Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2317/15.0T8SLV-A.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MÚTUO BANCÁRIO LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Como o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a salientar, para alterar a interpretação preconizada em jurisprudência uniformizada, «não basta não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa», o que a Apelante não fez.
II – Considerando que a questão suscitada pela Recorrente, foi objeto do recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, e, posteriormente apreciada em recursos de revista excecional, tem merecido por parte do Supremo Tribunal de Justiça a mesma resposta uniforme, sufragamos o entendimento ali vertido, no sentido de que, ocorrendo o vencimento antecipado das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, nos termos do art.º 781.º do Código Civil, continua a aplicar-se ao valor de capital e juros antecipadamente vencidos, o prazo de prescrição de 5 anos do artigo 310.º, alínea e), do CC, afastando, pois, a tese da Apelante de que, nessa circunstância, tal prazo prescricional é de vinte anos.
III – O vencimento antecipado das prestações não é automático, e ocorre apenas após a necessária interpelação do devedor para cumprir.
IV – Exigindo-se a interpelação do devedor, não pode considerar-se que tal interpelação aconteceu antes de ter sido produzido/exteriorizado pela credora, o primeiro sinal inequívoco de pretender aproveitar-se da perda do benefício do prazo decorrente do artigo 781.º do CC.
V – Acresce que, relativamente ao fiador, também não se lhe estende a perda do benefício do prazo decorrente da declaração de insolvência da devedora, a que alude o artigo 91.º, n.º 1, do CIRE, em face do disposto no artigo 782.º do CC.
VI – Assim, até à interpelação do fiador para pagar o valor integral então em dívida, manteve-se o plano de vencimento das prestações, significando que não estão prescritas as prestações que naquela data ainda não estavam vencidas e/ou que se haviam vencido há menos de 5 anos.
VII – Com a Reforma do processo civil de 2013, o legislador deixou de reconhecer força executiva aos documentos particulares assinados pelo devedor, que importem a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação, eliminando-os do elenco dos títulos executivos enumerados taxativamente no artigo 703.º do CPC atualmente vigente.
VIII – Atenta a declaração pelo Tribunal Constitucional, mormente no acórdão n.º 670/2019, proferido no processo n.º 260/2019, de 13.11.2019, que julgou “inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, segundo a qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades”, sendo o título executivo um contrato de empréstimo com fiança, celebrado por documento particular posteriormente à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, e passado o momento em que a execução poderia ser liminarmente indeferida por falta de título executivo, haveria que declarar nesta fase a inconstitucionalidade da norma que permitia a sua executoriedade, sem mais, com a consequente extinção da instância executiva.
IX – Porém, tendo a exequente dado à execução um contrato de empréstimo, com hipoteca e fiança, celebrado em 26.10.2006, por documento particular que à data da sua celebração era título executivo, ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, tal documento mantém essa qualidade, tendo no Acórdão n.º 408/2015, proferido no processo n.º 340/2015, o Tribunal Constitucional declarado, «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição)».
X – Tendo o fiador declarado que assume a obrigação de principal pagador, encontra-se impedido de invocar o benefício da excussão previsto no artigo 638.º do CC, por via do disposto no artigo 640.º, alínea a), 2.ª parte, do CC.
XI – Porém, não tendo havido afastamento da regra constante do artigo 782.º, do CC, o fiador não perde o benefício do prazo.
XII – Nessa circunstância, quando a interpelação efetuada ao fiador não cumpre o conteúdo para ser considerada como interpelação prévia, porquanto intima desde logo para o cumprimento da obrigação integralmente vencida, ao fiador apenas podem ser exigidas as prestações que, não estando prescritas à data daquela interpelação, se venceram pelo decurso do prazo e até à propositura da execução, e não o valor decorrente do vencimento antecipado resultante da perda do benefício do prazo do mutuário.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:





Processo n.º 2317/15.0T8SLV-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]

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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:
I – Relatório
1. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., exequente nos autos acima identificados, notificada da sentença proferida em 29 de setembro de 2022, e não se conformando com a mesma, interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«1. Julgou o Tribunal a quo procedente à oposição à execução, apresentada pelo Embargante AA e, em consequência, declarou prescrito o direito de crédito que a Exequente/ Embargada peticionou na execução, com a legal consequência de extinção da ação executiva contra aquele Embargante.
2. Atento o previsto no artigo 781º do Código Civil, a falta de pagamento de uma das prestações implica o vencimento antecipado das restantes.
3. A falta de pagamento de uma prestação tem por efeito a perda do benefício do prazo para o devedor, sendo para tal suficiente, que o credor interpele o devedor para o cumprimento da obrigação ainda não paga, o que fez a ora Recorrente através do envio de missiva com interpelação do Embargante para liquidação dos valores em dívida, em 15 de Julho de 2015.
4. Verificado o incumprimento do plano de amortização da dívida inicialmente acordado, aplicável ao presente caso, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros.
5. Desde a interrupção do pagamento das prestações, considerando-se vencidas e não pagas todas as prestações, o prazo aplicável é o prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos, conforme defendido pela ora Recorrente em sede de contestação de embargos.
6. Senão vejamos, o prazo de prescrição é aplicável ao montante total e, não a cada uma das prestações de amortização de capital e juros.
7. Pelo contrário, o defendido no douto acórdão uniformizador reporta-se à prescrição no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
8. Considerando o incumprimento contratual e, o vencimento da dívida, não poder-se-á considerar a previsão legal invocada no douto acórdão, uma vez que esta respeita a prestações periódicas, o que, in casu, deixou de existir.
9. Acresce, em virtude do incumprimento verificado, que os valores em dívida retomam novamente a natureza original, de acordo de pagamento de capital e juros, ficando sem efeito o plano prestacional acordado, voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros, e por conseguinte fica o capital sujeito ao prazo ordinário de vinte anos.
10. Entende a Recorrente, que a situação enquadra-se nos termos previstos nos artigos 309º e 311º do Código Civil.
11. Não se conformando a Recorrente com a douta decisão.
12. A interpretação conjugada dos artigos 777º, 779º, 781º, 804º,817º do Código Civil, com a aplicação ao presente caso da prescrição prevista no artigo 310º al. e) do mesmo normativo, introduz riscos sérios e potencialmente graves de aplicação do direito pelos Tribunais em violação de princípios basilares do ordenamento jurídico.
13. São esses princípios os da certeza e segurança jurídicas.
14. Bem como potenciais geradores da frustração de expectativas, nomeada e especialmente dos credores hipotecários criadas no momento da celebração dos negócios garantidos por hipoteca.
15. Assim colocando em crise os princípios da confiança e da estabilidade dos contratos, da boa-fé e do acesso ao direito e tutela efetiva.
16. Violação geradora de inconstitucionalidade.
17. Ora, o Princípio da Segurança Jurídica supõe um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas por forma a que as pessoas possam ver garantida a continuidade das relações jurídicas onde intervêm e calcular as consequências dos atos por elas praticados.
18. A violação deste princípio, pode levar a que uma norma possa ser declarada inconstitucional a fim de serem preservados os direitos das pessoas jurídicas públicas ou privadas que tenham de boa-fé, presumido a validade da norma, e construído relações jurídicas e praticado atos à sua sombra.
19. Na mesma senda, o princípio da proteção da confiança, censura alterações súbitas, arbitrárias e altamente gravosas de normas em cuja continuidade os cidadãos tenham depositado expectativas legítimas que tenham sido alimentadas pelos poderes públicos.
20. Tudo isto sucede no caso sub judice, pois a aplicação arbitrária e retroativa deste AUJ é geradora da frustração das expectativas dos credores hipotecários.
21. O entendimento fixado no AUJ é potenciador do surgimento de situações concretas em que os devedores incumpridores, dos créditos à habitação, são beneficiados, em detrimento dos credores hipotecários, porquanto aos credores são vedadas as prerrogativas legais de acionamento e ressarcimento dos seus créditos, designadamente o próprio capital mutuado, por aplicação do disposto na al. e) do artigo 310º do Código Civil.
22. Com efeito, a aplicação do AUJ nº 6/2022 aos factos objetos da douta decisão é manifestamente geradora da frustração das expectativas dos credores hipotecários, que até aqui tinham a possibilidade de ver ressarcidos os seus créditos, pelo acionamento da garantia prestada aquando da celebração do negócio. Era assim que vinha sendo decidido, e era esta a expectativa jurídica criada.
23. A aplicação retroativa desta lei atenta contra as expectativas dos credores criadas aquando da celebração do negócio.
24. A ora Recorrente intentou a ação executiva no ano de 2015, pelo que à data, fundou a sua decisão na premissa de, que na qualidade de credora hipotecária, ver-se-ia ressarcida dos seus créditos, através de venda do imóvel com hipoteca constituída a seu favor, ou da penhora de outros bens que poderiam responder pelos valores em divida.
25. Com a decisão do Tribunal a quo nos termos em que foi proferida, fica totalmente prejudicado o acionamento das garantias, constituídas a favor da credora/exequente, e o pagamento dos valores remanescentes em divida.
26. Não obstante, sempre o Douto Despacho merece censura, devendo ser Revogado e substituído por outro que se pronuncie no sentido da não prescrição do crédito da Recorrente, julgando por conseguinte improcedente a oposição à execução, deduzida pelo Recorrido/Embargante AA, prosseguindo os autos os ulteriores termos até final, para liquidação dos valores em divida junto da Recorrente.».

2. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do CPC, é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo evidentemente de questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim sendo, o recurso interposto convoca duas questões: a primeira, é a de saber se, ocorrendo o vencimento antecipado das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, nos termos do art.º 781.º do Código Civil[3], continua a aplicar-se ao valor de capital e juros antecipadamente vencidos o prazo de prescrição de 5 anos do artigo 310.º, alínea e), do CC, ou se, nessa circunstância, tal prazo prescricional é de vinte anos, como sustenta a recorrente, sob pena de violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, geradora de inconstitucionalidade; e a segunda, concerne em determinar se o artigo 781.º do CC funciona automaticamente ou se o mesmo não dispensa a interpelação do credor ao devedor, ou seja, qual o dies a quo da contagem do prazo de prescrição.
Em caso de procedência, ainda que parcial, da apelação, em cumprimento do disposto no artigo 665.º, n.º 2, do CPC, haverá ainda que conhecer, pela ordem lógica e de prejudicialidade, das questões suscitadas pelo embargante, a saber: i) da inexistência ou insuficiência do título executivo, por inconstitucionalidade da norma com fundamento na qual a exequente apresentou unicamente o contrato de mútuo; ii) da iliquidez da dívida; iii) da inexigibilidade da obrigação manutenção do benefício do prazo por nunca ter sido interpelado para cumprir nem ter renunciado ao benefício da excussão prévia.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Os factos/incidências processuais relevantes para o conhecimento do objeto do recurso são as que foram consideradas em primeira instância, nos seguintes termos:
«1. “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, veio propor acção executiva, em 24 de Julho de 2015, contra BB e AA, todos com os devidos sinais nos autos, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 67.480,27.
2. Fundamentou a sua pretensão no contrato de empréstimo e fiança, datado de 26 de Outubro de 2006, subscrito pelo Embargante AA na qualidade de fiador, no valor de € 40.000,00.
3. O valor emprestado seria pagável em prestações mensais.
4. A prestação mensal vencida a 25 de Maio de 2008 não foi paga, nem as subsequentes.
5. Por carta de 15 de Julho de 2015, o Embargante foi informado do valor total da dívida vencida, concedendo-lhe ainda dez dias para liquidar o valor».
Para além destes factos, para a decisão do recurso de acordo com todas as soluções plausíveis da questão de direito, nos termos prevenidos no artigo 607.º, n.º 4, aplicável aos acórdãos ex vi artigo 662.º, n.º 3, ambos do CPC, mostra-se ainda provado por documentos (cfr. fls. 17v.º, 19v.º e 20v.º a 23), cuja veracidade e genuinidade não foi impugnada, que:
6. A missiva referida em 5., por via da qual a Embargada referiu que “os mutuários…incumpriram as obrigações contratuais e nos termos da lei V. Excia responde solidariamente pelo pagamento”, informando que “a dívida decorrente do empréstimo é de 67.480,27€ (sendo de capital 39.739,40€, juros de 26.05.2008 a 15.07.2015 de 27.533,53, e comissões 207,34€), que vinha “saber da sua disponibilidade para proceder ao pagamento, a que está obrigado por força da lei”, e que “antes de intentar a acção judicial ficamos a aguardar até ao dia 25.07.2015, nos contacte para o efeito”, tinha como assunto “incumprimento empréstimo”, e foi assinada pelo Embargante, no dia 16 de julho de 2015.
7. Missiva com idêntico teor (mas referente ainda a um outro empréstimo) foi no mesmo dia expedida para o co-executado BB, informando-o ainda que “o imóvel hipotecado a favor da nossa cliente, em caso de recurso à via judicial, será penhorado na respetiva ½ indivisa (pois a outra ½ está apreendida no processo de insolvência da mutuária) e posteriormente será vendido judicialmente.
8. O valor do empréstimo foi disponibilizado na conta associada, em 26-10-2006, sendo comunicado à mutuária, por extrato de crédito referente ao período de 01.01.2006 a 04.07.2022, o valor que em cada prestação correspondia a capital, juros, impostos e comissões de processamento, bem como dos juros de mora cobrados, quando tiveram lugar.
9. O prazo para amortização do empréstimo foi de 43 anos (cláusula 6.ª).
10. Na cláusula 7.ª (n.ºs 1 e 2) a respeito das prestações de amortização do capital e pagamento de juros, convencionou-se que “uma parte do empréstimo, no montante de VINTE E OITO MIL EUROS será amortizada em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes”, sendo que “a restante parte do empréstimo, designada por Capital com Pagamento Diferido, no montante de DOZE MIL EUROS, será amortizada em conjunto com a última das prestações de capital de juros referidas no número anterior da presente Cláusula; os juros do mesmo capital serão liquidados e pagos em conjunto com cada um das prestações de capital e juros referidas no número anterior”.
11. Na cláusula 12.ª do contrato de empréstimo, com hipoteca e fiança, foi acordado que “o terceiro outorgante responsabiliza-se com o primeiro como seu fiador e principal pagador, de tudo o que vier a ser devido à Caixa em consequência deste contrato e dá desde já o seu acordo a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a Caixa e a parte devedora, e, bem assim, às alterações da taxa de juro permitidas por este contrato”.
12. Na cláusula 13.ª, sob a epígrafe “Incumprimento/Exigibilidade antecipada”, estabeleceu-se que:
“1 – A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contraentes de qualquer obrigação decorrente deste contrato; (…)
e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito”.
13. Na cláusula 14.ª ficou “convencionado que o extracto da conta do empréstimo e os documentos de débito emitidos pela Caixa e por ela relacionados com este empréstimo serão havidos, para todos os efeitos legais e, designadamente, para efeitos do disposto no artigo cinquenta do Código de Processo Civil, como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, justificação ou reclamação judicial dos créditos que deles resultarem, em qualquer processo”.
14. A Exequente foi citada em 28.12.2011, para reclamar os seus créditos na insolvência da devedora.
15. Com o requerimento executivo a exequente juntou o contrato de empréstimo, com hipoteca e fiança, celebrado por documento particular, e, para além dos que foram considerados em primeira instância, alegou os seguintes factos:
«3. Clausulou-se no citado contrato que o mesmo venceria juros à taxa Euribor 3 meses acrescida de um spread de 1,25%, sendo que, em caso de mora, os respectivos juros são calculados à taxa mais elevada que ao tempo vigorar para os juros remuneratórios contratuais, acrescida da sobretaxa legal até 3%, cfr Dec Lei 58/2013 de 08.05, sendo atualmente de 10,246%.
4. Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas, foi constituída fiança do executado AA que se responsabilizou solidariamente como fiador e principal pagador de tudo o que viesse a ser devido à Caixa em consequência do mesmo.
6. Garante ainda a referida dívida, capital mutuado respetivos juros e despesas a hipoteca genérica constituída em 08.05.2006, inscrita em Ap. 41 de 2006/02/01 que incide sobre a fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano, destinado a habitação, descrita na Conservatória do Registo Predial de Albufeira com o nº ...12..., da freguesia de Albufeira e inscrito na matriz sob o artº ...96 (doc. nº 2).
7. A mutuária foi declarada insolvente em 15.12.2011 no processo judicial que corre termos com o nº 2813/11.9TBABF, 2º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, atualmente distribui ao Tribunal de Comarca de Faro – Olhão, Instância Central, Secção Comércio J1 (Doc 3), motivo pelo qual a presente execução não é intentada quanto à mesma (artº 88 CIRE).
8. Por incumprimento, por falta de pagamento das prestações mensais, do referido contrato é intentada a presente execução, cujos créditos se pretendem cobrar coercivamente, respectivos juros vencidos e vincendos, que estão consubstanciados em titulo executivo de harmonia com o disposto no artº 703º, alínea d) do C.P.C. e nº 4, nº 1 do artº 9º do D.L. n.º 287/93, de 20 de Agosto (Regime Jurídico da Caixa Geral de Depósitos), que determina: "Os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades.».
16. A final do requerimento executivo, procedeu à liquidação nos seguintes termos:
«É devido à exequente, por efeito do mencionado contrato, à data de 15.07.2015, as seguintes quantias (Doc 1):
Capital: 39.739.40€
Juros contados de 26.05.2008 a 15.07.2015: 27.533,53€
Comissões: 207,34 €
o que perfaz o total de 67.480,27€
À quantia em dívida, acrescem juros vincendos à taxa de 10,246%, e ainda imposto selo e despesas extrajudiciais que a Caixa efectue da responsabilidade dos devedores, a liquidar oportunamente, nos termos do título executivo e das disposições legais, até integral reembolso.».
17. Os documentos referidos em 5. a 8. foram juntos aos autos pela Exequente, com a contestação aos presentes embargos.
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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Prazo de prescrição
Perante a invocação pelo embargante fiador, da prescrição da dívida exequenda, na contestação por si apresentada, a embargada, ora recorrente, defendeu que o prazo de prescrição era de 20 anos.
A decisão recorrida, depois de enunciar que importava apurar qual o prazo de prescrição a ter em conta, se de 5 ou 20 anos, convocou o acima mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 6/2022, transcrevendo a parte da sua fundamentação que consta dos pontos I a IV, para seguidamente concluir:
«…volvendo ao caso concreto, as prestações convencionadas não foram pagas de modo regular e pontual, acabando o contrato resolvido.
A data que se encontra aceite pelas partes como sendo a do incumprimento definitivo do contrato, com exigência da totalidade do capital devido, é de Maio de 2008. Repare-se que a Embargada não alega outra data.
E, sendo assim, em 2015, data da última interpelação dirigida ao Embargante, até já tinham decorrido não 5, mas 7 anos, sobre a data de vencimento das prestações não pagas – ou seja, já existia prescrição à data dessa interpelação.
A propositura da acção executiva ocorreu a 24 de Julho de 2015, ou seja, também já depois de decorridos 5 anos sobre a data do incumprimento definitivo do contrato.
Em suma, em qualquer uma daquelas datas, encontravam-se decorridos mais de cinco anos, quer sobre o correspondente às quotas de amortização (artigo 310.º alínea e) do Código Civil), quer sobre os correspondentes juros (artigo 310.º alínea d), do mesmo diploma).
Neste conspecto, e nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se a lógica conclusão de que o crédito da Embargada se encontra prescrito em relação ao Embargante».
Dissente a Apelante, afiançando que «o Douto Despacho recorrido merece censura por diversas razões, melhor identificadas supra, mas que em síntese se reconduzem à errada aplicação pelo Tribunal a quo do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) número 6/2022, de 30 de Junho de 2022, e a consequente aplicação do direito, ou seja, o resultado jurídico daí resultante, no sentido de considerar aplicar-se à matéria objeto de sentença o prazo prescricional de 5 (cinco) anos».
Salvo o devido respeito, não se verifica qualquer erro na aplicação pelo tribunal a quo do identificado AUJ, na parte em que, no caso de vencimento antecipado, nos termos do artigo 781.º do CC, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, considera que continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos do artigo 310.º, alínea e), do CC, e não o prazo de 20 anos, como defende a Recorrente.
Com efeito, essa concreta questão foi enfrentada no ponto II do AUJ, com respaldo em doutrina e jurisprudência convocada e citando outros arestos no mesmo sentido (ponto III), pontos que nos dispensamos de reproduzir novamente pois que constam já integralmente reproduzidos na sentença, e que, aliás, a Recorrente não pode deixar de conhecer, tanto mais que também era a Exequente no processo que deu origem ao acórdão uniformizador.
Aquilo que, na essência, se constata é que a Apelante, sem esgrimir com qualquer fundamento que não tenha sido ponderado naquele AUJ, nem sequer no requerimento apresentado após a determinada audição para exercício do contraditório, afirma apenas que a decisão recorrida enferma de erro.
Ora, como o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a salientar, para alterar a interpretação preconizada em jurisprudência uniformizada, «não basta não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa».[4]
De facto, como é sabido, e ao contrário do que acontecia com o regime dos Assentos, que o artigo 2.º do Código Civil de 1966 integrava nas fontes normativas, os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não gozam de força vinculativa a não ser no âmbito do processo em que são proferidos, uma vez que do artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário, decorre que os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores.
Não obstante, como sublinha ABRANTES GERALDES[5], “o sistema tem convivido de forma salutar com a força persuasiva de tais arestos que é projectada pela conjugação de diversos factores: a solenidade do julgamento (Pleno das Secções Cíveis), a qualidade dos seus protagonistas e a valia da fundamentação, o que é demonstrado pelo generalizado respeito que as instâncias vêm demonstrando pelas soluções uniformizadoras que acabam por impor-se às polémicas jurisprudenciais que as precedem ou que procuram prevenir. (…)
Com efeito, malgrado a ausência de um efeito vinculativo extraprocessual, não seria coerente um sistema em que, admitindo uma tão solene forma de julgamento, não previsse mecanismos que lhe atribuíssem, ao menos, um carácter persuasivo.
Assim, ante a publicitação de uma solução uniformizadora emanada do Supremo, sem embargo de situações-limite em que outra solução seja justificada pelas circunstâncias, só uma incompreensível teimosia poderá justificar, na generalidade dos casos, o não acolhimento pelas instâncias da jurisprudência fixada (…) [s]aindo beneficiados com a resolução ou prevenção de querelas jurisprudenciais os valores da segurança e certeza do direito e também o princípio da igualdade perante a lei interpretanda, o incremento dessa actividade judicativa repercutir-se-á também, em termos mediatos, na redução da litigância, ante a perspectiva da previsível resposta a determinada questão jurídica que tenha sido objecto de uniformização jurisprudencial.
Através da uniformização de jurisprudência sai valorizada a competência que exclusivamente é atribuída ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, traduzida através de acórdãos com valor para-legislativo, ao mesmo tempo que, sanando ou prevenindo polémicas jurisprudenciais, potencia os factores da segurança e da certeza na aplicação do direito, contribuindo também para a maior eficácia e celeridade do sistema judiciário”.
Tendo presentes estes ensinamentos, cremos que, em face de toda a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, proferida quer antes quer após o referido AUJ, e atento o segmento uniformizador que neste foi fixado, a resposta não poderá deixar de ser a de que a sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida quanto à aplicação do prazo prescricional de 5 anos, previsto na alínea e) do artigo 310.º do CC, às obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado pelo devedor, em prestações mensais e sucessivas, prazo que se mantém, mesmo quando o credor exerça a faculdade que a lei lhe confere de exigir o vencimento antecipado de todas as prestações, situação que não determina passe a ser aplicável o prazo ordinário de 20 anos.
Efetivamente, a final, pelo Pleno do Supremo Tribunal de Justiça foi fixada a seguinte Uniformização de Jurisprudência:
“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.”
“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Jurisprudência uniformizada que, até pela sua novidade, tem vindo a ser seguida como consta evidenciado inter alia no sumário do acórdão mais recentemente proferido, em 30.11.2022, que «De acordo com a recente decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 6/2022), no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 871.º[6] daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas».
Pelo que, mais não resta do que aplicar essa jurisprudência uniformizada, da qual, aliás, não vemos razão para dissentir.
Assim sendo, considerando que a questão suscitada pela Recorrente, foi objeto do recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, proferido em 30 de junho de 2022, publicado no Diário da República de 22 de setembro de 2022, Série I, n.º 184/20222[7], e, posteriormente apreciada em recursos de revista excecional, tem merecido por parte do Supremo Tribunal de Justiça a mesma resposta uniforme[8], sufragamos o entendimento ali vertido, no sentido de que, ocorrendo o vencimento antecipado das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, nos termos do art.º 781.º do Código Civil, continua a aplicar-se ao valor de capital e juros antecipadamente vencidos, o prazo de prescrição de 5 anos do artigo 310.º, alínea e), do CC, afastando, pois, a tese da Apelante de que, nessa circunstância, tal prazo prescricional é de vinte anos[9].
Objetou a Recorrente que da aplicação daquele prazo decorre a violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, geradora de inconstitucionalidade, mas não se nos afigura que tal invocação de violação da Constituição da República Portuguesa, tenha razão de ser, tal como, aliás, a Apelante bem sabe, pois que, em casos anteriores tem convocado, sem êxito, a violação de outros princípios constitucionais.
No aresto deste Tribunal, de 13.07.2022[10], consignou-se que a interpretação do artigo 310.º, n.º 1, alínea e), do CC, nos referidos termos, “não viola o direito à propriedade privada nem os princípios da igualdade, da confiança, da proporcionalidade ou da proibição do excesso, antes pelo contrário, tutela a posição do devedor, face à diferença entre as partes contratantes, protegendo a parte mais débil da relação contratual”.
Com efeito, não é nova a alegação por parte de instituições bancárias de que a referida interpretação normativa é violadora da Lei Fundamental, em particular com o fundamento de que cria uma injustificada situação de desequilíbrio em desfavor do credor, ao aplicar um prazo de prescrição mais curto à situação em que o mútuo seja pagável em prestações do que aquele que decorreria do pagamento integral da quantia mutuada.
Porém, a essa objeção também já respondeu o Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando no aresto de 13.10.2022 abaixo identificado que «não há similitude factual, relativamente ao capital, no mútuo sem que seja convencionado o pagamento em prestações e aquele em que o sejam (…), pois que no primeiro caso estamos perante uma obrigação única e no segundo perante uma obrigação fraccionada, circunstancialismo diferenciado que (independentemente da regulamentação quanto aos juros) pode justificar diferentes opções legislativas», o que se nos afigura ser entendimento pacífico, que subscrevemos.
Improcede, pois, a primeira questão suscitada no recurso.
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III.2.2. – Início do prazo de prescrição
A segunda questão colocada no presente recurso é a de saber quando é que aquele prazo prescricional se inicia e começa a correr, ou seja, está em causa o modo de contar o referido prazo de prescrição.
Na decisão recorrida, com respaldo em arestos dos Tribunais Superiores e com a concordância do Apelado, contou-se o início daquele prazo desde a data em que os mutuários deviam ter pago a prestação e não o fizeram, in casu, em 25.05.2008, considerando-se que, quando ocorreu a interpelação dirigida ao embargante, em 15 de julho de 2015, já haviam decorrido não 5, mas 7 anos, sobre a data do vencimento das prestações não pagas, e, por isso, quando a exequente propôs a ação executiva, em 24 de julho de 2015, o crédito da embargada já se encontrava prescrito.
Porém, o dies a quo da contagem do prazo prescricional, não se iniciou na data em que a mutuária entrou em incumprimento do plano contratual, momento a partir do qual a credora podia atuar a possibilidade a que alude o artigo 781.º do CC para cumprir de imediato todas as prestações em dívida, ao dispor que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Como oportunamente foi referido no despacho da ora relatora que determinou a audição das partes, o nosso mais Alto Tribunal pronunciou-se recentemente em situação idêntica ao caso em presença[11] – o qual, relativamente àqueles casos idênticos ao do processo em que foi tirada a uniformização de jurisprudência, tem, como veremos, uma particularidade relevante, que concerne ao momento da interpelação extrajudicial, já que sufragamos o entendimento de que o vencimento imediato de todas as prestações não opera automaticamente, estando dependente da manifestação de vontade nesse sentido, por parte do credor.
Com efeito, tal como se considerou naquele mencionado Acórdão do STJ de 28.09.2022, o que importa ter presente no caso em apreço, como é doutrina comum, é que o artigo 781.º do CC não prevê, em caso de falta de realização de uma prestação, o vencimento imediato (e automático) de todas as prestações previstas para a liquidação da obrigação, constituindo antes um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato todas as prestações, ou seja, que não prescinde que o credor manifeste a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.
Prossegue aquele aresto, com a afirmação de que, «como é muito evidente, com todo o respeito por opinião diversa, o credor, assim como tem a faculdade de exigir o pagamento imediato de todas as prestações, tem também a faculdade de não exigir tal pagamento imediato, sendo que, enquanto o não fizer, o devedor não fica constituído em mora (a não ser naquelas prestações que se forem vencendo de acordo com o plano prestacional) e não se inicia o curso da prescrição (cfr. art. 306.º/1 do C. Civil) em relação a montantes/prestações que ainda não são exigíveis».
E, claro, exigindo-se interpelação – a produção duma declaração recetícia – não pode considerar-se que tal interpelação aconteceu 7 anos antes de ter sido produzido/exteriorizado pela credora, o primeiro sinal inequívoco de se pretender aproveitar da perda do benefício do prazo decorrente do artigo 781.º do CC.
Deste modo, parafraseando o que foi decidido neste recente aresto, no caso dos autos, só se poderia considerar como efetuado o vencimento antecipado na data em que o fiador, ora embargante, recebeu a missiva que lhe foi extrajudicialmente remetida, para proceder ao pagamento da totalidade da dívida, nos termos do documento junto a fls. 17v.º dos autos[12], pelo que, só se pode considerar como tendo ocorrido o vencimento antecipado no dia 16 de julho de 2015, data em que o mesmo assinou o aviso de receção respeitante àquela comunicação para cumprir (doc. fls. 19v.º).
Assim sendo, há que ter presente que o facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações, mas apenas após a necessária interpelação para cumprir, significa que, enquanto não tiver havido interpelação a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida[13].
Em síntese, e revertendo o que vimos de referir ao caso em presença, até à comunicação ao fiador para pagar o valor integral então em dívida, que ocorreu em 16.07.2015, manteve-se o plano de vencimento das prestações, o que significa, ao invés do que se decidiu em primeira instância, que não estão prescritas as prestações que naquela data ainda não estavam vencidas e/ou que se haviam vencido há menos de 5 anos, estando tão só prescritas as prestações não pagas, vencidas até julho de 2010, porquanto, logo após tal interpelação extrajudicial, em 24 de julho de 2015, a Exequente instaurou a presente execução sumária.
Pelo exposto, a apelação interposta pela Exequente, procede parcialmente.
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III.2.3. – Da falta ou insuficiência do título executivo
Como vimos, ao contrário do que foi julgado em primeira instância, e do que o embargante havia invocado, a obrigação não se encontra totalmente prescrita.
Assim, procedendo parcialmente a apelação, cumpre apreciar as questões colocadas pelo embargante/fiador nos embargos deduzidos, iniciando pela que diz respeito à falta ou insuficiência do título executivo, uma vez que este tribunal dispõe dos elementos necessários para o efeito, sendo que, em face do disposto no artigo 665.º, n.º 2, do CPC, a ora relatora deu cumprimento ao n.º 3 do preceito, determinando a prévia audição das partes, alinhando as razões que justificaram a necessidade de atuar o contraditório previamente à elaboração do acórdão.
Ambas as partes responderam.
A Exequente, mantendo o alegado no recurso interposto.
O Executado/embargante, defendendo que o recurso deve improceder, ou, não sendo esse o entendimento, sempre deverá ser declarada a falta ou insuficiência do título executivo.
Apreciando.
Visto o requerimento executivo, a Exequente invocou que “é intentada a presente execução, cujos créditos se pretendem cobrar coercivamente, respectivos juros vencidos e vincendos, que estão consubstanciados em título executivo de harmonia com o disposto no artº 703º, alínea d) do C.P.C. e nº 4, nº 1 do artº 9º do D.L. n.º 287/93, de 20 de Agosto (Regime Jurídico da Caixa Geral de Depósitos), que determina: "Os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades".
Ora, em fundamento da alegada falta de título executivo, o Embargante convocou o decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 670/2019, proferido no processo n.º 260/2019, de 13.11.2019, (retificado pelo Acórdão n.º 710/2019)[14], que julgou “inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, segundo a qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades”.
Pese embora não tenha sido declarada a inconstitucionalidade daquela norma, a verdade é que, não pode deixar de ser tomado em consideração que, já por três vezes, o Tribunal Constitucional decidiu da mesma forma esta questão, porquanto, após o identificado aresto, foram já proferidas duas Decisões Sumárias, uma em 23.11.2021[15], outra em 10.05.2022[16], e sempre no sentido da inconstitucionalidade da norma em questão.
Portanto, em face daquela jurisprudência que o Tribunal Constitucional tem vindo a firmar, sufragada já em vários arestos dos Tribunais de Relação[17], revendo posição anterior, não temos atualmente dúvidas em subscrever o entendimento de que, sendo apresentado como título executivo um contrato de mútuo celebrado posteriormente à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, ao abrigo do disposto no artigo 703.º do Código de Processo Civil e do artigo 9.º, n.º 4, do DL n.º 287/93, de 20 de agosto, e passado o momento em que a execução poderia ser liminarmente indeferida por falta de título executivo, haveria que declarar nesta fase a inconstitucionalidade da norma que permitia a sua executoriedade, sem mais, com a consequente extinção da instância executiva, uma vez que, com a Reforma do processo civil de 2013, o legislador deixou de reconhecer força executiva aos documentos particulares assinados pelo devedor, que importem a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação, eliminando-os do elenco dos títulos executivos enumerados taxativamente no artigo 703.º do CPC atualmente vigente.
Acontece que, in casu, a Caixa Geral de Depósitos deu à execução um contrato de empréstimo e fiança, celebrado em 26.10.2006, por documento particular que à data da sua celebração era título executivo, ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, que admitia servissem de base á execução “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”.
Tendo sido suscitada a questão de saber se após a entrada em vigor da nova codificação processual civil tais documentos particulares, mantinham ou não tal qualidade, chamado a pronunciar-se sobre a força executiva dos documentos particulares emitidos anteriormente ao novo CPC, no Acórdão n.º 408/2015, proferido no processo n.º 340/2015, o Tribunal Constitucional declarou, «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição)».
Consequentemente, não há dúvida que os documentos que eram títulos executivos anteriormente à data da entrada em vigor do CPC, mantêm aquela qualidade.
Pelo exposto, improcede a questão atinente à falta de título executivo, que o embargante oportunamente invocou.
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III.2.4. – Da iliquidez da obrigação
Invocou ainda o embargante que a quantia exequenda não é líquida, não podendo proceder a execução, já que no requerimento executivo apenas foi discriminado o capital em dívida, os juros e comissões, não provando a Exequente, de onde são provenientes estes valores, que prestações se encontram vencidas, nem o cálculo discriminado dos juros.
Como acima referimos aquando da tramitação processual relevante aditada, com a contestação aos embargos, perante a invocação pelo Executado/Embargante da falta de interpelação e de que não era líquida nem exigível a quantia exequenda, a Exequente/embargada veio juntar aos autos os dois documentos já acima referidos, ou seja, a carta registada com a data de 15.07.2015, e o aviso de receção, comprovando a receção da mesma pelo executado em 16.07.2015, e ainda um extrato de crédito referente ao período de 01.01.2006 a 04.07.2022, discriminando as quantias relativas a cobrança de capital, juros, e comissões, suportadas pela mutuante até 04.07.2008, documentos que não foram impugnados e, por isso, podem ser considerados pelo Tribunal, nos termos prevenidos no artigo 607.º, n.º 4, aplicável aos acórdãos ex vi artigo 662.º, n.º 3, ambos do CPC.
Vejamos.
O título executivo é “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla executio sine titulo”[18]. Por isso, o mesmo tem que ser documento de ato constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia para servir de base ao processo executivo[19].
Na verdade, os “títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador”, sendo “constitutivo da relação obrigacional quando a obrigação tem no acto documentado a sua fonte” e “certificativo da obrigação quando, procedendo a constituição da dívida de um outro acto, o título apenas confirma a existência dela”. Concluindo, “o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsista, quer não”[20].
Ou, por outras palavras, o título executivo é “o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou o direito que está dentro. Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele”[21].
Significa o que vem de afirmar-se que, do contrato de empréstimo com fiança, assinado pelo executado/fiador, tem de constar a obrigação pelo mesmo assumida, e tal obrigação consta, já que a exequente comprovou ter transferido para a conta do mutuário o valor emprestado, e o embargante se assumiu fiador e principal pagador da obrigação de restituir tal quantia, em prestações mensais, de capital e juros, quanto a uma parte do empréstimo, no montante de 28.000,00€, a qual seria amortizada em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes, e a restante parte do empréstimo, designada por Capital com Pagamento Diferido, no montante de 12.000,00€, seria amortizada em conjunto com a última das prestações de capital de juros referidas no número anterior da presente Cláusula; tendo ainda convencionado que os juros do mesmo capital serão liquidados e pagos em conjunto com cada um das prestações de capital e juros referidas no número anterior.
Ora, quando a obrigação exequenda seja complexa, como é o caso, para além do contrato de mútuo que espelha as obrigações assumidas, exige outros documentos para a demonstração da quantia não satisfeita, podendo tais documentos ter natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para demonstração da existência do crédito exequendo. Nestas últimas situações, em que o exequente tem que fazer a prova complementar do título, mormente relativamente aos factos que integram o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação assumida e à interpelação para o cumprimento, tem-se entendido que, não tendo o exequente efetuado tal prova no requerimento executivo, e sendo deduzida oposição pelo executado, pode o Exequente na contestação suprir o que ali faltou[22], considerando-se igualmente que, nestes casos quando tal junção não for efetuada pelo exequente, ao invés de ser liminarmente indeferido o requerimento executivo, deve a parte ser convidada a aperfeiçoá-lo[23].
Revertendo o que vimos de dizer ao caso em presença, constatamos que, pese embora tenha feito dar entrada do requerimento executivo, sob a forma de processo sumário, acompanhado apenas daquele contrato de empréstimo com fiança, outorgado em 26.10.2006, na contestação aos embargos, a Exequente supriu o que havia omitido no requerimento executivo, como decorre especialmente dos aditados pontos 8, 15.3, e 16, sendo, por isso, líquida a obrigação exequenda.
Consequentemente, improcede também esta questão.
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III.2.5. – Da inexigibilidade da obrigação
Finalmente, aduz o embargante que nunca recebeu qualquer missiva por parte da embargada, dando-lhe conhecimento do alegado incumprimento por banda do primeiro executado, invocando ainda que a perda do benefício do prazo não pode afetar o fiador, nos termos do artigo 782.º do CC, isto mesmo que existisse uma cláusula contratual, que não existe no documento dado à execução, pela qual o fiador renunciasse ao benefício da excussão prévia.
Apreciando.
Quanto à invocação de que não existe cláusula contratual no sentido de que o fiador tenha renunciado ao benefício da excussão prévia, olvida o embargante que in casu, conforme decorre da cláusula 12.ª do contrato de empréstimo e fiança, foi acordado que “o terceiro outorgante responsabiliza-se com o primeiro como seu fiador e principal pagador, de tudo o que vier a ser devido à Caixa em consequência deste contrato e dá desde já o seu acordo a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a Caixa e a parte devedora, e, bem assim, às alterações da taxa de juro permitidas por este contrato”.
Assim, tendo o fiador declarado que assume a obrigação de principal pagador, encontra-se impedido de invocar o benefício da excussão previsto no artigo 638.º do CC, por via do disposto no artigo 640.º, alínea a), 2.ª parte, do CC. Com efeito, «embora não tenha declarado expressamente renunciar ao benefício da excussão, declarou assumir a obrigação de principal pagador; logo, conforme determina o art. 640.º, al. a), 2.ª parte, do CC, não pode invocar o referido benefício. (…); é a lei que determina que quem tiver assumido a obrigação de principal pagador não pode invocar os benefícios constantes dos arts. 638.º e 639.º do CC»[24].
Relativamente à invocada inexistência de interpelação, atento o disposto no artigo 782.º do CC, e porque, relativamente ao fiador, também não se lhe estende a perda do benefício do prazo decorrente da declaração de insolvência da devedora, a que alude o artigo 91.º, n.º 1, do CIRE, cremos ser pacífico o entendimento vertido inter alia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.2021, onde a exequente é também a Caixa Geral de Depósitos, e os fiadores se assumiram igualmente como principais pagadores[25], que «a perda do benefício do prazo não se estende aos fiadores, salvo se, na relação contratual havida e onde se estipulou a obrigação de fiança, se tiver estipulado (ao abrigo do princípio da liberdade contratual ou da autonomia da vontade ínsito no 405º do CC), de forma expressa e clara, que aquela perda também os vinculava».
In casu, não tendo as partes expressamente acordado em sentido diferente, a perda do benefício do prazo não se estende ao fiador, em face do preceituado no referido artigo 782.º do CC, não se podendo retirar tal consequência para o fiador do acordo escrito firmado com o mutuário nesse sentido, nem, como já referido, da insolvência deste.
Quais são então as consequências de não ter havido perda do benefício do prazo pelo fiador? A de que esta garantia só pode ser posta a funcionar depois de ter sido atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria[26].
De facto, não tendo havido afastamento da regra constante do artigo 782.º, do CC, na situação em presença, o fiador não perdeu o benefício do prazo [27], uma vez que a cláusula contratual que estabelece que a falta de pagamento de uma prestação importa a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades, não é idónea para traduzir a renúncia ao benefício do prazo por parte do fiador[28].
Com efeito, como decorre do aditado ponto 6. dos factos provados a missiva referida em 5., por via da qual a Embargada referiu que “os mutuários…incumpriram as obrigações contratuais e nos termos da lei V. Excia responde solidariamente pelo pagamento”, informando que “a dívida decorrente do empréstimo é de 67.480,27€ (sendo de capital 39.739,40€, juros de 26.05.2008 a 15.07.2015 de 27.533,53, e comissões 207,34€), que vinha “saber da sua disponibilidade para proceder ao pagamento, a que está obrigado por força da lei”, e que “antes de intentar a acção judicial ficamos a aguardar até ao dia 25.07.2015, nos contacte para o efeito”, tinha como assunto “incumprimento empréstimo”, e foi assinada pelo Embargante, no dia 16 de julho de 2015, concedendo-lhe o prazo de 10 dias para satisfazer aquela obrigação, não configura uma interpelação prévia para cumprimento, uma vez que o credor não deu ao fiador a possibilidade de proceder ao pagamento das prestações em dívida, interpelando-o para o cumprimento da obrigação dos devedores que se mostrava então antecipadamente vencida na sua totalidade, ascendendo a mais de 60.000€ quando, anos antes, o valor do mútuo contratado, pagável em prestações, durante 43 anos, era de 28.0000,00€, sendo satisfeito com esta última prestação o restante valor de 12.000,00€. Aliás, neste caso, mesmo quanto à possibilidade de pagar a dívida integralmente vencida, vemos que a Exequente não pretendeu com a remessa missiva mais do que dar aparente cumprimento à necessária interpelação do devedor, uma vez que, antes ainda do termo do prazo de 10 dias, que havia concedido ao fiador para tal pagamento integral, a Exequente veio, em 24.07.2015, instaurar a execução de que os presentes autos constituem apenso.
Ora, assim como se tem vindo a entender que a citação dos terceiros garantes para a execução, não tem virtualidade substitutiva de tal interpelação prévia, por não lhes permitir obstar a tais consequências, não automáticas, da mora do devedor, deve considerar-se que não cumpre tal desiderato, uma interpelação extrajudicial para pagamento do valor que escassos dias depois, foi dado à execução. Na verdade, se tivermos presente as exigências que o legislador veio estabelecer a respeito da possibilidade de ser iniciado o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) com o fiador, verificamos que aquele impõe que, aquando da interpelação para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição financeira seja obrigada a fornecer informação ao fiador, sobre a inadimplência do devedor, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, como cristalinamente decorre do disposto no artigo 21.º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Sendo certo que o incumprimento do caso em presença é anterior a essa data, não podemos olvidar – como se mencionou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.05.2022, citando BATISTA MACHADO –, que “a interpelação deve ser integrada por um conteúdo preciso, a saber: (i) a intimação para o cumprimento, (ii) a fixação de termo perentório para o cumprimento e (iii) a admonição ou a comunicação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo”.
Como vimos, a interpelação efetuada ao fiador não cumpre o conteúdo para ser considerada como interpelação prévia, porquanto intima desde logo para o cumprimento da obrigação integralmente vencida, razão por que, na situação em presença, consideramos que ao fiador apenas podem ser exigidas as prestações que, não estando prescritas à data daquela interpelação, se venceram pelo decurso do prazo e até à propositura da execução, e não o valor decorrente do vencimento antecipado resultante da perda do benefício do prazo do mutuário.
Consequentemente, revertendo o que vimos de referir à situação em presença, concluímos que o credor exequente dispõe de título bastante quanto ao executado/fiador, devendo a execução prosseguir, após a liquidação da dívida pelo exequente, a efetuar apenas relativamente às prestações vencidas, e não pagas, que não se encontrem prescritas, até à data de entrada do requerimento executivo, acrescidas dos juros contratuais respetivos, despesas e comissões, bem como dos juros moratórios, contados após a data da referida interpelação, ou seja, após 16.07.2015, podendo depois requerer a cumulação sucessiva de execuções, ou a renovação da execução, no quadro do artigo 920.º, do CPC, relativamente às prestações que, quanto a ele fiador, se vencerem posteriormente[29].
Nestes termos, pese embora a apelação tenha sido parcialmente procedente, na parcial procedência dos deduzidos embargos, impõe-se revogar parcialmente a sentença recorrida, que julgou extinta a ação executiva contra o executado/fiador, determinando o seu prosseguimento nos moldes expostos.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta conferência:
a) em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar parcialmente a sentença recorrida;
b) em determinar que os autos de execução, após liquidação a efetuar pela Exequente nos moldes ora decididos, prossigam os seus ulteriores termos contra o executado/fiador para cobrança apenas da quantia exequenda correspondente às prestações vencidas após julho de 2010 e até à entrada do requerimento inicial, em 24 de julho de 2015, acrescidas dos juros contratuais respetivos às taxas estabelecidas, despesas e comissões, bem como dos juros moratórios, contados após a data da referida interpelação, ou seja, após 16.07.2015, vencidos e vincendos, às taxas contratualmente estabelecidas e bem como dos acréscimos proporcionalmente correspondentes que resultem do contrato.
c) Custas pela Embargada/recorrente e pelo embargante/ora recorrido, na proporção do respetivo decaimento - artigos 527.º, nºs. 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do CPC.
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Évora, 2 de março de 2023
Albertina Pedroso [30]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Juízo de Execução de Silves - Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro.
[3] Doravante abreviadamente CC.
[4] Cfr. Ac. STJ de 11-09-2014, Proc.º 3871/12.4 TBVFR-A.P1.S1.
[5] Uniformização de Jurisprudência, in Texto que segundo o autor serviria de base à intervenção programada no Colóquio realizado no Supremo Tribunal de Justiça, no dia 25-6-2015, disponível em http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/ager_MA_26301.pdf.
[6] Retifica-se o lapso de escrita.
[7] Processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, (Relator: VIEIRA E CUNHA), também disponível em www.dgsi.pt,
como a demais jurisprudência citada sem menção de outra fonte.
[8] Cfr., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.09.2022, processo n.º 83/21.0T8PDL-A.L1.S1 (Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA); de 29.09.2022, processo n.º 971/19.3T8SRE-A.C1.S1 (Relator: VIEIRA E CUNHA); de 28.09.2022, processo n.º 627/20.4T8SNT-A.L1.S1 (Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO); de 29.09.2022, processo n.º 1895/20.7T8OVR-A.P1.S1 (Relator: FERREIRA LOPES); de 11.10.2022, processo n.º 27376/18.0T8LSB-A.L1.S1 (Relatora: ANA RESENDE); de 13.10.2022, processo n.º 2213/20.0T8STB-B.E1.S1 (Relator: RIJO FERREIRA); de 29.11.2022, processo n.º 12754/19.6T8SNT-A.L1.S1 (Relatora: MARIA DOS PRAZERES BELEZA); de 30.11.2022, processo n.º 448/21.7T8MAI-A.P1.S1, e de 19.01.2023, processo n.º 4288/21.5T8VNF-A.G1.S1 (Relator: JOÃO CURA MARIANO).
[9] Cfr. neste mesmo sentido, inter alia, o acórdão deste Tribunal, proferido em 30.06.2022, (Relator FRANCISCO XAVIER, ora 1.º Adjunto, sendo 1.ª Adjunta a ora 2.ª Adjunta).
[10] Proferido no processo n.º 5389/19.5T8STB-B.E1, (Relator: MANUEL BARGADO, e no qual foram adjuntos os ora 1.º e 2.º Adjuntos).
[11] Cfr., Acórdão STJ de 28.09.2022, processo n.º 554/20.5T8AGH.L1.S1 (Relator: BARATEIRO MARTINS), proferido em ação declarativa.
[12] Atenta a questão suscitada pelo embargante quanto à inexistência de interpelação para cumprir, referimo-nos neste passo a comunicação, cujo conteúdo será objeto de melhor apreciação infra.
[13] Cfr., neste sentido, Ac. STJ de 26-01-2021 (relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ), proferido na revista n.º 20767/16.3T8PRT-A.P1.S1.
[14] Acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190670.html, (Relator: GONÇALO DE ALMEIDA RIBEIRO).
[15] Decisão Sumária n.º 710/2021, Processo n.º 1158/21, 1.ª Secção, (Relator: PEDRO MACHETE), disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20210710.html.
[16] Decisão Sumária n.º 351/2022, Processo n.º 482/2022, 3.ª Secção, (Relator: AFONSO PATRÃO), disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20220351.html.
[17] Cfr., a título exemplificativo, Acórdão deste TRE, de 25.02.2021, processo n.º 134/14.4T8ENT.E1; do TRC de 26.04.2022, processo n.º 40/22.9T8SRT.C1; e do TRL, de 27.09.2022, processo n.º 1648/22.8T8OER.L1-7.
[18] Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 23, citando Chiovenda.
[19] Cfr. MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, pág. 58.
[20] Cfr. ANTUNES VARELA et Alii, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora 1985, págs. 78 e 79.
[21] Cfr. Ac. STJ de 19-02-2009, proferido no processo n.º 07B4427, e disponível em www.dgsi.pt.
[22] Cfr. Ac. STJ de 04-02-2010, proferido no processo n.º 5943/07.8YYPRT-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Cfr. citado Ac. STJ de 05-05-2011, e, mais recentemente, por todos, o Ac. STJ de10.04.2018, proferido no processo nº 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Cfr. Ac. Deste TRE de 25.01.2018, proferido no processo n.º 1533/16.2T8PTG-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[25] Proferido no processo n.º 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[26] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in código Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, 1986, pág. 33.
[27] Cfr. neste sentido, Ac. TRL de 21.10.2021, proferido no processo n.º 418/12.4T2SNT-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, com profusas citações de doutrina e jurisprudência.
[28] Cfr. Ac. TRP, de 23.06.2015, proferido no processo n.º 6559/13.5TBVNG-A.P1.
[29] Assim, para além do referido aresto, também o Ac. TRL de 17.11.2011, no mencionado.
[30] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos três desembargadores desta conferência.