Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
373/14.8T9STR.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: DIFAMAÇÃO
EXCLUSÃO DA ILICITUDE
FACEBOOK
Data do Acordão: 03/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I – Comete o crime de difamação, p. e p. pelos art.ºs 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a) do CP, a arguida que, tendo a sociedade de quem havia sido trabalhadora publicado no facebook um anúncio para recrutar funcionário(a), aproveitando a liberdade de interacção que aquela página concede e com o intuito de ofender a honra e consideração do sócio-gerente da sociedade, dirigindo-se ao mesmo aí fez constar o seguinte comentário, acessível a qualquer utilizador de internet que aceda à página facebook da sociedade: “antes de contratar mais funcionários deve pagar os ordenados em atraso e a fornecedores! Faz constantemente o mesmo: os funcionários passam de bestial a besta em segundos, e não paga o que deve! Não tem vergonha”;
II – Para que a conduta não seja punível nos termos do n.º 2 do art.º 180.º do CP é necessário que se verifiquem dois requisitos cumulativos: (i) que a imputação seja feita para realizar interesses legítimos; (ii) que o agente prove a verdade da imputação;
III – Esta só é possível em relação a factos concretos, e não a formulação de juízos de valor ofensivos;
IV – Não se verifica o condicionalismo do referido n.º 2 do art.º 180.º se ainda que a arguida tenha provado um facto concreto no que a si diz respeito – não pagamento de retribuição – que permita concluir que a imputação era feita para realizar interesses legítimos, imputa também ao sócio-gerente da sociedade outros comportamentos genéricos, que não concretiza nem demonstra, como sejam as dívidas a fornecedores.
Decisão Texto Integral: Proc. 373/14.8T9STR.E1
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal da Comarca de Santarém (Santarém, Instância Local, Secção Criminal, J2) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 373/14.8T9STR, no qual foi julgada a arguida BB (…), pela prática:
- de um crime de injúria, na pessoa do assistente CC - porque a ele se dirigiu diretamente - p. e p. no art.º180 do Código Penal, com a agravação prevista no art.º 183 n.º 1 al.ª a) do Código Penal;
- e de um crime de difamação agravada p. e p. pelos art.ºs 181 e 183 n.º 1 al.ª a) do Código Penal, cuja vítima foi o assistente CC.
O Ministério Público não acompanhou a acusação particular deduzida pelo assistente (cfr. fls. 140).
CC, na qualidade de demandante, deduziu pedido de indemnização cível contra a demandada BB, pedindo que esta seja condenada a paga-lhe a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais emergentes da sua conduta ilícita.
A final veio a decidir-se:
1) Absolver a arguida BB do crime de injúria agravada de que vinha acusada;
2) Condenar a arguida BB, como autora material de um crime de difamação, p. e p. pelos art.ºs 180 n.º 1 e 183 n.º 1 al.ª a) do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00, o que perfaz a pena de € 780,00 de multa;
3) Julgar procedente o pedido de indemnização cível e, assim, condenar a demandada BB a pagar ao demandante CC a quantia de € 600,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
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2. Recorreu a arguida dessa sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - O tribunal a quo deveria ter dado como provado que à época da ocorrência dos factos a arguida mantinha um litígio laboral com o ofendido, por falta de pagamento de ordenados, que culminou num processo no Tribunal de Trabalho da Comarca de Évora, onde foi efetuada uma transação, onde o assistente aceitou pagar à arguida, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, a quantia de €654,54.
2 - Tal facto resulta da análise da ata de julgamento junta com a contestação apresentada pela arguida, e referida expressamente na douta sentença de que se recorre, e dos testemunhos de (…).
3 - Resulta claro que à data da publicação em questão subsistia um conflito laboral, que só veio a ser resolvido em finais de 2015, facto que foi menosprezado e ignorado pelo tribunal a quo e que era fundamental para a determinação da ilicitude da conduta da arguida.
4 - O tribunal a quo, na douta sentença, a fol.ªs 9, linhas 17 e seguintes, faz uma leve referência a esse conflito, mas nenhuma ilação ou consequência jurídica retira do mesmo, nomeadamente, de que as expressões proferidas pela arguida não são falsas, pois o assistente devia-lhe dinheiro à época.
5 - A arguida não ofendeu ou pretendeu ofender o arguido na sua honra e consideração, pois não agiu com dolo e, mesmo que o suposto crime tivesse sido praticado a título de negligência, o que não se aceita, tal crime não é punível a esse título.
6 - Nenhuma testemunha ouvida foi capaz de falar de factos que revelassem ter havido intenção de atingir a honra do ofendido.
7 - Mas caso se considere que se encontra preenchido o tipo legal do crime de difamação, p. e p. no artigo 180 do C. Penal, a conduta da arguida não será punível, pois a mesma preenche os pressupostos de exclusão da ilicitude previstos no n.º 2 do referido artigo.
8 - Tais requisitos são cumulativos e a conduta da arguida preenche os mesmos, porquanto, no caso em concreto, estamos perante um interesse de legítimo da arguida, o interesse em receber os valores que o arguido lhe devia, e também está provada a verdade da imputação feita pela arguida, pois o assistente devia dinheiro a esta.
9 - Acresce ainda que quando se diz, na alínea b) do n.º 2 do C. Penal, que tem de se provar a verdade, a doutrina ensina-nos que a mesma não é uma verdade absoluta, exata e científica, poderá mesmo ter pequenos exageros e imprecisões, que resultam do calor do momento.
10 - Assim. é forçoso, concluir que se encontram preenchidos os requisitos para aplicação ao caso sub judice da cláusula de exclusão da ilicitude prevista no n.º 2 do artigo 180 do C. Penal.
11 - A decisão em causa também viola o princípio do in dubio pro reo, pois, com a prova produzida em sede de audiência de julgamento, de que o assistente era devedor da arguida, era claro que pelo menos uma dúvida insanável no espírito do tribunal a quo, acerca da veracidade e legitimidade das imputações feitas pela arguida ao assistente, tinha de se levantar.
12 - Na douta sentença, que agora se recorre, a fol.ªs 9, ao afirmar-se: “Como neste caso em concreto, dúvidas não revelaram que o texto foi escrito e inserido pela arguida. Esta não provou o contrário nem existem nos autos elementos de prova que contrariem a versão das testemunhas de acusação”, o tribunal a quo inverteu o ónus da prova, pois em processo penal cabe a quem acusa, neste caso, ao assistente, provar que foi praticado um crime e que a arguida foi a sua autora e não o inverso.
13 - E mesmo que se considerasse, o que não se aceita e apenas por mera hipótese académica se põe, que cabia fazer alguma prova à arguida, esta era somente quanto ao preenchimento das condições definidas no n.º 2 do artigo 180 do C. Penal, para se verificar a exclusão da ilicitude, mas mesmo nesse caso prevalecerá sempre o princípio do in dubio pro reo.
14 - Assim, deve a douta sentença recorrida ser alterada, devendo a arguida ser absolvida do crime, bem como do pedido de indemnização civil em que foi condenada.
15 - Pelo exposto, deve conceder-se provimento ao presente recurso, devendo a douta sentença recorrida ser alterada, absolvendo-se a arguida da prática do crime de que foi acusada e do pagamento do pedido de indemnização civil em que foi condenada.
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3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, retirando-se da sua resposta as seguintes conclusões:
1 - Desde logo, contrariamente ao defendido pela recorrente, o princípio in dubio por reo, enquanto corolário do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido (artigo 32 n.º 1 da Constituição da República), não se aplica às causas de justificação previstas no n.º 2 do artigo 180 do Código Penal, mas antes aos factos inculpatórios, ou seja, aos elementos constitutivos do tipo incriminador (artigo 180 n.º 1).
2 - De todo o modo, e sem prescindir, sempre se dirá que o referido na conclusão k) do recurso carece, pelo menos em parte, de fundamento, atento o comentário inserido pela arguida (e publicado em 19.07.2014) na página do facebook da "DD", o qual foi, recorde-se (facto provado no ponto 14 da sentença), o seguinte:
"CC: antes de contratar mais funcionários deve pagar os ordenados em atraso e a fornecedores! Faz constantemente o mesmo: os funcionários passam de bestial a besta em segundos, e não paga o que deve! Não tem vergonha.".
3 - Ou seja, o texto escrito e inserido pela arguida e referente ao assistente CC, enquanto gerente da "DD", não se limita à imputação do facto de ser devedor de ordenados, mas refere ainda um outro facto ("dívidas a fornecedores") e formula igualmente um juízo de censura ("não tem vergonha"), relativamente aos quais não foi produzida prova nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 180 do Código Penal.
4 - Por outro lado, quanto à pretensão da recorrente em ser absolvida, por entender que realizou os factos objetivos do crime de difamação, mas agiu sem dolo, e que o tribunal deu por provado que o texto foi escrito e inserido porque a arguida não provou o contrário, parece-nos que, e salvo melhor opinião em contrário, a inversão do ónus da prova não levará à absolvição da arguida pela não prática do facto, mas antes à nulidade da sentença, por se socorrer de um meio de valoração de prova proibido.
5 - Ainda assim, somos de parecer que a sentença recorrida deveria ter dado por provado o conteúdo do documento fol.ªs 175 a 176 dos autos, junto com a contestação de fol.ªs 173 a 174, na qual a arguida "requer a junção aos autos da cópia de acta da audiência final, no âmbito do processo n.º 994/15.1T8EVR - acção de processo comum, que correu termos na Comarca de Évora, Instância Central - Secção de Trabalho - J1 - onde era autora a aqui arguida e ré a sociedade DD, Lda., para prova da existência de salários em atraso por parte da sociedade para com a aqui arguida", com base no teor do mesmo documento, bem como, pelo menos, no depoimento da testemunha …, cônjuge do assistente, ouvida na audiência de julgamento, conforme aliás se refere no exame crítico das provas, o que, a nosso ver, conduziria à conclusão de se estar perante uma conduta atípica, por se encontrar nos limites da descortesia, ou seja, a conduta da arguida, embora se considere censurável em termos éticos, não deveria ser passível de censura jurídico-­penal, não integrando, pois, a tipicidade do crime de difamação.
6 - Conforme se refere na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, "É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente incomodada por outra pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido um núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos em vez de garantia de paz social, que é a sua função(vide o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.06.2012, proferido no recurso n.º 332/02, in www.dgsi.pt).
7 - Assim, atribuir-se a quem se imputa o incumprimento de uma dívida o epíteto de "caloteiro", ou seja, de pessoa que contrai dívidas e não pode ou não tenciona pagá-las, sendo uma atitude descortês, tem ainda de ser considerado nos limites da adequação à defesa da causa (veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.06.2014, proferido no processo n.º 30/11.7GBAVV.Gl, in www.dgsi.pt).
8 - Concluindo: embora nos pareça que as razões invocadas pela recorrente para alicerçar a sua discordância relativamente ao decidido não mereçam acolhimento, sempre se nos afigura que estamos perante uma conduta atípica, por se encontrar nos limites da descortesia.
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4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 300 e 301), concluindo no seu parecer que “… a arguida não fez apenas referências a eventuais ordenados em atraso. Fez, igualmente, referência a outros ordenados em atraso a outros funcionários, bem como a fornecedores, não tendo feito prova de tal…”.
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
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6. Matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida:
1. O assistente é sócio gerente da sociedade comercial denominada "DD, Ld.ª" a qual dedica à atividade de agência de viagens e turismo, vendendo os seus serviços a retalho.
2. A arguida e a aludida sociedade, celebraram um contrato de trabalho a termo certo, com início em 14.10.2013, pelo qual aquela primeira se obriga, mediante remuneração, a exercer as funções de técnica de turismo.
3. Tal contrato de trabalho perdurou até 27.06.2014, data a partir da qual a arguida não mais compareceu no seu local de trabalho nem justificou a sua ausência.
4. Para além das actividades inerentes às funções de técnica de turismo, a arguida colaborava ainda com a sociedade na manutenção e actualização da sua página facebook.
5. Para o efeito, tal como sucedia com outras duas suas colegas de trabalho, a arguida detinha uma chave de acesso, com a qual acedia aos conteúdos da página facebook da sociedade, alterando-os e actualizando-os atentas as necessidades momentâneas.
6. A referida página facebook da sociedade é totalmente aberta ao público em geral a ela podendo aceder qualquer pessoa mesmo que não detentora de página facebook.
7. Através de tal acesso o público acede a toda a matéria informativa e de divulgação e promoção que a sociedade entende dever veicular em cada período.
8. Aí divulgando e promovendo os seus serviços e produtos, aceitando encomendas e reservas, esclarecendo dúvidas e questões colocadas pela sua cliente, e não só, e emitindo solicitações e informações relacionadas com a sua actividade.
9. A referida página facebook é um instrumento fundamental no exercício do comércio da sociedade de que o assistente é gerente, assim como o é na forma de procura actual do público em geral.
10. Após a saída da arguida, a sociedade viu-se obrigada a contratar nova profissional para a sua substituição.
11. Para o efeito, publicou na sua página facebook um anúncio no qual divulgava que "DD está a recrutar funcionário(a). Quem estiver interessado, favor enviar cv detalhado com carta de apresentação para o e-mail: (…).
12. O aludido anúncio foi publicado a 08.07.20l4.
13. Sucede que a arguida, logo após o referido anúncio, publicou um comentário dirigido à pessoa do assistente.
14. Aproveitando a liberdade de interacção que aquela página facebook concede, a arguida, com o intuito inequívoco de ofender a honra e consideração do assistente, aí fez constar o seguinte comentário: ''CC: antes de contratar mais funcionários deve pagar os ordenados em atraso e a fornecedores ! Faz constantemente o mesmo: os funcionários passam de bestial a besta em segundos, e não paga o que deve! Não tem vergonha.".
15. Tal comentário foi publicado a 19.07.2014 e encontra-se, ainda hoje, acessível a qualquer utilizador de internet ainda que não seja titular de qualquer página de facebook.
16. Qualquer pessoa que faça procura em qualquer motor de busca na internet e que por aí aceda à página facebook da sociedade "DD" confronta-se com o comentário transcrito.
17. Com tal afirmação, totalmente falsa e profundamente ofensiva da honra e consideração do assistente CC, a arguida pretendeu e conseguiu ofender e molestar gravemente a sua honra e consideração.
18. Bem sabia a arguida que a sua afirmação encerrava factos inteiramente falsos e profundamente ofensivos e, ainda assim, proferiu-a de forma totalmente fútil, gratuita e inconsequente com o único intuito de denegrir a imagem pública do assistente.
19. Ao dirigir-se directamente ao assistente CC a arguida pretendeu ofendê-lo gravemente na sua honra e consideração, o que logrou atingir.
20. Ao publicar os aludidos comentários em local de simples, fácil e imediato acesso ao público e com a gigantesca visibilidade que tal meio tem, a participada dirigiu-se a terceiros, ainda que indefinidos, imputando factos falsos ao visado/assistente e sobre ele formulando juízos profundamente ofensivos da sua honra e consideração.
21. O único propósito da arguida foi denegrir publicamente o assistente CC, apelidando-o de "caloteiro" e relapso no cumprimento das suas obrigações.
22. Utilizando falsidades e inverdades.
23. O assistente CC sentiu-se profundamente humilhado e envergonhado, por si e enquanto legal representante da sociedade "DD".
24. Bem sabia a arguida que a sua conduta é proibida por lei.
25. A arguida queria e conhecia o resultado da sua conduta.
26. Tendo agido livre, deliberada e conscientemente.
27. Bem sabendo que, as expressões e palavras por si publicadas na página facebook da sociedade "DD", para além de falsas, eram profundamente ultrajantes e lesivas da honra e consideração que são devidas ao assistente CC.
28. Sendo a conduta da arguida tanto mais grave porque praticada através de meio incontestável facilitador da sua divulgação.
Do pedido de indemnização cível
29. O demandante CC é pessoa de reconhecida idoneidade e honestidade, gozando duma imagem junto de quem o conhece de homem cumpridor e respeitador dos seus compromissos, nomeadamente financeiros.
30. Ao deparar-se com as expressões utilizadas pela arguida, o demandante sentiu-se profundamente vexado e envergonhado.
31. Não concebe, nem aceita, o demandante CC que a arguida o exponha e ofenda publicamente com falsidades e imputações vexatórias.
32. Perante o comportamento criminoso da arguida o demandante sentiu-se profundamente desgostoso, ofendido e revoltado.
33. Sentimento, esse, que ainda hoje perdura.
34. A arguida BB encontra-se no estado civil de solteira, com com os seus pais e uma filha com a idade de 3 anos.
35. A arguida BB exerce a profissão de técnica de turismo, por conta de outrem, da qual aufere a remuneração média mensal de € 650,00.
36. A arguida BB tem como habilitações escolares a licenciatura em turismo.
37. A arguida BB não tem antecedentes criminais.
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7. O tribunal formou a sua convicção - escreve-se na fundamentação - a partir do conjunto de toda a prova produzida em audiência de julgamento, concretamente:
(…)

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8. As conclusões do recurso delimitam o âmbito do conhecimento do mesmo e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (art.ºs 402, 403 e 412 n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 13.03.91, in Proc. 416794, 3.ª Secção, citado por Maia Gonçalves, em anotação ao art.º 412 do Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12.ª edição).
Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior, pois que são essas as questões que constituem o objeto do recurso.
Atentas as conclusões do recurso apresentado pela arguida, assim consideradas, delas se extraem as seguintes questões colocadas à apreciação deste tribunal:
1.ª - Se, em face das provas produzidas, devia o tribunal dar como provado que “à data da publicação em questão subsistia um conflito laboral, que só veio a ser resolvido em finais de 2015” e, consequentemente, que a arguida não ofendeu ou pretendeu ofender o assistente na sua honra e consideração;
2.ª - Se, em face da factualidade dada como provada, a conduta da arguida não é punível, por se verificarem os pressupostos de exclusão da ilicitude previstos no n.º 2 do art.º 180 do CP/violação do princípio in dubio pro reo.
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8.1. - 1.ª questão
Consta da matéria de facto dada como provada:
1) Que a arguida trabalhou para a sociedade comercial denominada "DD, Ld.ª", que se dedica à atividade de agência de viagens e turismo, da qual o assistente é sócio gerente, desde 14.10.2013 a 27.06.2014, data a partir da qual a arguida não mais compareceu no seu local de trabalho nem justificou a sua ausência.
2) Que a arguida detinha uma chave de acesso, com a qual acedia aos conteúdos da página facebook da sociedade, e que, após a saída da arguida, a sociedade viu-se obrigada a contratar nova profissional para a sua substituição, tendo, para o efeito, publicado na sua página facebook, em 8.07.2014, um anúncio no qual divulgava que "DD está a recrutar funcionário(a). Quem estiver interessado, favor enviar cv detalhado com carta de apresentação para o e-mail: (…).
3) Que a arguida, logo após o referido anúncio, publicou naquela página, em 19.07.2014, o seguinte comentário dirigido à pessoa do assistente: ''CC: antes de contratar mais funcionários deve pagar os ordenados em atraso e a fornecedores ! Faz constantemente o mesmo: os funcionários passam de bestial a besta em segundos, e não paga o que deve! Não tem vergonha".
Não constam da matéria de facto quais as razões pelas quais a arguida deixou de comparecer ao serviço, todavia, a arguida, oferecendo o merecimento dos autos quando apresentou a sua contestação, juntou um documento para “prova da existência de salários em atraso por parte da sociedade para com a aqui arguida” (fol.ªs 173 e seguintes).
Esse facto foi referido em audiência de julgamento pela testemunha …, esposa do assistente, que revelou que “existia um conflito laboral entre o seu eu marido e a arguida, conflito esse que decorreu pela via judicial e que terminou em acordo”; por outro lado, na fundamentação da convicção o tribunal deu conta que “é bem patente na ata de audiência final que a arguida como autora reduziu o seu pedido para 654,54 euros, a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho e que a ré, representada pelo assistente, se obrigava a pagar tal quantia em duas prestações, em datas posteriores a 19.07.2014, data em que foi colocado o comentário no facebook dirigido ao assistente…”.
Ora, em face do documento junto pela arguida com a contestação - onde expressamente declara que facto pretende provar com o mesmo - e da conduta objetiva imputada à arguida, aquele facto mostra-se essencial para a decisão da causa, sendo certo que o tribunal disso deu eco na fundamentação da sua convicção, embora não o tenha dado como provado ou não provado.
Porque não se suscitam quaisquer dúvidas quanto à prova do mesmo, já que resulta de um documento emitido pelo tribunal (Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Évora, Juiz 1), adita-se à matéria de facto dada como provada o seguinte:
38. Correu termos na Instância Central da Comarca de Évora, Secção do Trabalho Juiz 1, a Acção de Processo Comum n.º 994/15.1T8EVR, na qual a Autora, BB, na audiência final, que teve lugar em 16.10.2015, declarou reduzir o pedido para 654,54 euros e a Ré, DD, Ld.ª, declarou aceitar essa redução e se comprometeu a pagar, a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, a referida quantia à Autora, «em duas prestações mensais iguais e sucessivas de 327,27 euros cada uma»”.
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Este facto é relevante, naturalmente, porque permite perceber as circunstâncias em que a arguida pratica os factos, em suma, a motivação da sua conduta, por - no seu entender - achar que tinha dinheiro a haver, como se veio a demonstrar posteriormente, em consequência da cessação do contrato de trabalho.
Todavia, a sua conduta não se limitou a relatar um facto que a si dizia respeito - e que, objetivamente, até poderia justificar a sua conduta, se a mesma se contivesse nos limites daquilo que a si dizia respeito; a arguida foi muito além e disse que o assistente devia dinheiro a fornecedores (que não concretiza), que “faz constantemente o mesmo… não paga o que deve. Não tem vergonha”, “os funcionários passam de bestial a besta em segundos”.
Ou seja, imputa-lhe condutas que não estão demonstradas, afirma que essas condutas são constantes (sem que concretize qualquer outra para além daquela que lhe diz respeito a si) e emite um juízo de censura relativamente ao comportamento do assistente, que é uma pessoa sem vergonha, que trata os funcionários como bestas.
E com esta conduta, assim considerada, objetivamente, não pode deixar de levar a concluir - de acordo com as regras da experiência comum e os critérios da normalidade - que a arguida agiu assim porque quis, deliberadamente, e que o fez para ofender a honra e consideração do assistente, pondo em causa o seu bom nome e reputação; aliás, se assim não fosse a que propósito haveria de chamar à colação outros dívidas (que não aquela que a si dizia respeito) e formular aqueles juízos de valor quanto à personalidade do arguido, pessoa “sem vergonha” para quem os funcionários passam de “bestial a bestas”?
Sejamos claros: o que a arguida pretendeu - atentas as circunstâncias em que pratica os factos dados como provados, na sequência do anúncio supra referido e na mesma página do facebook, referindo-se expressamente ao assistente - foi denegrir a sua imagem pública, pôr em causa a sua reputação, o que conseguiu, sendo a sua conduta objetivamente idónea para tal.
Procede, por isso, apenas parcialmente a 1.ª questão supra enunciada.
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8.2. - 2.ª questão: se, em face da factualidade dada como provada, a conduta da arguida não é punível, por se verificarem os pressupostos de exclusão da ilicitude previstos no n.º 2 do art.º 180 do CP/violação do princípio in dubio pro reo.
A conduta não é punível - di-lo o art.º 180 n.º 2 do CP - quando a “imputação for feita para realizar interesses legítimos” e o agente “provar a verdade da mesma imputação” ou tiver fundamento sério para, de boa fé, a reputar verdadeira.
Trata-se de dois requisitos, que têm que se verificar cumulativamente.
Ora, a prova da verdade da imputação só é possível desde que esta respeite a factos concretos, pois que o artigo 180 n.º 1 do CP tipifica claramente duas situações - a imputação, ainda que sob a forma de suspeita, de um facto, ou a formulação de um juízo – sendo que a justificação prevista no n.º 2 daquele preceito respeita apenas à imputação, não à formulação de qualquer juízo.
Como se escreve no acórdão da RC de 23.04.98, Col. Jur. XXIII, t. 2, 64, “nos casos de formulação de juízos ofensivos o recurso àquela causa de justificação não é legalmente possível, dada a inadmissibilidade da exceptio veritatis…”.
Isto seria suficiente para se concluir que não se verifica o condicionalismo do art.º 180 n.º 2 do CP, por outro lado, e no que respeita aos factos também não está demonstrada a sua verdade; como supra se deixou dito, a arguida não se limitou a imputar um facto concreto ao assistente - o que a si dizia respeito, que se teve como provado e que poderia, e apenas esse, tornar lícita a sua conduta, desde que, ainda assim, se pudesse concluir que a imputação era “feita para realizar interesses legítimos” - imputando-lhe ainda outros comportamentos genéricos, que não concretiza nem demonstra, como sejam as dívidas a fornecedores.
E sendo assim, como é, não faz qualquer sentido a invocada violação do princípio in dubio pro reo, violação que supõe uma situação de dúvida – séria, razoável – e que, ainda assim, perante tal dúvida, o tribunal decida em desfavor do arguido, o que no caso não aconteceu; ao tribunal recorrido nenhumas dúvidas se suscitaram, em face das provas produzidas (supra analisadas), e a este também não se suscitam, concretamente, quanto à prática, pela arguida, dos factos que integram os elementos objetivo e subjetivo do crime pelo qual veio a ser condenada e que neste recurso questiona.
Improcede, por isso, o recurso.
9. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal:´
1) Em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida e, consequentemente, em aditar à matéria de facto dada como provada o seguinte factos:“38. Correu termos na Instância Central da Comarca de Évora, Secção do Trabalho Juiz 1, a Acção de Processo Comum n.º 994/15.1T8EVR, na qual a Autora, BB, na audiência final, que teve lugar em 16.10.2015, declarou reduzir o pedido para 654,54 euros e a Ré, DD, Ld.ª, declarou aceitar essa redução e se comprometeu a pagar, a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, a referida quantia à Autora, «em duas prestações mensais iguais e sucessivas de 327,27 euros cada uma»”;
2) Em negar provimento ao recurso relativamente às demais questões suscitadas.
Sem tributação, uma vez que a arguida não decaiu totalmente no recurso interposto.

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)
Évora, 21/03/2017
Alberto João Borges (relator)
Maria Fernanda Pereira Palma