Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
89791/15.0YIPRT.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A compensação de créditos, e face ao disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, só opera mediante pedido reconvencional.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Processo n.º 89791/15.0YIPRT.E1 (2.ª Secção)
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) – Transportes Rodoviários de Mercadorias, S.A. instaurou acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacção comercial contra Vidreira (…), Unipessoal, Lda. pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 9.808,20, sendo € 9.591,50 a título de capital, juros vencidos e vincendos desde a data de vencimento das facturas em dívida até pagamento, sendo os vencidos até ao momento no montante de € 176,70, e € 40,00 de outras quantias, pelos custos suportados com a cobrança da dívida.
Alegou, para tanto, serviços de transporte de vidros, a pedido da Ré, que esta não pagou.
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A Ré apresentou oposição, aceitando a alegação dos serviços prestados nos termos invocados pela Autora, mas com excepção do transporte a que se refere a factura 182, pois sete dos vidros transportados encontravam-se partidos, tendo tido esse prejuízo, além de ter perdido o cliente ao qual os destinara, uma vez que teve de mandar preparar outros, e tal demorou mais tempo do que o acordado com o cliente.
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O processo seguiu os seus termos e, depois da audiência, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré Vidreira (…), Unipessoal, Lda. no pagamento à Autora da quantia de € 9.591,50, da quantia de € 176,70 a título de juros vencidos até à propositura da acção, e no pagamento dos juros vencidos e vincendos desde 01-07-2015 até efectivo e integral pagamento, à taxa legal para os juros comerciais, do mais indo a Ré absolvida.
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Desta sentença recorre a R. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.
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A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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A impugnação da matéria de facto pretende que se dê por provada matéria que o tribunal considerou não provada.
Tais factos são os seguintes:
Na Anadia, nas instalações da (…), o motorista da Requerente ao apertar as chapas de vidro para o transportar para as instalações da Requerida, partiu chapas de vidro (14 da oposição);
Para a reposição dos vidros que se partiram, a Requerida comprou novas chapas de vidro à (…), o que lhe custou € 4.237,20 (25 da oposição);
As chapas de vidro para a reposição tiveram que ser temperadas, tendo a Requerida gasto na têmpera das 7 chapas de vidro a quantia de € 2.163,64 (26 da oposição);
As 7 chapas de vidro que se partiram no Transporte efectuado pela Requerente destinavam-se à exportação para Inglaterra, para o cliente (…) Windows & Doors (31 da oposição);
Também naquele dia a Requerida comunicou a um funcionário da Requerente, que apenas conhece e trata por Sr. (…) que se tinham partido no transporte 7 chapas de vidro e que não podiam ser aproveitadas (46 da oposição).
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Concordamos parcialmente com a impugnação pois nos parece que a prova produzida impunha solução diferente, designadamente, no que diz respeito ao custo que a recorrente teve que suportar com os vidros temperados que substituíram os que se partiram (e que estes se partiram não há dúvida nenhuma).
Os depoimentos das testemunhas (…) e (…) são suficientemente concludentes sobre o assunto. Acresce que, a este propósito, existe um documento junto com a oposição em que se refere que a recorrente pagou à empresa (…) o serviço mencionado. Este documento, aliás, não foi sequer citado na sentença, fosse para arredar o facto que se pretendia provar, fosse para o considerar provado. Mas parece-nos essencial face ao alegado na oposição.
E o mesmo se dirá quanto ao facto alegado no art.º 25.º da oposição uma vez que é a mesma testemunha (…) que o confirma, depoimento este corroborado pela factura emitida pela (…) onde se faz ainda menção da data da entrega dos vidros (15 de Abril de 2015). Também devemos considerar, mesmo que não houvesse depoimento, que se foram temperados vidros novos, estes foram comprados nalgum sítio; daí a factura que consta dos autos.
Em relação ao modo como se partiram os vidros, o depoimento do representante que, tanto quanto se pode perceber à distância, nos pareceu convincente, é esclarecedor quanto a um aspecto: é uma máquina que aperta as chapas de vidro para o seu transporte; não é um qualquer empregado da recorrida.
Já quanto aos demais, entendemos que não existe prova suficiente que, como diz a lei imponha solução diferente. Com efeito, os depoimentos das testemunhas … (e apenas esta quanto ao cliente a quem os vidros se destinariam), e o próprio gerente da recorrente (quanto à comunicação a um empregado da recorrente a quem foi dito que os vidros estavam partidos). Em relação a este último cumpre notar que, no seu âmago, que o facto em questão está provado, embora com a diferença que se provou que o defeito (os vidros partidos) foi comunicado ao motorista e não a um outro funcionário. Mas o fundamental é que um comissário da recorrida teve conhecimento do facto.
Assim, apenas se acrescentam os factos alegados na oposição nos seus artigos 25.º e 26.º.
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Em função disto, a matéria de facto é a seguinte:
1. A Autora é uma sociedade comercial anónima que tem como actividade, entre outras, o transporte rodoviário de mercadorias.
2. A Ré é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica à transformação, transporte, montagem e comercialização de vidro.
3. A Autora foi contratada pela Ré para, no âmbito do exercício da sua actividade, proceder, entre Dezembro de 2014 e Março de 2015, ao transporte rodoviário de diversas mercadorias.
4. Na sequência do fornecimento, pela Autora, dos serviços de transporte que efectuou a solicitação da Ré, a Autora emitiu as seguintes facturas, nas datas, pelos valores e com as datas de vencimento a seguir indicadas: a) Factura nº FA 1502/73, de 13.02.2015, no valor de € 430,50, vencida em 15.03.2015; b) Factura nº FA 1502/125, de 20.02.2015, no valor de € 430,50, vencida em 22.03.2015; c) Factura nº FA 1502/134, de 20.02.2015, no valor de €4.000,00, vencida em 22.03.2015; d) Factura nº FA 1502/182, de 27.02.2015, no valor de € 430,50, vencida em 29.03.2015; e) Factura nº FA 1503/196, de 31.03.2015, no valor de € 4.300,00, vencida em 30.04.2015.
5. No âmbito do acordado entre Autora e Ré, o pagamento dos serviços prestados deveria ser efectuado por esta última no prazo de trinta dias contados da data da emissão de cada factura.
6. Até à presente data, e não obstante as várias interpelações feitas pela Autora, a Ré não efectuou o pagamento das anteditas facturas.
7. No transporte efectuado desde a Anadia até às instalações da Ré, entre os dias 27 e 28 de Fevereiro de 2015, a que se reporta a factura FA 1502/182, de 27.02.2015, no valor de € 430,50, vencida em 29.03.2015, quando descarregado nas instalações da Ré, encontravam-se partidas sete chapas de vidro duplo e temperado, das catorze transportadas.
8. Logo na descarga das chapas de vidro foi comunicado ao motorista da Autora e por ele constatado que se encontravam partidas sete chapas de vidro.
9. Para a reposição dos vidros que se partiram, a Requerida comprou novas chapas de vidro à (…), o que lhe custou € 4.237,20.
10. As chapas de vidro para a reposição tiveram que ser temperadas, tendo a Requerida gasto na têmpera das 7 chapas de vidro a quantia de € 2.163, 64.
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A impugnação da matéria de facto deve ser analisada e decidida tal como ela se apresenta: como resultado de um juízo probatório independente da relevância dos factos para os aspectos jurídicos da causa.
Esta afirmação justifica-se pelo que a seguir se vai escrever.
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Importa ver a argumentação da recorrida quanto ao aspecto processual do problema.
Invoca, no fundamental, o ac. da Relação do Porto, de 12 de Maio de 2015, nos termos do qual, porque neste tipo de processo não é possível a reconvenção, «não é possível operar a compensação de créditos por via de excepção quando o crédito invocado pelo réu é inferior ao do autor». Mais acrescenta que a compensação tem de se fazer valer em reconvenção, sendo certo que a recorrente a não deduziu.
Não há dúvida que o processo estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 269/98 não admite pedido reconvencional.
O problema é que, agora, o Cód. Proc. Civil exige que seja deduzida reconvenção também para os casos de compensação de crédito de montante inferior ao do pedido pelo autor (ou seja, quando estamos perante uma excepção peremptória que não extravasa o âmbito do objecto do processo definido pelo pedido). Daqui resulta que, actualmente, o devedor que pretende compensar o crédito reclamado com um crédito de montante inferior tem o ónus (a expressão é de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Cód. Proc. Civil Anotado, vol. 1.º, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 522) de deduzir pedido reconvencional com o fim de ver reconhecido o seu direito a compensar os créditos.
Em consequência desta opção, e uma vez que o réu deve (no processo comum) deduzir pedido reconvencional mesmo que o seu crédito seja inferior ao do autor, é que a lei deixou de admitir a réplica quando apenas se suscitem excepções mas já a admite quando exista reconvenção (art.º 584.º, n.º 1). E esta reconvenção pode ser um pedido novo emergente da defesa como pode ser um pedido de compensação. Ou seja, quando o contra crédito é de montante inferior ao do crédito, ainda assim o réu deve apresentar reconvenção para (1.º) obter o reconhecimento do seu crédito e (2.º) para operar a compensação.
E isto será também assim nos processos que não admitem, desde logo, a dedução de pedido reconvencional? Mesmo quando o valor compensável é inferior ao do pedido do autor?
Sim porque é isto o que consta do novo regime legal.
A reconvenção não é obrigatória, conforme resulta literalmente do art.º 266.º, n.º 2, Cód. Proc. Civil; está na disponibilidade do réu como está qualquer pedido que o tribunal tenha que apreciar.
O que tem como consequência que a recorrente terá de propor nova acção para pedir a condenação da recorrida no pagamento dos danos que sofreu e que, neste processo, lhe está defeso accionar (uma vez que o processo não admite a reconvenção). A solução pode ser má, em termos de política legislativa (perde-se em celeridade, em conhecimento numa só vez do total mérito da causa, etc.) mas não há motivos para a afastar.
Acresce, no caso concreto, que a recorrente não invocou a compensação nem a pediu; no final da sua oposição, limita-se a defender a total improcedência da acção.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Évora, 09 de Fevereiro de 2017
Paulo Amaral
Francisco Matos
Tomé de Carvalho