Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
576/14.5GEALR-AB.E1
Relator: LAURA MAURÍCIO
Descritores: ESPECIAL COMPLEXIDADE DO PROCESSO
RECURSO PENAL
RESPOSTA
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Atenta a letra da lei e em obediência aos princípios da igualdade entre sujeitos processuais e da proporcionalidade, seja qual for o prazo de que os recorrentes disponham para interposição de recurso, os sujeitos processuais afetados por essa interposição terão de dispor de idêntico prazo para apresentação da sua resposta.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório

No âmbito dos autos com o NUIPC nº576/14.5GEALR, foi, em 13.07.2018, proferido o seguinte despacho:

“Fls. 22534: Uma vez que o Tribunal já ficou os honorários devidos ao Sr. Tradutor, encontra-se esgotado o poder jurisdicional sobre a pretensão formulada, ao abrigo do disposto no artigo 613.º, n.º 1, do C.P.C., aplicável ex vi artigo 4.º do C.P.P., pelo que nada há a ordenar.

Fls. 22537: Considerando os fundamentos que basearam a prorrogação do prazo de interposição de recurso, o princípios da igualdade de armas e da proporcionalidade e a menor complexidade e extensão do âmbito da resposta ao recurso em relação à interposição de recurso, defere-se parcialmente o requerido e, em consequência, prorroga-se por mais 15 (quinze) dias o prazo de apresentação da resposta ao recurso pelo Ministério Público e pelos demandantes.

Ref.ª 5114880: Organize translado com o despacho recorrido, o requerimento de interposição de recurso, a resposta ao recurso, o despacho de pronúncia, a decisão condenatória e todos os despachos de aplicação e revisão da medida de coacção.”

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos foi declarada a especial complexidade do procedimento, nos termos da parte final do nº3 do artigo 215º do CPPenal.

2. Por força do disposto no artigo 107º, nº6 do CPPenal, no termo do julgamento, foi requerida pelos arguidos a prorrogação do prazo previsto nos nºs 1 e 3 do artigo 411º do CPPenal, tendo a mesma a todos sido deferida até ao limite máximo de 30 dias.

3. Dado o carácter pessoal da pretensão e, uma vez que na interposição e resposta a recurso não tem aplicação o disposto no artigo 113º, nº13 do CPPenal, a decisão tomada pelo tribunal não aproveita aos restantes sujeitos processuais que não requereram a predita prorrogação, veio o Ministério Público requerê-la para apresentar resposta aos recursos, tanto mais que, sem embargo de não ter sido recebido, até à data desse requerimento, nenhum interposto do acórdão, era do conhecimento funcional da Magistrada afecta ao processo que já haviam dado entrada pelo menos dez requerimentos de motivação de recurso de outros tantos arguidos.

4. Invocou, para tanto, o princípio da igualdade, e requereu expressamente que a prorrogação lhe fosse concedida na mesma medida em que o fora aos arguidos.

5. Inexplicavelmente, porque o douto despacho recorrido o não explica, entendeu a Mma. Juíza a quo que eram precisamente os princípios da igualdade de armas e da proporcionalidade que fundavam a decisão de conceder ao Ministério Público prorrogação em medida inferior.

6. Dir-se-á que a Mma. Juíza entendeu que só devia tratar de forma igual o Ministério Público e os arguidos se a posição destes sujeitos processuais fosse igual e, na sua perspectiva, não é: reveste menor complexidade e extensão o âmbito de resposta ao recurso em relação à interposição de recurso.

7. Para além do carácter polémico e pouco fundado da asserção da Mma. Juíza a quo, mais vincado quando se reporta à complexidade da resposta a um recurso, é forçoso concluir que a mesma se contradiz, ao mencionar a “menor extensão do âmbito” dessa resposta.

8. Nesse aspecto, arguidos e Ministério Público não estão, de facto, em pé de igualdade, porquanto cada um dos (até agora) dez arguidos, através dos respectivos e Ilustres Defensores, interpôs o seu recurso, ao passo que o Ministério Público, representado pelo (a) único (a) Magistrado (a) afecto (a) ao processo terá de responder a esses dez ou mais recursos que vierem a dar entrada.

9. Não quedam, pois, dúvidas, que no que concerne o critério que a própria Mma. Juíza apodou da “extensão do âmbito” da resposta, ainda assim mais objetivável que o da “complexidade do âmbito”, o douto despacho recorrido violou os princípios da igualdade de armas e da proporcionalidade.

10. Era à própria lei – e não às suas convicções pessoais, mais ou menos exatas – que a Mma. Juíza a quo devia ter ido colher as diretrizes para recortar a noção de complexidade.

11. A especial complexidade do procedimento é válida para todos os sujeitos processuais, Ministério Público incluído, caso contrário, cair-se-ia na iníqua e ilógica situação de o processo ser de especial complexidade para uns e não para outros.

12. Os critérios de aferição dessa especial complexidade, expressamente reconhecida no presente processo, estão exemplificativamente enumerados na parte final do nº3 do artigo 215º do CPPenal: número de arguidos ou de ofendidos, caráter altamente organizado do crime.

13. É incontestável que o número de arguidos e de ofendidos dos presentes autos é elevado.

14. O crime de associação criminosa foi imputado aos arguidos na acusação.

15. Mas se a estes dados se acrescentarem as mais de nove dezenas de volumes de processado, o número, superior a uma centena, de testemunhas ouvidas, o número de sessões de julgamento realizadas e a própria afetação do tribunal em regime de exclusividade ao julgamento, facilmente se concluirá que o processo é especial e igualmente complexo para todos os intervenientes processuais, em todas as fases processuais e, por conseguinte, também na fase de interposição e resposta a recurso.

16. Ao não interpretar neste sentido as particularidades dos presentes autos, à luz dos artigos 215º, nº3, parte final e 107º, nº6 do CPPenal, a Mma. Juíza a quo violou esses artigos.

Termos em que, concedendo provimento ao recurso, substituindo o despacho recorrido por outro, que prorrogue o prazo de apresentação de resposta aos recursos pelo Ministério Público até ao limite máximo de 30 (trinta) dias, farão Vossas Excelências, como sempre, Justiça.

O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

O arguido MM respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público dizendo, em síntese, que não pode senão subscrever a proficiente argumentação e as conclusões rigorosas do recurso sob resposta, às quais nada de decisivo poderá acrescentar, salvo, porventura, referir que se lhe afigura inconstitucional, por ofensa dos princípios da igualdade de armas e do processo justo e equitativo, a interpretação do conjunto normativo centrado nos arts. 107º, 6, e 413º, 1, CPP, que, nas circunstâncias concretas deste processo (complexidade, elevado número de recursos interpostos e de respostas a apresentar, etc.), conduziu à desigualdade dos sobreprazos concedidos aos arguidos e ao titular da ação penal.

Os arguidos Sharad, Ramneet e G., Lda também responderam ao recurso interposto pelo Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:

1. O douto despacho recorrido fundamenta a parcialidade do deferimento do requerido por, no seu entender, existir menor complexidade e extensão no âmbito da resposta ao recurso, em relação à interposição de recurso.

2. Tal entendimento mais não é do que uma convicção subjetiva, sem respaldo na lei.

3. Da conjugação do disposto no nº1, do art.413º do CPP e no nº1, do art.411º, do mesmo diploma, resulta que os sujeitos processuais afetados pela interposição do recurso dispõem, para apresentação da resposta, do mesmo prazo dos recorrentes para essa interposição.

4. Atenta a letra da lei e em obediência aos princípios da igualdade entre sujeitos processuais e da proporcionalidade, que seja qual for o prazo de que os recorrentes disponham para interposição de recurso, os sujeitos processuais afetados por essa interposição, terão de dispor de idêntico prazo para apresentação da sua resposta.

5. Ao entender de forma diversa, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos nos artigos 413.º, n.º 1 e 411.º, n.º, ambos do CPP e os princípios da igualdade entre sujeitos processuais e da proporcionalidade.

6. Tendo sido já declarada nos autos a especial complexidade, a mesma é transversal a todo o processado e não pode ser aferida casuisticamente, em relação a cada ato processual.

7. Mesmo que assim não se entendesse, no caso concreto está demonstrado, à saciedade, que a complexidade e extensão do âmbito de resposta aos recursos, será, se não maior, pelo menos igual à dos requerimentos de interposição, que neste momento são já 10.

8. Apesar do art.º 107.º, n.º 6, do CPP, estatuir uma mera possibilidade de prorrogação dos prazos previstos nos artigos aí mencionados e não uma obrigação e de o art.º 413.º, n.º 1, não se encontra expressamente elencado nesse preceito legal, a interpretação da lei tem de ser feita de uma forma concertada, conjugada e com respeito pelos princípios do direito.

9. Se o legislador quis conceder aos sujeitos processuais afetados pela interposição de recurso, o mesmo prazo de que os recorrentes dispõem para a essa interposição, em obediência aos princípios da igualdade entre sujeitos processuais e da proporcionalidade, o prazo terá de ser igual em qualquer circunstância.

10. Ao decidir de forma diversa, o Tribunal a quo mais violou, por erro de interpretação, o disposto no art.º 107.º, n.º 6, do CPP, com referência ao art.º 215.º, n.º 3, do mesmo diploma e os princípios da igualdade entre sujeitos processuais e da proporcionalidade.

NESTES TERMOS e nos mais e melhores de direito, que V. Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o recurso interposto pelo Digno MP, ser julgado integralmente procedente e, consequentemente, ser o douto despacho recorrido revogado e substituído por outro que conceda a requerida prorrogação de prazo, pelo período de 30 dias.

Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!

O despacho recorrido foi sustentado nos seguintes termos:

"Dado que já decorreram os prazos para os sujeitos processuais apresentarem as suas alegações, cumpre-me, neste momento, proferir despacho de sustentação ou reparação do agravo interposto. Assim, pelos motivos e fundamentos constantes da decisão proferida a fls. 22534, que aqui dou por inteiramente reproduzidos, mantenho o seu teor. Sem prejuízo, por ter sido suscitada a questão do recurso do julgador a -se discriminar circunstanciadamente os fundamentos de facto e de direito que sustentaram a decisão posta em crise. Senão vejamos. Os fundamentos que basearam a prorrogação do prazo de interposição de recurso prendem-se, desde logo, com a especial complexidade do processo, incontestada e judicialmente declarada nos termos do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal. Por seu turno, os invocados princípios da igualdade de armas e da proporcionalidade requerem que cada uma das partes no processo possa sustentar a sua posição em condições tais que a não coloquem em desvantagem em relação à parte adversa; sendo uma das grandes aporias do moderno processo penal, a igualdade processual, ou a "igualdade de armas", deve assumir-se como instrumento de realização dos direitos estabelecidos a favor da acusação e da defesa, ganhando conteúdo a ideia de que a igualdade de armas significa a atribuição á acusação e à defesa de meios jurídicos igualmente eficazes para tomar efectivos aqueles direitos. Por isso, os elementos integrantes da garantia não ganham autonomia na fase de recurso, devendo ser apreciados na consideração do conjunto do processo. Também no recurso, as partes devem poder apresentar as suas pretensões e defender as suas posições de maneira tal que uma não seja colocada em desvantagem em relação à outra. No caso, como se vê pelos termos em que as posições foram apresentadas, a igualdade de armas foi inteiramente assegurada, uma vez que foi fixada ab initio, por iniciativa do Tribunal, uma prorrogação do prazo de interposição do recurso por 30 (trinta) dias para todos os sujeitos processuais. Logo, o prazo concedido ao Ministério Público e à defesa para a interposição do recurso foi exactamente igual. Veio posteriormente o Ministério Público requerer uma idêntica prorrogação do prazo de resposta aos recursos, a qual foi parcialmente acolhida em face da aludida complexidade do procedimento, por um lado, e da diferente natureza e âmbito da intervenção processual em apreço (atenta a respectiva menor extensão e menor complexidade do acto processual de resposta), por outro lado. Com efeito, caso pretendesse interpor recurso o Ministério Público poderia sindicar toda a decisão recorrida, dispondo de um prazo máximo de 60 (sessenta) dias para o efeito, ao passo que para a resposta ao recurso, em que o Ministério Público somente poderá pronunciar-se sobre a matéria que se enquadra nos poderes de cognição do tribunal superior delimitada pelo estrito objecto dos recursos interpostos, dispõe de um prazo máximo de 40 (quarenta) dias para o efeito. Ora, unanimemente reconhecido como princípio estruturante do Estado de Direito Democrático, o princípio da igualdade postula, na sua formulação mais sintética, que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento diferente para as situações de facto desiguais (cf. por todos, entre inúmeros neste sentido, os Acórdãos n.os 563/96, 319/90, 232/03 e 96/2005, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, que procederam, cada um no seu tempo, a uma síntese da abundante jurisprudência constitucional sobre o tema). Em suma e no essencial, o que o princípio constante do artigo 13.º da Constituição impõe, sobretudo, é uma proibição do arbítrio e da discriminação sem razão atendível. E, como é sabido, o princípio da igualdade só é violado quando situações idênticas são tratadas de modo diferente. No caso sub judice, verifica-se um tratamento desigual de situações diversas a fixação do prazo de interposição de recurso da decisão condenatória versus a do prazo de apresentação da resposta aos recursos interpostos pelo que sustentamos que o despacho recorrido, salvo a devida vénia, não contempla a violação do princípio constitucional da igualdade, sendo, aliás, o prazo fixado manifestamente razoável e proporcionado. Face ao que ficou explanado na referida decisão e por tudo o exposto entendo nenhum agravo ter sido feito ao recorrente. V.ªs. Ex.ªs., contudo, apreciando e decidindo farão, como sempre, justiça!

No Tribunal da Relação o Exmº Procurador da República emitiu Parecer nos seguintes termos:

(….) Analisados os fundamentos do recurso, acompanhamos a posição do Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, aderindo-se à correta e muito bem fundamentada argumentação oferecida, que se subscreve e aqui se dá por transcrita, na sua Motivação e Conclusões oferecidas no Recurso apresentado do Despacho proferido pelo Tribunal a quo que fixa ao MP junto da 1ª Instância um prazo (15 DIAS) inferior ao concedido aos arguidos (30 DIAS) em sede de prorrogação de prazos para interposição de recursos e apresentar as respetivas respostas, assim violando o princípio processual penal da igualdade.

(… ) Assim, é PARECER do Ministério Público que o recurso interposto deve ser julgado procedente.

Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não houve resposta ao Parecer.

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência.

Cumpre decidir

Fundamentação
Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr.Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

No caso sub judice a questão suscitada pelo recorrente e que, ora, cumpre apreciar, traduz-se em saber se houve violação do princípio da igualdade e se deve ser revogado o despacho recorrido.

Apreciando
O princípio da igualdade tem consagração no art.13º da CRP, onde se dispõe que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” (nº1) e.” Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” (nº2)

Não obstante a diversidade de juízos e apreciações ser inerente à independência dos juízes e dos tribunais, não se pode esquecer que sempre se visa também uma uniformidade, e é neste âmbito que releva o principio da igualdade dos cidadãos perante a lei (consagrado no artº 13º CRP) que impõe também a igualdade na aplicação do direito, o que pressupõe em geral para a sua relevância que estamos perante uma igualdade de situações de facto, e constituindo uma proibição de discriminação, exige que as diferenciações de tratamento sejam fundadas e não discricionárias ou arbitrárias e se fundem numa distinção objetiva e se revelem necessárias.

Daí que se assinale ao princípio da igualdade fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais; a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjectivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social); e a última como forma de compensar as desigualdades de oportunidades, impondo e reconhecendo essa diferença.

Ora “ O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global (cf.., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 198), que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cf.. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.º vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade», in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. iii, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, pp. 404 e 405). Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição)” in Tribunal Constitucional, ac. de 6/6/1990 nº 187/90 DR, II Série, de 12/9/1990, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19900187.html - dai que se imponha a sua apreciação sem necessidade da sua invocação, abrangendo toda aplicação do direito.

A nível do direito penal, expendeu o STJ no seu ac. 16/2/06, proc. nº 06P124 in www.dgsi/pt/jstj Juiz Cons. Simas Santos, que:

“3 – O princípio da igualdade, no domínio da aplicação do direito significa que nessa aplicação não há lugar a discriminação em função das pessoas; todos beneficiam por forma idêntica dos direitos que a lei estabelece, todos por forma idêntica se acham sujeitos aos deveres que ela impõe.

4 – Um dos princípios fundamentais do direito penal é o da igualdade nas decisões de justiça.”

Ora, revertendo ao caso sub judice, sendo patente o diferente posicionamento dos sujeitos processuais em causa – arguidos e Ministério Público -_ cremos por isso que, a este nível, e no nosso caso, o princípio da igualdade, como se evidencia no Acórdão n.º 157/88 do TC (DR, I Série, de 26/7/1988), assume a “sua função ‘negativa’ de princípio de ‘controle’” em que a apreciação a fazer é a de saber se se justifica a desigualdade de tratamento em causa.

Vejamos:

Resulta dos autos que:

- Por força do disposto no artigo 107º, nº6 do CPPenal, no termo do julgamento, foi requerida pelos arguidos a prorrogação do prazo previsto nos nºs 1 e 3 do artigo 411º do CPPenal, tendo a mesma a todos sido deferida até ao limite máximo de 30 dias.

-Dado o carácter pessoal da pretensão e, uma vez que na interposição e resposta a recurso não tem aplicação o disposto no artigo 113º, nº13 do CPPenal, a decisão tomada pelo tribunal não aproveita aos restantes sujeitos processuais que não requereram a predita prorrogação, veio o Ministério Público requerê-la para apresentar resposta aos recursos e requereu expressamente que a prorrogação lhe fosse concedida na mesma medida em que o fora aos arguidos.

- Entendeu-se no despacho recorrido, entendimento alicerçado nos princípios da igualdade de armas e da proporcionalidade, conceder ao Ministério Público prorrogação em medida inferior, porquanto, na perspetiva do tribunal “a quo” reveste menor complexidade e extensão o âmbito de resposta ao recurso em relação à interposição de recurso.

Porém, tal entendimento mais não é do que uma convicção subjetiva, sem suporte legal.

Com efeito, tendo sido já declarada nos autos a especial complexidade, a mesma é transversal a todo o processado e não pode ser aferida casuisticamente, em relação a cada ato processual; e, da conjugação do disposto no nº1, do art.413º do CPP e no nº1, do art.411º, do mesmo diploma, resulta que os sujeitos processuais afetados pela interposição do recurso dispõem, para apresentação da resposta, do mesmo prazo dos recorrentes para essa interposição.

Daí que, atenta a letra da lei e em obediência aos princípios da igualdade entre sujeitos processuais e da proporcionalidade, seja qual for o prazo de que os recorrentes disponham para interposição de recurso, os sujeitos processuais afetados por essa interposição terão de dispor de idêntico prazo para apresentação da sua resposta.

Ora, a violação do princípio constitucional da igualdade subentende uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminatória, sendo certo que, a este propósito, a jurisprudência constitucional tem insistentemente sublinhado não proibir aquele princípio que se criem distinções, desde que estas não sejam arbitrárias ou desprovidas de fundamento material bastante.

E, no caso sub judice, e face ao supra exposto, cremos que é injustificada a distinção dos sobreprazos concedidos aos arguidos e ao Ministério Público, em patente violação do princípio da igualdade que deve nortear o domínio da aplicação do direito.

Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e revogar o despacho recorrido, prorrogando-se o prazo de apresentação de resposta aos recursos pelo Ministério Público até ao limite máximo de 30 (trinta) dias.

- Sem tributação.

Elaborado e revisto pela primeira signatária

Évora, 22 de novembro de 2018
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Laura Goulart Maurício

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Maria Filomena Soares