data a 40%, ou seja, no montante de € 3.821,74, com início a 01/05/2019 e juros de mora sobre os duodécimos já vencidos;
ii) O Subsídio de Férias e de Natal correspondente a 1/14 do valor da pensão anual, a pagar respectivamente em Maio e em Novembro de cada ano;
iii) O subsídio de morte no montante de € 5.752,03;
iv) O subsídio por Despesas de Funeral (com transladação) no montante de € 3.834,69;
v) A quantia de € 30,00, referente a despesas efectuadas com os transportes e alimentação na sua deslocação obrigatória a este Tribunal para a tentativa de conciliação.
À 2.ª e ao 3.º Autores:
vi) A pensão anual para cada um dos 2.º e 3.º AA. até à idade de 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, no montante de € 1.910,87, correspondente a 20% da retribuição do sinistrado com início a 01/05/2019.
Quantias a que acrescerão juros de mora à taxa legal vigente, desde o respectivo vencimento.
Cumulativamente e a título de pensão agravada prevista no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09 (LAT) devem ambas as RR, na medida da respectiva responsabilidade, ser condenadas a pagar aos AA. as seguintes importâncias:
À 1.ª Autora:
i) Uma pensão anual e vitalícia no montante de € 2.866,30, correspondente a 30% da retribuição do sinistrado, até à idade da reforma por velhice, passando a partir dessa data a 40%, ou seja, no montante de € 3.821,74, com início a 01/05/2019 e juros de mora sobre os duodécimos já vencidos;
ii) O Subsídio de Férias e de Natal correspondente a 1/14 do valor da pensão anual, a pagar respectivamente em Maio e em Novembro de cada ano;
À 2.ª e ao 3.º Autores:
iii) A pensão anual para cada um dos 2.º e 3.º AA. até à idade de 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, no montante de € 1.910,87, correspondente a 20% da retribuição do sinistrado com início a 01/05/2019.
Quantias a que acrescerão juros de mora à taxa legal vigente, desde o respectivo vencimento.»

As Rés contestaram, desenvolvendo as mesmas posições que já haviam assumido na tentativa de conciliação.
Realizado julgamento, a sentença considerou ter ocorrido actuação culposa do empregador, por falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, e condenou nos seguintes termos:
a) «Condeno as Rés Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., e Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., a pagar à Autora Beneficiária L…, na qualidade de viúva do sinistrado, na proporção das respectivas responsabilidades de 90,01% e 9,99% respectivamente:
i) Pensão anual e vitalícia no montante de 2.866,30€ (dois mil oitocentos e sessenta e seis euros e trinta cêntimos), até à idade da reforma por velhice, e após, no montante de 3.821,74€ (três mil oitocentos e vinte e um euros e setenta e quatro cêntimos) com início a 01-05-2019 (dia seguinte à morte do sinistrado), a pagar, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês - art.º 59.º, n.º 1 al. c) e 72.º, n.º 1 da LAT, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde aquela data e até integral pagamento;;
ii) Subsídio de Férias, no montante anual de 682,45€ (seiscentos e oitenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos), a pagar em Junho de cada ano - art.º 72.º, n.º 2 da LAT, acrescido de juros de mora, à taxa legal, calculados desde 01-05-2019 e até integral pagamento;
iii) Subsídio de Natal, no montante anual de 682,45€ (seiscentos e oitenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos), a pagar respectivamente em Novembro de cada ano - art.º 72.º, n.º 2 da LAT, acrescido de juros de mora, à taxa legal, calculados desde 01-05-2019 e até integral pagamento;
iv) Subsídio de morte no montante de 5.752,03€ (cinco mil setecentos e cinquenta e dois euros e três cêntimos) - art.º 65.º, n.º 2 al. b) da LAT, acrescido de juros de mora, à taxa legal, calculados desde 01-05-2019 e até integral pagamento;
v) Subsídio por Despesas de Funeral (com transladação) no montante de 3.834,69€ (três mil oitocentos e trinta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos) – art.º 65.º, n.º 2 al. b) da LAT, acrescido de juros de mora, à taxa legal, calculados desde 01-05-2019 e até integral pagamento, descontando-se da quantia de 5000,00€ suportada pela Ré empregadora;
vi) Despesas efectuadas com os transportes e alimentação na sua deslocação obrigatória a este Tribunal para a tentativa de conciliação, no valor de 30,00€ (trinta euros), referente a - 39.º, nºs 1, 2 e 3 da LAT;
b) Condeno as Rés Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., e Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., a pagar ao Autor Beneficiário M…, na qualidade de filho menor do sinistrado, na proporção das respectivas responsabilidades de 90,01% e 9,99% respectivamente:
vii) Pensão anual e vitalícia no montante de 1.910,87€ (mil novecentos e dez euros e oitenta e sete cêntimos), até à idade de 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, com início a 01-05-2019 (dia seguinte à morte do sinistrado), a pagar, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês - art.º 60.º, n.º 1 e 2 e 72.º, n.º 1 da LAT, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde 01-05-2019 e até integral pagamento;
c) Condeno as Rés Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., e Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., a pagar à Autora Beneficiária A…, na qualidade de filha menor do sinistrado, na proporção das respectivas responsabilidades de 90,01% e 9,99% respectivamente:
viii) Pensão anual e vitalícia no montante de 1.910,87€ (mil novecentos e dez euros e oitenta e sete cêntimos), até à idade de 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, com início a 01-05-2019 (dia seguinte à morte do sinistrado), a pagar, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês - art.º 60.º, n.º 1 e 2 e 72.º, n.º 1 da LAT, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde 01-05-2019 e até integral pagamento;
d) Declaro o direito de regresso da Ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., sobre a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., pelas quantias pagas e liquidadas aos beneficiários e descritas nos pontos a) a c) do dispositivo;
e) Condeno a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., a pagar à Autora Beneficiária L…, na qualidade de viúva do sinistrado:
ix) Pensão anual e vitalícia no montante de 2.866,30€ (dois mil oitocentos e sessenta e seis euros e trinta cêntimos), até à idade da reforma por velhice, e após, no montante de 3.821,74€ (três mil oitocentos e vinte e um euros e setenta e quatro cêntimos) com início a 01-05-2019 (dia seguinte à morte do sinistrado), a pagar, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês - art.º 59.º, n.º 1 al. c) e 72.º, n.º 1 da LAT, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde aquela data e até integral pagamento;
f) Condeno a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., a pagar ao Autor Beneficiário M…, na qualidade de filho menor do sinistrado:
x) Pensão anual e vitalícia no montante de 1.910,87€ (mil novecentos e dez euros e oitenta e sete cêntimos), até à idade de 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, com início a 01-05-2019 (dia seguinte à morte do sinistrado), a pagar, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês - art.º 60.º, n.º 1 e 2 e 72.º, n.º 1 da LAT, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde 01-05-2019 e até integral pagamento;
g) Condeno a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., nos termos e para os efeitos do artigo 18.º, n.º 1, 4 e 5 da LAT, a pagar à Autora Beneficiária A…, na qualidade de filha menor do sinistrado:
xi) Pensão anual e vitalícia no montante de 1.910,87€ (mil novecentos e dez euros e oitenta e sete cêntimos), até à idade de 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, com início a 01-05-2019 (dia seguinte à morte do sinistrado), a pagar, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês - art.º 60.º, n.º 1 e 2 e 72.º, n.º 1 da LAT, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde 01-05-2019 e até integral pagamento;
h) Determino a actualização das pensões acima determinadas, nos termos do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei 142/99, de 30 de Abril, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2020.

Inconformada, a Ré empregadora recorre e conclui:
A. Os trabalhadores da apelante – J… e o sinistrado – foram destacados, por ordens e instruções da sua entidade patronal, para trabalhar na Quinta da Tojeira (propriedade da dona da obra Venâncio Ferreira & Filho).
B. Na Quinta da Tojeira era o sócio gerente da Venâncio Ferreira & Filho que dava ordens e instruções a estes trabalhadores sobre aquilo que deveriam ou não fazer e, bem assim, o modo como deveriam executar tais trabalhos mandados realizar pelo próprio.
C. O sócio gerente da Eloy & Eloy sabia que os referidos trabalhadores estavam na Quinta da Tojeira a efectuar trabalhos para C…a e que este lhes dava ordens sobre o modo de execução do trabalho e da disponibilidade daqueles para seguirem as suas ordens nos trabalhos a realizar na Quinta da Tojeira.
D. Era o sócio gerente da Venâncio Ferreira & Filho – C… - que pagava a estes trabalhadores pelos trabalhos prestados na Quinta da Tojeira e inclusive tratava das férias com os mesmos.
E. A apelante conformava-se com a situação supra descrita, fruto da relação de confiança existente e uma vez que todas as questões na Quinta da Tojeira, nomeadamente, as relacionadas com a segurança estavam já asseguradas pelo dono da obra.
F. A apelante apresentou orçamento à Venâncio Ferreira & Filho para trabalhos a executar na Herdade da Sesmaria Nova – Branca – também sua propriedade - que adjudicou.
G. É referido no supracitado orçamento que a data de início de tais trabalhos seria durante o mês de Abril de 2019, em data a combinar.
H. No dia 30 de Abril de 2019 e porque os trabalhadores J… e o sinistrado - que estavam na Quinta da Tojeira a executarem trabalho por ordens e instruções da apelante - não tinham trabalhos a executar na Quinta da Tojeira,
I. o sócio gerente da Venâncio Ferreira & Filho – C… - por sua livre e espontânea vontade, de forma unilateral e sem ter consultado ninguém nem tão pouco tentado obter o consentimento ou a autorização do sócio gerente da apelante, alterou o local de trabalho destes trabalhadores e ordenou-os irem para a Herdade da Sesmaria Nova – Branca executarem a famigerada tarefa que deu origem ao falecimento do trabalhador G….
J. Ordens cujos trabalhadores aceitaram, contrariando as ordens e instruções da sua entidade patronal e aqui apelante – que era estarem a trabalhar na Quinta da Tojeira – sendo que,
K. o sócio gerente da Venâncio Ferreira & Filho não tinha qualquer poder ou legitimidade e muito menos autorização ou concordância do sócio gerente da Eloy & Eloy para alterar o local de trabalho daqueles trabalhadores e mandar executar um determinado trabalho – que deu origem ao acidente mortal – sem ter, previamente, estabelecido e acordado o início desses trabalhos e o modo de execução dos mesmos. Da mesma forma,
L. os referidos trabalhadores não estavam legitimados, nem sequer tinham ordens ou instruções da sua entidade patronal para alterarem o local de trabalho e executarem outros trabalhos que não aqueles que estavam a ser desenvolvidos na Quinta da Tojeira e para os quais tinham efectivamente ordens da sua entidade patronal.
M. Foi apenas e só o sócio gerente da dona da obra – C… – que ordenou, no dia 30 de Abril de 2019, àqueles trabalhadores, incluindo o sinistrado, para iniciarem os trabalhos.
N. Foi apenas e só o sócio gerente da dona da obra – C… – que ordenou, no dia 30 de Abril de 2019, àqueles trabalhadores, incluindo o sinistrado, a forma de execução de tais trabalhos, nomeadamente a abertura do buraco.
O. Foi apenas e só o sócio gerente da dona da obra – C… – que ordenou, no dia 30 de Abril de 2019, àqueles trabalhadores, que utilizassem os (seus) instrumentos de trabalhos que entendeu serem os mais adequados.
P. Foi apenas e só o sócio gerente da dona da obra – C… – que entendeu que a pedra que estava próximo do local onde mandou os trabalhadores abrirem o buraco não representava qualquer perigo.
Q. Tudo isto sem sequer ter tentado obter a prévia autorização, consentimento ou análise técnica da entidade patronal e aqui apelante.
R. O infortúnio ocorreu porque os trabalhadores J… e o sinistrado não obedeceram às ordens e instruções da sua entidade patronal e
S. decidiram, naquele dia e a mando do sócio gerente da Venâncio Ferreira & Filho – que não tinha autorização do sócio gerente da apelante para o efeito -, alterarem o seu local de trabalho e executarem outros trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca não compreendidos nas ordens e instruções da sua entidade patronal, ora apelante.
T. O acidente não se deu quando o sinistrado estava sob ordens, direcção e fiscalização da aqui apelante, mas antes,
U. O sinistrado estava a executar trabalhos não compreendidos nas ordens e instruções da entidade patronal e num local onde não devia estar a trabalhar por conta desta.
V. Pois quer pelo local em que se encontrava no momento do acidente – e, como resultou provado, não deveria estar – quer pelo não exercício de qualquer tarefa ordenada pela entidade patronal naquele dia e local em concreto, resulta, pois, que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do sinistrado – ou de quem terá ordenado ao sinistrado a execução e o modo de execução de tais tarefas.
W. Não se encontram preenchidos os pressupostos de facto e de direito para atribuir à apelante responsabilidade agravada, por actuação culposa do empregador resultante da falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho nos termos previstos no número 1 do artigo 18º da LAT.
X. A apelante tem os serviços organizados em matéria de saúde no trabalho pela empresa certificada Vivamais – Segurança e Saúde no Trabalho SA.
Y. Para a Quinta da Tojeira – local onde deveriam estar os trabalhadores a executarem o seu trabalho sob ordens e instruções da apelante – foram, de facto, avaliados os riscos associados à execução da obra mandada realizar e definidas as medidas de prevenção adequadas.
Z. Para a Quinta da Tojeira – local onde deveriam estar os trabalhadores a executarem o seu trabalho sob ordens e instruções da apelante – existiu formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho ao trabalhador sinistrado e ao trabalhador J….
AA. A apelante cumpriu com todas as regras sobre segurança e saúde no trabalho nos trabalhos mandados realizar aos seus trabalhadores incluindo o sinistrado.
BB. O facto de no dia 30 de Abril de 2019, os trabalhadores J… e o sinistrado terem decidido desobedecer às ordens e instruções da sua empregadora e terem - a mando exclusivo do sócio gerente da Venâncio Ferreira & Filho - alterado o seu local de trabalho e ido para a Herdade da Sesmaria Nova – Branca executarem determinados trabalhos, foi a causalidade adequada e o que contribuiu para o acidente que vitimou o sinistrado.
CC. E não a falta de observação de regras de segurança de um trabalho que não foi ordenado executar pela entidade patronal.
DD. Não relevado o preenchimento do n.º 1 do artigo 18º da LAT a sentença recorrida não deveria ter reconhecido e declarado o direito de regresso sobre a Ré Seguradora. Mas vai-se mais longe,
EE. O infortúnio apenas sucedeu porque o sinistrado, aparentemente, estava em flagrante violação das mais elementares regras de segurança no trabalho e em violação das mesmas por sua – ou de quem terá ordenado a execução de tais tarefas à revelia do sócio gerente da apelante - responsabilidade.
FF. O acidente proveio de acto do sinistrado que se enquadra no previsto no n.º 1, alínea a) do artigo 14º da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, ou, no limite, na alínea b) do mesmo normativo legal, o que torna o acidente descaracterizado.
Nestes termos e nos demais de direito do mui douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, por via dele, darem-se como provados os factos 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 54 que foram dados como não provados e como não provados os factos 22, 23, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39 que foram dados como provados, absolvendo-se a recorrente do pedido formulado pela autores, ou, no limite, condenando-se a recorrente apenas e só na medida da sua responsabilidade (9,99%), face à retribuição anual transferida para a ré seguradora.

Nas respectivas respostas, os beneficiários e a Seguradora sustentam a manutenção do julgado.
Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
De acordo com o art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, e consignando, desde já, que estão reunidos os pressupostos exigidos pelo art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil para a apreciação da impugnação fáctica (estão especificados os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que, na opinião da Recorrente, impõem decisão diversa, e ainda a decisão que, no seu entender, deve ser proferida acerca das questões de facto impugnadas), proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.
A Recorrente entende que deveriam ser considerados não provados os factos que a sentença recorrida considerou provados nos pontos 22, 23 e 30 a 39, e provados aqueles que ali foram julgados não provados nos pontos 42 a 54.
Vejamos que factos são esses.
Nos pontos 22, 23 e 30 a 39, a sentença recorrida considerou provado o seguinte:
22. Mercê do descrito de 14) a 16), a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., na pessoa do seu legal representante, sabia que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, sob fiscalização da Venâncio Ferreira & Filho, Lda., dona da obra e responsável pela contratação da empreitada, na pessoa do seu sócio gerente C….
23. Previamente a 15 de Março de 2019, a Ré, na pessoal do seu legal representante, deslocou-se à Herdade da Sesmaria Nova – Branca, acompanhada do trabalhador J… e de C…, e procederam à verificação no terreno dos trabalhos a executar, nomeadamente do local de colocação de nova cancela (portão) de entrada, tendo identificado o local onde seria instalado o poste e verificado a existência de uma 1 pedra, com cerca de 2,10 metros de comprimento, 80 centímetros de largura e 1,60 metros de cumprimento, e com peso de cerca de 2 a 4 toneladas.
30. Em 30 de Abril de 2019 e durante o ano de 2019, a Ré não tinha contratados serviços de segurança no trabalho e não tinha serviços organizados em matéria de segurança no trabalho.
31. Em 30 de Abril de 2019, sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, a Ré não dispunha de nenhum Relatório de Avaliação de Riscos para execução dos referidos trabalhos.
32. Em 30 de Abril de 2019, sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, a Ré não efectuou qualquer análise dos equipamentos adequados para execução dos referidos trabalhos, aferindo da necessidade de recorrer a equipamentos mecânicos para abertura do buraco para colocação do poste.
33. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não deu quaisquer instruções ao sinistrado sobre os equipamentos de trabalho a utilizar na abertura do buraco para colocação do poste nem sobre as regras de segurança a observar.
34. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não prestou informação ao sinistrado sobre os equipamentos de trabalho a utilizar na abertura do buraco para colocação do poste nem sobre as regras de segurança a observar.
35. A Ré celebrou o contrato de empreitada com a Venâncio Ferreira & Filho, Lda. para execução dos trabalhos a efectuar na Herdade da Sesmaria Nova – Branca, sabendo que não tinha organizados os serviços de segurança no trabalho nem contratado tais serviços a empresa de serviços de segurança no trabalho.
36. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não procedeu a qualquer avaliação dos riscos associados à execução dos trabalhos, designadamente os trabalhos de colocação de poste e cancela.
37. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não procedeu a qualquer definição das medidas de prevenção de acidentes associados à execução dos trabalhos, designadamente dos trabalhos de colocação de poste e cancela.
38. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não prestou informação ao sinistrado sobre medidas de prevenção de acidentes associados à execução dos trabalhos, designadamente dos trabalhos de colocação de poste e cancela.
39. Mercê do descrito de 30) a 38), a pedra referida em 26) caiu e rolou sobre o referido buraco aquando da abertura do mesmo buraco pelo sinistrado.
Por seu turno, nos pontos 42 a 54, a sentença considerou não provado o seguinte:
42. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., e a empresa Venâncio Ferreira & Filho, Lda. não chegaram a convencionar o dia para o início dos trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca.
43. Aquando do dia 30 de Abril de 2019, a Ré desconhecia a razão e por ordens de quem os trabalhadores em causa terão dado início aos trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca.
44. O sócio gerente da Ré não ordenou que os seus trabalhadores – J… e sinistrado – no dia 30 de Abril de 2019 ou em qualquer outro dia efectuassem qualquer tipo de trabalho na Herdade da Sesmaria Nova– Branca.
45. No dia do acidente que vitimou o sinistrado, os trabalhadores J… e o sinistrado, deveriam estar a trabalhar na Quinta da Tojeira sob ordens e direcção da aqui Ré.
46. O sócio gerente da Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., apenas se deslocou ao local objecto da adjudicada empreitada - Herdade da Sesmaria Nova – Branca - por três vezes: a primeira vez na altura da formalização do contrato de empreitada e orçamento; a segunda vez, no dia do infortúnio e a terceira e última vez no dia da peritagem por parte do seguro.
47. Em nenhuma das situações o sócio gerente da Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., marcou o local onde deveriam ser abertos uns buracos para colocação dos postes de madeira que iriam servir de suporte para fixação da cancela de entrada.
48. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., ordenou a abertura de buracos de qualquer dimensão ao lado de pedras com grandes dimensões (2,10m de comprimento x 80 cm de largura x 1,60 m de altura), com recurso a pás e ao “abre covas”.
49. Aquando do descrito em 23), foi acordado que a localização da nova cancela seria afastada das pedras existentes e nunca junto às mesmas.
50. Para todas as obras executadas pela Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., são avaliados os riscos associados e definidas as medidas de prevenção adequadas.
51. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., recorre ao serviço de um técnico qualificado – coordenador de segurança –para zelar pelo exercício da actividade em condições de segurança para os seus trabalhadores, técnico esse que avalia os riscos inerentes a cada tarefa a executar e, consequentemente, informa e dá formação aos trabalhadores das medidas de prevenção a aplicar, zelando desta forma pelo exercício da actividade em condições de segurança para os trabalhadores.
52. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., procedeu à avaliação dos riscos associados à execução da obra mandada realizar e definidas as medidas de prevenção adequadas.
53. O evento de 30 de Abril de 2019 ocorreu por violação das regras de segurança comunicadas e ordenadas ao sinistrado pela Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda..
54. O evento de 30 de Abril de 2019 ocorreu por violação das instruções de segurança comunicadas e ordenadas ao sinistrado pela Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda..
Consigna-se, previamente, que se procedeu à audição da prova gravada.
Começa a Recorrente por impugnar a decisão quanto aos factos contantes dos pontos 22 e 23, mas, a partir dos depoimentos das testemunhas J… e C…, e das próprias declarações de parte do legal representante da Recorrente, R…, resulta que estes três realizaram uma visita prévia à Herdade da Sesmaria Nova, Branca, para verificar quais os trabalhos a realizar, marcação do terreno e preparação do orçamento, sendo nessa sequência apresentado o orçamento de 15.03.2019, relativo à execução de 8 bebedouros em alvenaria e nova cancela de entrada, sendo da responsabilidade da Recorrente o fornecimento de todos os materiais e mão-de-obra, pelo preço de € 2.300,00, sem IVA, sendo pago 40% com a adjudicação e o restante com a conclusão dos trabalhos. Posteriormente, foi apresentado o documento adicional de 02.04.2019, mencionando que os trabalhos seriam executados no prazo de duas semanas, a começar no mês de Abril, em data a combinar, e que os trabalhos seriam alternados com os da moradia da Quinta da Tojeira.
Argumenta a Recorrente que, apesar disto, não foi combinada a data de início dos trabalhos e que os trabalhadores foram levados para a Herdade por exclusiva iniciativa do C…, pelo que o legal representante da empregadora não sabia sequer que os seus trabalhadores estavam na Herdade na data do acidente.
No entanto, esta versão é absolutamente incongruente com os depoimentos prestados, principalmente por J… e C…, e com os documentos apresentados.
Com efeito, o dia 30.04.2019 não foi o primeiro que os trabalhadores foram para a Herdade, já ali andavam há três dias, tendo começado pelos trabalhos de execução dos bebedouros, primeiro com a preparação do terreno e colocação das respectivas bases em cimento. No dia 30.04.2019, como era necessário aguardar que o cimento secasse, iniciaram os trabalhos relativos à colocação da nova cancela de entrada, no decurso dos quais ocorreu o acidente.
Apesar do legal representante da Recorrente dizer que não lhe foi comunicado o início dos trabalhos na Herdade, a testemunha C… referiu que lhe telefonou a dar essa informação, e essa versão é confirmada por vários elementos constantes dos autos.
Para começar, os materiais (tijolo, cimento, etc.) e as ferramentas utilizadas na obra da Herdade, não surgiram por geração espontânea. De acordo com o orçamento, os materiais e a mão-de-obra eram fornecidos pela Recorrente, que recebia 40% do valor orçamentando na adjudicação dos trabalhos. Esses materiais estavam na obra da Herdade, competindo à Recorrente fornecê-los, recebendo logo 40% do valor orçamentado – e certo é que o legal representante da Recorrente, Rogério Eloy, revelou no seu depoimento que recebeu o valor devido na adjudicação da obra, o que demonstra desde logo que tinha efectivo conhecimento do início dos trabalhos.
Por outro lado, o argumento de os trabalhadores J… e G… (o sinistrado) estarem sob as ordens e direcção do dono da obra, desconhecendo a sua entidade patronal o que estes estavam a fazer e em qual obra estavam, para além de inverosímil, é contraditado pelo depoimento do J…, que acaba por admitir que comunicava à sua entidade patronal os trabalhos que estavam a realizar. De resto, quando a Recorrente foi orçamentar os trabalhos no dia 15.03.2019, quem acompanhou o gerente Rogério Eloy e o representante do dono da obra (a testemunha C…), foi o J…, que ali participou nas marcações realizadas no terreno e recebeu as instruções necessárias à realização da obra.
Enfim, apenas resta concluir que improcede a impugnação quanto aos pontos 22 e 23 do elenco de factos provados e quanto aos pontos 42 a 49 do elenco de factos não provados, por absolutamente contraditórios com os primeiros.
Já quanto à matéria dos pontos 30 a 39 do elenco de factos provados, resulta do relatório do inquérito realizado pela ACT, confirmado em audiência pela sua autora, a testemunha A…, que, à data do acidente, não estavam contratados serviços de segurança no trabalho, não existia qualquer avaliação de riscos para execução dos trabalhos, não foi realizada qualquer análise dos equipamentos adequados nem prestada qualquer informação ao sinistrado acerca dos equipamentos a utilizar e regras de segurança a observar, nem foram adoptados quaisquer outros procedimentos sobre segurança no trabalho.
De resto, a testemunha J…, técnico de recursos humanos e consultor de higiene e segurança no trabalho, revelou que era consultado, algumas vezes, acerca de trabalhos a realizar pela Recorrente, mas apenas de forma esporádica e via telefónica. Acerca da obra em causa, só soube dela após o acidente, não existindo nesse momento qualquer contratação ou outro tipo de organização dos serviços de avaliação de riscos associados à execução dos trabalhos.
Quanto ao facto constante do ponto 39, concordamos plenamente com a sentença recorrida, quando afirma que “A mera proximidade de uma pedra daquelas dimensões do local onde deveria ser colocado o poste e a cerca bastaria para qualquer homem médio, de entendimento razoável, antever o risco de queda caso se procedesse a uma movimentação e perfuração do solo em redor daquela mesma pedra.”
O certo é que não foi realizada qualquer avaliação de riscos, não foi verificado o equilíbrio da pedra nem a estabilidade dos solos em seu redor, ou efectuado qualquer escoramento da pedra e entivação do solo. E tudo isto culminou na queda da pedra para cima da vítima, quando este estava no buraco que o mandaram abrir, quando podiam e deviam ter sido tomados vários cuidados que certamente evitariam o acidente.
Enfim, mesmo a conclusão de facto que consta do ponto 39 não nos merece censura.
Improcede, pois, a impugnação também quanto aos pontos 30 a 39 do elenco de factos provados e quanto aos pontos 50 a 54 do elenco de factos não provados, por absolutamente contraditórios com os primeiros.
Apenas haverá a realizar a correcção de lapsos materiais constantes do elenco fáctico.
As dimensões de um objecto como uma pedra são definidas em comprimento, largura e altura. Ora, nos pontos 23 e 26 afirma-se que a pedra tinha “2,10 metros de comprimento, 80 centímetros de largura e 1,60 metros de comprimento”, mas a última dimensão refere-se à altura: a pedra foi medida pela inspecção do trabalho, e ninguém contesta que a altura da mesma era de 1,60 metros.
Finalmente, no ponto 7, o resultado da multiplicação de € 600,00 x 14 é € 8.400,00, e não € 8.600,00 como consta da sentença recorrida.
Em resumo, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto, mas rectifica-se o lapso material constante dos pontos 23 e 26 do elenco fáctico, relativo à altura da pedra, e o constante do ponto 7, relativo ao total anual transferido para a Seguradora, de € 8.400,00.

Fica assim estabelecida a matéria de facto:
1. A beneficiária L… nasceu em 23 de Março de 1984 e casou-se com o sinistrado em 13-06-2009.
2. M… é filho da beneficiária L… e do sinistrado e nasceu a 05-07-2011.
3. A… é filha da beneficiária L… e do sinistrado e nasceu a 12-06-2016.
4. G… exercia as funções inerentes à categoria de servente da construção civil, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., tendo sido contratado em Dezembro de 2018.
5. Ao abrigo do mencionado contrato de trabalho, o sinistrado auferia uma retribuição anual de € 9.554,34 (nove mil, quinhentos e cinquenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos), respeitante a € 600,00 x 14 meses/ano de salário base + € 4,77 x 22 x 11 meses/ano de subsídio de alimentação.
6. O período normal de trabalho do sinistrado foi fixado pela Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., das 8h às 17h, com intervalo para o almoço das 12h às 13h.
7. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., celebrou com a 1.ª Ré, um contrato de seguro de acidentes de trabalho, mediante o qual transferiu para esta a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, através da apólice n.º AT64079239, de € 600 x 14 meses, ou seja, mediante a remuneração anual de € 8.400,00 (oito mil e quatrocentos euros).
8. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., é uma empresa que desenvolve a sua actividade prestando serviços na área da construção civil e reabilitação/remodelações de edifícios.
9. Por contrato de empreitada, a sociedade Venâncio Ferreira & Filho, Lda., adjudicou à Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., os seguintes trabalhos, a executar no local da Herdade de Sesmaria Nova – Branca, sita na Estrada Nacional 251, em Coruche:
- Execução de 8 bebedouros para gado em alvenaria de 2,00x0,80x0,50;
- Colocação no fundo e paredes de alvenaria com argamassa de cimento e areia ao traço 3:1, em volume;
- Rebocar paredes exteriores e interior e o fundo cimentado; e
- Colocação de nova cancela (portão) de entrada.
10. Em consequência directa e necessária de acidente ocorrido em 30 de Abril de 2019, o sinistrado sofreu múltiplas lesões melhor descritas no Relatório de Autópsia Médico-Legal elaborado na fase de inquérito do processo crime 566/19.1T9STR a pedido dos Serviços do Ministério Público deste Tribunal – que lhe provocaram a morte.
11. O óbito foi declarado no dia 30-04-2019, pelas 12h19m, pelo Dr. C…, Médico do Centro de Saúde de Coruche.
12. O corpo de G… foi sepultado no cemitério da Cidade Central de Minas, Estado de Minas Gerais no Brasil.
13. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., suportou encargos com despesas de funeral no valor total de € 5.000,00.
14. À Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., – e desde há vários anos – tinham sido adjudicados diversos trabalhos de construção civil pela empresa Venâncio Ferreira & Filho, Lda.
15. Em Abril de 2019, a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., estava a desenvolver trabalhos de construção civil para a empresa Venâncio Ferreira & Filho, Lda. numa moradia sita na Quinta da Tojeira L-11, em Santo Estevão.
16. A Ré destacou para a obra na Quinta da Tojeira os trabalhadores J… e o sinistrado.
17. No decorrer destes trabalhos na Quinta da Tojeira, a empresa Venâncio Ferreira & Filho, Lda. contactou a aqui Ré, na pessoa do seu legal representante, para esta lhe efectuar outros trabalhos de construção civil, desta feita na Herdade da Sesmaria Nova – Branca.
18. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., apresentou contrato de empreitada com os trabalhos a efectuar na Herdade da Sesmaria Nova – Branca e respectivo orçamento o qual foi aceite pela Venâncio Ferreira & Filho, Lda., com pagamento de sinal para adjudicação do serviço.
19. Nos termos do supra descrito contrato de empreitada, ficou convencionado entre as partes que os trabalhos a efectuar na Herdade da Sesmaria Nova – Branca seria alternado com os trabalhos que já estavam em execução na Quinta da Tojeira.
20. Nos termos do supra descrito contrato de empreitada, ficou convencionado que a data de início dos trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca seria durante o mês de Abril de 2019, em data a combinar, e com a duração previsível de 2 semanas.
21. Mercê do descrito de 14) a 16), a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabia que os trabalhadores J… e o sinistrado estavam a trabalhar na Quinta da Tojeira sob fiscalização da Venâncio Ferreira & Filho, Lda., dona da obra e responsável pela contratação da empreitada, na pessoa do seu sócio gerente C…, o qual fiscalizava a execução da obra, das tarefas executadas ou a executar pelos trabalhadores da Ré, dando, inclusivamente, algumas instruções a estes.
22. Mercê do descrito de 14) a 16), a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., na pessoa do seu legal representante, sabia que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, sob fiscalização da Venâncio Ferreira & Filho, Lda., dona da obra e responsável pela contratação da empreitada, na pessoa do seu sócio gerente C….
23. Previamente a 15 de Março de 2019, a Ré, na pessoal do seu legal representante, deslocou-se à Herdade da Sesmaria Nova – Branca, acompanhada do trabalhador J… e de C…, e procederam à verificação no terreno dos trabalhos a executar, nomeadamente do local de colocação de nova cancela (portão) de entrada, tendo identificado o local onde seria instalado o poste e verificado a existência de uma 1 pedra, com cerca de 2,10 metros de comprimento, 80 centímetros de largura e 1,60 metros de altura, e com peso de cerca de 2 a 4 toneladas.
24. Em 30 de Abril de 2019, o sinistrado G… executava as tarefas necessárias à colocação de uma nova cancela (portão) na entrada da Herdade da Sesmaria Nova, em Coruche, por solicitação da entidade Venâncio Ferreira & Filho, Lda. ao abrigo do contrato de empreitada celebrado com a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda..
25. Para o efeito, abria um buraco, no solo, com cerca de 35/40 centímetros por 35/40 centímetros para colocação de pedra e cimento e implantação de poste de madeira, a encher com cimento/betão, e que serviria para fixar portão/cancela.
26. No local, junto ao sítio onde estavam a ser aberto o buraco, encontravam-se depositadas 4 pedras, sendo a mais próxima do buraco com cerca de 2,10 metros de comprimento, 80 centímetros de largura e 1,60 metros de altura, e com peso de cerca de 2 a 4 toneladas.
27. O terreno onde o sinistrado trabalhava, e onde se encontrava depositada a referida pedra, era composto por terra e gravilha.
28. O sinistrado efectuava a tarefa de abertura do buraco do lado direito do portão, com recurso a ferramentas manuais, utilizando para o efeito uma pá e um abre covas.
29. Estando o sinistrado dentro do buraco aberto, a referida pedra rolou e caiu sobre o sinistrado, provocando-lhe lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, toráxico-abdominais e raqui-medulares, que lhe causaram morte.
30. Em 30 de Abril de 2019 e durante o ano de 2019, a Ré não tinha contratados serviços de segurança no trabalho e não tinha serviços organizados em matéria de segurança no trabalho.
31. Em 30 de Abril de 2019, sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, a Ré não dispunha de nenhum Relatório de Avaliação de Riscos para execução dos referidos trabalhos.
32. Em 30 de Abril de 2019, sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, a Ré não efectuou qualquer análise dos equipamentos adequados para execução dos referidos trabalhos, aferindo da necessidade de recorrer a equipamentos mecânicos para abertura do buraco para colocação do poste.
33. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não deu quaisquer instruções ao sinistrado sobre os equipamentos de trabalho a utilizar na abertura do buraco para colocação do poste nem sobre as regras de segurança a observar.
34. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não prestou informação ao sinistrado sobre os equipamentos de trabalho a utilizar na abertura do buraco para colocação do poste nem sobre as regras de segurança a observar.
35. A Ré celebrou o contrato de empreitada com a Venâncio Ferreira & Filho, Lda. para execução dos trabalhos a efectuar na Herdade da Sesmaria Nova – Branca, sabendo que não tinha organizados os serviços de segurança no trabalho nem contratado tais serviços a empresa de serviços de segurança no trabalho.
36. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não procedeu a qualquer avaliação dos riscos associados à execução dos trabalhos, designadamente os trabalhos de colocação de poste e cancela.
37. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não procedeu a qualquer definição das medidas de prevenção de acidentes associados à execução dos trabalhos, designadamente dos trabalhos de colocação de poste e cancela.
38. A Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., sabendo que os trabalhos na Herdade da Sesmaria Nova – Branca deveriam iniciar-se durante o mês de Abril de 2019, não prestou informação ao sinistrado sobre medidas de prevenção de acidentes associados à execução dos trabalhos, designadamente dos trabalhos de colocação de poste e cancela.
39. Mercê do descrito de 30) a 38), a pedra referida em 26) caiu e rolou sobre o referido buraco aquando da abertura do mesmo buraco pelo sinistrado.
40. A beneficiária L… suportou encargos de € 30,00 com transportes e alimentação nas suas deslocações obrigatórias por ordem do Tribunal.
41. Em Abril de 2019, a Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., havia contratado a organização de serviços em matéria de saúde no trabalho com a empresa certificada Vivamais – Segurança e Saúde no Trabalho, SA. e contratou serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho no ano de 2020.

APLICANDO O DIREITO
Da culpa do empregador na produção do acidente
Vem sendo afirmado de forma dominante na jurisprudência[1] que a responsabilidade agravada do empregador, para os fins do art. 18.º n.º 1 da LAT – Lei 98/2009, de 4 de Setembro – tem por base dois fundamentos, a saber:
· acidente provocado pelo empregador ou seu representante, o que implica a ocorrência de um comportamento culposo; ou,
· acidente resultante da falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Também vem sendo reconhecido que a prova da culpa apenas é indispensável quanto ao primeiro fundamento, mas quanto ao segundo – incumprimento do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho – torna-se necessário demonstrar que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal, e a verificação de um nexo de causalidade entre essa conduta omissiva e a eclosão do acidente.[2]
Finalmente, importa referir que o ónus de alegação e prova dos factos que integram a violação de regras de segurança e o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente impende sobre a parte que invoca o direito às prestações agravadas, ou que venha a beneficiar da situação.
Dispõe o art. 563.º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Antunes Varela[3] ensina que esta norma acolheu a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, segundo a qual o estabelecimento do nexo de causalidade, juridicamente relevante para efeito da imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito (acto ou omissão) praticado pelo agente tenha actuado como condição da verificação de certo dano, ou seja, que não foi de todo indiferente para a produção do dano, apresentando-se este como consequência normal, típica ou provável daquele.
Conforme o insigne Mestre, «para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.»[4] Acresce que «a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral e abstracta do facto para produzir o dano.»[5]
Verifiquemos então, numa primeira linha, se houve regras de segurança e saúde no trabalho que não foram observadas pelo empregador, para, em segundo lugar, apurar se o seu cumprimento provavelmente evitaria a produção do evento lesivo.
Está apurado que não se procedeu a qualquer avaliação dos riscos associados à execução do trabalho que o sinistrado estava a desempenhar, não foi realizada qualquer análise dos equipamentos adequados para a respectiva execução, não se aferiu da necessidade de recorrer a equipamentos mecânicos para abertura do buraco, e não foram fornecidas instruções ao sinistrado sobre os equipamentos a utilizar naquela tarefa nem sobre regras de segurança ou medidas de prevenção a observar, pelo que, em consequência, a pedra caiu e rolou sobre o buraco, atingindo fatalmente o sinistrado.
A Lei 102/2009, de 10 de Setembro, que aprova o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, estabelece no seu art. 15.º n.º 2 a obrigação do empregador zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta vários princípios gerais de prevenção, entre eles:
a) “Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção;
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção;
f) (…);
g) (…);
h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual;
k) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador”.
São estes deveres que, manifestamente, a Recorrente entidade patronal não observou.
Ao determinar a realização do trabalho em causa – abertura de um buraco próximo de uma pedra de grandes dimensões – cumpria-lhe não apenas atribuir os instrumentos e meios seguros e adequados (no mínimo, o escoramento da pedra e/ou a entivação do solo, senão mesmo o uso de meios mecânicos para a afastar do local), como ainda planear a tarefa, identificando os riscos previsíveis e combatendo-os na sua origem, integrando nas actividades da empresa a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, planificando um sistema coerente de prevenção de riscos na empresa, e fornecendo instruções adequadas aos seus trabalhadores para a realização segura dos trabalhos.
Ao invés, a Recorrente entidade patronal não planeou devidamente os trabalhos em causa, quer ao não atribuir os meios adequados, quer ao não dar as instruções necessárias à realização dos trabalhos em segurança. E importa notar que a violação das regras de segurança ocorre não apenas por acção, mas também por omissão, face à obrigação do empregador em zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador – art. 486.º do Código Civil.
Por outro lado, estando em causa a abertura de um buraco junto a uma pedra de grandes dimensões, em solo composto por terra e gravilha, competia à entidade empregadora não apenas assegurar as indispensáveis condições de segurança aptas a evitar desmoronamentos – art. 66.º do Regulamento de Segurança da Construção Civil, aprovado pelo Decreto 41.821, de 11.08.1958, conhecido pela sigla RSCC – como ainda, dadas as características do local onde a escavação iria decorrer, calcular o risco de “desmoronamentos, derrubamentos ou escorregamentos” e reforçar “a entivação de modo a torná-la capaz de evitar esses perigos” – art. 68.º do mesmo diploma.
Para além que, dada a similitude do risco com o que ocorre em “escavações próximas de muros ou paredes de edifícios”, verificar se o trabalho de abertura do buraco poderia afectar a estabilidade da pedra e, em caso positivo, adoptar processos construtivos eficazes, como escoramento ou recalcamento, para garantir a estabilidade – art. 81.º do RSCC.
Ora, no caso dos autos, nenhuma destas normas foi cumprida – para além de não terem sido adoptadas quaisquer medidas de segurança que garantissem a estabilidade da pedra, se não fosse possível retirá-la do local, não foi efectuado qualquer estudo acerca das condições de estabilidade da pedra e do solo onde assentava.
Todas estas violações são imputáveis à Recorrente, quer pela falta de planeamento dos trabalhos e efectiva distribuição de equipamentos seguros e adequados, quer pela ausência de qualquer sistema de controlo da efectiva execução dos trabalhos em segurança.
Entrando agora na discussão do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a produção do acidente em apreço, recordemos que este resulta de um encadeamento de factos que conduzem ao dano.
E no caso em concreto, pondera-se que a observância das regras de segurança supracitadas, com correcto planeamento, fornecimento de instruções adequadas e distribuição de equipamentos de trabalho capazes, seria, com muito elevado grau de probabilidade, apta a evitar a produção do acidente.
A segurança começa no planeamento e institucionalização de métodos de trabalho seguros e adequados, com controlo da sua efectiva aplicação, e essa responsabilidade cabe directamente à entidade patronal.
Conclui-se, pois, pela verificação dos requisitos de actuação culposa do empregador, previstos no art. 18.º n.º 1 da LAT, o que justifica a sua condenação pela totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes do óbito do trabalhador, sendo a condenação da Ré Seguradora limitada às prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso – art. 79.º n.º 3 do mesmo diploma.

Do valor das pensões agravadas por actuação culposa do empregador
O agravamento das pensões em caso de morte resultante de acidente de trabalho com actuação culposa do empregador, imposto pelo art. 18.º n.º 1 da LAT, tem como limite a totalidade da retribuição da vítima e, existindo vários beneficiários, a pensão a pagar pelo empregador será repartida por eles de acordo com as proporções estabelecidas nos arts. 59.º a 61.º daquele diploma – art. 18.º n.º 4 al. a) e n.º 5.
E quando os filhos da vítima perderem o direito às suas pensões, a pensão do cônjuge ou da pessoa que vivia em união de facto com o sinistrado, será aumentada até à totalidade do salário anual, ocorrendo assim a reversão das percentagens dos beneficiários que vão perdendo a pensão a favor dos restantes – é o que resulta do n.º 6 do mesmo art. 18.º.[6]
Ora, a decisão recorrida, quando nas alíneas e), f) e g) do dispositivo se ocupou da responsabilidade agravada da empregadora, não cuidou de aplicar estas normas, condenando apenas nas pensões normais.
No entanto, estamos perante preceitos imperativos da lei, aplicando princípios com consagração constitucional, e que conferem direitos inalienáveis e irrenunciáveis – art. 78.º da LAT.
E porque assim se trata, a este Tribunal da Relação é lícito efectuar uma condenação extra vel ultra petitum – art. 74.º do Código de Processo do Trabalho – condenando em valor superior ao que resulta na sentença recorrida.
Ponderando que a viúva teria direito a 30% da retribuição do sinistrado, e que os filhos teriam direito a 40%, a dividir pelos dois – art. 59.º n.º 1 al. a) e art. 60.º n.º 2 da LAT – num total de 70%, por via do agravamento decorrente da violação das regras de segurança, a pensão anual de cada um deles será calculada pelo seguinte modo:
- A. Luciana: € 9.554,34 : 70% x 30% € 4.094,72
- A. Matheus: € 9.554,34 : 70% x 40% : 2 € 2.729,81
- A. Ana Luíza: € 9.554,34 : 70% x 40% : 2 € 2.729,81
TOTAL € 9.554,34
Como já consignado, à medida que cada um dos filhos for perdendo o direito à pensão, aos 18, 22 ou 25 anos de idade, o montante que auferiam reverterá na íntegra para a mãe.

Em resultado da rectificação do lapso material constante do ponto 7 do elenco de factos provados na sentença recorrida – o valor anual transferido para a Seguradora era de € 8.400,00, e não de € 8.600,00 – as proporções das responsabilidades de cada uma das Rés, constantes das alíneas a), b) e c) do dispositivo da sentença terá de ser alterado, por aplicação da regra de três simples, para 87,92% a cargo da Seguradora e 12,08% a cargo da empregadora.

Outro erro de cálculo resulta da leitura da sentença.
Nos pontos ii) e iii) da alínea a) do dispositivo, condenam-se ambas as Rés no pagamento de subsídios de férias e de Natal, no montante anual de € 682,45, que correspondem a 1/14 do montante total da retribuição (€ 9.554,34 : 14).
Ponderamos que estamos perante um lapso material da sentença, porquanto os n.ºs 1 e 2 do art. 72.º da LAT são bem impressivos, ao determinar que “A pensão anual por incapacidade permanente ou morte é paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual”, e que “Os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, são, respectivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro.”
Ou seja, a pensão anual é paga em prestações mensais equivalentes a 1/14 do valor anual, acrescendo os subsídios de férias e de Natal, equivalendo cada um também a 1/14 da pensão anual. O que significa que a pensão anual é paga em 14 prestações mensais, cada uma no valor de 1/14 da pensão anual, sendo pagas duas dessas prestações nos meses de Junho e Novembro, assim se atingindo o total devido em cada ano.
Outro era o regime que resultava da Lei 2.127, de 03.08.1965, nomeadamente do art. 3.º do DL 304/93, de 1 de Setembro, por força do qual acrescia uma 13.ª prestação, paga no mês de Dezembro de cada ano, de valor igual ao montante do duodécimo da pensão anual (o valor pago em cada ano era assim equivalente a 13/12 da pensão anual), mas certo é que os métodos de cálculo da retribuição-base sofriam severas limitações, por força da Base XXIV daquela Lei e do art. 50.º do Decreto 360/71, de 21 de Agosto. Tais limitações eram claramente desfavoráveis aos sinistrados[7] e foram abandonadas na Lei 100/97 e na actual LAT.
De todo o modo, atenta a data do acidente, o regime aplicável é exclusivamente o que resulta da Lei 98/2009, como resulta do respectivo art. 187.º n.º 1.
Verificado o lapso material, assiste a este tribunal de recurso o dever de proceder à respectiva correcção – art. 614.º n.º 1 do Código de Processo Civil – eliminando aquelas condenações que frontalmente violam disposições imperativas da lei.

Por força da alteração das pensões devidas aos beneficiários, o valor da causa altera-se, nos termos do art. 120.º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo do Trabalho e das tabelas anexas à Portaria 11/2000, de 13 de Janeiro, nos seguintes termos: [(€ 4.094,72 x 13,125) + (€ 2.729,81 x 11,344) + (€ 2.729,81 x 13,190) + € 5.752,03 + € 3.834,69 + € 30,00] = € 130.293,50.

DECISÃO
Destarte, decide-se:
a) alterar as proporções das responsabilidades a cargo de cada uma das Rés, que constam das alíneas a), b) e c) do dispositivo da sentença, para 87,92% a cargo da Seguradora e 12,08% a cargo da empregadora;
b) eliminar as condenações que constam dos pontos ii) e iii) da alínea a) do dispositivo da sentença recorrida;
c) alterar a alínea e) do dispositivo da sentença recorrida, fixando o valor da pensão anual e vitalícia que L… tem a receber da Ré Eloy & Eloy – Construções de Edifícios, Lda., devida desde 01.05.2019, em € 4.094,72, a qual será aumentada até € 6.824,53, e até € 9.554,34, à medida que cada um dos filhos da vítima for perdendo o direito às pensões que a seguir lhes são atribuídas;
d) alterar a alínea f) do dispositivo da sentença recorrida, fixando o valor da pensão anual que M… tem a receber da mesma Ré, devida desde 01.05.2019 e até à idade de 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, em € 2.729,81;
e) alterar a alínea g) do dispositivo da sentença recorrida, fixando o valor da pensão anual que A… tem a receber da mesma Ré, devida desde 01.05.2019 e até à idade de 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, em € 2.729,81;
f) alterar o valor da causa para € 130.293,50;
g) no demais, manter a sentença recorrida.
As operações de actualização das pensões, a efectuar nos termos do art. 6.º do DL 142/99, de 30 de Abril, serão realizadas na 1.ª instância.
As custas do recurso pela Recorrente.

Évora, 25 de Novembro de 2021

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
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[1] De que são exemplos recentes os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2018 (Proc. 750/15.7T8MTS.P1.S1), de 25.10.2018 (Proc. 92/16.0T8BGC.G1.S2) e de 15.09.2021 (Proc. 559/18.6T8VIS.C1.S1), todos publicados em www.dgsi.pt.
[2] Vide, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2021, referido na nota anterior.
[3] In Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., 2000, pág. 900.
[4] Loc. cit., pág. 894.
[5] Idem, pág. 896.
[6] E assim vinha decidindo a jurisprudência, mesmo no domínio da anterior legislação, de que são paradigmáticos os Acórdãos desta Relação de Évora de 14.12.2004 (CJ, tomo V, pág. 270) e de 04.10.2005 (CJ, tomo IV, pág. 287), bem como do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2007 (Proc. 06S2711) e de 11.12.2013 (Proc. 631/03.7TTGDM-A.P1.S1), estes disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Este regime limitador do cálculo da retribuição-base foi justamente apelidado de “o mais controverso, pitoresco, ridículo e fastidioso de todos os preceitos do regime reparatório dos acidentes de trabalho” e de “sinuosa avareza”, por Vítor Ribeiro, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 1994, pág. 95.