Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2551/17.9T8ENT.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
CONTRA-ORDENAÇÃO GRAVE
ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1 - A aplicabilidade da pena de admoestação contraordenacional está dependente de dois requisitos, a “gravidade da infracção e a culpa do agente”.
2 - A “gravidade da infracção” mede-se, naturalmente, pela sua ilicitude e nas contra-ordenações essa ilicitude tem espelho legislativo na consagração de três graus de ilicitude.
3 - Sendo a admoestação a menos grave das sanções – tanto que até a sua natureza sancionatória foi posta em causa – às contraordenações leves está reservada a possibilidade de aplicação da pena de admoestação.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n° 2551/17.9T8ENT

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No recurso de contra-ordenação que correu termos no Tribunal Judicial de Santarém – Entroncamento, J2 - com o número supra indicado, BB, Lda, interpôs recurso de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pela Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), datada de 20/06/2016, que a condenou na coima no montante de 12.000,00 €, pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave prevista e punida pelos artigos 23°, 24° n° 2, al. h) do DL n° 196/2003 de 23/08, com as alterações introduzidas pelo DL n° 64/2008, de 08/04, nos termos do artigo 22° n° 3, al. b) da Lei n° 50/2006 de 29/08, na sua actual redacção, acrescida do pagamento de custas do processo, no montante de 75,00 €.


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Inconformada com a decisão proferida pela entidade administrativa impugnou judicialmente a decisão com vista à sua absolvição, quer por não se considerarem provados os factos, quer por ser nula a decisão recorrida.

O recurso foi admitido e, realizado julgamento, o tribunal recorrido veio a julgar parcialmente procedente o recurso de impugnação judicial interposto por BB, Lda e, em consequência, condenou-a na coima de € 6.000,00 (seis mil euros), pela prática da contra-ordenação grave prevista e sancionada pelos artigos 23° e 24° n° 2, al. h) do DL n° 196/2003 de 23/08, com as alterações introduzidas pelo DL na 64/2008 de 08/04, nos termos do artigo 22º na 3 al. b) da Lei na 50/2006 de 29/08, na sua actual redacção.


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De novo inconformada com uma tal decisão, dela interpôs a arguida o presente recurso, com as seguintes conclusões (transcritas):

1° - A ora recorrente foi condenada pela prática de uma contra ordenação de cariz ambiental, p.e p pelos arts. 23° e 24° n. 2 al. h) do Decreto-Lei n. 196/2003 e consequentemente condenada ao pagamento de uma coima no valor de 6.000,00€.

2° - À arguida atento ao circunstancialismo fáctico dado como provado a saber:

3° - A arguida agiu com negligência inconsciente, não obteve quaisquer vantagens patrimoniais com a prática da contra ordenação, não possui cadastro neste tipo de contra ordenações, sendo certo que exerce a atividade conexa com a prática dos factos há 10 anos, é fiscalizada regularmente não se verificando a prática de quaisquer infracções.

4° - A arguida está numa situação económica debilitada, deu prejuízo nos últimos três anos e a aplicação de uma coima compromete irremediavelmente a continuação da mesma, pondo em perigo postos de trabalho.

5° - Deveria tais factos serem valorados na douta sentença "a quo" e ter sido aplicado á arguida uma pena de Admoestação prevista no art 51º n. 1 do RGCO, uma vez que estão "in casu" preenchidos todos os pressupostos para a sua aplicação.

6° - A decisão recorrida viola, assim, o disposto nos arts. 1°, 2° e 3°, 32°, 51° e 60° RGCO, e o art 71 n 2 do Código Penal e art 29 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de Direito, revogando a douta sentença recorrida e aplicando á arguida/recorrente uma simples admoestação.


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A Digna Procuradora Adjunta respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência.

1. A admoestação, prevista no artigo 51° do R.G.C.O., tem em vista casos de reduzida gravidade da infração, encontrando-se, por isso, reservada para contraordenações classificadas como leves ou simples,

2. No caso, a recorrente impediu a normal realização de uma fiscalização, nas suas instalações, por parte do Núcleo de Proteção Ambiental da GNR de Torres Novas, pelo que incorreu na prática de uma contraordenação que o legislador qualificou de grave, prevista e sancionada pelos artigos 23.° e 24º n. 2, alínea h), do Decreto-Lei 196/2003, de 23/08, com as alterações introduzidas pelo DL 64/2008, de 8/04, nos termos do artigo 22 n. 3 alínea b), da Lei 50/2006, de 29/08, na sua atual redação.

3. Logo, está vedada a aplicação de uma simples pena de admoestação à recorrente.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.


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B.1 - Fundamentação:

B.1.1 – O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1. No dia 19 de Janeiro de 2012, pelas 10.00 horas, no âmbito da Operação "Ogiva 14.1" (fiscalização de sucatas) foi efectuada uma acção de fiscalização por parte do Núcleo de Protecção Ambiental do Destacamento Territorial de Torres Novas - Comando Territorial de Santarém, da Guarda Nacional Republicana (GNR de Torres Novas);

2. A referida acção de fiscalização decorreu na sede da arguida "BB, Lda", no … Carregueira;

3. A arguida é detentora da Autorização para Operações de Gestão de Resíduos n°… de 19 de Abril de 2007, que lhe confere autorização de recolha, transporte e triagem de sucata e desperdícios metálicos, descontaminação e desmantelamento de veículos em fim de vida, bem como armazenagem de pilhas e acumuladores;

4. A empresa tem um portão de correr de acesso ao seu interior, com cerca de 6 metros de comprimento e que se encontrava totalmente aberto, tendo a equipa de fiscalização entrado nas instalações da firma que se encontrava em pleno funcionamento;

5. No interior da empresa encontrava-se um funcionário a carregar um veículo pesado com "sucata";

6. A equipa de fiscalização deslocou-se aos escritórios, onde se encontrava uma funcionária, …, tendo a mesma sido informada que se iria proceder a uma acção de fiscalização às instalações da empresa, a fim de a mesma contactar, se possível, um dos sócios gerentes para estar presente na fiscalização, caso assim o entendesse, ou nomear um dos funcionários a fim de colaborar com a fiscalização e fornecer qualquer informação ou documentação solicitada;

7. Foi então contactado, via telemóvel pela funcionária …, um os gerentes, CC, tendo o mesmo dito que não autorizava a fiscalização na sua empresa, a não ser que estivesse presente;

8. O referido gerente CC foi informado de que poderia estar presente e sendo questionado sobre quanto tempo demoraria a chegar ao local, o mesmo respondeu que não sabia, que tanto podia ser uma hora como duas, pois tinha sido autuado e andavam a persegui-lo;

9. Foi-lhe explicado que a equipa de fiscalização não poderia estar à espera que o mesmo resolvesse aparecer quando queria e que se iria proceder à fiscalização na sua ausência, a fim de o mesmo dar instruções aos seus funcionários para que colaborassem na fiscalização;

10. Posto isso, o agente devolveu o telemóvel à funcionária que voltou a trocar umas breves palavras com CC e, passado algum tempo, a funcionária … chamou o funcionário que se encontrava no exterior do escritório e informou que não poderia colaborar na fiscalização, em virtude de ter ordens do seu patrão para fechar todo o espaço e não facultar qualquer documento da empresa;

11. O funcionário fechou então o acesso a um dos pavilhões de armazenagem de resíduos e o local onde é feita a descontaminação de veículos, tendo de seguida fechado o portão de entrada ao espaço da empresa;

12. A arguida não agiu com a diligência necessária para cumprir com as suas obrigações legais;

13. A equipa de fiscalização voltou ao local no dia 24 de Janeiro de 2012, encontrando-se presente um outro agente da empresa, DD, tendo a fiscalização nesse dia corrido com normalidade;

14. À data dos factos em apreço, além da funcionária do escritório, estava apenas o funcionário referido em 5);

15. E trabalhavam para a arguida, no total, seis funcionários.

16. A arguida apresenta prejuízos já há três anos seguidos;

17. A arguida pagou neste último ano € 28,00 de IRC;

18. A arguida tem um crédito no valor de € 70.000,00;

19. Actualmente, a arguida tem sete funcionários, aí se incluindo os dois gerentes;

20. Os vencimentos dos aludidos funcionários fixam-se entre € 700,00 e €1024,00.


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B.1.2 – E como não provados os seguintes:

a) O portão de acesso às instalações da empresa arguida encontrava-se entreaberto, como acontece diariamente, só se abrindo na sua totalidade quando há necessidade de entrarem ou saírem veículos pesados;
b) Nas circunstâncias referidas em 8), CC disse de imediato à funcionária do escritório que queria estar presente na acção de fiscalização, que estava a caminho e que no máximo uma hora e estaria lá;
c) No seguimento de tal conversa, houve um diálogo telefónico entre um dos intervenientes na acção de fiscalização, em que o sócio gerente CC reforçou o que tinha dito à sua funcionária, que estava a caminho e que queria estar presente;
d) Em nenhum momento foi dito pelos intervenientes da acção de fiscalização à funcionária ou ao sócio gerente CC que iam proceder à fiscalização na sua ausência ou que se ele impedisse a mesma cometeria uma contra-ordenação grave de cariz ambiental.


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Cumpre decidir.

O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação e este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista, estando o seu âmbito de conhecimento limitado ao reexame da matéria de direito.

Tratando-se de contra-ordenação ambiental verificamos que a Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto - Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais - no seu artigo 2.º estatui que “as contra-ordenações ambientais são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações”. Corrido o seu articulado em nada se afasta a aplicabilidade do regime de recursos contido no Dec.-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro - ilícito de mera ordenação social (RGCO).

Ora, verificamos que a recorrente assenta uma parte do seu recurso na invocação de factos que não resultaram provados e apenas estes são relevantes. Estão neste caso os factos invocados nas suas motivações nos pontos 4º (quando invoca um comportamento do gerente diverso do provado), 6º (apenas provada a normalidade), 8º e 9º (quanto ao comportamento anterior da recorrente).

Naturalmente que não pode o tribunal presumir um anterior comportamento ilícito da recorrente, mas também – porque não provado – não se pode considerar existente um comportamento exemplar. Pode apenas presumir-se – porquanto a prova do contrário cumpriria à acusação – que a recorrente não teve qualquer comportamento ilícito anterior.

É sabido que em recurso de direito, o conhecimento dos vícios previstos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal é oficioso mas limitado ao teor da decisão recorrida, com apelo às regras de experiência comum. E desta não decorre a existência de qualquer daqueles vícios.

Impõe-se acrescentar que, não obstante concluída a peça recursal com a invocação de violação do art 29º da Constituição da República Portuguesa, nada é referido sobre o ponto no recurso, nem em motivações nem em conclusões, pelo que nada há a conhecer nessa sede.

Restam, pois, duas questões a conhecer: da importância da situação económica da recorrente; da existência de fundamento para aplicação à arguida de uma pena de admoestação.


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B.2 - A primeira questão a abordar é a invocada insuficiência de meios económicos da recorrente.

A recorrente é uma empresa privada, pessoa colectiva portanto, com um fito ou objectivo de prestação de serviços segundo a intenção que é expressa pelos seus órgãos sociais, com poderes de direcção e disciplina sobre os seus trabalhadores ou contratados em seu nome e para a prossecução dos seus fins, tendo como escopo essencial o lucro. Só esse lucro permite o trato da empresa, a manutenção dos postos de trabalho, as posições de gerentes, os veículos existentes na empresa, a aquisição de maquinaria, a manutenção dos equipamentos, pagamento de débitos e assim por diante.

Sendo uma empresa a operar num território soberano inserido num Estado de Direito com preocupações ambientais, é sabido que tem que cumprir as normas da República, entre elas aquelas que determinam, disciplinam e sujeitam os operadores privados à fiscalização de cumprimento de normas da dita coisa pública na área ambiental. Normas que, naturalmente, são do conhecimento da sua gerência.

Assim, é de boa gestão evitar o pagamento de coimas de valor exorbitante – concede-se – que a República prevê. Normas que foram aprovadas nas instituições próprias, resultantes do voto popular.

De outra banda, a ordem jurídica dispõe que a empresa que não pode continuar a proceder a pagamentos, incluindo o pagamento de coimas, deve agir em conformidade e apresentar-se aos credores em devida forma legal.

Ora, isto não resultou provado. Pelo que resta presumir que a recorrente continua a poder cumprir as suas obrigações. Ajuda a tal presunção a matéria de facto provada. De facto, se a recorrente é uma empresa licenciada e pretende continuar licenciada e desobrigada de pagamento de coimas é de boa gestão não correr o risco de praticar actos ilícitos que implicam o pagamento de coimas de valor elevado.

Porque “não autorizar” a fiscalização – facto sobejamente provado e em moldes que permitem duvidar de comportamento negligente, aceite pelo tribunal recorrido – é comportamento de risco na gestão. Porque, se a recorrente nada tinha a temer e com dois funcionários presentes, nada obviaria, na sua perspectiva, à concretização do início da fiscalização.

Assim, a constatação pela entidade policial quanto ao incumprimento da lei é patente e resulta dos factos provados, sendo irrelevantes as alegações da recorrente em sede de facto. O não cumprimento do dever de sujeição à dita fiscalização – assumido pela gerência - implica a responsabilidade da recorrente e a assunção das suas consequências.

Assim, se havia factos relevantes relativos à situação económica da recorrente eles deveriam ter sido apresentados no recurso de impugnação judicial. Como, por outro lado, a recorrente continua o seu giro industrial e não se apresentou à insolvência, não pode este tribunal concluir ser má a sua situação.

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B.3 – A matéria de aplicação da pena de admoestação estava já relativamente estabilizada na jurisprudência do início do século no entendimento de que, dado o seu carácter simbólico, tinha reduzida eficácia preventiva.

Já o afirmava o Prof. Fig. Dias na sua obra "Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime": [1]
«A medida é indiscutivelmente de saudar e de apoiar num direito como o tutelar de menores (…) ao qual é em absoluto estranho o cariz punitivo; e ela pode ainda ser aceite e compreendida no direito penal de menores imputáveis (…) dada a predominância absoluta que nele assume a finalidade (re)educativa da sanção. Já, porém, no direito penal de adultos, onde a dimensão punitiva da pena, se bem que exclusivamente justificada por razões de prevenção, é irrenunciável, a «pena» de admoestação, comprimida entre as verdadeiras penas de substituição, por um lado, e a dispensa de pena, por outro, surge como questionável e, na verdade (na generalidade dos casos), dispensável.
(…)
"Qualquer pena simbólica, que se esgota na mera aplicação judicial, sem possuir ao menos o conteúdo aflitivo potencial que caracteriza todas as outras penas de substituição (mesmo a suspensão da execução da prisão sem condições!) é irremediavelmente afectada na sua eficácia preventiva, não atingindo sequer o nível mínimo da verdadeira advertência penal, por destituída de qualquer consequência efectiva para o futuro. E é difícil – se não impossível – ver numa pena afectada mesmo no cerne da sua eficácia preventiva outra coisa que não uma medida desnecessária, e por isso condenável, do ponto de vista político-criminal.»

Sendo assim para o direito penal, assume-se que o mesmo se possa dizer no direito contra-ordenacional, cuja menor ressonância ética, em vez de diminuir a estranheza, a aumenta pela óbvia importância económica da actividade em regra desenvolvida nas condutas ilícitas, nas quais o lucro – e, logo, o efeito contabilístico negativo de uma sanção pecuniária, em regra gravosa – assume importância de vulto.

Por via destas constatações até a natureza sancionatória da admoestação nas contra-ordenações foi posta em causa na doutrina e na jurisprudência, como vem claramente afirmado no acórdão da Relação de Lisboa de 08-11-2012 (sendo rel. Neto de Moura, proc. 1293/10.0TFLSB.L1-5):

I - A admoestação contra-ordenacional não é uma medida de substituição como é a admoestação penal, não sendo por isso uma sanção que se aplique em substituição da condenação numa coima.
II - É entendimento geralmente aceite que, pelo seu carácter meramente simbólico, com a admoestação não se atingem os limiares mínimos de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico. E se é assim com a admoestação penal, não há razão para ser diferente com a admoestação contra-ordenacional.
III - Não colhe a argumentação de que, fazendo o artº 51º, nº 1, do RGCO depender a aplicação da admoestação da “reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente”, exclui a necessidade de satisfação das exigências de prevenção. Qualquer punição, mesmo que de pena de substituição se trate, tem de realizar finalidades preventivas, designadamente de prevenção geral.

E dessa controvérsia doutrinal nos dá conta o acórdão da Relação de Coimbra de 10-03-2010 (sendo rel. Mouras Lopes, no proc. 918/09.5TBCR.C1), quando fundamentava, afirmando a natureza sancionatória da figura:

«Algumas dúvidas surgiram na doutrina quanto à natureza da admoestação estabelecida neste normativo, nomeadamente se se trata de uma «sanção de substituição» aproximativa à «dispensa da pena», entendendo-a como o equivalente à “dispensa de coima” (Santos Cabral e Oliveira Mendes, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Coimbra Editora, 2009, p. 174), como uma sanção autónoma de substituição da coima (António Beça Pereira, Regime Geral das Contra.Ordenações e Coimas, 8ª edição Coimbra, 2009, pp. 27 e 129) ou antes como um «acto preparatório do arquivamento dos autos ditado pelos princípios da oportunidade e da proporcionalidade e não recorrível» (Frederico Lacerda da Costa Pinto, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano VII, fasc. 1 p. 92).
Pese embora o pouco esclarecedor quadro normativo que envolve a «admoestação» no domínio do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (Decreto Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro) entendemos que o modo como o legislador estabeleceu o regime da admoestação não pode deixar de ser visto ainda como uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo (administrativa e judicial) e por isso passível de ser aplicada nesta fase processual, desde que verificados os seus pressupostos. Repare-se que o legislador legitima a «entidade competente» para aplicar a medida, numa afirmação conceptual pouco comum mas nem por isso possível de ser circunscrita à entidade administrativa com competência para aplicar a coima essa possibilidade.
Por outro lado não se encontra qualquer justificação dogmática para impedir o funcionamento da admoestação como medida de substituição à coima na fase jurisdicional do processo de contra-ordenação, verificados os pressupostos substantivos da sua aplicação. É ainda a concretização do princípio da necessidade das sanções que perpassa no ordenamento sancionatório penal e contra-ordenacional que se faz sentir.
Daí que a admoestação a que se alude no artigo 51º do RGCO, não trata apenas de uma sanção/acto susceptível de ser aplicado na fase administrativa do processo mas, independentemente de o ser, é também uma verdadeira sanção de substituição da coima, traduzida na sua dispensa, aplicada na fase judicial, desde que verificados determinados pressupostos.»

Certo é que a opção legislativa é clara e a fundamentação jurisprudencial concludente, pelo que a natureza sancionatória da admoestação está consagrada.

Sujeita, no entanto a dois requisitos, a “gravidade da infracção e da culpa do agente”, conforme dispõe o artigo 51.º do RGCO, ex vi do determinado no artigo 2.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

A “gravidade da infracção” mede-se, naturalmente, pela sua ilicitude e nas contra-ordenações essa ilicitude tem espelho legislativo na consagração de três graus de ilicitude. Indubitavelmente uma classificação ope legis da gravidade do ilícito praticado.

E essa classificação está presente na Lei-quadro das Contra-ordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto) que no seu artigo 21.º classifica as contraordenações, «tendo em conta a relevância dos direitos e interesses violados» em leves, graves e muito graves.

Naturalmente, sendo a admoestação a menos grave das sanções – tanto que até a sua natureza sancionatória foi posta em causa – às contraordenações leves está reservada a possibilidade de aplicação da admoestação. De onde se deduz que no caso concreto essa aplicação não é possível pois que a sanção está qualificada como grave - artigos 23°, 24° n° 2, al. h) do DL n° 196/2003 de 23/08.

Esta conclusão faria terminar aqui a fundamentação desta decisão na medida em que os dois requisitos supra indicados – gravidade da ilicitude e da culpa – são cumulativos, o que torna desnecessário analisar a culpa da recorrente.

Sempre se dirá, no entanto, que a culpa da arguida não se enquadra no requisito. E a circunstância de o tribunal recorrido ter considerado a conduta negligente isso apenas faz cair a culpa de “muito grave” para “menos grave”, já que é patente a consciência na negligência praticada.

Isto é, a culpa da recorrente não é diminuta ou reduzida, nem se pode acobertar nas hipóteses referidas em fundamentação no acórdão da Relação de Coimbra de 09-01-2012 (sendo rel. Alberto Mira, no proc. 623/10.0T2OBR.C1), de erro censurável sobre a ilicitude ou nos casos de tentativa, a integrar nos artigos 9º, nº 2 e 13, nº 2 do RGCO.

Por tudo é o recurso totalmente improcedente.


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C - Dispositivo:

Face ao que precede, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso.

Notifique.
Custas pela recorrente com 5 (cinco) Ucs. de taxa de justiça.
Évora, 08 de Março de 2018
(Processado e revisto pelo relator)
João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso
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[1] - Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 608.