Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
13/15.8PAOLH-A
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: COMUNICAÇÕES TELEFÓNICAS
TELEMÓVEL
SMS - SERVIÇO DE MENSAGENS CURTAS
JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
Data do Acordão: 04/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: As comunicações por telemóvel, têm uma dinâmica entre a realização da chamada e o termo da mesma, que perdura durante determinado lapso de tempo e, ultrapassado o mesmo, deixam de constituir ou serem consideradas comunicações telefónicas, nos termos da lei penal, nomeadamente do artigo 187º, do Código de Processo Penal e, passam a constituir um mero documento demonstrativo dessas mesmas comunicações telefónicas.
Assim, encontrando-se apreendido nos autos o telemóvel em causa e o cartão SIM, ao mesmo associado, o exame pericial aos mesmos, relativo à respectiva lista telefónica, aos registos das chamadas recebidas e atendidas, das recebidas e não atendidas e, das chamadas efectuadas, não carece da prévia autorização do Juiz de Instrução
Decisão Texto Integral:



ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Inquérito que com o nº 13/15.8PAOLH-A, correm termos na Comarca de F - O – Instância Local, Secção de Competência Genérica - Juiz 1, recorre o Ministério Público, do despacho proferido em 10 de Janeiro de 2015, pelo Mmº Juiz do tribunal a quo, que indeferiu a abertura e extracção da agenda, das mensagens de correio, das comunicações e demais elementos registados na memória do aparelho de telemóvel com o EMEI 00000 e do cartão SIM 0000 00000, elementos essenciais à identificação do indivíduo investigados nos mesmos autos.
Da respectiva motivação o recorrente retira as seguintes (transcritas) conclusões:

1. Investiga-se nos autos uma factualidade subsumível ao crime de roubo, (previsto e punível pelo nº 1, do art. 210º, do Código Penal).
2. Após a perpetração da factualidade reportada aos autos, o suspeito, por ora desconhecido, abandonou o seu telemóvel, entretanto apreendido à ordem dos presentes pelo órgão de polícia criminal encarregue da investigação.
3. Com vista à cabal identificação do perpetrador da factualidade reportada aos presentes autos, torna-se indispensável aceder ao conteúdo desse telemóvel, designadamente, ao acesso às mensagens (SMS) enviadas ou recebidas, à lista telefónica, ao registo de chamadas recebidas e atendidas, das chamadas recebidas e não atendidas e das chamadas efectuadas, ou a outros dados que se encontre guardados no telemóvel apreendido, seja na memória do cartão SIM ou do próprio aparelho.
4. Para tanto, o Ministério Público promoveu a prévia autorização judicial, nos termos do nº 1/2 do art. 189º do Código de Processo Penal, por referência à alínea a) do nº 1 do art. 187º do mesmo diploma legal.
5. Todavia, a M. Juíza de Instrução Criminal indeferiu o requerido, fundamentando que tais elementos já não cabiam na esfera da intromissão das comunicações.
6. Salvo o devido respeito, o Ministério Público pugna que o acesso a tais elementos depende de prévia autorização judicial, sob pena de violação do disposto no nº 1/2 do art. 189º do Código de Processo Penal, por referência à alínea a) do nº 1 do art. 187º do mesmo diploma legal e nº 3 do art. 126º do mesmo diploma legal.
Assim, a decisão ora em crise deverá ser revogada e alterada por outra que determine a necessidade de prévia autorização judicial para obtenção dos mencionados elementos probatórios constantes no aparelho apreendido e respectivo cartão de memória.
V. Exas. Farão, como sempre, Justiça.

Não houve resposta ao recurso interposto, nos termos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, por inexistência de arguido constituído nos autos.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, pugnou pela procedência do recurso interposto, conforme melhor resulta do seu parecer junto a fls. 37 e 38, dos autos.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
O despacho de 10-01-2015, ora recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):
“Vem o Digno Magistrado do Ministério Público requerer, ao abrigo do art. 189º, 1 e 2 do Código de Processo Penal, por referência à alínea a) do nº 1 do art. 187º do mesmo código, se autorize a abertura e extracção, da memória do telemóvel apreendido nos autos [com o IMEI 00000] e do cartão SIM a ele associado [0000 00000] da informação ali guardada, relativa a conversações ou mensagens, bem como à lista de contactos (“agenda”), com vista a identificar o autor dos factos investigados nos presentes autos, subsumíveis ao crime de roubo, o qual terá deixado cair tal aparelho quando encetou a sua fuga.
Alegou que tal diligência se reputa indispensável à descoberta da verdade.
Cumpre apreciar e decidir.
A informação – conteúdos e dados de comunicação – guardada no cartão SIM de um telemóvel, ou na memória deste, e relativa a conversações ou mensagens (SMS) expedidas ou recebidas, mesmo que não lidas pelo seu detentor, não pertence à área de tutela das telecomunicações, constituindo um normal escrito e podendo, como tal, ser objecto de apreensão, através da apreensão do telemóvel e do cartão SIM; tal sucede porquanto o destinatário pode aceder directamente à mensagem (ainda que, efectivamente, ainda o não haja feito), em relação à qual não subsiste nenhum domínio por parte da empresa que fornece o serviço. O mesmo já não sucederá quanto aos e-mails, pelo menos enquanto não foram abertos e lidos pelo destinatário – cfr., neste sentido, o Acórdão do TRP de 07/07/2010, disponível em www.dgsi.pt, processo nº 1978/09.4JAPRT-B.P1, no qual são citados o Acórdão do TRC de 29/03/06, o Acórdão do TRL de 15/07/08 e o Acórdão do TRP de 27/01/2010, todos disponíveis no mesmo sítio da internet, e Costa Andrade, in Bruscamente no verão passado, a reforma do Código de Processo Penal – Observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, RLJ, 137º, p. 342.
E é assim porque, a partir do momento da entrada dos dados na esfera de domínio do destinatário, deixam de estar naquela “específica situação de perigo” e de carência de tutela que são próprias do tempo em que a comunicação está exposta ao domínio e à heteronomia do sistema de telecomunicações – cfr. Costa Andrade, Ob. Cit., pp. 339 a 340 e 342.
A informação guardada na memória ou no SIM de um telemóvel que o utilizador tem consigo já nada tem a ver com a intromissão nas telecomunicações, e praticamente tudo tem a ver com as buscas e apreensões, pelo que deve reconduzir-se a estes regimes as intromissões nos documentos que o utilizador guarda no seu telemóvel - cfr. Costa Andrade, Ob. Cit., p. 353.
Destarte, a constelação normativa das telecomunicações não é aplicável, directa ou indirectamente, à leitura do conteúdo do telemóvel e cartão SIM, nomeadamente às mensagens SMS já recebidas no aparelho do destinatário.
Conforme pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2010 (disponível em www.dgsi.pt, processo nº 149/07.9JELSB.E1.S1), o cartão telemóvel é o repositório de mensagens, a respectiva caixa de correio, que as recebe até serem inutilizadas pelo destinatário, a mensagem uma forma de telecomunicação, por meio diferente de telefone, à qual se aplicam as regras sobre as escutas telefónicas por força do artigo 190º, do CPP. (…) Como em qualquer outra comunicação, também as comunicações por telemóvel ocorrem durante certo lapso de tempo. Ou seja, começam quando entram na rede e acabam quando saem da rede.
É a sua intercepção neste lapso de tempo o assunto dos citados preceitos legais. Quando o momento do seu recebimento já pertence ao passado, qualquer contacto com a comunicação feita não tem qualquer correspondência com a ideia de intercepção a se reportam os artigos 187º a 190º do C. P. Penal.
As mensagens que, depois de recebidas, ficam gravadas no receptor deixam de ter a natureza de comunicação em transmissão. São, isso sim, comunicações recebidas, pelo que deverão ter o mesmo tratamento da correspondência escrita já recebida e guardada pelo destinatário.
Tal como acontece na correspondência efectuada pelo correio tradicional, diferenciar-se-á a mensagem já recebida mas ainda não aberta da mensagem já recebida e aberta. Na apreensão daquela rege o artigo 179º do C. P. Penal, mas a apreensão da já recebida e aberta não terá mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário.
E a mensagem recebida em telemóvel, atenta a natureza e finalidade do aparelho e o seu porte pelo arguido no momento das revistas e apreensões efectuadas, é de presumir que, uma vez recebida, foi lida pelo seu destinatário.
Na sua essência, a mensagem mantida em suporte digital depois de recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tenha sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal.
Sendo meros documentos escritos, estas mensagens não gozam da aplicação do regime de protecção da reserva da correspondência e das comunicações.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 34º, consagra a inviolabilidade do domicílio e da correspondência e de outros meios de comunicação privada. A garantia da inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada é uma decorrência da protecção que a Constituição dá à dignidade da pessoa, ao seu desenvolvimento pessoal e, essencialmente, à garantida da liberdade e privacidade individual. Naturalmente que tal garantia constitucional abrange, como bem salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, Vol. I, pág. 544), “toda a espécie de correspondência de pessoa a pessoa (cartas, postais, impressos), cobrindo mesmo as hipóteses de encomendas que não contêm qualquer comunicação escrita, e todas as telecomunicações (telefone, telegrama, telefax, etc.)”. Além disso, e como dizem os mesmos autores (ob. e local citados), “a garantia do sigilo abrange não apenas o conteúdo da correspondência, mas o «tráfego» como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização) ”.
É também em função (designadamente) destas dimensões constitucionais do direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada que o artigo 32º, nº 8, da C.R.P., prevê a nulidade de todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa à integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
O artigo 126º do C. P. Penal surge como forma de concretização legal das normas constitucionais acabadas de citar. Neste dispositivo legal, definem-se como métodos (absolutamente) proibidos de prova, entre outros, os que, por qualquer modo, violem ou ofendam a integridade física ou moral das pessoas, atingindo-as na sua liberdade de vontade ou de decisão, perturbando-as na sua capacidade de avaliação e de memória, iludindo-as, condicionando-as ou limitando-as através de ameaças ou de medidas legalmente inadmissíveis.
O nº 3, do mesmo artigo 126º, do C. P. Penal afirma que são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular. Não se trata, aqui, neste nº 3 do preceito em análise, de uma proibição absoluta de obtenção de prova, mas apenas de uma proibição relativa, porque estão em causa direitos disponíveis. Assim sendo, é possível a sua utilização, desde que haja consentimento válido, ou do próprio ou do juiz de instrução.
Ora, ainda que faltando a autorização do cidadão a quem pertence o telemóvel apreendido nos autos, é nosso modesto entendimento que o acesso ao conteúdo gravado na memória do telemóvel ou do respectivo cartão SIM não se encontra dependente de prévia autorização do juiz de instrução.
Nenhuma dúvida existe, de que a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, só pode ser autorizada por despacho fundamentado do juiz de instrução (cfr. art. 187º, 1, do Código de Processo Penal), regime que é aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente, correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à intercepção das comunicações entre presentes (cfr. art. 189º, nº 1, da mesma codificação legal).
Com esta norma, como se viu, não se tem em vista a obtenção de prova de comunicações já realizadas ou de dados já gravados em qualquer suporte. Estes dados - mensagens enviadas ou recebidas, a lista telefónica dos contactos, chamadas recebidas e atendidas, chamadas recebidas e não atendidas, chamadas efectuadas ou outros dados que sejam guardados no telemóvel (seja na memória do cartão ou do próprio telemóvel) - devem ser revelados e não se torna necessário que essa revelação seja precedida de autorização do juiz de instrução, já que não se trata aqui de qualquer dado ou comunicação em transmissão, mas apenas um certo dado que se encontra guardado num certo suporte: o telemóvel ou o cartão de memória.
Concomitantemente, ter-se-á em vista não ser aplicável, in casu, em nosso modesto entendimento, o regime jurídico - v.g., as correspondentes disposições processuais - estabelecido na Lei nº 109/2009, de 15/09, em função do que aí se prescreve no art. 11º, já que, por um lado, não é investigada, nos presentes autos, a prática de qualquer ilícito previsto naquela lei e que, por outro, não está em causa crime cometido por meio de um sistema informático ou crime cuja prova esteja guardada em suportes digitais - cfr., neste sentido, Pedro Verdelho, in A nova Lei do Cibercrime, Scientia Ivridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Outubro-Dezembro 2009, Tomo LVIII, nº 320, pp. 733/734.
Nesta conformidade, decide-se indeferir o requerido no que concerne ao acesso às mensagens (SMS) enviadas ou recebidas, à lista telefónica/contactos, ao registo das chamadas recebidas e atendidas, das chamadas recebidas e não atendidas e das chamadas efectuadas, ou a outros dados que se encontrem guardados no telemóvel apreendido (seja na memória do cartão SIM ou do próprio aparelho).
Assim se não entende no que concerne às mensagens de correio electrónico (e-mails) ainda não “abertos” ou lidos pelo seu destinatário que possam conter-se naqueles suportes, já que, nos termos supra expostos, é aplicável, às mesmas, o disposto no art. 179º do Código de Processo Penal, devidamente adaptado.
Dispõe o normativo legal mencionado, sob a epígrafe Apreensão de correspondência, que:
“1 – Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão, (…) de (…) qualquer outra correspondência, quando tiver fundadas razões para crer que:
a) A correspondência foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa;
b) Está em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; e
c) A diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2 - (…).
3 – O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrária, restitui-a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova”.
Ora, no caso dos autos encontra-se indiciada a prática de um crime de roubo, previsto pelo art. 210º, 1, do Código Penal, o qual é punível, na moldura abstracta, com pena de 1 (um) a 8 (oito) anos de prisão.
Por outro lado, é indiscutível que a diligência requerida – acesso às mensagens de correio electrónico – se revela de interesse para a descoberta da verdade, designadamente, ao apuramento da identidade do autor dos factos sob investigação, o qual, conforme supra se disse, deixou cair o telemóvel ora apreendido após o cometimento daquela factualidade, quando encetou a sua fuga.
Nestes termos, e de harmonia com o estabelecido no art. 179º, 1, a), b) e c), do Código de Processo Penal, ordeno a apreensão das mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante que se encontrem na memória do telemóvel apreendido nos autos [com o IMEI 00000] e/ou no cartão SIM a ele associado [0000 00000]”.


II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:

- Incorrecta interpretação no despacho recorrido, do disposto no artigo 189º, nº 1 e nº 2, do Código de Processo Penal, relativamente ao acesso à lista telefónica, aos registos das chamadas recebidas e atendidas, das recebidas e não atendidas e, das chamadas efectuadas.

2 - Apreciando e decidindo:
Dispõe o artigo 187º, nº 1, do Código de Processo Penal, que “a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público …”.
Por sua vez dispõe o artigo 189º, do mesmo diploma legal:
1 - O disposto nos artigos 187º e 188º é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à intercepção das comunicações entre presentes.
2 - A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no nº 1 do artigo 187º e em relação às pessoas referidas no nº 4 do mesmo artigo”.
Vistos os autos e, embora não especificado no recurso interposto, verifica-se que o âmbito do mesmo apenas versa sobre o acesso à lista telefónica, aos registos das chamadas recebidas e atendidas, das recebidas e não atendidas e, das chamadas efectuadas, do telefone apreendido nos autos e ao cartão SIM ao mesmo associado, única parte da promoção do Ministério Público, indeferida pelo Juiz de Instrução Criminal, pois relativamente ao acesso às mensagens constantes do mesmo aparelho telemóvel e do cartão SIM, ao mesmo associado o mesmo Juiz, deferiu ao promovido.
Constatando que as comunicações por telemóvel, têm uma dinâmica entre a realização da chamada e o termo da mesma, que perdura durante determinado lapso de tempo, que ultrapassado o mesmo, deixam de constituir ou serem consideradas comunicações telefónicas, nos termos da lei penal, nomeadamente do artigo 187º, do Código de Processo Penal e, passam a constituir um mero documento demonstrativo dessas mesmas comunicações telefónicas.
Assim, dúvidas não subsistem, que os preceitos processuais relativos às escutas telefónicas, nomeadamente, os constantes dos artigos 187º a 190º, do Código de Processo Penal, apenas respeitam ao referido lapso de tempo, compreendido entre a realização da chamada telefónica e o termo da mesma e, é à sua intercepção e gravação nesse preciso lapso de tempo, que se reportam os citados preceitos processuais.
Estes dados - mensagens enviadas ou recebidas, a lista telefónica dos contactos, chamadas recebidas e atendidas, chamadas recebidas e não atendidas, chamadas efectuadas ou outros dados que sejam guardados no telemóvel (seja na memória do cartão ou do próprio telemóvel) - devem ser revelados e não se torna necessário que essa revelação seja precedida de autorização do juiz de instrução, já que não se trata aqui de qualquer dado ou comunicação em transmissão, mas apenas um certo dado que se encontra guardado num certo suporte: o telemóvel ou o cartão de memória.
Então verifica-se, que na situação sub judice, não constituindo o acesso à lista telefónica, aos registos das chamadas recebidas e atendidas, das recebidas e não atendidas e, das chamadas efectuadas, do telefone apreendido nos autos e ao cartão SIM ao mesmo associado, uma comunicação nos termos legais constantes dos citados preceitos legais, desnecessária se torna a intervenção prévia do Juiz de Instrução, para autorizar o acesso a tais elementos de prova.
Assim, encontrando-se apreendido nos autos o telemóvel em causa e o cartão SIM, ao mesmo associado, o exame pericial aos mesmos, relativo à respectiva lista telefónica, aos registos das chamadas recebidas e atendidas, das recebidas e não atendidas e, das chamadas efectuadas, não carece da prévia autorização do Juiz de Instrução, conforme aliás melhor resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-07-2010, proferido no Processo nº 149/07.9LSB.E1.S1, in www.dgsi.pt.
Pelo exposto e nos termos sobreditos, improcede o recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se por isso, na sua integralidade o despacho recorrido.


III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgam totalmente improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, mantêm na sua integralidade o despacho recorrido.

Sem custas.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.
Évora, 07-04-2015
(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Renato Amorim Damas Barroso)