Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4637/16.8T8ENT-D.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO DA EXCEPÇÃO
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É lícito ao demandado apresentar, depois da contestação (oposição, impugnação), os meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 4637/16.8T8ENT-D.E1 (2ª Secção Cível)



ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

Por apenso à execução comum em que é exequente (…) – Instituição Financeira de Crédito, SA e executada (…), a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 1, veio Caixa Económica (…), reclamar créditos.
Foi apresentada impugnação por parte a executada, à qual respondeu a reclamante.
Posteriormente veio a executada invocando o disposto no artigo 573.º, n.º 2, do CPC apresentar requerimento arguindo a exceção dilatória inominada de falta da sua integração no PERSI, por parte da reclamante.
A reclamante veio exercer o contraditório defendendo ter integrado a executada no PERSI, ao contrário do que esta invoca.
Por despacho de 13/07/2020 foi decidido não admitir, por inadmissibilidade legal, o requerimento apresentado pela executada no qual arguiu a exceção dilatória inominada, por se entender que “… dos artigos 788.º a 791.º do Código de Processo Civil decorre que apenas são admissíveis os seguintes articulados: petição inicial, impugnação e eventual resposta do reclamante. Não se inscrevendo em qualquer dessas peças processuais, o requerimento em apreço não é admissível, sendo para tanto irrelevante o suscitado apelo ao artigo 573.º, n.º 2, do mesmo diploma, na medida em que é por demais evidente que o invocado desrespeito do PERSI não assenta em factos supervenientes relativamente ao prazo que a executada/requerida tinha para contestar.”

Inconformada com este despacho, veio a executada interpor recurso, terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
1.º A ora recorrente, através de requerimento ref.ª 6594912 entregue a 27.01.2020, veio por apelo ao artigo 573.º, n.º 2, in fine, suscitar a verificação de Exceção Dilatória decorrente do incumprimento por parte da Credora/Reclamante do PERSI.
2.º Mais concretamente do incumprimento do disposto nos artigos 13.º, 14.º e 18.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) e n.º 2 e 3.º do D-L n.º 227/12, de 25.10.
3.º Invocando, assim, que a instituição de crédito, Reclamante não podia intentar ação judicial com vista à satisfação do seu crédito, nomeadamente ação executiva, sem antes integrar o cliente bancário no PERSI.
4.º Referindo que quer a obrigação de integração, quer a violação deste Dever por parte da reclamante consubstanciava uma Exceção Dilatória de conhecimento oficioso, suscetível de ser invocada em qualquer fase processual, nomeadamente em sede de Recurso.
5.º Concluía a ora Recorrente que atento tudo o exposto deveria com o Mui com o douto provimento do Mm.º Juiz ser conhecida a exceção ora invocada, devendo a mesma julgada procedente e nesses termos a (então) Executada ser absolvida da Instancia.
6.º A ora Recorrente Procedeu ao pagamento de taxa de Justiça.
7.º No seguimento da apresentação do referido requerimento o Credor/ Reclamante apresentou os Requerimentos ref..ªs 6638101 a 10.02-2020 e 6703377 a 04.03.2020.
8.º Tendo a ora Recorrente exercido o Direito ao contraditório por via do Requerimento ref.ª 6666733 a 19.02.2020
9.º Em 13.07.2020 foi proferido o Despacho de que ora se recorre tendo o Mmº Juiz concluído que o Requerimento ref.ª 6594912 apresentado pela Reclamada invocando a falta de integração no PERSI (incumprimento do artigo 18.º do DL 227/2012) era processualmente inadmissível,
10.º Fundamentado tal inadmissibilidade no facto de decorrer dos artigos 788.º a 791.º do Código de Processo Civil de apenas serem admissíveis os seguintes articulados: petição inicial, impugnação e eventual resposta do reclamante.
11.º Concluindo que não se inscrevendo em qualquer dessas peças processuais, o requerimento em apreço, seria para tanto irrelevante o apelo ao artigo 573.º, n.º 2, do mesmo diploma, na medida em que é por demais evidente que o invocado desrespeito do PERSI não assentava em factos supervenientes relativamente ao prazo que a executada/requerida tinha para contestar.
12.º Não se admitindo, por inadmissibilidade Legal quer o Requerimento ref.ª 6594912, bem como todos os subsequentes com ele relacionados.
13.º A Recorrente não se conforma com tal Decisão.
14.º Considerando que o DL 227/2012, veio atribuir aos clientes bancários a garantia de proibição de sobre eles serem intentadas pelo Credor Ações Judiciais para satisfação do seus créditos antes da integração do Devedor no Procedimento ou entre a data da integração e a sua extinção.
15.º A Recorrente nos seus requerimentos, nomeadamente no requerimento apresentado a 27.01 de 2020 invocava a ora Recorrente nunca ter sido integrada em PERSI ou sequer interpelada pela Instituição Credora para tal.
16.º Concluindo que ao atuar desta forma, a mesma havia incumprido o disposto nos artigos 13.º e 14.º, logo com a obrigação de integração no PERSI no prazo estipulado.
17.º Conforme salienta o Acórdão do TRE de 06-10.2016, caso tal não ocorra estaremos perante o incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo, uma condição objetiva de procedibilidade da Ação,
18.º A referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância.
19.º Pelo que teremos que concluir estar perante uma exceção dilatória inominada – Preterição do Sujeição do devedor ao PERSI – de conhecimento oficioso.
20.º Assim a sua invocação pela parte, in casu pela ora Recorrente, estará subtraído ao prazo para apresentação de defesa, regendo para tal a última parte do n.º 2 do artigo 573.º do C.P.C. que descarta a aplicação do Principio de Preclusão.
21.º Estamos perante uma dilatória que atenta a sua natureza poderá ser invocada a qualquer momento, nomeadamente em sede de Recurso.
22.º Destarte, atento o supra exposto deverá o Despacho ref.ª 840888709 ser declarado contrário à Lei, por violação do n.º 2 do artigo 573.º do C.P.C., bem como do DL 220/12, devendo o mesmo ser Revogado, julgando o presente Recurso Procedente e ordenando-se a prossecução dos autos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Do que resulta das conclusões a questão a apreciar consiste em saber se é de admitir, ou não, o requerimento apresentado pela executada no qual argui a exceção dilatória inominada de falta da sua integração no PERSI.

Para decidir a questão há que ter em conta como relevante, o circunstancialismo que se deixou expresso no âmbito do relatório e que nos dispensamos de reproduzir de novo.

Conhecendo da questão
Não há dúvida que, como se salienta no despacho recorrido, no âmbito da reclamação de créditos a tramitação processual comporta usualmente a petição inicial, impugnação e eventual resposta do reclamante.
No entanto e não obstante toda a defesa dever ser deduzida na contestação (no caso, impugnação de créditos) como resulta do disposto no artigo 573.º, n.º 1, do CPC, e não estarmos perante alegação de factos novos que importem a apresentação de articulado superveniente a coberto do disposto no artigo 588.º do CPC, temos de reconhecer que a lei também permite exceções à concentração da defesa, atento o disposto no n.º 2 do artigo 573.º do CPC, designadamente a apresentação de meios de defesa de que o tribunal possa conhecer oficiosamente, como sucede com quase todas as exceções dilatórias (artigo 578.º do CPC) e com grande parte das exceções perentórias (artigo 579.º do CPC), ou seja, quando estamos perante a apelidada defesa oficiosa (v. Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, 177; Francisco M. L. Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, 2ª edição, 159-160; Lebre de Freitas, Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3ª dição, 566).
Com efeito, é lícito ao demandado apresentar depois da contestação (oposição, impugnação) os meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente. Pois podendo e devendo o tribunal conhecer oficiosamente de factos constitutivos de exceções (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC), não faria sentido que tais questões não pudessem ser invocadas pelo demandado em momento posterior ao termo do prazo para a contestação/impugnação (v. Jorge Pais do Amaral in Direito Processual Civil, 13ª edição, 241).
No caso, estamos perante arguição de uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conforme vem sendo reiteradamente entendido pela jurisprudência no que respeita à falta de integração do devedor no PERSI por parte do Banco credor, pelo que a apresentação do requerimento pela executada e cuja admissão foi negada, está coberta pela última parte do n.º 2 do 573.º do CPC que estipula “depois da contestação só podem ser deduzidas exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.
Não havia, nem há, assim, justificação para a não admissão do requerimento em causa, requerimento ao qual, aliás, o Banco respondeu, sem pôr em crise a sua admissibilidade.
Nestes termos, mostram-se atendíveis, sem dúvida, as conclusões da recorrente, pelo que se impõe a procedência da apelação, com a consequente revogação do despacho recorrido.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar o despacho recorrido.
Custas de parte pela apelada.
Évora, 11 de fevereiro de 2021
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes