Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
969/18.4T8STR.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: BANCOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 06/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) o banco ao incutir nos seus clientes a ideia de que um produto financeiro tem a segurança de um depósito a prazo, quando tal não é verdade, tem uma atuação censurável e grave, violadora dos mais elementares deveres de informação a que estava adstrito, geradora de responsabilidade civil contratual.
ii) no quadro da responsabilidade civil contratual, a atinente obrigação de indemnização tem como pressupostos a violação ilícita e culposa dos deveres pré-contratuais e contratuais, que cause danos ao demandante.
iii) embora o banco tenha violado culposamente esses deveres, não está obrigado a indemnizar se não se provar um nexo de causalidade entre os danos invocados e a atuação culposa do banco, ou seja, recai sobre o lesado o ónus de provar que não investiria no produto financeiro que adquiriu se o banco o tivesse informado nos termos legais.
Decisão Texto Integral:
Acordam, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. F… e mulher M…, intentaram a presente Acção Declarativa, com Processo Comum, contra Banco …, S.A.,, peticionando:
a) Que o réu seja condenado a pagar aos autores a quantia global de €54.000,00, acrescida dos respetivos juros moratórios legais vincendos desde 03.04.2018, inclusive, sobre a quantia de €50.000,00 até efetivo e integral pagamento;
b) A título subsidiário, que seja declarada a nulidade de qualquer contrato de adesão que o banco réu invoque para ter aplicado o valor de €50.000,00 que os autores lhe confiaram em obrigações subordinadas “SLN 2006”, sendo declarada ineficaz em relação aos mesmos a aplicação que o banco réu tenha feito desses montantes e, em consequência, que seja o réu condenado a restituir aos autores a quantia de €54.000,00 que lhe entregara, respetivos jutos vencidos à taxa ajustada e juros moratórios legais vincendos desde 03.04.2018, inclusive, sobre a quantia de €50.000,00 e até efetivo e integral pagamento;
c) Em qualquer dos casos, que o banco réu seja condenado a pagar aos autores a quantia de €6.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios legais vincendos contados desde a data da citação e até integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, invocam os autores, em curta síntese, terem, a 19.04.2006, aplicado a quantia de €50.000,00 em obrigações “SLN 2006”, na sequência da informação prestada por parte de funcionário bancário no sentido de que a aplicação em crise era em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada.
Alvitram os autores que agiram na convicção de que o capital seria garantido pelo próprio banco e que poderia ser levantado a qualquer momento, nunca lhes tendo sido explicados os termos do acordo em causa nem, tão-pouco, lhes tendo sido entregue cópia de qualquer documento respeitante ao mesmo.
Concluem os demandantes que, em novembro de 2015, o réu deixou de pagar juros, tendo posteriormente omitido a restituição do capital investido nas sobreditas obrigações, situação que lhes causou danos não patrimoniais, que especificam.

O Réu Banco … apresentou Contestação, deduzindo a excepção dilatória de incompetência relativa em razão do território - a qual foi julgada improcedente -, a excepção peremptória de prescrição do direito invocado e impugnando a matéria alegada pelos Autores.

Efectuado julgamento foi proferida Sentença, em que se decidiu o seguinte:
“Em face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:
i.Condeno o réu pagar ao autor a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, atualmente de 4% (artigo 806.º/2 do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril de 2003), vencidos desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento;
ii. Absolvo o réu do demais peticionado.
…”

Inconformado com tal Decisão, veio o Banco …, SA, interpor Recurso de Apelação, cujas Alegações terminou com a formulação das seguintes Conclusões:
1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente acção parcialmente procedente, não julgou corretamente.
2. Com tal decisão, a Mm.ª Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
3. Apesar da natural e compreensível consternação que é possível observar das peças apresentadas a juízo pelos Autores, importa lembrar que a pretensão pelos mesmos deduzida se encontra despida de qualquer fundamento provatório, bem como factual, além de ser manifestamente mal direcionada contra o Banco R.
4. Certo é que o Banco R., tal qual estava obrigado, prestou ao A. marido informações completas, verdadeiras, atuais, claras, objetivas e lícitas (nos termos e para os efeitos do art.7º do Código de Valores Mobiliários), quanto às obrigações por estes subscritas, dando cumprimento não só à lei, mas também a uma política de transparência e de confiança pela qual sempre se pautou.
5. Da prova produzida resulta, sem margem para dúvidas, que o Autor sabia perfeitamente o que estava a subscrever, bem sabendo também das semelhanças e diferenças entre o instrumento financeiro subscrito e a figura do depósito a prazo (note-se que o próprio tratamento fiscal de um e de outro instrumento é inclusive diverso). Mas a “estranha” construção deste argumento ganha novas dimensões, se considerarmos o facto de os Autores nunca terem reclamado de qualquer dos extratos bancários recebidos, onde o investimento em juízo aparecia referenciado individualmente tal e qual como fora realizado – e nunca enquanto depósito a prazo! –, bem como da ausência de qualquer reclamação junto do funcionário bancário que, alegadamente, lhe teria vendido um instrumento financeiro diverso do por si pretendido – é de facto estranho que tal intervenção junto do funcionário indicado nunca tenha ocorrido, pois se o sentimento de revolta era tal, cremos que sempre ditariam as regras comuns que o Autores diligenciassem pelo contacto com o referido vendedor, o que nunca aconteceu.
6. O Apelante entende, por um lado, que os factos dados como provados nos números “3); 5) e 6)” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais números, de acordo com a redacção adiante proposta. Por outro lado, os factos constantes das alíneas “D”, “I)” e “L)” da factualidade dada como não provada, estão ali erradamente inseridos, uma vez que deveriam ter sido dados como provados.
7. Pode concluir-se, então, com este breve, mas necessário, introito, que qualquer motivação, quanto à matéria de facto, estribada no seu depoimento, se encontraria prejudicada pela manifesta parcialidade de que emana.
8. O produto – Obrigações SLN 2006 – terá sido vendido pelo funcionário Hélder Faria, afirmando que: se tratava de uma aplicação semelhante a um Depósito a Prazo; com prazo a 10 anos; juros recebidos semestralmente; capital garantido no fim do prazo; e se o cliente necessitasse disponibilidade financeira, o mesmo era colocado internamente no. Referiu, ainda, e concretizando a ideia do que seria a “colocação interna no banco” em necessidade de disponibilidade financeira, que tinha esta aplicação tinha, além das referidas, a possibilidade de cessão da posição. Quanto à garantia de capital, confirmou, posteriormente, que se tratava do facto de, no fim do prazo, investidos 50.000 €, receberia os 50.000 €.
9. Quando instado sobre o seu conhecimento acerca do produto, a testemunha refere que em 2006 sabia que Obrigações eram empréstimos obrigacionistas. Mais refere que a SLN era a mãe do Banco, e de centenas de empresas. No entanto, quando a MM.ª Juiz questiona sobre se tinha referido estas características ao A. Marido já não se recordava se teria falado, ou não. De resto, esta memória seletiva é sintomática com o introito que se fez, e que ajuda a corroborar o mesmo.
10. Aliás, esta versão é consentânea com o que é referido pela testemunha J…, nomeadamente quando refere que: (i) era dito que a SLN era a dona do Banco e que vendiam segurança e confiança; (ii) reitera, adiante, que vendiam a dona do Banco; (iii) explicavam que vendiam Obrigações da SLN e que a SLN era a dona do Banco.
11. De tudo o que vem dito, podemos afirmar com meridiana clareza que os factos dados como provados: “3), 5) e 6)” deveriam ter a seguinte redação:
“3)Em 19.04.20006, H…a, à data funcionário e respetivo gestor de cliente na agência de Caxarias do Banco …, disse ao autor marido que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
5) Tal gestor de clientes assegurou ao autor marido que o banco, fruto da relação B…-SLN, enquanto filha-mãe, garantia tal aplicação financeira.
6) O autor marido agiu convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e em tudo semelhante a um depósito a prazo”.
Assim, e no que sentido do que vem de ser expendido, o facto vertido na alínea “I.” dos factos não provados, deveria ter sido considerado como provado.
12. Mesmo que não se entendesse que os AA. souberam de imediato o que tinham subscrito, a verdade é que, tal como muitos outros clientes, se começaram a debater, a partir de Novembro de 2008 – com a nacionalização do Recorrente –. Facto este que o funcionário H…a, refere, ainda, que nessa data, os AA. já tinham conhecimento que se tratava de uma aplicação em dívida da SLN.
13. Aliás, os próprios AA. fazem um pedido de cedência da posição em Novembro de 2009 (junto aos autos, e não impugnado pelos AA., como Documento n.º 2 junto com a Contestação), o que corrobora, precisamente, a tese que defendemos quanto ao conhecimento dos exatos termos do negócio realizado pelos AA. Assim, e sendo manifesto o seu conhecimento quanto ao produto em causa, pelo menos, desde a data da nacionalização do Apelante, o facto vertido na alínea “D.” dos factos não provados, deveria ter sido considerado como provado.
14. Por fim, mas não menos importante, é o facto de a testemunha H…a afirmar com assertividade que os AA. tinham subscrito Fundos de Investimento de Tesouraria. O que, de resto, é também corroborado pelo Documento n.º 3 junto com a Contestação que, de igual forma, também não foi impugnado. Ora, do que vem de ser expendido, forçoso se torna concluir que o facto vertido na alínea “L.” dos factos não provados, deveria ter sido considerado como provado.
15. Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado directamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
16. Claro está, que o dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura!
17. Já os art. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos.
18. Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art. 312º do CdVM, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
19. O RISCO que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, NÃO É NEM PODE SER CONSIDERADO UM RISCO ESPECIAL! O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são RISCOS GERAIS de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
20. Versando como versa aquele art. 312º do CdVM sobre os deveres de informação a cumprir quanto ao contrato de cobertura, a menção aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
21. Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art. 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.
22. Entendemos que nada ficou por dizer ou explicar quanto à natureza dos instrumentos financeiros. Da remissão feita para o art. 312º-E nº 1 resulta que o legislador manda também o intermediário financeiro informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!
23. O investimento efetuado foi feito em obrigações da SLN que é um instrumento do mercado monetário (art.º 1 alínea b) do CdVM). Não é um investimento sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!
24. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem! E não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! É que a este respeito, impõem-se clarificar, que em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.
25. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra (subjacente naturalmente ao cumprimento da opção potestativa de venda) é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!
26. Na data do endosso das referidas obrigações, a redação do CdVM era aquela resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99 de 13/11 até ao D.L. 52/2006 de 15/03. À data da contratação das aplicações não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)! Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redação do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
27. As Obrigações eram então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu. Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquela Obrigação. Pelo que o mesmo era então adequado a alguém como os Recorridos. Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN 2006, porque pertencendo todas as empresas ao mesmo Grupo, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
28. O dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la.
29. Ou seja, e em conclusão, A VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente ação necessariamente que claudicar!
30. Não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo Autor nas Obrigações. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC.
31. Não há qualquer matéria provada que permita a conclusão que o comportamento R. foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação que foi transmitida ao Autor, que deu o seu acordo na aquisição da Obrigação SLN 2006 – numa primeira e segunda fase, respetivamente. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.
32. Não podendo, por fim, o Venerando Tribunal da Relação de Évora olvidar que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro.
33. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. E não se alcançam razões (que a Sentença também não adianta...) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano. E isto é tanto pior se levarmos em linha de conta que o próprio Tribunal “a quo” deu como “não provado” o facto relativo ao nexo causal (letra “B.” da Matéria de facto não provada). De facto, pensamos poder afirmar com meridiana certeza que não existe qualquer presunção de causalidade.
34. E a prová-lo está inclusivamente o disposto no art. 563º do C.C. que diz que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido, se não fosse lesão”. Deste texto não resulta qualquer presunção.Resulta sim o acolhimento, em parte, dos ensinamentos da causalidade adequada, na vertente em que “arreda, como regra, a necessidade da absoluta confirmação do decurso causal: não há que provar tal decurso, mas simplesmente, a probabilidade razoável da sua existência”.
35. Porém, a substituição de uma prova absoluta por uma prova de probabilidade razoável, não faz com que desse downgrade de exigência probatória se possa concluir existir uma inversão do ónus da prova, ao estabelecer abertamente a existência de uma presunção de causalidade. Tal o que significa é que o julgador se terá que bastar, em sede de causalidade, com um juízo de razoável probabilidade de que o dano foi originado por aquele facto! Mas já não significa que tenha que ser o agente a provar que o facto não é adequado a provocar aquele dano ao lesado (situação esta que seria própria de uma presunção)!
36. Os AA. foram recebendo, periodicamente, as quantias relativas aos cupões, que sempre lhes foram pagos até à insolvência da emitente e recebia mensalmente os extractos bancários com indicação expressa de carteira de obrigações e nada reclamou durante o referido período. Não se verificando, assim, o nexo de causalidade adequada entre a atuação do Recorrente enquanto intermediário financeiro e, o não reembolso, na maturidade, do capital investido.
37. Assim, ou os AA. alegavam e provavam que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teriam realizado o investimento, ou então, têm que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!
38. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que nenhum dos funcionários envolvidos do Banco Réu sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.
39. A ideia que perpassa é que os funcionários do Banco Réu estavam absolutamente convencidos da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor dos AA. Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução do Autor em erro, sem que por parte dos funcionários do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro.
40. Tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM.
41. Parece-nos evidente e manifesto que o Autor conheceu os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da receção dos extratos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente! Não obstante, a acção apenas foi proposta em Abril de 2018! E, portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
42. Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica – seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!
TERMOS EM QUE, DA MODÉSTIA DE QUANTO FICA, E DO MUITO QUE DOUTAMENTE SERÁ SUPRIDO, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA, E CONSEQUENTEMENTE, SUBSTITUIR-SE POR OUTRA QUE JULGUE TOTALMENTE IMPROCEDENTE A AÇÃO PROPOSTA PELO A./RECORRIDO.”

Cumpre decidir.
II. A 1ª instância proferiu a seguinte Decisão relativa à matéria de facto:
“Matéria de facto provada
Encontram-se definitivamente assentes os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa (COM EXPRESSA EXCLUSÃO DA MATÉRIA CONCLUSIVA, DE CARIZ JURÍDICO E DE NATUREZA INSTRUMENTAL ALEGADA):
1) Em novembro de 2008, o Estado Português procedeu à nacionalização de todas as ações representativas do capital social do Banco …, S. A. 2) A 30.03.2012 o ora réu adquiriu a totalidade das ações representativas do capital social do BPN.
3) Em 19.04.20006, H…, à data funcionário e respetivo gestor de cliente na agência de Caxarias do BPN, disse ao autor marido que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada.
4) Tal gestor de clientes sempre assegurou ao autor marido que aquela aplicação tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.
5) Tal gestor de clientes assegurou ao autor marido que o banco garantia tal aplicação financeira.
6) O autor marido agiu convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e em tudo semelhante a um depósito a prazo, cuja responsabilidade do reembolso era exclusivamente do B….
7) O autor, em 19 de abril de 2006, assinou o documento constante de fls. 23 verso dos autos e cujo teor se considera integralmente reproduzido e do qual constam, nomeadamente, os seguintes dizeres: “SLN - RENDIMENTO MAIS 2006 – Boletim de Subscrição; Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de €50.000,00 (…) Prazo e reembolso: O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 09 de maio de 2016. O reembolso antecipado só é possível por iniciativa da SLN, a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal (…) Pretendo subscrever 1 obrigação com o valor nominal de €50.000,00 (…).
8) Os juros inerentes à aplicação foram sendo pagos semestralmente, situação que se manteve até novembro de 2015, data em que o banco deixou de pagar os respetivos juros.
9) Na data de vencimento, o réu não restituiu ao autor o montante de €50.000,00.
10) Tal facto causou tristeza ao autor.
11) A 10.11.2009, o autor subscreveu o documento que se encontra a fls. 24 dos autos e cujo teor se considera integralmente reproduzido nesta sede e do qual constam, nomeadamente, os seguintes dizeres: “Pelo presente solicito a cedência das obrigações SLN 2006 no valor de €50.000,00, por pretender levantar os fundos, assim que possível.”
12) O autor, no mês seguinte ao da operação referida, recebeu por correio o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.
13) Como também foi recebendo um extrato periódico onde lhe apareciam obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos.
Matéria de facto não provada
A. Aquele gestor de cliente da agência de Caxarias sabia que o réu marido, à data com 60 anos de idade, exercia a profissão de condutor manobrador, sendo uma pessoa do meio rural, simples, com a quarta classe e que não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitisse saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles.
B. Se o autor marido se tivesse apercebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações “SLN 2006”, em que o capital não era garantido pelo B… jamais o teria autorizado.
C. Nunca foi intenção do autor marido investir em produtos financeiros de risco, o que era do perfeito conhecimento do gestor de cliente referido.
D. Nunca o referido gestor de cliente da agência de Caxarias nem nenhum dos funcionários que ali trabalhavam informaram os autores sobre a compra de obrigações subordinadas “SLN 2006”, nem nunca lhe explicaram o que eram tais obrigações.
E. Não foi entregue ao autor cópia de qualquer documento que contivesse cláusulas respeitantes a obrigações subordinadas SLN.
F. O facto de não lhe ter sido restituído o dinheiro aplicado causou e continua a causar aos autores grande preocupação e ansiedade e medo de não saberem se e quando vão recuperar o dinheiro.
G. Os autores andam em permanente stress, doentes e sem alegria de vier por se verem desapossados das economias de uma vida inteira.
H. No momento da subscrição, foi explicado ao autor que uma obrigação se encontrava indexada à solidez financeira da sociedade emitente,
I. E que tal entidade emitente era “mãe” do banco, sendo este necessariamente um componente da solvabilidade daquela por ser um dos principais ativos do seu património.
J. No momento da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga,
K. Ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.
L. O autor investiu em produtos diferentes dos “normais” depósitos a prazo como é o caso dos fundos de investimento em 20 e 24 de abril de 2006, 10 de maio de 2007 ou 9 de novembro de 2007.”
***
III. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do N.C.P.C., o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

As questões a decidir resumem-se, pois, a saber:
a) Se deve ser alterada a Decisão relativa à matéria de facto, em conformidade com a pretensão do Apelante;
b) Se o Banco demandado deve responder pelos danos invocados pelo Autor ao não ter recebido, findo o prazo contratado, o valor que aplicou em Obrigações SLN 2006.

No que respeita à primeira questão, discorda o Apelante da Decisão relativa à matéria de facto sobre a matéria dos Pontos 3, 5, e 6, dos Factos Provados e dos Pontos D, I e L dos Factos Não Provados, o que suporta na seguinte argumentação:
O Apelante entende, por um lado, que os factos dados como provados nos números “3); 5) e 6)” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais números, de acordo com a redação adiante proposta.
Por outro lado, os factos constantes das alíneas “D”, “I)” e “L)” da factualidade dada como não provada, estão ali erradamente inseridos, uma vez que deveriam ter sido dados como provados.
A decisão da matéria de facto controvertida, normalmente apoiada no princípio da liberdade de julgamento, consagrado no artigo 607.º, n.º 5 do CPC, deve refletir o resultado da conjugação dos vários elementos de prova que na audiência, ou em momento anterior, foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da imediação e da oralidade.
As respostas dadas devem traduzir, assim, aquilo que efetivamente se apurou, após uma análise objetiva, imparcial e desinteressada da prova produzida ao longo de todo o processo, o que entendemos não foi feito pelo Tribunal Recorrido.
De resto,
Cremos que sobre esta matéria não se impõe uma necessidade de maior exposição, uma vez que que já foi a mesma alvo de análise atenta, detalhada e competente, como se retira do anteriormente exposto.
Note-se que,
Com o presente recurso, não pretende o Recorrente desmerecer do trabalho do Meritíssimo Juiz a quo, mas tão só demonstrar a sua eventual perceção errada dos obstáculos amontoados no caminho que lhe era apontado percorrer.
Talvez que este Venerando Tribunal da Relação, alertado para a existência desses mesmos escolhos, tenha agora melhores condições para os contornar e superar com a habilidade e eficácia inerentes à realização da Justiça.
Assim,
Em jeito de introito, sempre cumprirá chamar à colação um aspecto que tem sobremaneira interesse para uma correta decisão da causa sub judice. Aspecto este que tem que ver com o facto de o funcionário bancário – a testemunha H… – que diz ter procedido à venda do produto em causa, demonstrou em todo o seu depoimento uma manifesta aversão a tudo o que tivesse que ver com o Apelante e/ou com a SLN. Tornando, assim, o seu depoimento manifestamente imparcial, afirmando até ter “tido problemas com os produtos dos autos” e que as informações que lhe foram prestadas a eles – funcionários – lhe foram “impingidas”.
Veja-se, corroborando com o que foi dito, o depoimento da testemunha H…, gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência 20181212100428_2771766_2871696, nomeadamente no minuto [30:35 a 31:00]. Adiante, refere mais que “nunca roubou ninguém nem devia nada a ninguém, tendo sido acusado de... Veja-se, o mesmo ficheiro no minuto [31:45 a 31:52]. E, por fim, refere-se, indignado, ao facto de “o universo [grupo SLN] deu barraca e deu problemas” – vide, o referido ficheiro no minuto [31:55 a 32:05].
Pode concluir-se, então, com este breve, mas necessário, introito, que qualquer motivação, quanto à matéria de facto, estribada no seu depoimento, se encontraria prejudicada pela manifesta parcialidade de que emana.
Ainda assim, caso assim não entendam os Venerandos Desembargadores, a verdade é que, a muito custo – quanto a qualquer informação “positiva” prestada –, tal testemunha foi referindo como se teria, genericamente, processado o negócio.
Vejamos então,
O produto – Obrigações SLN 2006 – terá sido vendido pelo funcionário H…, afirmando que: se tratava de uma aplicação semelhante a um Depósito a Prazo; com prazo a 10 anos; juros recebidos semestralmente; capital garantido no fim do prazo; e se o cliente necessitasse disponibilidade financeira, o mesmo era colocado internamente no banco – vide, o depoimento da testemunha H…, gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência 20181212100428_2771766_2871696, no minuto [03:35 a 04:10]. Referiu, ainda, e concretizando a ideia do que seria a “colocação interna no banco” em necessidade de disponibilidade financeira, que tinha esta aplicação tinha, além das referidas, a possibilidade de cessão da posição – veja-se o depoimento da testemunha H…, gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência 20181212100428_2771766_2871696, nomeadamente no minuto [17:05 a 17:32]. Quanto à garantia de capital, confirmou, posteriormente, que se tratava do facto de, no fim do prazo, investidos 50.000 €, receberia os 50.000 € – vide o depoimento da testemunha H…, gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência 20181212100428_2771766_2871696, nomeadamente no minuto [22:10 a 22:30].
Quando instado sobre o seu conhecimento acerca do produto, a testemunha refere que em 2006 sabia que Obrigações eram empréstimos obrigacionistas. Mais refere que a SLN era a mãe do Banco, e de centenas de empresas – vide, o depoimento da testemunha H…, gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência 20181212100428_2771766_2871696, nomeadamente no minuto [14:20 a 14:53]. No entanto, quando a MM.ª Juiz questiona sobre se tinha referido estas características ao A. Marido já não se recordava se teria falado, ou não – vide, depoimento da testemunha H…, gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência 20181212100428_2771766_2871696, nomeadamente no minuto [26:00 a 28:00].
De resto, esta memória seletiva é sintomática com o introito que se fez, e que ajuda a corroborar o mesmo.
Aliás, esta versão é consentânea com o que é referido pela testemunha J…, cujo depoimento está gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência 20181212104439_2771766_2871696, nomeadamente quando refere que: (i) era dito que a SLN era a dona do Banco e que vendiam segurança e confiança [minuto 05:00 a 05:18]; (ii) reitera, adiante, que vendiam a dona do Banco [minuto 06:30]; (iii) explicavam que vendiam Obrigações da SLN e que a SLN era a dona do Banco [minuto 07:18 a 07:25].
De tudo o que vem dito, podemos afirmar com meridiana clareza que os factos dados como provados: “3), 5) e 6)” deveriam ter a seguinte redação:
“3)Em 19.04.20006, H…, à data funcionário e respetivo gestor de cliente na agência de Caxarias do B…, disse ao autor marido que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
5) Tal gestor de clientes assegurou ao autor marido que o banco, fruto da relação B…-SLN, enquanto filha-mãe, garantia tal aplicação financeira.
6) O autor marido agiu convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e em tudo semelhante a um depósito a prazo”.
Assim, e no que sentido do que vem de ser expendido, o facto vertido na alínea “I.” dos factos não provados, deveria ter sido considerado como provado.
Mesmo que não se entendesse que os AA. souberam de imediato o que tinham subscrito, a verdade é que, tal como muitos outros clientes, se começaram a debater, a partir de Novembro de 2008 – com a nacionalização do Recorrente –. Facto este que o funcionário H…, refere, ainda, que nessa data, os AA. já tinham conhecimento que se tratava de uma aplicação em dívida da SLN – vide, o depoimento da testemunha H…, gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência 20181212100428_2771766_2871696, nos minutos [33:22 a 34:40] e [36:20 a 37:10].
Aliás, os próprios AA. fazem um pedido de cedência da posição em Novembro de 2009 (junto aos autos, e não impugnado pelos AA., como Documento n.º 2 junto com a Contestação), o que corrobora, precisamente, a tese que defendemos quanto ao conhecimento dos exatos termos do negócio realizado pelos AA.
Assim, e sendo manifesto o seu conhecimento quanto ao produto em causa, pelo menos, desde a data da nacionalização do Apelante, o facto vertido na alínea “D.” dos factos não provados, deveria ter sido considerado como provado.
Por fim, mas não menos importante, é o facto de a testemunha H… afirmar com assertividade que os AA. tinham subscrito Fundos de Investimento de Tesouraria – vide, o depoimento da testemunha H…, gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência 20181212100428_2771766_2871696, minutos [23:35 a 24:30].
O que, de resto, é também corroborado pelo Documento n.º 3 junto com a Contestação que, de igual forma, também não foi impugnado.
Ora, do que vem de ser expendido, forçoso se torna concluir que o facto vertido na alínea “L.” dos factos não provados, deveria ter sido considerado como provado.”

Fundamentando a sua convicção quanto à Decisão relativa à matéria de facto, diz-nos o Tribunal “a quo”:
“Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Os factos descritos nos pontos 1 e 2, enquanto factos do conhecimento geral, não carecem de prova (artigo 412.º/1 do Código de Processo Civil).
A matéria de facto elencada nos pontos 8 e 9 resultou provada porque admitida por acordo, não tendo sido impugnada especificadamente pelo réu e não resultando, ademais, em contradição com a sua defesa considerada no seu conjunto.
Por outro lado, o convencimento a respeito da factologia elencada nos pontos 7 e 11 ancorou-se na análise dos documentos particulares de fls. 23 verso e 24, cujo teor não foi impugnado pelos autores.
Hélder Faria - que exerceu funções de gestor de conta na agência bancária do B… de Caxarias de 1999 a fevereiro de 2010 e que negociou com o demandante a subscrição em crise - relatou que, procurando o autor “melhores condições com capital garantido” e desconhecendo o seu grau de instrução (até porque se tratava de um cliente novo aquando da subscrição - pontos A e C), lhe apresentou o produto em causa como sendo uma “aplicação toda ela semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido no final do prazo”, sendo que se o cliente precisasse do capital investido este poderia ser disponibilizado (pontos 3 a 6).
Adotando uma fluidez de discurso típica de quem diz a verdade e não exteriorizando qualquer interesse pessoal na resolução do pleito, a testemunha asseverou ter transmitido ao autor que o capital se encontrava garantido pelo banco, afirmando não se recordar se o cliente havia levado consigo cópia do prospeto de venda das obrigações, assim como não poder precisar se havia explicado ao autor o que era uma obrigação e de que o produto subscrito se identificava com um empréstimo SLN (pontos D, E, H e I). A testemunha foi, no entanto, perentória ao declarar ter transmitido ao autor que o produto em causa era uma obrigação a 10 anos, com juros semestrais e com possibilidade de cedência de posições.
De resto, J… - que trabalhou na agência de Caxarias, como bancário, de 2001 a 2008 -, não obstante não ter intervindo em qualquer negociação com os autores, esclareceu que o procedimento normal à data era proceder à venda das obrigações “SLN” como produtos do banco, equivalentes a depósitos a prazo.
H… acrescentou ter a convicção que o autor recebia uma aviso de débito e um extrato mensal no qual os depósitos surgiam separados - asserção que se revela crível, à luz das regras que disciplinam a “praxis” bancária (pontos 12 e 13).
Por último, A…, cunhado do autor, deu conta de que há cerca de três anos este se tinha mostrado triste - estado de espírito esse de verificação provável, atento o circunstancialismo concreto - porque as poupanças se encontravam “sujeitas a ir à vida” (ponto 10).
**
No que concerne à FACTUALIDADE NÃO DEMONSTRADA, para além do que ficou dito, resultou a convicção quanto à mesma formulada da ausência ou incipiência de prova produzida a seu respeito, bem como da circunstância de se encontrar em oposição com a matéria considerada assente, para cuja fundamentação se remete.
Em particular no que tange ao ponto B, realce-se que, não obstante H… ter afirmado que se tivesse explicado ao autor que a obrigação que aquele se encontrava a subscrever correspondia à compra de dívida aquele não teria feito o negócio, tal conclusão não se afigurou segura aos olhos do Tribunal. Com efeito, para além de inexistirem elementos que permitam afirmar ter sido determinante para a decisão de o autor contratar o facto de o produto em causa não se tratar de um título de dívida, a verdade é que o autor assinou um documento que expressamente se referia a “obrigações subordinadas ao portador e sob a forma escritural”, pelo que se afigura duvidoso - e, por conseguinte, foi considerado não assente, em conformidade com o disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil - que o autor não se tivesse apercebido que estivesse a dar uma ordem de compra de obrigações (ainda que desconhecesse a exata natureza deste produto) e, por outro lado, que se tivesse abstido de contratar caso tivesse tal noção.
Por último, o teor dos documentos bancários de fls. 24 verso e 25 não se mostrou apto, atento a insuficiência da sua informação descritiva, a demonstrar a realidade da facticidade vertida no ponto L.
*
A prova documental junta aos autos a que se não fez referência “supra”, atento o seu teor, não se revelou idónea a conformar, positiva ou negativamente, a convicção do Tribunal a respeito da matéria de facto relevante, à luz do objeto do litígio.”

Antes de entrarmos na apreciação desta questão, importa sublinhar, como vimos expendendo em diversos arestos, no que respeita à particular expressão da lei “que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnadas diversa da recorrida”, consagrada na alínea b), do n.º1 do art.º 640º do NCPC, que cabe ao Apelante fundamentar, devidamente, porque razão, em seu entender, a decisão do Juiz “ a quo” sobre determinado ponto da matéria de facto deve ser alterada, efectuando necessariamente uma apreciação valorativa das provas que fundaram a convicção do Juiz do Processo e as que em seu entender imporiam decisão diversa _ que aliás podem ser, parcial ou totalmente, as mesmas _ por forma a demonstrar a bondade da sua tese.
Daí que não baste ao Apelante, para preencher o aludido ónus e fundamentar a sua pretensão, alegar que a testemunha A ou B, prestou o seu depoimento num determinado sentido, revelando determinados factos que enuncia, ou que do documento X ou Y constam determinados factos que elenca, cabendo-lhe para o efeito efectuar um exercício crítico de toda a prova atinente a esse facto _ a que fundou a convicção do Juiz do Processo e a que fundamenta a sua pretensão _ por forma a evidenciar que a prova em que sustenta a sua pretensão deveria ter conduzido a decisão diversa sobre esse concreto ponto da matéria de facto.
Concluindo, exige a lei, neste particular aspecto, que o Apelante demonstre ao Tribunal “ad quem” que o juízo crítico que elabora sobre os meios de prova produzidos quanto a determinado ponto da matéria de facto _ sublinhamos novamente, sobre os meios de prova que fundaram a convicção do Juiz “a quo” para decidir sobre esse concreto ponto de facto e sobre os que o Apelante entende que também devem ser considerados para decidir, de forma diversa, esse mesmo ponto da matéria de facto _, conduziria, com evidente razoabilidade, a uma decisão diversa sobre essa matéria, evidenciando assim o erro de julgamento do Tribunal “a quo” sobre esse ponto de facto.

A propósito do erro de julgamento, no segmento que aqui abordamos, que convém distinguir duas realidades diversas, que muitas das vezes conduzem a uma errada interpretação do fito da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a saber o erro de julgamento e a diferente percepção pelas partes, nomeadamente pelo recorrente, da realidade demonstrada pelos meios de prova ao dispor do Tribunal num determinado processo.
O que o legislador procurou, em nosso entender, ao facultar às partes a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, foi, estritamente, conceder-lhes a possibilidade de demonstrar que o Tribunal “a quo”, ao avaliar os meios de prova produzidos, no âmbito dos seus poderes de livre apreciação, fez uma incorrecta análise dos mesmos, o que coloca a questão no domínio do erro do julgamento, e não permitir ao recorrente explanar que seria também plausível uma outra avaliação desses mesmos meios de prova, matéria que equaciona a questão num domínio completamente diverso, o da particular percepção das partes quanto à prova produzida.
Em suma, o que a lei visa, ao permitir às partes ao facultar-lhes a possibilidade processual de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, no segmento que vimos a analisar, é a correcção, pelo Tribunal “ad quem”, do erro de julgamento quanto a um determinado ponto de facto, por a prova produzida, como expressamente nos diz a lei, impor decisão diversa à encontrada pelo Tribunal “a quo”.

Aliás, atentos os meios técnicos em que são documentados os depoimentos prestados em julgamento, não poderia o legislador ter outro desiderato, ao facultar às partes a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, de que restringir essa impugnação aos erros de julgamento.
Na verdade, do teatro do julgamento, o Tribunal “ad quem” apenas tem acesso à sua versão radiofónica, o que não lhe permite uma avaliação cabal do desempenho dos diversos actores, dado que, como sabemos, a expressão corporal desses actores é importante, não a só por si, mas na interligação com os restantes actores processuais, para a avaliação do seu desempenho no âmbito dos poderes de livre apreciação destes meios de prova pelo Tribunal “a quo”.
E, como sabemos, cada vez mais, os Srs. Juízes da 1ª Instância, evidenciam a importância da análise comportamental dos depoentes e da sua interligação com os restantes actores processuais, para avaliarem a relevância de um determinado depoimento, no âmbito do cômputo geral da apreciação dos meios de prova produzidos.
Ora, a percepção desta face de um depoimento, muitas das vezes tão importante para a sua valorização, está vedada ao Tribunal “ad quem”, que não tem acesso à visualização dos depoimentos produzidos, o que vem reforçar a tese restritiva que vimos equacionando quanto ao âmbito e limites da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Concluindo a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, apenas deve proceder, quando o recorrente demonstrar, com evidência, através de um juízo crítico sobre todas as provas produzidas sobre um determinado ponto de facto _ sublinhamos novamente, sobre os meios de prova que fundaram a convicção do Juiz “a quo” para decidir sobre esse concreto ponto de facto e sobre os que o Apelante entende que também devem ser considerados para decidir, de forma diversa, esse mesmo ponto da matéria de facto _, que esses meios de prova impunham decisão diversa sobre aquele determinado ponto de facto, patenteando assim o erro de julgamento do Tribunal “a quo” sobre essa concreta matéria.
No quadro que acima definimos, que entendemos ser a melhor interpretação do disposto no art.º 640º do NCPC no que respeita à apreciação da impugnação da Decisão relativa à matéria de facto, pusemos a ênfase, entre o demais, no disposto na segunda parte da alínea b), do seu n.º1, que expressamente refere, referindo-se aos concretos meios probatórios invocados pelos Apelantes, “que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

Nessa medida _ porque de outra forma se violaria o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz de julgamento, consagrado no n.º5 do art.º 607º do NCPC, quanto aos meios de prova sujeitos à sua livre apreciação_ este Tribunal só poderá proceder à alteração da Decisão relativa à matéria de facto, se os pontos de facto dados como provados não tiverem qualquer (razoável) suporte probatório e se os pontos de facto dados como não provados forem evidentemente suportados pela prova produzida.

Na verdade, tal como acima referimos, ao introduzir o tema da impugnação da Decisão relativa à matéria de facto, a este Tribunal da Relação cabe apenas alterar a Decisão prolatada pela 1ª Instância, no que respeita à matéria de facto, quando o apelante demonstrar a evidência do erro de julgamento do Tribunal “ a quo”.
Ora tanto o Tribunal “a quo”, como o apelante, podem ter as mesmas fontes probatórias para suportar a sua convicção sobre determinado facto, mas formularem juízos diversos sobre esses meios de prova, retirando dos mesmos conclusões díspares quanto aos factos que essas provas podem demonstrar.
Situação que ocorre amiúde, formulando o Tribunal e as partes juízos diversos sobre os mesmos meios de prova, qualquer desses juízos plausível.
Neste quadro abstracto, poder-se-á dizer que o Tribunal ou as partes fizeram juízos errados sobre os meios de prova produzidos?
A nosso ver não, apenas se poderá dizer que tiveram percepções diversas sobre os mesmos meios de prova produzidos, não se podendo assim qualificar, qualquer das soluções que encontrem como padecendo de erro de julgamento, estendido este, aqui e agora, para efeitos de explanação do nosso raciocínio, também ao juízo formulado por qualquer das partes sobre a prova produzida.

Como vimos referindo, para dirimir esta questão, das diversas percepções sobre os meios de prova produzidos, mais propriamente sobre os depoimentos testemunhais e sobre outros meios de prova sujeitos à livre apreciação do Tribunal de julgamento, introduziu o legislador no Código de Processo Civil o princípio da livre de apreciação da prova, ora vertido nos n.ºs 4 e 5, do art.º 607º do NCPC, que se consubstancia na admissibilidade pela lei processual de que o Tribunal forme a sua convicção sobre determinados meios de prova que a mesma lei sujeita à sua livre apreciação, desde que explane, de forma adequada e convincente a sua análise crítica desses meios de prova e a motivação que conduziu a uma determinação solução fáctica.
Apenas nos casos em que a convicção formulada pelo Tribunal “a quo” não tiver qualquer razoabilidade em face dos meios de prova que suportam a sua Decisão, é que estaremos perante um erro de julgamento passível de censura pelo Tribunal “ad quem”.

Feito este enquadramento, apreciemos a pretensão do Apelante.
Ouvidas as testemunhas H… e J…, à data funcionários do B…, denota-se, principalmente no primeiro (que procedeu à venda do produto financeiro SLN2006 ao Autor marido), alguma amargura com as instituições B… SLN, o que achamos natural, pois estes funcionários bancários, acreditando na segurança e confiança dos produtos SLN, induziram amigos, vizinhos e os melhores clientes do BPN (estas são as palavras da testemunha J…) a comprar Obrigações SLN como fosse uma aplicação segura, em tudo semelhante a um depósito a prazo.
Passados tempos, como é óbvio, sendo eles que deram a cara pelo B… na venda destes produtos, haverá muitos clientes que não estarão satisfeitos com estes funcionários e, porventura, dir-lhes-ão coisas pouco agradáveis _ conjectura nossa.
Dito isto, somos levados a relevar a amargura das citadas testemunhas, dando-lhes toda a credibilidade quanto ao seu depoimento.

Passando à matéria da impugnação da Decisão relativa à matéria de facto, desde logo não ficámos convencidos que a testemunha H… tenha referido ao Autor marido, ao vender o produto financeiro SLN2006, que o BPN garantia o capital investido, mas sim e só que o produto tinha o capital garantido.

Consequentemente o Ponto 3 dos Factos Provados passará a ter a seguinte redacção:
3) Em 19.04.20006, H…, à data funcionário e respectivo gestor de cliente na agência de Caxarias do B…, disse ao autor marido que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada.

Também quanto ao Ponto 5 dos Factos Provados, se nos afigura que a redacção dada pelo Tribunal “a quo” não tem suporte no depoimento da testemunha H…, uma vez que o que a testemunha referiu foi que se o cliente precisasse do dinheiro o B… podia tomar a sua posição.
Daí que o Ponto 5 dos Factos Provados passe a ter a seguinte redacção:
5) Tal gestor de clientes assegurou ao autor marido que o Banco poderia tomar a posição do Autor caso este pretendesse vender o produto SLN2006.

E, pelo que já referimos, também a redacção do Ponto 6 dos Factos Provados deverá ser alterada, passando a ter a seguinte redacção:
6) O autor marido agiu convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e em tudo semelhante a um depósito a prazo.

No que respeita à matéria da alínea D) dos Factos Não Provados, trata-se de matéria alegada pelos Autores (art.º 16º da P.I.), reportada à data da venda do produto SLN2006 ao Autor marido, que o Tribunal “a quo” entendeu dar como não provada _ Adotando uma fluidez de discurso típica de quem diz a verdade e não exteriorizando qualquer interesse pessoal na resolução do pleito, a testemunha asseverou ter transmitido ao autor que o capital se encontrava garantido pelo banco, afirmando não se recordar se o cliente havia levado consigo cópia do prospeto de venda das obrigações, assim como não poder precisar se havia explicado ao autor o que era uma obrigação e de que o produto subscrito se identificava com um empréstimo SLN (pontos D, E, H e I) _ pelo que não se alcança a pretensão do Apelante.
Manter-se-á assim, tal matéria como não provada.

Quanto à matéria da alínea I) dos Factos Não Provados, alegada pelo Banco Réu no art.º 28º da sua Contestação, pelas razões aduzidas pelo Tribunal “a quo, que subscrevemos, manter-se-á como não provada.

Por fim, no que diz respeito à matéria da alínea L) dos Factos Não Provados, a testemunha H… referiu que o Autor investiu em Fundos de Investimento, que, como se nota dos documentos de fls. 24v e 25, em parte foram convertidos em capital para pagar o investimento no produto SLN2006.
Consequentemente, dá-se como provado, sob o novo Ponto 14 dos Factos Provados, o seguinte:
O Autor em 20 e 24 de Abril de 2006, investiu, respectivamente, €19.993,13 e €49.999,99, em Fundos de Investimento, de que resgatou, em 08 de Maio de 2006, a quantia de €50.029,74, de que utilizou, nesse mesmo dia, a quantia de €50.000,00 para aquisição do produto SLN2006. Posteriormente, em 2007, veio a subscrever outros produtos financeiros.

Quanto à segunda questão, importa saber se o Banco demandado deve responder pelos danos invocados pelo Autor, ao não receber, findo o prazo contratado, o valor que aplicou em Obrigações SLN 2006.

No quadro do princípio da liberdade contratual, consagrado no art.º 405º do Código Civil, releva o conceito de boa fé contratual plasmado no art.º 227º do mesmo Código, quanto aos preliminares e à formação do contrato.
Em conformidade com o conceito de boa fé contratual devem as partes, tanto nos preliminares como na formação do contrato, actuar por forma a comunicar, informar e esclarecer a outra parte de todos os elementos que se afigurem essenciais, para que haja uma decisão conscientemente e esclarecida de quem vai contratar.

Desenvolvendo e particularizando o conceito geral de boa fé contratual, quanto à emissão e intermediação de valores mobiliários, veio o Código de Valores Mobiliários (em diante CVM), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15/03, com a Declaração de Rectificação n.º 21/2006, de 30/03, em vigor à data da subscrição pelo Autor do produto SLN 2006, a estabelecer um específico e rigoroso enquadramento dos deveres de informação, a que estão vinculadas, entre outras, as entidades emissoras e as entidades de intermediação financeira de produtos qualificados como valores mobiliários.
Do conjunto dos deveres de informação plasmados no CVM, é de realçar, desde logo, o seu art.º 7º do CVM, enquanto norma quadro dos deveres de informação, que estipulava no seu n.º1, quanto à Qualidade da Informação, que esta “Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

Particularizando os deveres de informação específicos das entidades de intermediação financeira, enunciava o art.º 312º do CVM, o seguinte:
1. O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2.A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3.A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

A que o art.º 323º do CVM fazia acrescer os seguintes deveres de informação pelas entidades de intermediação financeira:
1.Além dos deveres a que se refere o artigo 312.º, o intermediário financeiro deve informar os clientes com quem tenha celebrado contrato sobre:
a) A execução e os resultados das operações que efetue por conta deles;
b) A ocorrência de dificuldades especiais ou a inviabilidade de execução da operação;
c) Quaisquer factos ou circunstâncias de que tome conhecimento, não sujeitos a segredo profissional, que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente.

Para além dos elencados deveres de informação, estavam ainda as entidades de intermediação financeira, sujeitas, nos termos do art.º 304º do CVM, a um conjunto de princípios, densificados nesta norma nos seguintes termos:
1.Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2. Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3. Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

Na violação dos seus deveres, as entidades de intermediação financeira incorriam em responsabilidade civil, dentro do âmbito das regras gerais da responsabilidade civil contratual, com as especificidades plasmadas no art.º 314º do CVM, nos seguintes termos:
“1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Chegados aqui o que dizer sobre a situação em apreço?
Como resulta, com evidência, da matéria de facto dada como provada _, o que é uma constante nos processos movidos contra o B…, agora Banco …, S.A._ e dos depoimentos das testemunhas H… _funcionário do B… que vendeu ao Autor as Obrigações Subordinadas SLN 2006 _, e J… _também funcionário do B… _ as Obrigações SLN eram vendidas aos Balcões do B… como produtos equivalentes a depósitos a prazo e com garantia (vide Pontos 3), 4) e 5) dos Factos Provados).

Pretendendo assim o B… incutir nos seus clientes, como aconteceu com o Autor, de que se tratava de um produto financeiro com a segurança que, para um homem médio, têm os depósitos a prazo.

Tendo o Autor subscrito tal aplicação financeira convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e em tudo semelhante a um depósito a prazo (Ponto 6 dos Factos Provados).

Acresce que, o BPN (entidade de intermediação financeira) pertencia ao universo da SLN (entidade emissora das Obrigações SLN), o que obrigava o B… sobremaneira, dado o potencial conflito de interesses, em informar, até à exaustão, os seus clientes do detalhe do produto financeiro, em particular, que não se tratava de um produto financeiro do Banco, mas da SLN casa mãe do Grupo a que o B… pertencia, não tinha as mesmas garantias de um depósito a prazo (à época os depósitos a prazo estavam garantidos pelo FGD até €25.000,00), nem o B… garantia tal aplicação.

Como sabemos, citando o Acórdão deste Tribunal da Relação, de 19 de Janeiro de 2020, proferido na Apelação n.º 1664/18.4T8STR.E1 (Relatora Cristina Dá Mesquita), que o aqui Relator subscreveu, enquanto 2º Adjunto, “Os depósitos a prazo – uma das modalidades de depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de crédito – são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo, todavia, as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (art. 1.º, n.º 4, do D/L n.º 430/91, de 02.11- Regime Jurídico das Contas de Depósito).
Os depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente são apenas exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, não podendo ser reembolsados antes do decurso desse mesmo prazo (art. 1.º, n.º 5, do D/L n.º 430/91).
No depósito bancário a prazo, o Banco surge como o “devedor” perante o cliente (credor) que lhe entrega as respetivas poupanças.
Mesmo nas modalidades de depósito bancário em que ao depositante não é permitido exigir a todo o tempo os valores depositados, neste tipo de contrato o interesse do cliente reside na disponibilidade sobre o tipo de bem entregue, na possibilidade de cumprimento, pelo depositário, do dever de restituição daquele bem. O que sucede nos contratos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente é que, além do interesse típico do depositante, há também o interesse comercial do depositário, permitindo-se ao Banco a gestão dos recursos disponibilizados pelo período de tempo acordado, mediante o pagamento de juros.
Em suma, o que subjaz ao depósito bancário é um desejo do cliente na preservação/conservação das disponibilidades monetárias de que é titular, combinando-as, se possível, com a sua frutificação. Daí que o Banco tenha sempre de restituir as quantias que lhe foram entregues, acrescidas, ou não, de remuneração.
«[…] Assim, a possibilidade de restituição das disponibilidades monetárias entregues pelo depositante inspira um conjunto de deveres prudenciais a cargo dos bancos, de natureza legal e/ou administrativa, destinados a salvaguardar esse interesse. Mostra-o, ainda, a garantia legal, há muito ou tradicionalmente, conferida, em maior ou menor medida, aos depósitos bancários, nomeadamente através do fundo de garantia dos depósitos […]. Não devem esquecer-se mecanismos especiais – incluindo normas de direito público ou, pelo menos, de interesse e ordem pública – para garantir a liquidez dos bancos, para assegurar a sua solvabilidade, e regras da atividade bancária que pretendem salvaguardar, para os clientes, os seus depósitos das contingências próprias da atividade de crédito a que se dedicam os bancos»[1].
O que o autor adquiriu, mediante proposta de um funcionário do Banco, foram obrigações, produto distinto do depósito a prazo e cujas características não foram comunicadas nem tão pouco explicadas ao autor.
Como já referimos no Acórdão de 05.12.2019, proferido por este Tribunal no âmbito da apelação n.º 2472/18.8T8STR.E1[2] «no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos [3] até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei. Em todas as modalidades de depósito bancário predomina o interesse do depositante, daí que haja uma segurança que é procurada pelos clientes nas instituições bancárias para a conservação das suas poupanças e recursos[4]. Embora haja interesse do depositante numa remuneração pelo depósito, o objetivo principal é a preservação de certas disponibilidades monetárias em favor do depositante.
A subscrição de uma obrigação é um investimento; através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora também com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através de depósitos a prazo.
As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito.
As “obrigações” representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (art. 348.º, do Código das Sociedades Comerciais) o que implica que é aquela que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da «solidez financeira» da entidade emitente […] O que não sucede, como referido supra, com os depósitos bancários. Aqui, com a transmissão da propriedade dos valores depositados, transfere-se para o depositário o risco associado ao perecimento dos bens entregues e este não deixa de estar adstrito a uma dívida de restituição de valor, em certo montante».
Resulta do exposto que o funcionário do Banco réu que tomou a iniciativa de propor ao autor a subscrição de obrigações SLN 2006 prestou ao autor informações não verdadeiras, desde logo porque as “obrigações” não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo. “

Estamos assim perante uma grave e censurável actuação por parte do B…, em violação dos mais elementares deveres de informação a que estava vinculado nos termos do CVM em vigor.

No quadro da responsabilidade civil contratual, delimitada pelo art.º 798º do Cód. Civ., a atinente obrigação de indemnização tem como pressupostos a violação ilícita e culposa dos deveres pré-contratuais e contratuais, que cause danos ao demandante.

Na situação em apreço, é manifesto que o BPN violou os mais elementares deveres de boa fé pré-contratual _ estamos a reportar-nos ao contrato de intermediação financeira estabelecido entre o Autor e o B…_ não cumprindo com a obrigação legal, estatuída no CVM, de informação detalhada e clara sobre o produto financeiro que intermediava, obrigação essa que, como dissemos, atento o potencial conflito de interesses na intermediação deste produto, emitido pela SLN, casa mãe do Grupo do B…, deveria ser levada à exaustão.

Tal violação dos deveres de informação na fase pré-contratual do negócio de intermediação, foi culposa, diremos, gravemente culposa, culpa que aliás sempre se presumiria nos termos do n.º1 do art.º 799º do Cód. Civ..
Neste sentido vai a jurisprudência maioritária do STJ, que considera que o seguinte: “Estando demonstrado que o réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor e que ao invés lhe prestou informação ambígua tendente a convencê-lo da inexistência de risco ou de um risco igual ao de um depósito a prazo do próprio banco, é óbvia a ilicitude de tal conduta e grave a culpa, …. (Acórdão do STJ de 25/10/2018, proferido na Revista n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1 (Relator Cons. Bernardo Domingos).

Estamos assim perante uma conduta ilícita por parte do B…, por violação dos seus mais elementares deveres legais de informação na intermediação de um produto financeiro com um seu cliente, com culpa grave, o que o vincula ao dever de indemnização do seu cliente pelos danos provocados.

Resta apurar, tendo em conta as regras gerais da responsabilidade civil contratual, se, em face do disposto no art.º 563º do Cód. Civ., existe um nexo de causalidade entre os danos invocados pelo Autor e a actuação culposa do B….

No apuramento do nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e os danos provocados ao demandante, o STJ tem fixado jurisprudência maioritária, que tende a considerar que “No apuramento da responsabilidade civil por intermediação financeira considera-se demonstrado o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao investidor quando, em face dos factos provados, é possível concluir que se os deveres de informação tivessem cumpridos, o autor não teria investido nas aplicações e, assim, não teria sofrido os riscos e prejuízos subsequentes.” (Ac. do STJ de 08/11/2018, proferido na revista n.º 6164/09.0TVLSB.L1.S1 Relator Cons.Helder Almeida).

Para o estabelecimento desse nexo de causalidade, importa verificar se o Autor logrou demonstrar que não investiria no produto financeiro que adquiriu Obrigações SLN 2006, se tivessem sido cumpridos pelo B… os deveres de informação a que acima fizemos referência.

Compulsando a matéria de facto dada como provada, verificamos que o Autor não logrou provar os atinentes factos subjectivos que alegou, plasmados nos artigos 9º e 10º da P.I., que o Tribunal “a quo” deu como não provados.

Decisão que o Autor, estranhamente, não veio a impugnar em recurso subordinado.

Dito isto, não estando provados factos que demonstrem que o Autor não investiria em Obrigações SLN 2006, se tivessem sido cumpridos pelo B… os deveres de informação sobre tal produto financeiro, não está evidenciado o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação por parte do B… e os danos causados ao Autor pelo não recebimento, findo o prazo contratual, dos €50.000,00 que investiu em Obrigações SLN 2006.
Consequentemente, a presente acção tem que naufragar.

Procede assim o presente Recurso.
***
IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela procedência do presente Recurso e, consequentemente, pela absolvição do pedido do Banco …, SA.
Custas pelos Apelados.
Registe e notifique.

Évora, 04 de Junho de 2020
Silva Rato (relator)
(Tem o voto de conformidade do Sr. Desembargador Mata Ribeiro por comunicação à distância)
Mata Ribeiro
(Tem o voto de conformidade do Sr. Desembargador Sílvio Sousa por comunicação à distância)
Sílvio Sousa
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[1] Manuel Carneiro da Frada, Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito vs Contratos de Gestão de Carteiras, ROA, ano 69, III/IV, julho/setembro 2009, Lisboa.
[2] Publicado em www.dgsi.pt.
[3] O qual se encontra regulado nos arts. 154.º e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito.
A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 a qual foi transposta para a ordem jurídica interna pelo D/L n.º 246/95, de 14 de setembro, o qual introduziu alterações ao RGIC.
[4] Manuel Carneira da Frada, Crise Financeira Mundial e a Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras, ROA, ano 69, III/IV, julho/setembro 2009, Lisboa.