Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1550/13.4TBVNO-B.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: 1. Os privilégios creditórios de que gozam os créditos de sinistrado em acidente de trabalho derivam directamente da lei e constituem-se simultaneamente com o facto gerador do crédito, não dependendo de qualquer evento ulterior como requisito de invocabilidade ou de eficácia da garantia.
2. O momento relevante a atender para efeito de reconhecimento da garantia conferida por privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel onde o trabalhador prestava a sua actividade é o da constituição do respectivo crédito, o que no caso da ocorrência de acidente de trabalho coincide com a data em que este ocorreu.
3. Da declaração de insolvência do empregador de sinistrado em acidente de trabalho não resulta a extinção dos privilégios creditórios de que gozavam os respectivos créditos.
Decisão Texto Integral: Na Secção de Comércio , a requerimento de AA, foi decretada a insolvência de BB, Lda..
Organizado o respectivo apenso de reclamação de créditos, proferiu-se sentença graduando, para serem pagos pelo produto da venda de imóvel apreendido nos autos, em 1.º lugar os créditos laborais do Requerente AA, por gozar de privilégio imobiliário especial, e em 2.º lugar o crédito do credor Banco CC, S.A., garantido por hipoteca.
Interpõe este Banco recurso e conclui:
a) No âmbito dos autos de insolvência de BB, Lda., foi apresentada pelo Administrador de Insolvência, lista de todos os créditos por si reconhecidos nos termos e para os efeitos do artigo 129º, n.º 2 do CIRE;
b) Uma vez homologada a lista de créditos reconhecidos, procedeu o Tribunal a quo à elaboração da Graduação de Créditos, nos termos do artigo 130º, n.º 3, do CIRE;
c) Determinando o douto Tribunal a quo que “Os créditos laborais de AA gozam de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel cujo produto da venda foi apreendido e mobiliário geral (art. 333º do C.T.) e são pagos, no que aos bens móveis respeita, à frente dos créditos por impostos e da Segurança Social – art. 747º, 479º do CC e Ac. TRG de 13-2-2014, proc. N.º 1216/13.5TBBCL-A.G1.”;
d) Procedeu ainda, o Tribunal a quo, à graduação dos créditos do ora recorrente, determinando que “Os créditos garantidos por hipoteca do B CC, S.A., no valor de € 255.876,64 deverão ser pagos, relativamente ao produto da venda do bem hipotecado, após o pagamento dos créditos laborais.”;
e) No entanto, analisando os elementos contantes dos presentes autos, impunha-se decisão diversa, por parte do Tribunal a quo sobre a graduação de créditos, nomeadamente, graduando o crédito garantido por hipoteca à frente do crédito reclamado pelo credor AA;
f) Porquanto o mesmo, embora portador de crédito laboral, não é trabalhador da Insolvente, não prestando funções na mesma, desde 22 de Agosto de 1994;
g) Os créditos reclamados, de natureza laboral, apenas gozam de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel que seja o local de trabalho do trabalhador, aquando da declaração de insolvência, nos termos do disposto no Art. 333.º Do Código do Trabalho;
h) Sobre o tema, o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2016, entendeu sobre a matéria dos créditos imobiliários especiais, referindo que “O local de trabalho – entendido em concreto, como o lugar em que, de facto, o trabalhador presta funções – não releva por si só. Interessa a integração na empresa, a actividade do trabalhador para essa empresa, independentemente das funções e do local onde estas sejam exercidas.”;
i) Devem, em concreto, ter-se em consideração os imóveis em que o trabalhador exercia a sua actividade, aquando da declaração de insolvência – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 1/10/2013, no âmbito do processo 1938/06.7TBCTB-E.C1;
j) Daqui se terá de concluir que, não exercendo o trabalhador qualquer função, aquando da declaração de insolvência, no imóvel em causa, o seu crédito deverá ser graduado como Privilégio mobiliário geral, cfr. o disposto no artigo 333º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho;
k) Com efeito, a graduação de créditos da douta sentença recorrida não se mostra efectuada de acordo com as disposições legais aplicáveis;
l) Constituindo esta omissão uma nulidade da sentença nos termos do previsto no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex-vi artigo 17º do CIRE.

O Requerente AA contra-alega e conclui:
1. O ora requerente intentou pedido de insolvência contra a sociedade BB, LDA, em 29 de Novembro de 2013, tendo sido declarada insolvente em 17.01.2014.
2. O requerente/recorrido apresentou reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência.
3. Na lista elaborada nos termos do artº 155 do CIRE, bem como na lista elaborada nos termos do artº 129 do CIRE, consta o crédito do recorrido, como crédito privilegiado e a indicação da origem de tal crédito – Indemnização Acidente de Trabalho.
4. Não houve lugar à elaboração de lista de créditos não reconhecidos.
5. Inexistiram impugnações a tal lista de credores, apresentada nos termos do artº 129 do CIRE.
6. Por D. despacho de 16.05.2016 (Ref. Citius 71567008), o D. Tribunal recorrido notificou o Il. Administrador de Insolvência, para esclarecer quais os bens apreendidos para a massa sobre os quais incide o privilégio do recorrido.
7. O Il. Administrador de Insolvência veio a responder a tal D. Despacho, informando que o trabalhador prestava serviço no imóvel cujo produto da venda em execução fiscal, foi apreendido nos autos.
8. A lista, apresentada nos termos do artº 129 do CIRE foi homologada pelo D. Tribunal e foi apresentada Sentença de Verificação e Graduação de Créditos.
9. A D. Sentença de Verificação e Graduação de Créditos refere que “Os créditos laborais de BB gozam de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel cujo produto da venda foi apreendido e mobiliário geral (art. 333º do C.T.) e são pagos, no que aos bens móveis respeita, à frente dos créditos por impostos e da Segurança Social – art. 747º, 749º do CC e Ac. TRG de 13-2-2014, proc. n.º 1216/13.5TBBCL-A.G1.
10. A recorrente começa as suas alegações, dizendo que a Sentença recorrida é nula, contudo não alega nenhuma das causas de nulidade indicadas no nº 1 do artº 615 do CPC, na sua motivação, nem as concretiza.
11. A recorrente refere na sua motivação, o seguinte:
“… da análise dos elementos constantes dos presentes autos, impunha – se decisão diversa, por parte do tribunal a quo sobre a graduação dos créditos, …”
“… entende o recorrente que a graduação de créditos da douta sentença recorrida não se mostra efectuada de acordo com as disposições legais aplicáveis.”,
12. Termina a recorrente a sua motivação dizendo, “ Face ao supra exposto, constata-se que a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 130 nº 2 e 140 nº 2, ambos do CIRE, bem como o artigo 333º do Código do Trabalho.”
13. Na motivação a recorrente não alega qualquer motivo para que a D. Sentença esteja ferida de nulidade, antes pede a revogação da sentença por existência de erro de julgamento em matéria de direito ou errada subsunção dos fatos à matéria de direito.
14. Mas nas conclusões a recorrente introduz a questão da nulidade, a qual não consta da motivação.
“…k) Com efeito, a graduação de créditos da douta sentença recorrida não se mostra efectuada de acordo com as disposições legais aplicáveis;
l) Constituindo esta omissão uma nulidade da sentença nos termos do previsto no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex-vi artigo 17º do CIRE.”
15. O art. 639.º do CPC n.º 1 dispõe que “1 – O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”
16. A conclusão da recorrente que se encontra indicada na alínea k), não constitui uma conclusão sintetizada da motivação e portanto é uma conclusão inválida juridicamente,
17. Porque, em nenhuma parte da motivação, a recorrente alega e concretiza a “omissão de pronúncia”, de acordo com a invocada alínea d) do nº 1 do artº 615 do CPC.
18. A alegação de erro no julgamento da matéria de direito ou errada subsunção dos fatos à matéria de direito, presente no corpo da motivação, onde a recorrente refere: “Face ao supra exposto, constata-se que a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 130 nº 2 e 140 nº 2, ambos do CIRE, bem como o artigo 333º do Código do Trabalho”, não tem correspondência nas conclusões.
19. A recorrente também não indica as normas jurídicas violadas nas conclusões, se entendêssemos que o que a recorrente pretendia era recorrer por não se conformar com subsunção dos fatos às normas jurídicas aplicadas ou erro de julgamento em matéria de direito.
20. Entendemos que o presente recurso deverá ser rejeitado.
21. Tanto a recorrente como todos os outros credores indicados nos autos foram notificados da lista provisória de credores bem como da lista de credores reconhecidos, apresentadas nos termos do artº 129 do CIRE.
22. Em qualquer uma das listas aparece a qualificação do crédito do ora recorrido/credor – crédito privilegiado.
23. A recorrente deveria e podia, nos termos do artº 130 nº 1 do CIRE, ter impugnado tal lista, arguindo a incorrecção da qualificação do crédito do recorrido, o que não fez, conformando-se com o mesmo.
24. Não pode agora a recorrente, em sede de recurso alegar que “…a verificação do crédito do credor Paulo Jorge Francisco Meliciano na lista de credores apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência como privilegiado, não implica que o mesmo venha a ser reconhecido como tal.”
25. Não houve qualquer omissão de pronúncia por parte do D. Tribunal recorrido porque não ficou por decidir qualquer questão que tenha sido colocada pelas partes.
26. As compensações a trabalhador na sequência de acidente de trabalho são consideradas retribuição, nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. 6799/2008- 2ª Secção.
27. A própria lei que regulamenta os acidentes de trabalho e as doenças profissionais, Lei 98/2009 de 4 de Setembro, no artº 78, dispõe que: “ Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.”
28. Os créditos do artº 333 do Código de Trabalho são graduados pela alínea a) mas se o trabalhador prestou a sua actividade no imóvel da insolvente, tal crédito passa a ser graduado pela alínea b)
29. Os créditos resultantes de acidentes de trabalho são considerados retribuição e gozam das garantias consignadas no Código de Trabalho;
30. São fatos assentes, por não terem sido postos em causa, que recorrido foi trabalhador da insolvente e que prestou a sua actividade no bem imóvel cujo produto da venda em execução fiscal foi apreendido nos autos.
31. A alínea b) do nº1 do artº 333 do Código do Trabalho aplica - se a todos aos trabalhadores mesmo que à data da declaração da insolvência já não prestassem a sua actividade para a insolvente.
32. A resposta para tal encontra – se no próprio nº 1 do artº 333 do Código do Trabalho.
33. O referido nº 1 do art. 333 do Código do Trabalho refere que os créditos resultantes, nomeadamente da cessação do contrato de trabalho, gozam dos privilégios das alínea a) e b)
34. Os créditos resultantes da cessação do contrato trabalho forçosamente também englobam os créditos de contratos de trabalho que se tenham extinguido antes da data da declaração de insolvência.
35. O tempo verbal do verbo “prestar”, na indicada alínea b), não traduz a ideia de que o privilégio imobiliário especial se refere apenas aos contratos existentes à data da declaração de insolvência.
36. Antes pretende reforçar a ideia de que se incluem as situações nas quais, ao tempo do contrato de trabalho, o trabalhador aí (nesse imóvel) exercia a sua actividade.
37. Entender esta alínea de forma diferente, como pretende a recorrente, seria subverter o pensamento do legislador, ao ter dado o texto que deu à indicada alínea b).
38. A questão levantada pela recorrente nem é um tema controverso, daí a inexistência de jurisprudência sobre o assunto.
39. Entendemos que o crédito do recorrido goza de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel cujo produto da venda em execução fiscal foi apreendido nos autos.
40. A D. Decisão sob recurso não merece censura.
41. Nenhuma das alegações ou conclusões da recorrente pode proceder.

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

A matéria fáctica a ponderar é a seguinte:
1. O Requerente iniciou as suas funções como trabalhador na Insolvente no dia 15.08.1994, exercendo as tarefas de operário indiferenciado no imóvel apreendido até ao dia 22.08.1994, data em que sofreu um acidente de trabalho, com amputação traumática de ambas as pernas;
2. Em consequência, o Requerente ficou afectado de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, com incapacidade permanente para outras profissões de 83,53%;
3. No processo de acidente de trabalho, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.09.2002, transitado em julgado[1], foi decidido ter a Insolvente violado regras de segurança, sendo assim condenada a pagar, a título principal, uma pensão anual e vitalícia, uma indemnização por incapacidade temporária absoluta e outra indemnização por danos não patrimoniais.
4. O Requerente não trabalha para a Insolvente desde a data do acidente.

APLICANDO O DIREITO
Do privilégio creditório de sinistrado em acidente de trabalho
Atenta a data do acidente, é ainda aplicável a Lei 2.127, de 3 de Agosto de 1965 (quer a Lei 100/97, de 13 de Setembro, quer a Lei 98/2009, de 4 de Setembro, aplicam-se, apenas, aos acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor de cada um dos ditos diplomas[2]), determinando a respectiva Base XLI que “os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por esta lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam dos privilégios creditórios consignados na lei geral como garantia das retribuições do trabalho com preferência a estes na classificação legal.”
Disposições de idêntico teor foram mantidas no art. 35.º da Lei 100/97 e no art. 78.º da Lei 98/2009.
Os créditos do Requerente, sinistrado em acidente de trabalho quando prestava as suas funções sob a autoridade e direcção da Insolvente, gozaram, assim do privilégio imobiliário geral conferido pelo art. 12.º n.º 1 al. b) da Lei 17/86, de 14 de Junho, e actualmente gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade – art. 377.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho de 2003 e 333.º n.º 1 al. b) do actual Código do Trabalho.
O Banco Recorrente entende que, por o sinistrado já não exercer as suas funções no imóvel desde 1994, não goza daquele privilégio, o qual beneficiaria apenas os trabalhadores ao serviço da Insolvente aquando da declaração de insolvência. Ou seja, em relação aos demais trabalhadores, que teriam visto os seus contratos cessar em momento anterior à declaração de insolvência, no entender do Banco Recorrente, veriam o privilégio creditório dos seus créditos salariais extinguir-se por força dessa declaração.
Porém, este raciocínio não possui sustentação legal.
Note-se que os privilégios creditórios extinguem-se pelas mesmas causas porque se extingue o direito de hipoteca – art. 752.º do Código Civil – o que sucede pela extinção da obrigação a que serve de garantia, por prescrição a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado decorridos 20 anos sobre o registo da aquisição e 5 sobre o vencimento da obrigação, pelo perecimento da coisa hipotecada e pela renúncia do credor – art. 730.º do Código Civil.
Se é certo que a declaração de insolvência significa a extinção de alguns privilégios creditórios e garantias reais, nos termos do art. 97.º do CIRE, entre os créditos que assim perdem a respectiva garantia não se contam os privilégios creditórios dos trabalhadores.
Por outro lado, os créditos de sinistrado em acidente de trabalho constituem-se na sequência do evento lesivo, e mantêm as respectivas garantias independentemente da declaração de insolvência do empregador. Na verdade, o privilégio creditório de que gozam tais créditos deriva directamente da lei e constitui-se simultaneamente com o facto gerador do crédito, não dependendo de qualquer evento ulterior como requisito de invocabilidade ou de eficácia da garantia.
Daí que o Supremo Tribunal de Justiça[3] já tenha decidido que “o momento relevante a atender na cessação do vínculo laboral para efeito de reconhecimento da garantia conferida por privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel em que o trabalhador presta a sua actividade é o da constituição do crédito que goza garantia, ou seja, o momento da efectiva cessação do contrato de trabalho, independentemente de a extinção da relação laboral ter ocorrido com a declaração de insolvência ou antes dela, ainda por iniciativa do empregador.”
Na situação em apreço, estando apurado que o sinistrado, no momento do acidente, exercia as suas funções no imóvel cujo produto da venda foi apreendido para a massa, tanto basta para concluir pela existência do privilégio creditório especial que lhe era reconhecido pelas normas supra citadas, o qual se constituiu com o facto gerador do crédito do sinistrado e não se extinguiu na sequência da declaração de insolvência.
Assim, bem andou a decisão recorrida ao graduar os créditos do sinistrado nos termos em que o fez, não se vislumbrando a nulidade a que faz referência o Banco Recorrente, com fundamento no art. 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, pois o Mm.º Juiz a quo apreciou as questões que lhe cabia conhecer – de resto, nas alegações de recurso nem sequer se concretiza em que medida ocorreria a nulidade invocada.

Porém, cabe deixar uma nota.
Os créditos reclamados não foram impugnados, pelo que o Mm.º Juiz a quo fez aplicação do art. 130.º n.º 3 do CIRE[4], proferindo de imediato sentença homologando a lista de credores reconhecidos e graduando os créditos.
No entanto, é preciso ter em atenção que no processo de acidente de trabalho a Insolvente foi condenada a pagar, a título principal, uma pensão anual e vitalícia, uma indemnização por incapacidade temporária absoluta e outra indemnização por danos não patrimoniais, por valores correspondentes às prestações agravadas por violação de regras de segurança.
Mas no mesmo processo, a Seguradora foi condenada a pagar, a título subsidiário, uma pensão anual e vitalícia e uma indemnização por incapacidade temporária absoluta, pelos valores normais, ou seja, sem o agravamento por violação de regras de segurança.
Se é certo que a Seguradora responderá a título subsidiário pelas prestações normais em que foi condenada – podendo exigir a prévia excussão do património da Insolvente – quanto à diferença entre as prestações normais e as agravadas responderá o Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos do art. 1.º n.º 1 al. a) do DL 142/99, de 30 de Abril.
Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que as alterações introduzidas ao referido diploma pelo DL 185/2007, de 10 de Maio, nomeadamente introduzindo um novo n.º 5 ao art. 1.º, são apenas aplicáveis aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor, pelo que, quanto aos acidentes ocorridos antes da entrada em vigor deste diploma, o Fundo de Acidentes de Trabalho mantém a obrigação de pagar as prestações agravadas, ou o seu diferencial, caso exista um responsável subsidiário, como é o caso.
A título exemplificativo, cita-se o sumário do Acórdão do Supremo de 17.06.2010[5]:
«I – No domínio da vigência do art. 1.º do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, na sua redacção original, era entendimento pacífico que o FAT assumia a responsabilidade pelo pagamento das prestações agravadas ou, havendo responsabilidade subsidiária de uma seguradora – circunscrita às prestações fundadas na denominada responsabilidade objectiva – pelo respectivo diferencial.
II – A nova redacção conferida ao art. 1.º, n.º 5, do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, introduzida pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio, veio afastar a responsabilidade do FAT pelo pagamento das denominadas “pensões agravadas”.
III – Todavia, intui-se do modo como o legislador se exprimiu que a norma que, na lei nova, limita a responsabilidade do FAT, não tem a natureza de lei interpretativa, ao mesmo tempo que não tem por objecto regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, ou seja, situações emergentes de acidentes de trabalho anteriormente ocorridos.
IV – Por isso, em caso de acidente de trabalho ocorrido em data anterior à da entrada em vigor do DL n.º 185/2007, de 30 de Maio, e verificada a situação de impossibilidade de a entidade primitivamente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho proceder ao pagamento das prestações agravadas, mantém-se a obrigação do FAT de assegurar este pagamento ou o seu diferencial, caso haja responsável subsidiário.
V – O texto do art. 1.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 142/99 de 30 de Abril, deve ser necessariamente compaginado com o texto do art. 39.º, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, o que significa que as prestações cujo pagamento o FAT assegura são apenas as contempladas naquele art. 39.º, nas quais se não inclui a indemnização por danos não patrimoniais.»
Significa isto que ao sinistrado cabe a responsabilidade de, junto do processo de acidente de trabalho, informar da excussão do património da Insolvente, requerer que a Seguradora lhe pague as prestações que foi condenada a pagar a título subsidiário, e requerer igualmente que o Fundo de Acidentes de Trabalho seja chamado a pagar-lhe o diferencial das prestações agravadas.
Estas questões têm o seu local de solução no processo de acidente de trabalho.
Mas não se poderá olvidar que, em relação às prestações que vierem a ser pagas pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, este ficará sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios do sinistrado – art. 5.º-B n.º 1 do DL 142/99, introduzido pelo DL 185/2007.
Pelo que se deixa a nota: o Administrador da Insolvência deverá averiguar quais os créditos do sinistrado que ficaram sub-rogados no mencionado Fundo.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso, embora com a nota supra referida.
Custas pelo Banco Recorrente.
Évora, 15 de Dezembro de 2016

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Mário Branco Coelho (relator)

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Isabel de Matos Peixoto Imaginário

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Maria da Conceição Ferreira





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[1] Proferido no Proc. 02S2328 e publicado em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. o art. 41.º n.º 1 al. a) da Lei 100/97, e o art. 187.º n.º 1 da Lei 98/2009.
[3] Em Acórdão de 20.10.2011, proferido no Proc. 1164/08.0TBEVR-D.E1.S1 e publicado na mesma base de dados.
[4] Este normativo dispõe nos seguintes termos: “Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.”
[5] Proferido no Proc. 675/2001.P1.S1; no mesmo sentido se pronunciaram, também, os Acórdãos daquele Tribunal de 10.12.2008 (Proc. 08S3084) e de 09.09.2009 (Proc. 09S0159). Estão todos publicados em www.dgsi.pt.