Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
553/16.1GBTMR.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Data do Acordão: 09/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A falta de oposição a uma comunicação de alteração não substancial de factos acarreta, tão-só, que o processo prossiga, também, para conhecimento desses factos.

E sendo este o alcance da não reação a uma comunicação de alteração não substancial de factos, nada impede a recorrente de impugnar os factos objeto dessa comunicação.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora


I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 553/16.1GBTMR do Juízo Local Criminal de Tomar da Comarca de Santarém, o Ministério Público, fazendo uso do disposto no n.º 3 do artigo 16.º do Código de Processo Penal, acusou:
(i) (...),
pela prática, em coautoria material, na forma consumada e concurso real,
- de dois crimes de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público, previstos e puníveis pelo artigo 355.º do Código Penal;
- de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 202.º, alínea a), 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal; e
- de um crime de furto simples, previsto e punível pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal;

(ii) (...), pela prática, em coautoria material, na forma consumada e concurso real,
- de dois crimes de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público, previstos e puníveis pelo artigo 355.º do Código Penal;
- de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 202.º, alínea a), 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal; e
- de um crime de furto simples, previsto e punível pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal;

(iii) (...), pela prática,
a) em coautoria material, na forma consumada e concurso real,
- de dois crimes de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público, previstos e puníveis pelo artigo 355.º do Código Penal;
- de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 202.º, alínea a), 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal; e
- de um crime de furto simples, previsto e punível pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal;

b) em autoria material,
- de um crime de simulação de crime, previsto e punível pelo artigo 366.º do Código Penal; e
- de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punível pelos artigos 360.º, n.º 1 e 3.º do Código Penal.

(...), devidamente identificado nos autos e neles constituído assistente, pediu a condenação dos Arguidos no pagamento da quantia de € 5.607,50 (cinco mil seiscentos e sete euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, e de € 5.000 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, que afirma ter suportado.

A Arguida (...) apresentou contestação escrita, oferecendo o merecimento dos autos e o que em seu favor resultar da audiência de julgamento.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular e após comunicação de alteração não substancial de factos, por sentença proferida em 21 de dezembro de 2020 e depositada no dia 28 seguinte, foi decidido:
«a) absolver a arguida (...) da prática de dois crimes de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal; de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 202.º, alínea a), 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal; e de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal;
b) absolver a arguida (...) da prática de um crime de simulação de crime, previsto e punido pelo artigo 366.º do Código Penal;
c) condenar a arguida (...) pela prática de dois crimes de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal, na pena de um ano de prisão, para cada um dos crimes;
d) condenar a arguida (...) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 202.º, alínea a), 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão;
e) condenar a arguida (...) pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de um ano de prisão;
f) condenar a arguida (...) pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelos artigos 360.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de oito meses de prisão;
g) procedendo ao cúmulo jurídico das supra referidas penas parcelares, condenar a arguida (...) na pena única de 3 (três) anos de prisão;
h) suspender na sua execução a pena aplicada à arguida (...) pelo período de 3 (três) anos, sujeita a regime de prova, a concretizar pela DGRSP, e condicionada ao pagamento solidário (com o arguido (...)) ao assistente, (...), do valor de 3.000€ (três mil euros), no prazo da suspensão;
i) condenar o arguido (...) pela prática de dois crimes de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal, na pena de um ano de prisão, para cada um dos crimes;
j) condenar o arguido (...) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 202.º, alínea a), 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão;
k) condenar o arguido (...) pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de um ano de prisão;
l) procedendo ao cúmulo jurídico das supra referidas penas parcelares, condenar o arguido (...) na pena única de 3 (três) anos de prisão;
m) suspender na sua execução a pena aplicada ao arguido (...) pelo período de 3 (três) anos, sujeita a regime de prova, a concretizar pela DGRSP, e condicionada ao pagamento solidário (com a arguida (...)) ao assistente, (...), do valor de 3.000€ (três mil euros), no prazo da suspensão;
n) julgar parcialmente procedente o pedido civil deduzido por (...), e, em consequência, condenar os arguidos (...) e (...) no pagamento, solidário da quantia de 5.607,50€ (cinco mil, seiscentos e sete euros e cinquenta cêntimos), a título de danos patrimoniais, e da quantia de 2.000€ (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se os referidos arguidos do demais peticionado e a arguida (...) de tudo o peticionado;
o) condenar os arguidos (...) e (...) a pagar as custas criminais, a que acresce a taxa de justiça, que se fixa, ao abrigo do disposto no artigo 8.°, n." 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, em 4UC;
p) condenar os arguidos (...) e (...) e o assistente a pagar as custas cíveis, na proporção do decaimento.

Inconformada com tal decisão, a Arguida (...) dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«I. A recorrente impugna a douta sentença em termos de:
- Matéria de facto, por entender que há factos incorretamente julgados, contraditórios entre si, de forma insanável, sendo que houve um erro notório na apreciação da prova e as provas produzidas e constantes nos autos impunham decisão diversa e,
- Matéria de Direito porquanto, em virtude do erro notório na apreciação da prova, resulta a violação de várias normas jurídicas, havendo, igualmente, um erro na determinação de normas aplicadas.
II. Os pontos de facto que a recorrente considera que foram incorretamente julgados são os pontos 2, 3, 5, 6, 7, 9º, 11º, 13º, 14, 17, 19, 21, 22 a 30, 32, 35, 36 e, conclusivamente o 41 e 42, isto é:
“2.- No dia 22.11.2016, entre as 9h30 e as 14h15, novamente na Rua (…), e numa garagem na Estrada (…), no âmbito do procedimento cautelar n.º1715/16.7T8TMR, do Juízo de Família e Menores de Tomar, foram ali arrolados, além do mais, os seguintes bens: C. uma bicicleta com motor a gasolina, avaliada à época, em € 800,00 (verba 233); D. um motociclo de cross sem matrícula, de cor preto, de marca Yamaha, avaliado à época em € 1 500,00 (verba 235).
3. Os referidos objetos acima discriminados, em 1.º e 2.º, foram entregues à arguida (...) na qualidade de fiel depositária, sendo que os mesmos são compropriedade do ofendido (...), ex-marido daquela.
5.- Todavia, entre o dia 21.11.2016 e as 9h00 do dia 22.11.2016, a arguida (...) decidiu engendrar um plano para dissipar e apropriar-se não só dos referidos bens, como de outros bens com valor que o referido (...) (ofendido) guardava no interior da referida habitação.
6. Naquele período, a arguida (...) deu conta dessa intenção e respetivos arrolamentos à arguida (...)-sua amiga à época- e ao filho desta: o arguido (...), pessoa com quem mantinha uma relação próxima.
7. Para tanto, entre as 15 horas do dia 21.11.2016 e o mês de dezembro daquele ano, na Rua (…), de forma não concretamente apurada, a arguida (...) entregou os seguintes bens ao arguido (...): - o aludido automóvel, arrolado, de marca Hyundai, modelo Accent, de matrícula (…), com valor de mercado não inferior a € 2 500,00; - duas motosserras novas laranjas, de marca não apurada, avaliadas em € 1 000,00; - dois geradores trifásicos de marca não apurada no valor de € 1 600,00; e - duas malas de ferramentas no valor de € 800,00 tudo (co)propriedade do ofendido (...).
9. Com o que o arguido (...) se apossou e fez seu aqueles objetos, no valor global de € 5.900 (cinco mil e novecentos euros).
11. Entre as 15h00 do dia 22.11.2016 e as 00h00 do dia 25.11.2016, a arguida (...)- com auxílio de três pessoas, nomeadamente de (…), sua funcionária, à época- transportou os motociclos e bicicleta, acima mencionados em 1.º e 2.º, para uma moradia antiga, desabitada, localizada na Estrada (…).
13. Após, entre as 0h00 do dia 25.11.2016 e as 14h00 do dia 26.11.2016, na Estrada (…), a mando da arguida (...), o arguido (...) e pelo menos mais duas pessoas não identificadas, penetraram, de forma não concretamente apurada, na referida residência, propriedade de “(…)”.
14. Dali retiraram os referidos bens: - bicicleta com motor a gasolina, avaliada à época, em € 800,00 (verba 233); - motociclo de cross sem matrícula, de cor preto, de marca Yamaha, avaliado à época em € 1 500,00 (verba 235); - Motociclo de cor vermelha, com matrícula (…), avaliado ali, à época, em € 600,00 (verba 143);
17. Com o que os arguidos fizeram seus aqueles bens, avaliados em € 2.900.
19. Fê-lo na qualidade de testemunha, contra a verdade por si conhecida, acima discriminada nos factos 1.º a 17.º.
21. Fê-lo, ainda, para ludibriar as autoridades e o seu ex-marido (...), ocultando assim a verdadeira localização dos bens.
22. Ao praticarem os factos acima discriminados, os arguidos (...) e (...) nunca informaram da localização dos bens aos referidos processos acima mencionados em 1.º e 2.º ou os presentes autos com o NUIPC 553/16.1GBTMR.
23. Nunca os apresentaram ou entregaram à ordem dos mesmos.
24. Com o que quiseram, e conseguiram, frustrar a finalidade dos dois arrolamentos efetuados.
25. E, assim, subtraí-los ao poder público a que encontravam adstritos.
26. Não obstante, os arguidos saberem que a arguida (...) os detinha na qualidade de fiel depositária.
27. E conhecerem as obrigações inerentes a tais cargos.
28. Os arguidos (...) e (...) agiram sempre de forma consciente, livre e deliberada, em permanente comunhão de esforços e intentos.
29. Com o propósito de integrar, ainda, como integraram, os aludidos bens nas suas esferas patrimoniais.
30. Não obstante saberem que os mesmos pertenciam a (...).
32. Para recuperar o veículo automóvel de marca Hyundai, com a matrícula (…)avaliado à época em 8.000€
51- O assistente foi obrigado a contratar um serviço de reboque para transportar o veículo de (…), onde foi mandado esconder.
35. Para guardar o referido veículo, de modo a que não seja alvo de descaminho, o assistente foi obrigado a guardá-lo na garagem de uma oficina, onde lhe é cobrada a quantia diária de 5€, pelo que perfaz a quantia de 560€ (quinhentos e sessenta euros).
36. Em deslocações para tentar localizar onde se encontravam os bens, nomeadamente para fornecer aos autos as moradas onde os bens se encontravam escondidos, bem como para que fossem recuperar o veículo, gastou em combustível pelo menos 100€ (cem euros).
41. Em especial a conduta da ex-mulher, a arguida (...), chocou e abalou profundamente o assistente porquanto aquela sabe que todo o património que o ex-casal possui foi adquirido com o trabalho árduo de emigrante do assistente para criar e educar os enteados e o filho do casal e proporcionar conforto à sua mulher.
42. Pelo que, ainda hoje, tais atitudes daquela arguida abalam profundamente o assistente.”
III. Os pontos de facto que a recorrente considera que encerram contradição insanável entre si são:
- Os pontos 2 e 11;
- Os pontos 3,7 (no que toca à consideração dos bens serem de copropriedade) e 41.
IV. Mais entende a recorrente que a prova testemunhal, as declarações dos arguidos, os documentos juntos aos autos e o relatório pericial impunham decisão diversa da que foi proferida, havendo erro notório na apreciação dessa prova.

DOS FACTOS CONSTANTES DOS PONTOS 2 e 11 e DA SUA CONTRADIÇÃO
V. No ponto 2 refere-se que o arrolamento foi, também, realizado numa garagem, na Estada da (…);;
VI. Ora, para lá de tal morada estar omissa no auto de arrolamento, que notória, reconhecido e indiscutivelmente foi elaborado com erro grosseiro, nunca nenhuma testemunha designou tal imóvel como garagem, mas sempre como casa da (…), constando, aliás, tal designação nos pontos 11 e 12 dos factos provados.
VII. No ponto 11 é considerado provado que entre as 15h do dia 22/11/2016 e as 00.00h do dia 25/11/2016, a recorrente, para lá do mais, com a ajuda da testemunha (…), transportou os motociclos para essa moradia.
VIII. Ora ambos estes pontos foram incorretamente julgados, havendo um erro notório na apreciação da prova, uma vez que a testemunha (...), cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.18.44 e 00.24.09 a 00.36.46., conforme consta da ata de 19/10/2020, a propósito dos mesmos referiu:
00:04:09.0
Procurador
(…), é isso?
00:04:11.0
(...)
Não. Essa estrada … Eu acho que essa estrada porque ela … a dona … a morada da D. (...) é (…).
00:04:17.0
Procurador
Certo.
00:04:17.7
(...)
… e a casa da (…) é antes da casa dela.
00:04:20.8
Procurador
Pronto. Vocês levaram esses … Que bens é que as senhoras transportaram?
00:04:25.7
(...)
A gente levámos as motas, 3 motas …
IX. Acresce que há uma contradição insanável:
- Entre os pontos 2, 11 e 12, em termos de designação do imóvel como casa e não como garagem, e
- Entre os pontos 2 e 11 uma vez que, aquando a realização do arrolamento, em 22/11/2016, está provado que os motociclos e bicicletas, foram arroladas, nesse referido imóvel, pelo que não podem ter sido aí ser posteriormente colocados.
X. Assim, devia considerar-se:
- Quanto ao ponto 2, que o auto foi feito, também, numa casa, e não numa garagem da Estrada da (…) e que as motos aí foram colocadas em data anterior ao arrolamento, e não posteriormente a essa data.
DOS PONTOS 3 e 7 (NA PARTE EM QUE SE REFERE QUE OS BENS SÃO DE CO-PROPRIEDADE) e DA SUA CONTRADIÇÃO COM O PONTO 41
XI. O Tribunal “a quo” apreciou, com erro notório, as provas produzidas e constantes dos autos, que impunham que se considerassem os bens como sendo comuns, pertencentes ao ex-casal, constituído pela recorrente e assistente e nunca como bens em regime de copropriedade.
XII. As provas que foram apreciadas com erro notório e que impunham esta decisão são as seguintes:
A. Antes demais, o arrolamento que consta dos autos é prévio ao divórcio pelo que, naturalmente, diz respeito a bens comuns, sendo certo que não foi produzida qualquer prova que permita excluir esses bens de tal categoria de bens comuns;
B. O assistente admite que os bens “subjudice” são comuns, no artigo 49º (vide fls. 362) do seu pedido de indemnização, já que alega o choque e abalo que sentiu, em especial com a conduta da recorrente, porquanto a mesma sabia que todo o património que o ex-casal possui foi adquirido com trabalho árduo;
C. O assistente (…), cujas declarações estão gravadas através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.53.29., conforme consta da ata de 19/2/2020, refere, a este propósito:
“00:22:17.3
(...)
O Hyundai foi comprado por 5 mil euros.
00:22:21.3
Advogada
O Hyundai … e quando? Tem ideia?
00:22:23.5
(...)
Penso que em 2009, 2010.
00:22:26.1
Advogada
Em 2009, 2010. Pronto. A bicicleta a motor a gasolina da marca Solex?
00:22:38.2
(...)
Essa mota já ... impercetível ... desde há dez anos.
00:31:44.2
Advogada
Sim senhora. Olhe o senhor quando fez o arrolamento ainda estava casado. Só se divorciou bastante tempo depois.
00:31:52.8
(...)
Depois meti o divórcio.
00:31:53.0
Advogada
Pediu o divórcio mas o arrolamento foi feito ainda os senhores estavam casados.
00:31:56.4
(...)
Pois.”
Esclarecendo a propósito dos geradores:
“00:46:02.0
Advogada
Então quantos geradores é que os senhores tinham?
00:46:03.8
(...)
Eram três. E a Sr.ª D. (...) vendeu um ao cunhado.
00:46:08.8
(...)
Os meus estavam lá novos.
00:46:10.7
Advogada
Na altura, os seus … do casal.
00:46:13.5
(...)
Do casal, exatamente.
00:46:14.8
(...)
Do casal.”
D. A recorrente, cujas declarações estão gravadas através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.34.32., conforme consta da ata de 19/2/2020, a este propósito, referiu;
“00:11:13.2
Procurador
Olhe diga-me uma coisa e porque é que as motas, se as motas eram do seu marido porque é que as motas …
00:11:17.9
(...)
As motas não era do meu marido, as motas eram um bem …
00:11:19.9
Procurador
… prontos eram suas.
00:11:20.7
(...)
… comum.
00:30:02.9
Advogada
E aquelas malas e a Senhora também está aqui a ser acusada por causa de duas motosserras, dois geradores trifásicos, e duas malas de ferramenta. Primeiro de quem são estes bens?
00:30:14.6
(...)
Meus …
00:30:14.7
Advogada
Eram do casal?
00:30:15.4
(...)
… e do meu marido
E. Acresce que, resulta dos documentos n.ºs 6 e 7, juntos pela recorrente a fls.406 e 407, e respetiva tradução a fls. 433 a 437, que não foram impugnados, que a moto Yamaha foi, claramente comprada na pendencia do casamento.
XIII. Acresce que existe uma contradição insanável entre os factos provados nos pontos 3 e 7 e o facto provado no ponto 41. Na verdade, no ponto 41 considera-se provado que todo o património era do ex-casal, pelo que não se pode considerar o regime de copropriedade que foi considerado nos referidos pontos 3 e 7.
DOS FACTOS DOS PONTOS 5 a 17
XIV. Para considerar provados estes factos o Tribunal “a quo”, conforme consta da motivação, atendeu a vários depoimentos e declarações que, na perspetiva da recorrente, encerram um erro notório na sua apreciação, sendo certo que as provas produzidas impunham decisão diversa sobre a factualidade “subjudice”, devendo decidir-se que não houve qualquer intervenção ou participação da recorrente nos factos “subjudice” e que os valores são diferentes dos considerados.
XV. Assim, as provas que o Tribunal “a quo” considerou com erro notório na sua apreciação e que impunham decisão diversa são as seguintes:
A. DECLARAÇÕES DO ASSISTENTE (…):
- Considera o Tribunal “a quo” que as declarações do assistente mereciam credibilidade e que foram espontâneas e objetivas, que o assistente esclareceu os objetos subtraídos, a quem pertenciam, onde foram adquiridos e porque valor (que são os que constam dos factos provados), a forma como veio a saber do paradeiro dos mesmos, através de um encontro tido com o arguido (...), e as despesas que teve para os encontrar.
- Das declarações do assistente que estão gravadas através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.53.29, conforme consta da ata de 19/2/2020, resulta que:
· O primeiro conhecimento que teve acerca da posse das motas, por parte do coarguido (...) é que as utilizava e
não as furtara:
00:09:18.0
(...)
Eu não estava cá. Eu vinha cá 15 dias ia e vinha, disseram-me que ele andava lá com a mota … com a mota do meu filho para trás e para a frente, chegavam a dizer “eh pá a tua mota anda para trás e para cima” ... impercetível ... “Ah viram-no andar com ela, depois no outro dia ... eh pá a tua mota de solteiro anda lá na estrada.” “Ah então mas ela não tem seguro nem nada” “anda alguém com ela”. Bem diziam-me tanta coisa que se tinha relação com ele ou tinha alguma coisa a ver com ele não sei.”
· Que o Hyundai não foi furtado mas emprestado ao arguido (...), embora sem seus consentimento e
conhecimento:
“00:27:47.4
Advogada
Qual carro emprestado é que o Sr. (...) tinha?
00:27:49.8
(...)
O Hyundai.
00:27:50.6
Advogada
O Hyundai. O que é que ele lhe disse concretamente? Tinha o carro emprestado, foi a D. (...) que o emprestou?
00:27:55.1
(...)
Sim. Que o tinha estampado, que não tinha dinheiro para o arranjar, estava lá todo partido e que era preciso levar tempo para o arranjar.
00:28:01.5
Advogada
Então espere aí. Portanto quando o senhor se reúne com o Sr. (...) ele efetivamente confessa-lhe que a D. (...) lhe emprestou o carro e que ele teve um acidente com o carro? Que o tinha estampado vá?
00:28:12.9
(...)
Disse que tinha o carro estampado.
00:28:30.5
(...)
Eu nem sabia que o (...) lá tinha o carro. Eu não fui informado que andava com o meu carro se não.
00:29:20.3
Advogada
Mas ele disse-lhe que não roubou o carro? Nem ele nem a mando da D. (...)?
00:29:24.9
(...)
Não, esse carro ele não me disse. Ele disse …”
· Que o seu depoimento está eivado de contradições uma vez que:
Não justifica o motivo pelo qual acredita no arguido (...) e não na recorrente, sua ex-mulher, sendo que o motivo que apresenta para acreditar no relato do arguido (...) fere o espírito do homem médio:
00:30:27.8
(...)
As motas, foi a D. (...) que o mandou roubar.
00:30:29.4
Advogada
E o senhor não achou estranho?
00:30:30.5
(...)
Não.
00:30:32.1
(...)
Porque ele chegou ao pé de mim e disse que a D. (...) lhe dava 2 500 euros nas mãos ou 6 para ele ir comprar droga e que teve que …
00:30:38.2
Advogada
E o senhor não achou estranho?
00:30:39.5
(...)
Não.
00:30:39.2
Advogada
O senhor esteve casado anos com a D. (...), não achou estranho …
00:30:41.2
(...)
Não.
00:30:41.2
Advogada
Uma pessoa que o senhor não conhece de lado nenhum, que não sabe qual é a relação que tem com a D. (...) chegar ao pé de si e dizer …
00:30:46.9
(...)
Não.
00:30:47.1
Advogada
Que ela transporta 2 500 …
00:30:48.9
(...)
Eu gostava muito da minha mulher, amei-a muito, trabalhei muito e ela
… “
· Admite que não tem a recorrente como “ladra”:
“00:30:54.0
Advogada
Então, olhe lá quando o senhor chegou a ver as motas, quando lá foi ver a mota que estava naquele tal barracão o senhor disse aqui ao tribunal que aquilo parecia um barracão cheio de motas …

00:31:00.2
(...)
Sim, sim.
00:31:01.1
Advogada
Tudo roubado.
00:31:01.1
(...)
Sim.
00:31:02.2
Advogada
Não ficou a achar que também tinha sido a D. (...) a mandar roubar as outras motas?
00:31:04.8
(...)
Não.
00:31:05.7
Advogada
Então porquê?
00:31.06.8
(...)
Porque eu nunca tive a D. (...) por isso.
· Cai em contradição no que toca ao motivo que o levou a requerer o arrolamento, admitindo que não deu por falta de
nada:
00:32:14.5
Advogada
Quando foi feito o arrolamento o senhor fez o arrolamento porque achava que estavam a ser tiradas coisas de casas, de lá da casa. Notou assim a falta de tanta coisa lá de casa?
00:32:25.0
(...)
Não, eu pedi o divórcio da vez que encontrei o amante com a minha mulher dentro de casa.
00:32:52.2
(...)
Sim mas eu … eu nunca mais entrei dentro de minha casa. Por isso eu não sei o que é que faltava.”
· Admite que viu as motas na casa da D. (…) e que teve acesso à casa:
00:18:46.9
Advogada
Oh Sr. (…) pense lá, é uma coisa que não é assim … podiam estar num sítio que você não as visse, mas a casa também é pequenita? Podiam estar noutra divisão mas pense lá.
00:18:58.1
(...)
Estavam, lá estavam.
00:18:57.9
Advogada
Estavam?
00:18:59.4
(...)
Estavam …
00:19:08.6
(...)
Acho que já estavam lá já nesse dia.
00:19:55.4
Advogada
Pronto. Depois o senhor teve conhecimento que houve o arrolamento, que as motas foram arroladas e que elas estavam …
00:20:00.8
(...)
Estavam lá dentro.
· Não é objetivo no que toca à identificação de alguns dos bens móveis, do seu estado de conservação e dos seus
valores:
“00:43:41.2
Advogada
As malas … as malas de ferramentas e … portanto temos aqui as duas motosserras laranjas, estas duas motosserras o senhor lembra-se onde é que foram compradas?
00:43:59.2
(...)
Lembro.
00:44:02.0
(...)
A um senhor que andava lá a vender.
00:44:10.6
(...)
Mas não fui só eu que comprei, toda a gente comprou.
00:44:22.2
(...)
As motosserras também acho que era Honda, mas o gerador tenho a certeza que era Honda.
00:44:24.4
Advogada
O senhor não tem conhecimento que uma das motosserras se estragou?
00:44:28.4
(...)
Então eu tinha uma que quando eu casei, fiz a casa comprei uma nova. Do Zé Luís, do Zé Lourenço.
00:44:36.0
Advogada
O senhor não tem conhecimento que uma das motosserras se estragou?
00:44:38.2
(...)
Não.
00:44:41.3
(...)
Eu não estraguei nenhuma.
00:44:43.5
(...)
Então se ela a estragou que a arranje.
00:45:23.2
Advogada
E esses geradores onde é que o senhor os comprou?
00:45:25.6
(...)
Comprámos ao mesmo homem que andava lá a vender.
00:45:28.5
Advogada
Era um indivíduo de etnia cigana?
00:45:30.1
(...)
É capaz disso.
- Portanto, das declarações do assistente não se pode retirar que o mesmo tenha sido objetivo e que tenha esclarecido, com clareza e de forma inequívoca, os pontos de facto em apreço.
B. DECLARAÇÕES DA CO-ARGUIDA (...):
- Considera o Tribunal “a quo” que as declarações da coarguida (...) confirmaram que a recorrente queria pôr vários bens fora do alcance do assistente, tendo pago ao coarguido (...) para o fazer.
- A coarguida (...) cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Media Studio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.03 a 00.09.57; 00.00.01 a 00.08.55 e 00.13.26 a 00.19.04, conforme consta da ata de 19/10/2020, afirma o seguinte:
00:04:59.7
Juiz
A D.ª (...) alguma vez a contactou para que a ajudasse a transportar este, estas coisas para algum sítio?
00:05:05.2
(...)
Não a mim.
Juiz
Sim. Para dizer aquilo que sabe e aquilo que viu, não é aquilo que lhe disseram ou que aquilo que se põe.
00:06:04.0
(...)
Não, eu não vi nada.
00:08:51.7
(...)
Sim, sim, sim eu digo que sim porque eu sou, eu sei que a verdade tem que ser dita, eu sabia que ela ia, planeou várias coisas, depois se me quiserem ouvir noutra, noutra situação eu também estou pronta a ajudar.
00:02:12.8
(...)
Só tenho conhecimento depois de ter o processo porque foram, acho que foram 2 motas, moto serras não sei eu nunca vi na casa da minha mãe as coisas. Que tenha, estavam lá. Quem pode explicar isso é a dona, é a D.ª (...) que ela sabe disso tudo.
00:02:45.2
Procurador
Que os bens foram retirados por ela?
00:02:46.6
(...)
Sim, sim, sim.
00:02:47.4
Procurador
Por mando, a mando dela?
00:02:48.4
(...)
Com certeza.
00:04:07.2
Advogada
A senhora ouviu alguma conversa …
00:04:08.5
(...)
Não.
00:04:09.3
Advogada
… dela e o seu filho, ou precisamente as coisas …
00:04:10.5
(...)
Não.
00:04:20.1
(...)
Os preços e isso tudo, eu não soube.
00:14:54.9
Advogada
A senhora alguma vez, destes bens, alguma vez ouviu alguma conversa entre a D.ª (...) e o Sr. (...)?
00:15:00.5
(...)
Não ouvi, mas também sei que foi assim.
00:15:06.9
Advogada
O que a senhora sabe foi o que a D.ª (...) supostamente lhe disse?
00:15:09.4
(...)
Não, não.
00:15:10.2
Advogada
Então?
00:15:11.1
(...)
O que eles combinaram ali, na vida deles os 2 que era, havia muita coisa, eu sabia de tudo.”
- Portanto, do depoimento da coarguida (...) retira-se:
· Que não assistiu a nada,
· Que nunca presenciou qualquer conversa entre os coarguidos (...) e (...),
· Que o que afirma não resultou de conversa com a recorrente,
· Que não sabe que tipo de valor foi acordado.
- Acresce que, conforme consta da ata de 19/10/2020, tal coarguida foi confrontada, ao abrigo do disposto no artigo 357º do C.P.P., com duas declarações distintas, que prestou no decurso do inquérito, nomeadamente de fls. 199 a 160 e 290:
“00:11:22.2
Juiz
Então eu vou, vou ler aquilo que a D.ª (...) disse anteriormente, que é que a D.ª (...) lhe referiu ter 2 motas e uma bicicleta, propriedade de seu filho que se encontravam num barracão propriedade de (…), a mesma mandou retirar de lá estes veículos e levar para casa da mãe da depoente, (…), sita em Rua (…). A D.ª (...) pediu-lhe ajuda para retirar estes bens, que disse que eram do filho, e levá-los para um lugar o seguro para que o seu marido, Sr. (…), não os incluísse nos bens a partilhar, porque disse antes o Sr. (…) mandou vir da Suíça para levar estas motas, nessa altura a D.ª (...) não deixou, foi quando ela teve a ideia de retirar as motas da sua casa e levá-las para o barracão da D.ª (…). O Sr. (…) foi contactado pela filha da arguida, para efetuar o transporte dos móveis de (…) para (…), nessa altura e porque ele estava no local dos factos, foi-lhe pedido ou pela depoente ou pelo seu filho (...), o mesmo pela D.ª (...) não tendo a depoente a certeza sobre quem foi a pessoa em concreto, que aproveitando a viagem de regresso levasse as motas do referido barracão da D.ª (…) para a casa da mãe da depoente, sita em (…), desconhecendo o Sr. (…) a proveniência e o objeto ao transporte, na altura o Sr. (…) encontrava-se acompanhado da namorada, cuja identidade desconhece. Isto disse no primeiro momento.
Responde simplesmente:
00:12:47.2
Procurador
Após audição das declarações gravadas no dia 8/2/2019, esclareceu:
“00:00:01.2
(...)
… Juiz, que não ficava sem … se o Sr. (…) quisesse as coisas dele, tinha de pagar ao Sr. (...), certo? Foi assim, eu nunca disse que o meu filho roubou. Tanto que no dia a seguir de tudo isto acontecer a D.ª (...) foi à minha casa desesperada e encontrou-me no café e disse, vamos buscar tudo e pomos aí largado num lado qualquer, e nós não o fizemos. Ficou mantido …
00:00:43.5
Procurador
Como é que as motosserras foram parar às mãos do seu filho?
00:00:46.2
(...)
Eu acho que o meu filho vai, vai ser escutado, ele é que tem que dizer porque eu neste momento só sei que as motas, e o que eles combinaram os 2, não foi só isso, há muita coisa Doutor.”
- Ou seja, a coarguida (...) tem três tipos de posições sobre a factualidade, admitindo que, em determinada altura, mentiu ao Juiz (referindo-se ao Exmo. Sr. Procurador):
“00:08:51.7
(...)
Sim, sim, sim eu digo que sim porque eu sou, eu sei que a verdade tem que ser dita, eu sabia que ela ia, planeou várias coisas, depois se me quiserem ouvir noutra, noutra situação eu também estou pronta a ajudar.
00:09:05.2
Procurador
Então mas já, mas ouvir noutra situação como assim? A senhora está a ser acusada, é neste processo que tem que falar.
00:09:27.0
(...)
Conseguia mais o meu filho, então pois eles às vezes até se encostavam na cama, o meu filho mais ela. E eu não tenho nada a ver e ela, e eu menti no dia que fui, que fui ali ao Juiz chamada, acho que até foi com o Doutor.”(o sublinhado é nosso)
- Portanto, as declarações prestadas são contraditórias, levantando dúvidas sérias acerca da sua veracidade e impunham que, com base nelas, o Tribunal tivesse considerado os pontos “sub judice” como não provados.
C. DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO (...):
- O Tribunal “a quo” considera que as declarações do coarguido (...) confirmam que a recorrente queria pôr vários bens fora do alcance do assistente, tendo-lhe pago para o fazer.
- O coarguido (...) cujas declarações estão gravadas através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.00 a 00.33.20., conforme consta da ata de 10/11/2020, prestou declarações eivadas de contradições, com uma total falta de explicações, que ferem o senso comum e o espírito do homem médio, uma vez que:
· O arguido (...) afirma que foi estipulado que levaria, ou mandaria levar as motos, para uma casa velha (da D.
Rosa).
“00:03:59.5
(...)
Nessa mudança já estava estipulado as motas que saíram da casa do Sr. (...) para irem para uma casa velha.
00:04:04.8
Juiz
Mas estipulado por quem?
00:04:06.3
(...)
Pela D.ª (...).”
Ora, resultou provado, no ponto 2 da matéria de facto que, em 22/11/2016, aquando o arrolamento de bens, tais motos já aí se encontravam.
Assim, as motos não foram transportadas para tal local no dia do alegado transporte e furto, sem esquecer o que alegamos, anteriormente a propósito deste ponto e da sua contradição com o ponto 7.
· Quanto à questão de saber se era conhecedor que os bens pertenciam, também ao assistente, o arguido tem
versões contraditórias uma vez que…. Tanto afirma:
“0:05:20.2
Juiz
Ela explicou-lhe porque é que queria tirar as coisas de lá?
00:05:23.3
(...)
Foi desde sempre. Foi, a história foi sempre a mesma, foi sempre para tentar afastar e retirar as coisas do marido para mais tarde ser, ser ele o prejudicado no meio disso tudo.”
Como afirma:
“00:08:37.0
Juiz
Mas o senhor quando aceitou fazer isto sabia que as coisas pertenciam também ao Sr. (...)?
00:08:40.8
(...)
Não, eu não sabia de nada disso.
00:08:42.5
Juiz
Não?
00:08:42.5
(...)
Só soube depois, por isso mesmo é que eu optei por falar com o Sr. (...) e tentar saber e perceber o que é que se estava a passar, e por isso mencionar onde é que as coisas estavam e pegá-las de livre vontade.”
· Quanto à questão de saber o motivo pelo qual transmitiu esta factualidade ao assistente, o arguido (...)
apresentou versões contraditórias e incoerentes, nomeadamente…
Afirma:
“00:05:35.1
Juiz
O senhor já conhecia o Sr. (...)?
00:05:36.7
(...)
Não. Conheci o Sr. (...) já depois das motas lá estarem em baixo, em casa da minha avó e já bastante tempo, numa altura em que o Sr. (...) casualmente cruzou ali perto, nós estávamos cá fora e uma amiga conhecida do Sr. (...), que é a (…), é que disse que era o Sr. (...) e eu, neste caso, tentei entrar em contacto e pedi o número de telefone à (…), o número do Sr. (...) para lhe explicar a situação e donde ...
00:06:02.1
Juiz
Então ...
00:06:02.1
(...)
... mais tarde ...
00:06:03.1
Juiz
... porque é que resolveu depois explicar-lhe o que é que aconteceu? Porque é que ...
00:06:06.2
(...)
Porque relativamente nesse assunto eu estava aqui há sensivelmente três ou quatro meses, que estava separado, estava chateado da minha ex-mulher, vá. E vim para casa da minha mãe uns tempos.
Também afirma:
00:08:37.0
Juiz
Mas o senhor quando aceitou fazer isto sabia que as coisas pertenciam também ao Sr. (...)?
00:08:40.8
(...)
Não, eu não sabia de nada disso.
00:08:42.5
Juiz
Não?
00:08:42.5
(...)
Só soube depois, por isso mesmo é que eu optei por falar com o Sr. (...) e tentar saber e perceber o que é que se estava a passar, e por isso mencionar onde é que as coisas estavam e pegá-las de livre vontade.
Afirma ainda:
00:21:24.1
Advogada
Se só teve conhecimento de que a D.ª (...) o acusava quando começaram os julgamentos, porque é que o senhor foi muito antes disso dizer ao Sr. (...) que o senhor é que os tinha retirado? Ele não sabia, ninguém sabia.
00:21:36.5
(...)
Porque eu percebi, eu percebi ...
00:21:40.6
Advogada
Qual é a lógica?
00:21:41.7
(...)
A lógica é esta. A lógica é que eu estava aqui, assumo aquilo que realmente fiz.
00:22:15.1
Advogada
... mas continuo-lhe a perguntar. O senhor não conhece o Sr. (...) de lado nenhum. O senhor até mandou retirar, a mando da D.ª (...), até vendeu os bens. Porque é que o senhor vai dizer a uma pessoa que o senhor não conhece, quando ninguém sabe quem tirou o quê?
00:22:27.9
(...)
Porque eu conheci o Sr. (...) e eu achei que ele não merecia o que ela estava a fazer.
00:22:39.6
(...)
... afinal de contas era para me tentar defender de certa forma porque é assim eu o que eu fiz, o que eu fiz não foi, pode não ter sido bondoso. Maldoso também não foi com intenções daquilo, da maneira que foi, e só tentei perceber qual era o ângulo correto das coisas e por isso achei que era melhor falar com o Sr. (...).
E mais afirma:
“00:25:59.6
(...)
... foi na altura que eu conheci o Sr. (...). Depois o Sr. (...) inclusive que me ligou da situação realmente de tribunais e tudo mais e alertou-me desta situação, por isso mesmo é que eu abri o jogo com o Sr. (...).
00:26:08.4
Advogada
Oh senhor, oh Sr. (...), como é que o Sr. (...) alertou o senhor que andava em tribunais? Foi o senhor que foi alertar o Sr. (...), pelo menos foi aquilo que ele aqui disse, que ele teve conhecimento disto através duma conversa consigo.
00:26:18.6
(...)
Exatamente.
00:26:19.5
Advogada
Pois, então não foi o Sr. (...) que alertou o senhor ...”
- Portanto, o arguido refere que contou a situação ao assistente por vários motivos que foi alterando ao longo do depoimento, nomeadamente porque:
· Estava emocionalmente em baixo,
· Posteriormente soube que eram do assistente e optou por dizer-lhe,
· Teve um rebate de lógica que era o correto a fazer,
· Porque o assistente lhe ligou e o alertou para a situação dos “Tribunais”, quando o que ocorreu foi exatamente o
oposto, isto é, foi o arguido (...) que contactou e alertou o assistente.
- Quanto à explicação que encontrou para a coarguida não retirar e vender os bens, sozinha, sem recorrer ao arguido (...) e, assim, não ter de dividir com ele o dinheiro, afirmou:
“00:04:58.8
(...)
Motosserras. Geradores e motosserras, onde desses motosserras e desses geradores fiz algum dinheiro e devolvi metade do dinheiro a ela.

00:19:29.1
Advogada
Deu ordens para você realizar dinheiro era para si só ou era para os dois?
00:19:33.4
(...)
Era para os dois.”
00:24:02.1
Advogada
Porque é que a D.ª (...), se queria fazer isso, receber esse dinheiro, não vendeu diretamente ela a motosserra ... e disse ao
senhor para ir roubar a motosserra?
00:24:19.3
(...)
Porque a D.ª (...) para já é uma mulher bastante movimentada, tinha bastantes coisas a andar.
00:24:30.3
Advogada
... eu estou-lhe a perguntar. Qual é a explicação que na altura o senhor encontrou, se encontrou, ela tem uma motosserra.
00:24:36.0
(...)
Eu não tenho explicação nenhuma.
- Portanto, jamais se podia retirar das declarações do coarguido a prova dos pontos 5 a 17 até porque fere o senso comum e o espirito do homem médio que, sendo a recorrente dona dos bens, podendo vendê-los e fazer seu o produto de venda, peça a alguém para o fazer, repartindo com ele o dinheiro.
D. DECLARAÇÕES DAS TESTEMUNHAS (…):
- Considera a Mss. Juiz “a quo” que as declarações da arguida não mereceram credibilidade pelo facto de:
· Não ter apresentado queixa,
· Não existir qualquer sinal de arrombamento, como confirmado pelos militares da GNR (…),
· O que lhe permite concluir que a recorrente, que era quem tinha acesso aos locais onde os bens se encontravam,
os colocou à disposição do coarguido (...) para que os fizesse desaparecer.
- Antes de mais não podemos deixar de salientar a contradição que existe na apreciação que a Mss. Juiz “a quo” faz, no que toca à questão da falta de apresentação da queixa, uma vez que a recorrente, conforme consta da douta acusação pública, foi acusada pelo crime de simulação de crime por ter feito criar o auto de notícia que deu origem aos presentes autos.
Ora, tendo sido acusada (e absolvida!) da prática desses factos, não se entende como se podem valorar para efeitos de considerar a falta de credibilidade das declarações da arguida.
Ademais, o Tribunal “a quo” não teve em consideração que as fls. 37 e 38, a recorrente manifestou o desejo de procedimento criminal.
- Das declarações do militar (…), cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.02.18 a 00.07.30, conforme consta da ata de 19/2/2020: resulta que não se deslocou ao local, aquando da denuncia, jamais de podia retirar o que o tribunal retirou, uma vez que a intervenção desta testemunha limitou-se a:
00:03:38.0
(...)
Eu posteriormente fiz as diligências nesse inquérito aquando da elaboração do auto de notícia por parte dos meus colegas. Houve duas testemunhas que visualizaram uns indivíduos e uma viatura nas imediações da residência a carregar os ciclomotores na… na viatura e foi anotada a matrícula. Posteriormente na nossa base de dados vimos o nome da proprietária da viatura. Eu fiz diligências junto dos meus colegas de Porto de Mós uma vez que o proprietário seria daquela zona, ele veio a declarar nessa altura… nessa altura não, posteriormente quando veio o ofício, que teria emprestado a viatura ao Sr. (...) e à Sr.ª (...). Eu depois inquiri o Sr. (...) e a Sr.ª (...) inicialmente como testemunha portanto, a confirmar se efetivamente tiveram na posse da viatura nessa altura, eles confirmaram que sim.
00:04:36.0
(...)
Foi a minha intervenção…
- Do depoimento do militar (…), cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.05.53., conforme consta da ata de 19/2/2020 resulta, inequivocamente, que houve sinais de arrombamento:
Procurador
E depois o que é que constatou?
00:01:05.0
(…)
Pronto, quando eu lá cheguei portanto, houve um arrombamento nas traseiras da habitação, uma habitação já um pouco antiga, as portas em madeira, portanto verifiquei lá dentro realmente havia óleos de mota … qualquer coisa, portanto, como era já noite escura, Inverno havia uma erva grande e notava-se o arrastamento de … de motas.
- Ou seja, de forma notória, houve um erro na apreciação das provas supra referidas que impunham, exatamente, que se considerasse provado o contrário, isto é, que houve sinais de arrombamento.

E. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA (...)
- O Tribunal “a quo”, atendeu às declarações desta testemunha considerando que confirmou o transporte das motas para casa da (…), a mando da arguida, de onde decorre a intenção da arguida de fazer desaparecer os bens, uma vez que só assim se explica que estando as motas em casa própria, tenha determinado o seu transporte para uma casa velha.
- Do depoimento desta testemunha, gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.18.44 e 00.24.09 a 00.36.46., conforme consta ata de 19/10/2020, retira-se que não houve qualquer ordem ou intervenção da recorrente no “desaparecimento” dos bens.
- Na verdade, a testemunha foi inquirida acerca de uma conversa entre a recorrente e a coarguida (...) referindo:
“ 00:17:40.6
(...)
Sim. E a D. (...) parou a carrinha e disse assim: “Olha, espera aí que eu vou ali”. E … estava lá a D. (...), e ela foi falar com a D. (...), e depois ouvi a D. (...) estar a falar com a D. (...), a D. (...) até me foi oferecer se eu queria beber alguma coisa, e eu disse que não, e ouvi a D. (...) dizer-lhe assim: “tu é que mandastes … Tu é que mandastes”.
00:18:15.8
(...)
Eh pá o que eu tenho impressão, espere lá, deixe-me cá ver se me recordo bem, espere aí. … Ah, a D. (...) disse assim para … para … para ela, que a D. (...) foi-me chamar se eu queria beber alguma coisa, e depois a D. (...) disse assim … para ela “eu não disse para vocês não mexerem? Porque o tribunal tinha passado. “ E a D. (...) disse assim: “foste tu que mandastes”.
- Porque a testemunha não se recordava, com certeza, da conversa a que assistiu, conforme consta da ata de 19/10/2020, para avivamento da memória, foram lidas as declarações que prestou em sede de inquérito, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, proveniente da aplicação "H@bilus Média Stúdio", contadores 00.18.47 a 00.19.50, tendo afirmado:
“00:17:27.9
Que vêm cedo, que está numa cerâmica que está abandonada lá na portela, e a gente vai lá aos figos, vão lá, vai lá as pessoas quem quer que aquilo está abandonado vai quem quer, e então a (...) parou ao pé de um que é o (…), que é lá um cafezito, e estada lá a D.ª (...) assentada, e ela vai assim olha epá…impercetível… agora vamos ali parar, e a gente parou lá a carrinha, parámos lá a carrinha mas já o tribunal tinha passado por causa da (...), por causa das coisa que o Sr. (...) tinha dado ao tribunal, e então ela chegou ao pé dela disse-lhe assim…ó D.ª (...), eu disse-lhe a você já para não mexer, para não mexerem nas motas, então já estavam tiradas já estavam tiradas.
00:15.16.1
Juiz
Foi a conversa,,,
00:15.17.4
(...)
Foi a conversa que eu ouvi junto a elas.”
Ao ser confrontada com a diferença de declarações a testemunha esclareceu:
“00:26:58.2
(...)
… e a D. (...) … e a D. (...) disse assim … ” você não tinha nada que mexer porque as motas … já tinha passado o … já passou o tribunal.” E a D. (...) disse assim: “Foste tu que mandastes.”
00:27:07.8
Advogada
Não foi isso que a senhora na altura disse. O que a senhora na altura disse foi “já estavam tiradas, já estavam tiradas.” É diferente daquilo que a senhora agora está a dizer.
00:27:13.8
(...)
Então, se calhar mais uma coisa, menos outra até … impercetível … “
- Portanto, do teor do depoimento desta testemunha tem de se concluir que a recorrente não deu ordem para tirar o que quer que fosse, contrariamente ao que o Tribunal “a quo” concluiu.
F. DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS (…):
- O Tribunal “a quo” para considerar provado os pontos 5 a 17 atendeu às declarações destas duas testemunhas, concluindo que o arguido (...) e as pessoas que o acompanhavam entraram, na referida casa, como se de nada ilícito se tratasse, por terem “autorização” da recorrente para o efeito (vide fls. 15 da douta sentença).
- Ora, a testemunha (...), cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.01.03 a 00.14.24, conforme consta da ata de 19/10/2020, referiu o seguinte:
“00:02:16.5
(...)
Olhe, foi assim, eu vinha de uma fazenda, de andar a apanhar azeitona. E vinha com o trator che … cheio de rama, e ia para ir descarregar lá umas ovelhas que tinha lá no cruzamento. E então, vejo vir uma carrinha por aí abaixo, e achei aquilo estranho, que ela vinha muito devagarinho. Vinha andando para baixo … Eu passei o cruzamento, comecei a descarregar a … a rama da azeitona lá para as … lá para as ovelhas, e entretanto a carrinha vem, e corta o ... o cruzamento corta para baixo, e vai devagarito. Chegou cá a baixo, parou. E eu assim: Que raio … Saem dois indivíduos lá de cima, a correr. Sobem a ribanceira, e vão lá direito à casa de uma velhota, que é a (...). E eu, achei aquilo história. Prontos. E depois ele foi … continuou devagarito. Chegou cá ao cruzamento, voltou para cima. Veio pela estrada acima. Eu, entretanto, descarreguei, e pedi-lhe o trator, e depois lá a ela para … Vinha a … vinha uma Senhora a conduzir, e outro rapaz ao lado. E eu, achei aquilo história. Prontos. Para … fui àquele sítio …
00:06:29.4
(...)
Não, não, não, não. Eu não fui lá ver. Foi … Nessa altura, vim para baixo. Telefonei ao … ao (...), para o (...) ir ver o que é que é, enquanto eu fui virar o trator. Porque o outro para vir para casa … impercetível … e o outro rapaz … Ó pá, olha ali. Há ali qualquer coisa que tem … que eles saíram de dentro do … da carrinha, e … e levavam … Agora vão acolá a correr com uma um … com uma mota. Olha acolá onde eles vem. E depois fui buscar o trator, ia outra com outra. Eu, depois, telefonei ao (...), e ele foi depois logo ver. Até ia de chinelos. E eu virei o trator, vim cá acima. Quando cheguei acima, foi quando eles arrancaram. Até disse assim para o (...): Epá, tira aí a matrícula. Já agora, tira a matrícula. Foi a nossa sorte.
00:08:07.0
(...)
Olhe … outra coisa … Não … não sei se fui eu, se foi o … o (...). Mas, eu … eu liguei ao meu irmão. Também não sei se foi ele. Mas, eu sei que a … a GNR passado um bocadito apareceu logo lá.”
- Portanto, o Tribunal “a quo” não podia concluir que tal testemunha entendeu a atuação do coarguido (...), e de quem o acompanhou, como lícito, atenta a forma como depôs de onde decorre que, de facto, entendeu que algo de ilícito se passava.
- Por sua vez a testemunha (…), cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.33.35., conforme consta da ata de 19/10/2020, referiu o seguinte:
“00:01:47.1
(…)
Bom, em primeiro lugar eu estava em casa dos meus pais, embora com o meu pai já falecido, estava lá, fui ver a minha mãe, eu estava com ela, e de frente à casa dos meus pais há um terreno em que o irmão do Sr. (...) tem um gado a pastar. E ele tinha vindo de um olival com o trator carregado de rama de oliveira para ir deitar aos animais. Entretanto quando ele vai para se ir embora viu andar ali uma carrinha para baixo e para cima e aquilo estranhou. Entretanto o Sr. (…) vai seguindo para casa e vê a carrinha a vir, a virar lá no largo onde mora o filho do Sr. (…). Ora, ele pôs-se a olhar para aquilo, aquilo um bocado estranho, a carrinha vira para cima e há duas pessoas que saltam, dois homens que saltam dessa dita carrinha e vão pelo meio da fazenda direito a uma casa velha que lá está de uma Senhora que a D. (...) toma conta. E claro, o irmão do Sr. (…) telefona-me e diz-me, ó (...) está aí uma carrinha parada ao pé do caixote do lixo, vê lá o que é que tu vês dali. É que a carrinha foi para cima e saltaram dois fulanos da carrinha. Saltaram dois fulanos da carrinha e foram por aí acima direito à casa velha. E eu estranhei aquilo, claro. Quando eu dou conta vem-me dois gajos, dois rapazes, não sei a idade deles, direito a carrinha cada um com a sua mota. E claro, eu fiquei assim pasmado, não sabia o que é que se passava, até lhe procurei querem ajuda? E vou eu direito à carrinha, eles a acelerarem muito e metem
as motos lá para dentro, cada um a sua, e já lá devia estar alguém dentro da carrinha, penso eu, por aquilo que se fala.
00:04:08.6
(...)
E com uma aceleração, uma coisa doida. E eu estranhei aquilo. Porque eu até ia de chinelos …
00:04:35.7
(...)
E os fulanos, os fulanos arrancaram, a malta começou a estar por ali. Mas o que é que se passa, o que é que se passa, e eu tirei a matrícula à carrinha. Entretanto chegou o irmão do …
É verdade que tal testemunha, após várias insistências, referiu que achou que aquilo não seria um furto:
“00:06:54.3
Procurador
... não entendeu aquilo como um furto?
00:06:56.0
(...)
Não. Não entendi nada. Que eu até lhe procurei eles querem ajuda?”
Porém, o seu discurso, a propósito destes factos volta a mudar:
“00:06:59.8
Procurador
Porque é que o Senhor ficou com essa sensação? Pelas horas do dia, pela descontração com que eles estavam aquilo?
00:07:06.7
(...)
Não, porque eles até foram muito rápidos. Eles foram muito rápidos a meter aquilo lá para dentro. Eu só vi duas. Porque devia estar já alguém ao volante e puseram-se logo a andar. E eu a gritar, a gritar, e tirei a matrícula porque depois veio o Sr. (…) que ligou para o irmão a dar conhecimento do que é que se estava a passar e foi …
00:08:00.6
Procurador
O Senhor no primeiro momento não entendeu aquilo como um furto?
00:08:06.4
Procurador
Por causa da hora, o que é que o levou a pensar nisso?
00:08:10.2
(...) (...) Vasco Gomes
Eu estava na cama não sabia o que é que ia dali sair. E nem estava a contar que aquilo fosse o que foi.”
- O depoimento, desta testemunha, também no que toca à hora a que os factos ocorreram, não é constante, uma vez que dá respostas diferentes, conforme a insistência com que lhe são colocadas as perguntas ou conforme quem lhas coloca.
Nomeadamente:
“00:04:17.8
(...)
Isso foi à noite. Isto foi por altura de … do … da apanha da azeitona, porque a data concreta eu não … não me lembro da … a data sei que era no mês de Dezembro, por aí assim.”
“00:06:15.8
Procurador
Já estava tudo escancarado. Olhe, diga-me uma coisa, o Senhor na altura, isto foi de noite, foi antes de jantar, depois de jantar, daquilo que se recorda …
00:06:22.8
(...)
Eu já disse que foi à noite.”
00:06:37.1
Procurador
Ok, ok. Eu tinha pensa ... não tinha ... pensava que o Senhor estava a dizer que era de noite e eu fiquei sem perceber. Portanto foi à tarde, foi ao final da tarde, noite.
00:06:44.8
(...)
Ao final da tarde, a fazer-se de noite que os dias no mês de Dezembro …
E continuando:
00:24:54.0
Advogada
Quando o Senhor viu … que horas eram quando …
00:24:56.4
(...)
Quando eu vi era de dia.
00:25:48.7
(...)
Foi ao final da tarde. Já respondi ali ao …
00:25:52.1
Advogada
... já é lusco-fusco.
00:25:54.6
(...)
Não.
00:25:55.5
Advogada
Ainda era de dia?
00:25:55.6
(...)
Final da tarde não era escuro. Ainda era de dia.”
- Portanto, por um lado do depoimento desta testemunha retira-se que não entendeu como lícita a atuação e por outro lado que foi à noite, uma vez que foi a resposta mais espontânea que parece ter dado.
- De todo, o modo não podia o Tribunal “a quo” valorar e entender o depoimento dessa testemunha como entendeu uma vez que, ao longo do seu depoimento, apresentou versões contraditórias dos factos.
G. VALORAÇÃO DO ENCONTRO ENTRE O CO-ARGUIDO (...) e O ASSISTENTE:
- Para considerar provado os pontos 5 a 17, o Tribunal “a quo” considerou, ainda, o facto de ter havido um encontro entre o coarguido (...), e o assistente, encontro que foi confirmado pelas testemunhas (…).
- Pese embora não se ponha em questão a existência desse encontro, não resultou provado a justificação do mesmo e o que no mesmo foi transmitido, pelo coarguido (...) ao assistente, pelo que não podia o Tribunal “a quo” considerar tal encontro provado nos termos em que o fez.
- A prova que o impõe é a seguinte:
- Por um lado, o depoimento da testemunha (…), que o Tribunal “a quo” considerou,
- Por outro lado, o depoimento da testemunha (…), que o Tribunal “a quo” não considerou.
Vejamos…
- A testemunha (...), cujas declarações se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.01.03 a00.14.24, conforme consta da ata de 19/10/2020, referiu o seguinte a propósito dessa conversa:
“00:10:58.1
(...)
Ora isso agora não … Agora aí já não … já não se percebe, que se calhar não estava com atenção.
00:11:02.6
Advogada
Não estava com atenção? Mas, ele … impercetível … porque é que ele tinha levado as motas para lá? Se tinha sido ele … se tinha sido outras pessoas … impercetível …
00:11:10.9
(...)
Ai isso agora já não sei. Agora já não me lembro. Isso agora já … Eu é que já não me lembro nada …”
“00:11:13.9
Advogada
Já não se lembra?
00:11:14.4
(...)
Isso não.
00:11:21.2
(...)
Acho que foi a Dona … Acho que ele fo … disse qualquer coisa, que tinha sido a D.ª (...) é que … é que as tinha mandado roubar.
00:11:26.4
(...)
Acho que qualquer coisa assim. Foi.
00:11:28.5
(...)
Porque isso já foi há tanto ano e … há tanto tempo, e eu agora já não estou bem certo …
00:11:31.3
(...)
Mas eu como não estava com muita atenção a essa conversa …”
- A testemunha (...), cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.01.14 a 00.08.43, conforme consta da ata de 19/10/2020, referiu o seguinte: 00:03:09:7
(...)
Ó senhora … ouvi … o filho da D. (...), Sr. (...) … impercetível … com a D. … impercetível … encontramo-nos todos. Eu, a Dona … você … o meu marido e … onde o Sr. (...) … disse que tinha a chave do … do BM, e que ela o tinha mandado matar e que sabia onde é que estavam as motas.
00:04:00:3
(...)
… impercetível … tinha sido ele e tinha sido mandado pela D. (...).”
“00:07:39:1
Advogada
O seu marido estava muito longe dos senhores?
00:07:43:8
(...)
Não
00:07:51:8
Advogada
Mas o seu marido estava assim longe e não dava para ouvir a conversa que o Sr. (...) estava a ter, com … com os senhores? Ou o seu marido estava sentado ao pé da senhora?
00:08:00:2
(...)
Ele … ele estava sentado no banco.”
- Portanto, não deixa de ferir o senso comum e o espírito do homem médio que estas duas testemunhas, casadas entre si, não reproduzam os factos de forma idêntica e homogénea.
- Quanto à testemunha (...), cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.22.36., conforme consta da ata de 20/10/2020, referiu:
00:19:40.1
(...)
Ouvi o Sr. (...) a dizer ao Sr. (...), que as motas estavam em casa da avó, em Albergaria dos doces.
00:19:53.4
Advogada
Estava na casa da avó. E quem é que as tinha levado para lá? E quem é que tinha mandado?
00:19:57.5
(...)
Isso eu não ouvi, ele a dizer isso.”
“00:20:45.3
(...)
Falou, o Sr. (...) falou também da chave … do BM, que tinha a chave do BM, também se falou lá disso.
00:20:54.8
(...)
Tinha sido ele que a tinha roubado de casa da D. (...).
00:21:06.9
(...)
Ele disse que tinha tirado a chave de dentro de uma gaveta que lá estava em casa da D. (...).”
- Portanto, o depoimento destas testemunhas não permite concluir, com segurança, qual a conversa concreta que o coarguido (...) teve com o assistente, sendo certo que o facto de ter havido este encontro não permite dar como certo que, porque o coarguido (...) diz, foi a recorrente que ordenou o “furto” dos bens.
H. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA (…)
O Tribunal “a quo” não considerou, sendo certo que se lhe impunha fazê-lo, o depoimento da testemunha (...), que está gravado, através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus MédiaStúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.01.08 a 00.25.16., conforme consta da ata de 20/10/2020, foi prestado de forma isenta e credível, sendo certo que, esclarece a conversa tida entre a recorrente e a coarguida (...), que foi confirmada pela testemunha (...), embora com tantas contradições.
Nomeadamente afirma:
“00:10:28.2
(...)
… a (…) e parou, afrouxou. E perguntaram: - Vocês querem figos? E eu virei-me para ela assim no … a rir-me, e disse: - Eu não, eu depois se quiser vou lá apanhá-los. Naquilo a D. (...) começou … começou logo ali a mandar bocas que eu não percebi muito bem. Entretanto, a D. (...) saiu da carrinha e só lhe perguntou: - Ouve lá, tu foste-me roubar as motas, porquê? E a D. (...) respondeu-lhe para ela com estas palavras: - Olha, eu estou-me marimbando para isso, eu já fui presa uma vez e se for outra, também não me importo, tu hás-de te lixar e bem lixada. Foi o que a D. (...) …
00:11:35.4
(...)
É aqueles figos que vêm nos meados de … assim fins de Junho, princípios de Agosto.”
- Acerca da questão relacionada com a participação da recorrente na factualidade “sub judice”, e referindo-se ao coarguido (...), refere:
“00:11:50.9
(...)
Nunca tive conversa nenhuma, só que ele quando ia lá para o Café, ele bebia muito whisky e ele quando estava já um bocadinho coiso, ele dizia coisas que a gente não sabíamos se eram verdade, se era mentira.
00:12:07.6
(...)
Das motas? Não, das motas, ele nunca falou.
00:12:11.5
(...)
Nunca … só dizia era doutros assuntos que a D. (...) que lhe dava dinheiro e coiso que era para ir espiar o marido e coiso, mas que ele que não ia porque queria era estar a beber cervejas e coiso, e que ele que nunca ia. Agora, se é verdade se não, não sei. Eu da boca da D. (...) nunca ouvi ela a falar …
00:12:32.3
Advogada
Essa conversa de que a D. (...) mandou tirar as motas, só ouviu da boca de quem? Da D. (...) …
00:12:37.6
(...)
Da D. (...).
00:12:52.7
(...)
… é que a D. (...), pronto, ela dizia que se havia de vingar em muita coisa que ela lhe tinha feito por a pôr de lá para fora.”
- Portanto, do depoimento desta testemunha retira-se, por um lado, o desconhecimento por parte da recorrente de que o coarguido (...) é que tinha roubado as motos, por outro lado a sua não participação e intervenção na prática dos factos.
I. ERRO NA APRECIAÇÃO DOS VALORES DOS BENS:
- O Tribunal “a quo” apreciou, com erro notório, a prova produzida acerca dos valores dos bens, sendo certo que a mesma impõe decisão diversa.
- A prova que impõe decisão diversa é:
· O relatório pericial de fls. 483 a 488 e 503 a 507, a que o Tribunal “a quo” não atendeu,
· Os documentos 1 a 8, juntos pela recorrente a fls. 401 a 408, bem como a respetiva tradução, junta a fls. 433 a
437, que o Tribunal “a quo” nem sequer considerou,
· O depoimento do Sr. Perito (…), que impunha que se considerasse factualidade diversa
da que se considerou,
- Aliás, o Tribunal “a quo”, para prova dos pontos 5 a 17, conforme consta da motivação, baseou-se nas declarações do perito (…).
- Ora, se atentarmos ao depoimento do Sr. Perito (...), que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.07.45., conforme consta da ata de 20/10/2020 referiu:
“ 00:03:56.6
(...)
O valor que eu atribuí foi com base na consulta de … de entidades que me poderiam suportar tecnicamente no caso particular porque é uma mota particular, mas também … uma versão particular, mas também comparando com idênticas que estão à venda no mercado online. E foi com base … com base somente em bases técnicas, não em majoração de qualquer outro valor sentimental ou de coleção, que indiquei este valor. E indiquei estas duas …
- Portanto, o Sr. Perito foi claro, sendo que a única dúvida que se pode levantar é acerca da bicicleta com pedais. Porém, o valor que o mesmo indicou coincide com os valores dos prints do OLX juntos pela recorrente a fls. 401 a 408.
- Assim, entende a recorrente que os valores que o Tribunal “a quo” tinha de considerar, quanto aos veículos automóveis e velocípedes são:
· Quanto ao veículo Hyndai, o valor de 850€, porque assim o impõe o relatório pericial de fls.483 a 488, não
podendo deixar de se atender ao valor que consta dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos pela recorrente a fls.401 e 402,
· Quanto à bicicleta com motor a gasolina, o valor de 480€, porque assim o impõe o relatório pericial de fls.504 e
505, corroborado pelos valores dos prints do OLX que constam dos documentos 3 e 4, juntos pela recorrente a fls.403 e 404,
· Quanto ao motociclo de cross sem matrícula, da marca Yamaha, o valor de 550€, porque assim o impõe o
relatório pericial a fls.506 e 507, corroborado pelos seguintes documentos juntos pela recorrente a fls.405:
Print do OLX;
Declaração do valor pago pelo bem (1000 francos, em 2009) que consta do documento 6 e da sua tradução junta a fls.406, 407 e 433 a 437, que não foram impugnados.
- Não podia, pois, o Tribunal “a quo” considerar apenas os prints do OLX que constam da acusação pública uma vez que são tão válidos como os prints juntos pela recorrente sendo, aliás, estes últimos os que foram corroborados pelo relatório da peritagem,
- No que toca aos valores dos demais bens móveis, nomeadamente:
· As duas motosserras que foram avaliadas em 2.000€, deviam ter sido avaliadas em 180€;
· Os dois geradores trifásicos de marca não apurada que foram avaliados em 1.600€, deviam ter sido avaliados em 400€,
· As duas malas de ferramentas a que foram considerados no valor de 800€, deviam ter sido no valor de 240€.
- E tais valores deviam ser considerados porquanto:
· Não foi junto qualquer documento, por parte do Ministério Público ou do assistente, que justifique os valores considerados provados,
· O assistente, conforme referimos anteriormente, admitiu que os comprou aos ciganos, não foi apurado o seu estado de conservação, nem as ferramentas que havia nas malas sendo certo que, para se apurar com rigor o respetivo preço dos mesmos, tinha de haver prova do tipo de ferramentas neles existentes,
· O Tribunal devia ter atendido ao documento n.º8, junto a fls. 408, pela recorrente, no que constam os preços respetivos.
DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA RESPEITANTE AOS PONTOS 18 a 21
XVI. O Tribunal apreciou com erro notório a prova produzida, uma vez que na data “subjudice” não se provou que a recorrente soubesse que tinha sido algum dos coarguidos a praticar tais factos.
XVII. A prova que impunha tal decisão que nos dispensamos de reproduzir, é:
- O depoimento da testemunha (...), conforme se retira das transcrições feitas no anterior XV – E,
- O depoimento da testemunha (...), conforme se retira das transcrições feitas no anterior XV – H.
DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA DOS PONTOS 22 a 31
XVIII. Os pontos de facto “sub judice” são conclusivos pelo que, atento o alegado anteriormente, deviam ser considerados como não provados.
DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA DOS PONTOS 32, 35, 36, 37, 40, 41 e 42
XIX. Quanto aos danos considerados provados nos pontos supra referenciados, atenta toda a factualidade invocada anteriormente, que nos dispensamos de repetir e para a qual nos remetemos, deviam, no que respeita à recorrente serem considerados não provados.
XX. Particularmente e no que toca aos pontos 35 e 36 da matéria de facto provada, ou seja, o valor de 560€ de orçamento e 100€ em combustível, considera a recorrente que houve erro notório na apreciação da prova e que não podiam assim ser considerados até porque, para prova desses valores, impunha-se a existência de prova documental.
A prova que impõe tal conclusão é a seguinte:
A. Depoimento da testemunha (...) gravado nos termos anteriormente referidos, que afirmou:
“00:18:22.0
(...)
Vai cobrar qualquer coisa da recolha do veículo.
00:18:33.2
(...)
É pá, não, isso o preço ele é que sabe o preço porque normalmente há um preço já há um para essas coisas.
00:18:40.2
(...)
É capaz de ... é capaz de pagar alguns 5 euros de recolha.”
B. Depoimento da testemunha (...), cujo depoimento está gravado através do sistema integrado de gravação digital proveniente da aplicação informática "H@bilus Média Stúdio", em uso neste Tribunal, contadores 00.00.01 a 00.04.43. conforme consta da ata de 19/10/2020, que afirma:
“00:03:39:1
(...)
Naquele caso, 5 Euros mais IVA.
00:04:38:5
Advogada
Portanto, neste momento não há fatura emitida?
00:04:40:3
(...)
Não. Neste momento não há fatura emitida.
- Portanto, por um lado não há um depoimento inequívoco, por outro lado não há qualquer prova documental e, por último, quanto aos 100€ de combustível considerados, nem sequer há prova de quantos Kms foram percorridos e a que locais concretos foram feitas as deslocações.
DO PONTO 32 E DA SUA CONTRADIÇÃO COM O PONTO 7
XXI. O valor que consta do ponto 32 está em contradição com o valor que consta no ponto 7, sendo certo que não podemos deixar de dar por reproduzido o que referimos anteriormente quanto a esta matéria.
DO DIREITO
XXII. Do anteriormente alegado resulta que não se podiam considerar preenchidos os elementos objetivos e subjetivos dos crimes pelos quais a recorrente foi condenada;
De todo o modo, sempre se acrescentará que…
XXIII. Conforme alegamos, os valores que foram considerados pelo Tribunal “a quo”, no que toca aos bens que integram este crime, foram considerados com erro notório, impondo a prova produzida , e alegada anteriormente, valores substancialmente inferiores e que, feitas as contas leva que se considerem os bens com valor inferior a 50 unidades de contas;
XXIV. Portanto, ainda que se provasse a prática, por parte da recorrente dos factos – o que se coloca por cautela de patrocínio! – , jamais podia ser condenada pela prática do crime de furto qualificado, mas, e a ter que acontecer, pelo crime de furto simples.
XXV. Por outro lado, não podia o Tribunal “ a quo” condenar a recorrente pelos crimes de furto ou furto qualificado uma vez que os bens “sub judice” não são de copropriedade mas antes adquiridos na constância do matrimónio, atento o auto de arrolamento, a admissão do assistente, quer no artigo 49º do seu pedido de indemnização, quer nas suas declarações, sendo certo que não foi feita qualquer prova de que os mesmos são bens próprios, nem sequer na sentença tal questão é aventada; XXVI. Como é consabido, sendo os bens comuns, a jurisprudência é praticamente unânime em considerar que, os bens comuns do casal, enquanto subsistir tal comunhão, não tem a natureza de coisa alheia em relação a qualquer dos cônjuges, não podendo por isso ser objeto de crime de furto.
XXVII. Por último não pode deixar de se alegar que o Tribunal “a quo” violou o princípio do “in dubio por reo”, uma vez que a prova testemunhal e documental impunham decisão diversa e, ainda que assim se não entendesse, o Tribunal devia considerar, pelo menos, a dúvida dessa prova no que toca à comunhão dos bens, aos valores atribuídos e aos factos imputados à recorrente,
XXVIII. Não podendo, igualmente, recorrendo ao espírito do homem médio, deixar de considerar, ou pelo menos pronunciar-se acerca de questões que ferem o senso comum, nomeadamente:
- Porque motivo a arguida recorreria a outra pessoa para furtar os bens, quando podia fazê-lo sozinha;
- Porque motivo pedira a outra pessoa para vender bens, partilhando com ela o dinheiro, quando podia recebê-lo por inteiro;
- Porque motivo o coarguido (...) foi relatar ao assistente tais factos, quando o mesmo não sabia sequer da sua existência
XXIX. Aliás, salvo melhor opinião, a pronuncia acerca destas questões, para lá de violar o princípio do “in dubio pro reo”, viola, o principio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º n.º 2 da C.R.P.,
XXX. Uma vez que, na situação “sub judice”, a recorrente não foi condenada pelo grau de prova mais exigente;
XXXI. Portanto, a sentença em apreço violou o disposto nos artigos 32.º n.º 2 da C.R.P., 1724.º do C.Civil, 355.º, 202.º, al. a) 203.º, 204.º e 360.º do C. Penal, bem como o artigo 374.º n.º 2 do C.P.P.

Nos termos expostos e nos mais de Direito aplicáveis deve:
1. O presente recurso ser recebido,
2. Ser julgado procedente por provado,
3. A sentença ser revogada,
4. E a recorrente ser absolvida, quer em termos criminais, quer em termos de pedido de indemnização cível,
5. Com todas as consequências legais.
Ao assim se decidir, far-se-á a habitual Justiça!»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Assistente, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«A.- A douta sentença em apreço é uma sentença justa e equitativa, não merece qualquer reparo porquanto apreciou corretamente a prova e aplicou escrupulosamente todos os dispositivos legais,
B.- A arguida insurge-se contra a douta decisão recorrida, suscitando as seguintes questões:
- há factos incorretamente julgados, contraditórios entre si, de forma insanável, - erro notório na apreciação da prova e as provas produzidas,
- a violação de várias normas jurídicas,
- erro na determinação de normas aplicadas.
C.- Alega a recorrente que foram incorretamente julgados os factos constantes dos pontos 2, 3, 5, 6, 7, 9, 11, 13, 14, 17, 19, 21, 22 a 30, 32, 35, 36, 41e 42 dos factos provados; e
Os pontos de facto que a recorrente considera que encerram contradição insanável são os pontos 2 e 11 e os pontos 3,7 e 41.
D.-A recorrente alega que no ponto 2 dos factos provados, o Tribunal refere que o arrolamento também foi feito no imóvel sito na Estrada da (…) e refere uma garagem, quando na audiência foi referido como sendo a casa da D. (…).
E que no ponto 11 não devia ter sido dado como provada a data, uma vez que considera que os motociclos e bicicletas foram transportadas antes.
Alegando que essa contradição resulta do depoimento da testemunha (...).
E.- Porém não existe contradição entre matéria de facto dada como provada naqueles pontos, nem existe contradição entre depoimentos daquela testemunha e a demais prova carreada para os autos.
Como bem refere o douto Tribunal, formou a sua convicção na prova documental junta aos autos, designadamente, no arrolamento que a arguida agora vem referir como tendo imprecisões, mas que nunca impugnou, nem em sede de arrolamento, nem sequer em sede de contestação deste processo.
F.- Além disso, tais factos resultam da prova produzida e até das próprias declarações da arguida recorrente, que confessou que as motas e bicicleta a motor estavam na garagem da casa onde residiam e que as levou para a casa da tal D. (…), mormente o que declarou do minuto 00:04:00.1 ao minuto 00:12:23.1:
Porque precisei do espaço onde elas estavam para pôr outra coisa, para ocupar com outras coisas e as motas estavam-me a ocupar um espaço que me era necessário para outra coisa.
Então a Senhora acaba por confirmar que efetivamente retirou as motas das …
Retirei mas o conhecimento … o meu marido tinha conhecimento.
E a testemunha referida pela recorrente (...) disse ao minuto 00:01:30.6 ao minuto 00:02:48.1
Porque foi assim … a D.ª (...) tinha as motas do senhor … era do Sr. (...), e uma 125 era do (…) do filho do Sr. (...), e tinha-as por baixo da casa numa garagem, e tinha lá um BM, e depois a D.ª (...) mandou-nos tirar as motas todas para baixo da varanda, a gente tirou as motas todas para baixo da varanda, (…)
Sim, depois ela mandou-me a mim, à Mónica que também é empregada, e um brasileiro que trabalhava, estava em casa da (...) e trabalhava lá por conta da D.ª (...), mandou-nos tirar as motas para casa de uma senhora que lá está também, que era a (...), era uma senhora que já deve estar aí com cento e … impercetível … deve estar agora com 102 anos.
G.- Do depoimento da (...) resulta que as motas foram tiradas da garagem da casa do assistente e levadas para a tal casa da D. (…), sita na Estrada (…), a mando da arguida (...).
Inexistindo qualquer contradições entre estes dois pontos dos factos dados como provados.
H.- Também não existe contradição entre os pontos - os pontos 3,7 e 41.
Com todo o respeito, não se vislumbra qualquer contradição nestes factos dados como provados, nomeadamente, no tocante à propriedade e detenção dos bens.
Tendo o douto Tribunal decidido de acordo com a prova existente nos autos e produzida em sede de audiência de julgamento.
I.- Relativamente aos pontos 5 a 17 dos factos provados, a recorrente descontextualiza os depoimentos e declarações prestadas pelo assistente e pelas testemunhas.
Ou seja, o assistente refere claramente que lhe foram roubados os bens como acima se transcreve no corpo desta resposta.
Ao contrário do que afirma a recorrente, o assistente não disse que o carro Hyundai estava emprestado, antes disse que estava em poder do tal (...) (...) e estava estampado, todo partido, sem conhecimento, nem consentimento do assistente.
J.- Relativamente ao ponto 42.3 da douta motivação, inexiste contradição no depoimento do assistente, já que qualquer homem médio percebe porque é que o assistente acreditou no tal (...) (...), pois, foi este que se propôs indicar onde se encontravam os veículos arrolados e que a seguir foram roubados, bem como os demais bens roubados.
Foi aquele (...) (...) que naquele dia em que lhe foi indicar para onde tinha levado as motas roubadas a mando da recorrente, que lhe entregou também uma chave de outro veículo, nomeadamente, de um BMW que também havia sido roubado ao assistente,
Foi aquele (...) (...) que lhe disse que havia sido contratado pela recorrente para matar o assistente, facto que veio a ser participado à Polícia Judiciária e pelo qual a arguida recorrente veio a ser pronunciada e cujo processo ainda corre termos pelo Juízo Criminal Central de Santarém, sob o número 363/17.9JALRA, Juiz 3.
Factos que o assistente confirmou a sua veracidade, nomeadamente, ainda viu onde se encontrava o veículo automóvel e uma das motas furtadas.
E confirmou, ainda, que a chave do BMW roubado pertence efetivamente ao seu veículo que foi localizado e deu origem ao inquérito 361/20.8T9TMR, que corre termos pela 1ª Secção do DIAP de Tomar.
L.- Por tudo isto, o assistente tinha mais razões para acreditar naquele arguido (...) (...) do que na ex-mulher porquanto ao dizer que foi ele que furtou as motas e outros bens a mando da recorrente e que as havia vendido esses bens, tendo feito seu e entregue parte do produto da venda à recorrente, sabendo que o assistente já havia participado o furto às autoridade policiais, que este ia comunicar, como comunicou aos autos, tal informação e onde se encontravam parte dos bens furtados.
Ou seja, ao contrário daquele (...) (...) a recorrente dizia ao assistente que ele é que tinha os bens e que os tinha vendido, o que ambos sabiam ser falso.
Logo o aqui recorrido não podia acreditar numa mulher que o tinha traído, que o acusava de ter vendido bens, que sabia ser mentira e até o tinha mandado matar!
Portanto era mais fiável qualquer outra pessoa, mesmo um estranho que lhe indicou, como veio a confirmar, o local onde ainda estava uma das motas que não tinha sido vendida, e o local onde esta o Hyundai que também tinha sido arrolado e que a recorrente tinha feito “evaporar”.
M.- O assistente não entrou em contradição quanto ao motivo que o levou a requerer o arrolamento, pois, um dos motivos foi que após ter encontrado o amante da mulher na sua casa e disse que “andavam a acartar coisas, que iam lá carinhas à sua casa”, ou seja tinha justo e fundado receio que o seu património estava a ser furtado.
N.- Do depoimento transcrito no corpo da douta motivação resulta precisamente o contrário do que afirma a recorrente, pois, refere que não se lembrava de ver as motas na casa da (...).
Quanto à identificação e valor dos bens fê-lo corretamente e até concretizou que algumas ferramentas foram compradas quando ainda era solteiro, bem como a quem comprou e até algumas das marcas desses bens e até o valor que pagou por elas, apesar de já as ter adquirido há muitos anos.
Assim as declarações do assistente conjugada com a demais prova produzida e carreada para os autos, só podiam levar o douto Tribunal a decidir a matéria de facto como decidiu.
O.- As declarações dos coarguidos, são um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no artigo 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo.
Por isso, das declarações da coarguida (...), resulta que os bens foram furtados após o arrolamento a mando da arguida (...), que era sua fiel depositária.
Esta arguida teve conhecimento dos factos porque alguma coisa ouvia combinar, outras porque a arguida (...) e / ou o seu filho lhe contavam.
O relacionamento entre estas duas arguidas era de tal forma íntimo que aquando do arrolamento a arguida (...) chamou a arguida (...), a quem confidenciava vários assuntos e a quem pedia e exigia favores.
P.- Das declarações desta arguida resultou que existia um relacionamento intimo entre a recorrente e o filho daquela coarguida (...), tanto assim que esta declarou:
00:09:27.0
(...)
Conseguia mais o meu filho, então pois eles às vezes até se encostavam na cama, o meu filho mais ela. …
O que foi confirmado pelo coarguido (...) (...) e pela testemunha (…), que referiu:
00:06:04.9
(...)
O Sr. (...) era a mesma coisa. Dizia que era a D. (...) que mandava, inclusivamente, que lhe dava dinheiro para ela, para ele fazer certas coisas.
00:06:12.7
Advogada
É que, é que a D. (...) disse aqui, a D. (...), desculpe, estou a confundir. A D. (...) disse aqui que, efetivamente, será a D. (...) que mandou roubar as motas, mas que nunca ouviu essas conversas, que nunca as teve com ela. E ela a si dizia que era a (...) que dizia isso.
00:06:27.4
(...)
Sim, a D. (...) … é que dizia a mim que era a D. (...) que mandava.
00:06:28.3
Advogada
Não tem dúvida?
00:06:30.5
(...)
Tanto o (...) também dizia a mesma coisa.
Q.- Por sua vez, as declarações do coarguido (...) também foram corretamente apreciada pelo douto Tribunal a quo, pois, ao contrário do que refere a recorrente, este arguido expôs de forma clara o plano maquinado e posto em pratica pela recorrente e por ele, tendo o Tribunal recorrido conjugado com o depoimento da testemunha (…) que emprestou o veiculo onde foram transportadas as motas do assistente.
Designadamente, o arguido (...), em sede de audiência, declarou:
00:03:53.4
Juiz
Sim. Pronto. E então nessa mudança quem é que lhe pediu o quê, para além da mudança?
00:03:59.5
(...)
Nessa mudança já estava estipulado as motas que saíram da casa do Sr. (...) para irem para uma casa velha.
00:04:04.8
Juiz
Mas estipulado por quem?
00:04:06.3
(...)
Pela D.ª (...).
00:04:07.6
Juiz
A D.ª (...) ...
00:04:08.2
(...)
Sim.
00:04:08.2
Juiz
... é que lhe disse a si?
00:04:09.4
(...)
Exatamente.
00:04:10.1
Juiz
Para levar a motas?
00:04:11.2
(...)
Exatamente.
00:04:11.8
Juiz
Quando fizesse essa ...
00:04:12.6
(...)
Exatamente.
00:04:13.2
Juiz
... essa mudança. Era?
00:04:13.8
(...)
A carrinha ia vazia para baixo.
(…)
00:04:16.0
Juiz
E a D.ª (...) pediu-lhe para levar as motas.
00:04:18.1
(...)
Exatamente.
00:04:18.8
Juiz
E o senhor sabia onde elas estavam?
00:04:20.5
(...)
Eu não sabia. Sabia onde elas estavam, mas nem sabia, só dei, só conheci as motas no fim delas lá estarem. Eu sabia o sítio onde elas estavam e sabia que a porta estava aberta para as motas serem carregadas.
00:04:29.3
Juiz
E sabia como?
00:04:30.5
(...)
Sabia porque ela tinha dito que estava aberto.
00:04:31.9
Juiz
A D.ª (...) lhe disse ...
00:04:32.8
(...)
Sim.
00:04:32.8
Juiz
... onde estavam, que era para levá-las para onde?
00:04:35.1
(...)
Exatamente. Para levá-las para fora dali.
00:04:37.2
Juiz
Para onde?
00:04:37.5
(...)
Para sair dali. E eu levei-as para casa da minha avó, onde depois mais tarde disse ao Sr (...).
00:04:41.7
Juiz
O senhor é que escolheu o sítio do destino?
00:04:43.6
(...)
Escolhi o destino sim. Para as mandar dali, para as tirar dali, tirei sim. Eu escolhi o destino uma vez que eles iam para lá para baixo e as motas ficaram ali guardadas. Tanto as motas, como o carro, como outras coisas.
00:04:55.3
Juiz
E para além de motas pediu-lhe para levar mais alguma coisa?
00:04:57.0
(...)
Geradores.
00:04:58.5
Juiz
Como, como?
00:04:58.8
(...)
Motosserras. Geradores e motosserras, onde desses motosserras e desses geradores fiz algum dinheiro e devolvi metade do dinheiro a ela.
00:05:08.3
Juiz
Vendeu os geradores e as motosserras?
0:05:10.2
(...)
Sim.
(…)
00:05:20.2
Juiz
Ela explicou-lhe porque é que queria tirar as coisas de lá?
00:05:23.3
(...)
Foi desde sempre. Foi, a história foi sempre a mesma, foi sempre para tentar afastar e retirar as coisas do marido para mais tarde ser, ser ele o prejudicado no meio disso tudo.
00:05:35.1
Juiz
O senhor já conhecia o Sr. (...)?
00:05:36.7
(...)
Não. Conheci o Sr. (...) já depois das motas lá estarem em baixo, em casa da minha avó e já bastante tempo, numa altura em que o Sr. (...) casualmente cruzou ali perto, nós estávamos cá fora e uma amiga conhecida do Sr. (...), que é a (…), é que disse que era o Sr. (...) e eu, neste caso, tentei entrar em contacto e pedi o número de telefone à (…), o número do Sr. (...) para lhe explicar a situação e donde ...
(…)
00:06:16.7
(...)
Nisto começou-se a envolver-se ali uma, esta, este contacto com a D.ª (...), onde eu na altura também não estava muito bem e realmente sim, aproveitei de certas e determinadas coisas porque estava necessitado e ...
00:06:28.9
Juiz
Tinha uma relação amorosa ...
00:06:29.9
(...)
... ela fez determinadas propostas.
(…)
R.- Também não existem as apontadas contradições nas declarações deste coarguido da recorrente, já que foi explicado por este arguido (como se acaba de transcrever) que só contou ao assistente quando as coisas se começaram a complicar, ou seja, quando o órgão de policia começou a investigar e a perceber que o furto das motas tinha sido feito por pessoas ligadas à recorrente e depois quando o arguido (...) voltou para a mulher, a arguida ficou zangada e começou a atirar a culpa do furto só para ele!
S.- Quanto à venda de bens sem auxílio do arguido (...), obviamente que a arguida não pretendia ser associada a tal venda, o que não aconteceria se fosse ela a vender, além de que é notório que a arguida queria ter um relacionamento como aquele (...) (...) e por isso fez-lhe propostas e pagou-lhe para ele lhe fazer certas coisas!
T.- No tocante aos depoimentos dos militares da GNR que confirmaram que inexistiam sinais de arrombamento no imóvel para onde a arguida recorrente tinha mandado mudar as motas, é necessário conjugar com a demais prova, mormente com as declarações do arguido (...) que, como se transcreveu no corpo desta resposta, disse:
00:04:20.5
(...)
Eu não sabia. Sabia onde elas estavam, mas nem sabia, só dei, só conheci as motas no fim delas lá estarem. Eu sabia o sítio onde elas estavam e sabia que a porta estava aberta para as motas serem carregadas.
Ou seja, se a porta da casa estava aberta, não havia necessidade de arrombamento, bastando uma pesada para abrir a referida porta.
Aliás, a testemunha (…) referiu precisamente isso, pois, nas suas declarações mencionou que a porta tinha uma tranca, porém, quando se deslocou à referida casa velha logo apos a GNR ali ter estado, verificou que a tranca não estava lá. – cfr. depoimento desta testemunha transcrito no corpo desta resposta.
U. - Também o depoimento da testemunha (...), a este propósito é esclarecedor:
00:01:47.1
(...)
(…) Ora, ele pôs-se a olhar para aquilo, aquilo um bocado estranho, a carrinha vira para cima e há duas pessoas que saltam, dois homens que saltam dessa dita carrinha e vão pelo meio da fazenda direito a uma casa velha que lá está de uma Senhora que a D. (...) toma conta. E claro, o irmão do Sr. (…) telefona-me e diz-me, ó (...) está aí uma carrinha parada ao pé do caixote do lixo, vê lá o que é que tu vês dali. É que a carrinha foi para cima e saltaram dois fulanos da carrinha. Saltaram dois fulanos da carrinha e foram por aí acima direito à casa velha. E eu estranhei aquilo, claro. Quando eu dou conta vem-me dois gajos, dois rapazes, não sei a idade deles, direito a carrinha cada um com a sua mota. E claro, eu fiquei assim pasmado, não sabia o que é que se passava, até lhe procurei querem ajuda? E vou eu direito à carrinha, eles a acelerarem muito e metem as motos lá para dentro, cada um a sua, e já lá devia estar alguém dentro da carrinha, penso eu, por aquilo que se fala.
(…)
00:06:13.1
Procurador
Ou seja, já devia estar aberto.
00:06:14.1
(...)
Já estava tudo escancarado.

Ora da conjugação de toda a prova resulta inequivocamente a factualidade dada como provada.
V - Ao contrário do que defende a arguida, o depoimento da testemunha (...), que foi empregada doméstica durante vários anos e a quem a recorrente confiava os trabalhos mais delicados e sigilosos (como por exemplo “acartar” de noite os idosos do lar clandestino que a recorrente explora), foi esclarecedor, pois, esta testemunha referiu que a arguida (...) mandou colocar as motas naquela casa velha e mandou o filho da D. (...) roubar as motas.
Tendo explicado que tem conhecimento destes factos, porquanto, como empregada doméstica, ouviu conversas e até foi ela que foi mandada, pela recorrente, mudar uma das motas furtadas.
X.- As testemunhas (...), conjugado com o auto de notícia, foram estas duas testemunhas que presenciaram o furto das motas,
E ao contrário do que que fazer crer a recorrente, o à-vontade, a hora e o comportamento dos indivíduos que carregaram as motas (como declarou o arguido (...) confundiram estas testemunhas que se aperceberam que estava a acontecer qualquer coisa estranha, tanto assim que a testemunha (…) telefonou à testemunha (...) para ir ver o que estava ali a fazer aquela carrinha e aquele tirou a matrícula da carrinha para onde foram carregadas as motas.
Z.- E foi quando a testemunha (...) se apercebeu que estavam a carregar as motas e a correr é que se apercebeu que estavam a cometer um crime, tanto assim que tirou a matrícula do veículo, o que veio permitir ás autoridades policiais e ao assistente verificar que a carrinha que transportou as motas furtadas pertencia a uma pessoa da terra e ligada aos arguidos (...) que viviam em casa da recorrente e de quem eram amigos íntimos!
AA.- Ora toda a prova carreada para os autos – mormente a prova documental – conjugada com os depoimentos destas testemunhas, permitiram ao douto Tribunal “a quo” concluir como concluiu, nomeadamente, a forma como foram furtadas as motas:
- As motas foram mudadas para aquela casa velha e a porta destrancada para facilitar o acesso;
- Recorreram a uma carrinha branca, tipo furgão;
- A motas saíram pela porta das traseiras da casa velha para onde foram mudadas a mando da recorrente;
- Foram, pelo menos, 3 pessoas que carregaram as motas (o que coincide com as declarações do arguido (...) que referiu que pediu ajuda a 3 amigos)
BB.- No tocante ao depoimento da (…), que também esteve presente no café, quando o arguido (...) disse ao assistente que sabiam onde estavam as motas e que tinha sido a recorrente (...) que tinha mandado furtar as motas e matar o assistente.
Ao contrário do que invoca a recorrente cada uma das testemunhas que estiveram presentes e que confirmaram que ouviram o arguido (...) a dizer ao assistente recorrente (...) que tinha mandado furtar as motas e matar o assistente, bem como tinha em seu poder uma chave do BMW que era mais um veículo que a recorrente fez desaparecer.
CC.- E foi na sequência daquele encontro promovido pelo arguido (...) que o assistente participou à Policia Judiciária o crime de homicídio na forma tentada que deu origem ao processo comum processo ainda corre termos pelo Juízo Criminal Central de Santarém, sob o número 363/17.9JA-LRA, Juiz 3, bem como comunicou nos presentes autos onde se encontrava os veículos furtados – como consta dos autos.
DD.- Quanto ao depoimento da testemunha (…) (amiga dos arguidos e atualmente além de amiga da recorrente, trabalha com ela), confirma o encontro do assistente com o arguido (...), aliás foi esta testemunha que deu o contacto do assistente a este arguido e que acompanhou o mencionado (...) (...) ao café para se encontrar com o assistente,
Não havendo qualquer contradição de depoimento entre as testemunhas (…) e o depoimento daquela (…).
EE.- Já o depoimento da testemunha (…), não resulta que a recorrente não soubesse que o coarguido (...) tinha tirado a mota, antes resulta que os arguidos (...) e a mãe (...) já comentavam com ela e com a filha, que a arguida (...) dava dinheiro para ele fazer coisas, “espiar o marido”.
Ou seja, confirma a proximidade e cumplicidade entre a arguida e o arguido (...).
FF.- Quando aos valores dos bens, nomeadamente, do velocípede da marca “solex”, como foi referido pelo assistente estava datada de 1934, sendo um veículo original ao contrário das mais recentes que eram cópias daquela e era de uma edição limitada.
E relativamente ao relatório de avaliação, o Perito avaliador referiu que atribui o valor comparando com versões que estavam à venda no mercado online.
Acontece que no mercado online não existiam velocípedes daqueles com aquela idade e de edição limitada.
O que significa que o Sr. Perito avaliador não emitiu propriamente um juízo técnico, mas antes uma comparação com versões online, pelo que o Tribunal considerou os valores indicados pelo Ministério Público, que lhe mereceu com mais fidedignidade.
Como é consabido, o relatório de avaliação não vincula o Tribunal recorrido como pretende a recorrente.
Já os demais valores, como refere a douta decisão recorrida, resulta da prova produzida como bem fundamenta a douta sentença recorrida.
GG.- No tocante ao valor do parqueamento do veiculo apreendido nos presentes autos e de que foi constituído fiel depositário, o assistente paga 5 € mais IVA, conforme depôs o dono da oficina para onde o veículo foi rebocado e guardado.
HH.- Vem a recorrente alegar que por serem bens comuns e enquanto subsistir a comunhão, tais bens não têm a natureza de coisa alheia em relação a qualquer dos cônjuges.
Mas ao contrário do que afirma a recorrente a jurisprudência não é unanime, nem maioritária, antes a jurisprudência mais recente defende que:
I - Os bens comuns do casal têm, em relação a cada um dos cônjuges, a característica de alheios.
II - Consequentemente, ao danificar elemento componente de um veículo automóvel, bem integrado no património comum do casal, qualquer um dos dois cônjuges comete o crime tipificado no artigo 212.º, n.º 1, do CP. – in Acórdão da Relação de Coimbra de 14/09/2016 - http://www.dgsi.pt/jtrc.
E o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/07/2012:
“[O] elemento “coisa alheia” apenas pressupõe que o agente não seja o titular exclusivo do bem danificado, como sucede nos casos de propriedade em comum», pois que não é «admissível que qualquer dos titulares do direito possa destruir a coisa que lhe pertence apenas em compropriedade à revelia dos demais. Se o fizer, não destrói apenas coisa sua, destrói também coisa alheia e nessa medida poderá ser criminalmente responsabilizado pela sua atuação”.
Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/06/2011, “sempre que o direito de propriedade tivesse dois ou mais titulares, então estaria legitimado que qualquer deles, pudesse, até, destruir a coisa objeto do direito à revelia dos restantes”, o que é de todo inaceitável.
E versando também sobre os bens comuns do casal, no Acórdão do STJ de 14.07.2011 (CJ, ASTJ, T. II, pág. 241 e ss), a saber: “Os bens comuns do casal têm, em relação a cada um dos cônjuges, a característica de alheios, não tendo nenhum dos respetivos membros direito de, “per si”, de modo pleno e exclusivo, a dispor das coisas que integram esse património (…) Por isso, se um dos mesmos tornar não utilizável qualquer um desses bens comuns, a respetiva conduta é integradora de um crime de dano”.
II.- Assim discorda-se em absoluto da teoria da recorrente, já que mesmo os bens que fossem comuns, porque existem bens que foram furtados e que não o são, a arguida não podia entregá-los para serem vendidos, como o fez pelo coarguido (...), já que como decidiu o STJ nenhum dos cônjuges pode de modo pleno e exclusivo, dispor das coisas que integram esse património comum.
JJ. - Assim o douto Tribunal a quo só podia ter decidido como decidiu, e as questões que a recorrente faz na sua douta motivação são facilmente rebatíveis:
- A arguida (...) recorreu ao arguido (...), uma vez que os bens foram arrolados e foi alertada aquando do arrolamento que ficava responsável pelos mesmos e pela sua apresentação e que cometeriam um crime de descaminho se não os apresentasse, pelo que mandou e pagou a outra pessoa para os retirar e vender;
Ora se vendesse os bens sozinha, facilmente seria identificada.
- Para pagamento da execução do furto a recorrente partilhou parte do produto da venda dos bens com o arguido (...) com quem a recorrente (...) tinha ou queria ter um relacionamento íntimo.
- O coarguido (...) foi relatar os factos ao assistente porque a recorrente se zangou por ele ter voltado para a mulher e começou a atirar as culpas do furto só para aquele e a polícia começou a apertar o cerco.
MM.- Pelo que não há qualquer incongruência ou erro na mui douta sentença recorrida.
Nestes termos porque foi feita prova cabal da acusação, não foi violado qualquer dispositivo legal, deve o recurso ser julgado improcedente, porquanto a douta decisão não merece qualquer reparo.
NN.- Tendo a decisão em apreço decidido correta, justa e equitativamente, devendo negar-se provimento ao presente recurso e, consequentemente deve manter-se na íntegra a douta sentença recorrida, já que não foi violado qualquer normativo legal na douta decisão e mesma não merece qualquer reparo.
OO.- Inexistindo qualquer violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 2 da CRP; 1724.º do Cod. Civil, 355.º, 202.º, al. a) 203.º, 204.º e 360.º do Cod. Penal, nem o artigo 374. º, n.º 2 do CPP na douta sentença recorrida.

Decidindo-se de acordo com o alegado, suprindo, doutamente, o que há a suprir, VV. Exas. Farão como é hábito, a correta e são Justiça!»

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. No âmbito dos presentes autos, na sessão de julgamento do dia 10-11-2020, após a produção de toda a prova, a nosso pedido, o Tribunal a Quo procedeu a alteração não substancial dos factos 2, 7 e 13, nos termos dados agora como provados, o que mereceu a aceitação de todos os arguidos, que declararam “nada terem a opor ou a requerer”
2. Neste sentido, se aceitou aqueles factos, a arguida recorrente não pode vir agora, em sede de recurso, de forma contraditória, impugnar comprovação dos mesmos ou discordar dos termos ali aduzidos.
3. Isto porque o “o conceito de interesse em agir em processo penal está diretamente ligado a um princípio de proibição de comportamento contraditório por parte dos sujeitos processuais – aquilo a que normalmente se denomina como princípio de preclusão processual” - vide Damião da Cunha em A participação dos Particulares no Exercício da Acção Penal in RPCC 8 (1998), fasc. 4º pp 646-7.
4. Assim sendo, deve ser o recurso da arguida ser rejeitado na parte em que impugnou os factos 2, 7 e 13 dos factos dados como provados, por aplicação do disposto no artigo 401.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
5. Além disso, mesmo que assim não se entenda, ao contrário do que refere a recorrente, não há qualquer contradição entre o facto n.º 2 e o facto 11.º, na medida em que não só a arguida admitiu ambos os factos (vide p.ex min 12 das suas declarações), corroborando as declarações da testemunha (…) nesta parte, como também, o facto de as motos terem sido arroladas não significa que não pudessem, de facto, ser posteriormente transportadas, exemplo disso é que a mota vermelha- verba 143-foi arrolada na habitação do casal na Rua (…) (facto 1 não impugnado) e foi subtraída na habitação da Estrada (…) (facto 14)- vide o teor de fls. 93 a 131 com a demais prova produzida acima discriminada.
6. Por isso, ao contrário do que defende a recorrente, nunca poderia ser dado como provado que o transporte das motos, descrito no facto 11, foi anterior aos respetivos dias dos arrolamentos.
7. Por outro lado, o termo compropriedade a que se alude nos factos 3,7- dados como provados - têm um significado fáctico e naturalístico de “propriedade comum” e não se confundem com o conceito jurídico de compropriedade,
8. Neste sentido, não há qualquer contradição entre aqueles factos e o facto 41 em que se extrai que os bens dissipados faziam parte de património conjugal da arguida e assistente,
9. Por seu turno, o Tribunal a Quo não incorreu em qualquer erro na apreciação da prova, sendo que a fundamentação respeitou o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas,
10. O Tribunal a Quo extraiu da prova produzida um convencimento lógico e motivado, único compatível com os parâmetros da lógica do homem médio e das regras da experiência comum e, por isso, não ficou com qualquer dúvida sobre a prática dos factos pelos arguidos, cumprindo o disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.
11. Nestes termos, a convicção do Tribunal a Quo é assim inatacável.
12. Até porque, quanto ao cerne da imputação, factos provados de 5 a 17, a prova é evidente quanto à autoria dos factos pela arguida, assentes nas declarações dos demais coarguidos (sobre os quais a recorrente foi confrontada), que confirmaram a ordem dada por aquela para a prática dos factos, tendo, além do mais, sido corroboradas:
a. pelas testemunhas (...) e (…) (esta última testemunha arrolada pela defesa);
b. Pelo assistente;
c. pelo auto de apreensão de fls. 295 (que atestou a veracidade do declarado pelo coarguido (...));
d. e quanto ao modo de execução da subtração, pelo depoimento das testemunhas (…), pessoas alheias ao assistente e arguida
13. No mesmo sentido, quanto ao valor dos bens subtraídos, a arguida nunca contestou o valor aposto nos autos de arrolamento, que são assim fidedignos por serem contemporâneos à data da prática dos factos.
14. Ao invés, apesar de ter sido nomeado um avaliador a pedido da arguida, o certo é que, tal como o Tribunal a Quo referiu na sentença, “não foi possível retroceder e, de forma fidedigna, apurar o valor dos bens à data dos factos.”, até porque aquele não teve acesso aos bens, por terem sido dissipados (apenas acedeu ao bem apreendido a fls. 296 que atualmente está em completo mau estado).
15. Por outro lado, tal como refere o Acórdão do STJ de 14.07.2011 (CJ, ASTJ, T. II, pág. 241 e ss), Os bens comuns do casal têm, em relação a cada um dos cônjuges, a característica de alheios, não tendo nenhum dos respetivos membros direito de, “per si”, de modo pleno e exclusivo, a dispor das coisas que integram esse património
16. Por isso, é que nenhum dos cônjuges tem autonomia para, sem autorização do outro, efetuar alienações de veículos ou imóveis que pertençam ao património comum, pois se isso acontecer os negócios são anuláveis, nos termos do disposto no artigo 1682.º do CC e 1687
17. No caso, após a separação, a arguida ao "desfazer" o património comum que tinha com o assistente, retirando-lhe bens concretos, divisíveis determináveis e autónomos, sem poderes legais para o efeito e contra a vontade daquele, e integrando-os, de forma irreversível, no seu património próprio e do arguido (...) (alheio à relação conjugal), subtraiu coisas que não lhe pertenciam (em exclusivo) e, como tal, cometeu o crime de furto pelo qual foi condenada,
18. Neste sentido, não assiste qualquer razão à arguida quando afirma que os factos não integram a prática daquele crime.
19. A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, inexistindo qualquer violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 2 da CRP; 1724.º do Cód. Civil, 355.º, 202.º, al. a) 203.º, 204.º e 360.º do Código Penal, nem o artigo 374.º, n.º 2 do CPP
*
Por todo o exposto, deve negar-se provimento ao recurso apresentado pela arguida, assim se fazendo, uma vez mais, a costumada JUSTIÇA!»

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
«Sufragam-se, na sua essencialidade, o corpo e as conclusões da resposta que ao recurso foi oferecida em primeira instância pelo Ministério Público junto da 1.ª instância, peça que, desmontando o argumentário recursivo da recorrente, demonstra e evidencia a sem razão e a falta de fundamento das pretensões formuladas à instância recursiva e aponta, fundadamente, para o respetivo naufrágio.
Nessa medida, deverá o recurso ser julgado improcedente, confirmando e mantendo esta instância a decisão que dele é objeto.»

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.[[2]]

Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as seguintes questões:
- incorreta valoração da prova produzida em julgamento;
- contradição insanável entre factos;
- erro notório na apreciação da prova;
- incorreta subsunção dos factos ao direito.

Importa, ainda, conhecer, a título de questão prévia, a rejeição parcial do recurso que o Ministério Público pretende.
û
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:
«1. No dia 21.11.2016, entre as 15h40 e as 16h40, na Rua (…), no âmbito do procedimento cautelar n.º 1955/16.9T8TMR-A do Juízo de Família e Menores de Tomar, foram ali arrolados, além do mais, os seguintes bens: A. Motociclo de cor vermelha, com matrícula (…), avaliado ali, à época, em € 600,00 (verba 143); B. Um automóvel de marca Hyundai, com matrícula (…), avaliado à época, em € 8.000,00 (verba 145), mas com um valor de mercado não superior a € 2.500,00.
2. No dia 22.11.2016, entre as 9h30 e as 14h15, novamente na Rua (…), e numa garagem na Estrada (…), no âmbito do procedimento cautelar nº 1715/16.7T8TMR, do Juízo de Família e Menores de Tomar, foram ali arrolados, além do mais, os seguintes bens: C. uma bicicleta com motor a gasolina, avaliada à época, em € 800,00 (verba 233); D. um motociclo de cross sem matrícula, de cor preto, de marca Yamaha, avaliado à época em € 1 500,00 (verba 235).
3. Os referidos objetos acima discriminados, em 1.º e 2.º, foram entregues à arguida (...) na qualidade de fiel depositária, sendo que os mesmos são compropriedade do ofendido (...), ex-marido daquela.
4. Com o que a arguida (...) ficou com a obrigação de os guardar e apresentar quando lhe fossem exigidos, conforme ali ficou ciente, naquelas duas ocasiões.
5. Todavia, entre o dia 21.11.2016 e as 9hOO do dia 22.11.2016, a arguida (...) decidiu engendrar um plano para dissipar e apropriar-se não só dos referidos bens, como de outros bens com valor que o referido (...) (ofendido) guardava no interior da referida habitação.
6. Naquele período, a arguida (...) deu conta dessa intenção e respetivos arrolamentos à arguida (...)-sua amiga à época- e ao filho desta: o arguido (...), pessoa com quem mantinha uma relação próxima.
7. Para tanto, entre as 15 horas do dia 21.11.2016 e o mês de dezembro daquele ano, na Rua (…), de forma não concretamente apurada, a arguida (...) entregou os seguintes bens ao arguido (...): - o aludido automóvel, arrolado, de marca Hyundai, modelo Accent, de matrícula (…), com valor de mercado não inferior a € 2 500,00; - duas motosserras novas laranjas, de marca não apurada, avaliadas em € 1 000,00; - dois geradores trifásicos de marca não apurada no valor de € 1 600,00; e - duas malas de ferramentas no valor de € 800,00 tudo (co )propriedade do ofendido (...).
8. Após, o arguido (...) saiu dali na posse dos mesmos.
9. Com o que o arguido (...) se apossou e fez seu aqueles objetos, no valor global de € 5.900 (cinco mil e novecentos euros).
10. Daí que guardou e escondeu o referido veículo automóvel numa residência localizada na Rua (…), onde habita (…), mãe da arguida (...) e avó do arguido.
11. Entre as 15hOO do dia 22.11.2016 e as OOh00 do dia 25.11.2016, a arguida (...) - com auxílio de três pessoas, nomeadamente de (...), sua funcionária, à época- transportou os motociclos e bicicleta, acima mencionados em 1.º e 2.º, para uma moradia antiga, desabitada, localizada na Estrada (…).
12. A referida moradia era propriedade da idosa (...), pessoa que se encontrava aos cuidados da arguida (...), sendo que esta tinha livre acesso à referida casa.
13. Após, entre as OhOO do dia 25.11.2016 e as 14hOO do dia 26.11.2016, na Estrada da (…), a mando da arguida (...), o arguido (...) e pelo menos mais duas pessoas não identificadas, penetraram, de forma não concretamente apurada, na referida residência, propriedade de "(...)".
14. Dali retiraram os referidos bens: - bicicleta com motor a gasolina, avaliada à época, em € 800,00 (verba 233); - motociclo de cross sem matrícula, de cor preto, de marca Yamaha, avaliado à época em € 1 500,00 (verba 235); - Motociclo de cor vermelha, com matrícula (…), avaliado ali, à época, em € 600,00 (verba 143);
15. Após, carregaram-nos no veículo ligeiro de mercadorias de matrícula (…), marca Renault, Modelo Master.
16. E, ato contínuo, na posse dos mesmos, abandonaram o local no referido veículo.
17. Com o que os arguidos fizeram seus aqueles bens, avaliados em € 2.900.
18. No dia 12.05.2017, pelas llh13, no âmbito do NUIPC 553/16.1GBTMR, no Posto da GNR de Tomar, perante o militar (…), a arguida (...) disse que "não sabia quem tinham sido os autores dos factos e não tinha suspeitos a indicar.”
19. Fê-lo na qualidade de testemunha, contra a verdade por si conhecida, acima discriminada nos factos 1.º a 17.º.
20. A arguida (...) sabia que prestava ali depoimento na qualidade de testemunha.
21. Fê-lo, ainda, para ludibriar as autoridades e o seu ex-marido (...), ocultando assim a verdadeira localização dos bens.
22. Ao praticarem os factos acima discriminados, os arguidos (...) e (...) nunca informaram da localização dos bens aos referidos processos acima mencionados em 1.º e 2.º ou os presentes autos com o NUIPC 553/16.1GBTMR.
23. Nunca os apresentaram ou entregaram à ordem dos mesmos.
24. Com o que quiseram, e conseguiram, frustrar a finalidade dos dois arrolamentos efetuados.
25. E, assim, subtraí-los ao poder público a que encontravam adstritos.
26. Não obstante, os arguidos saberem que a arguida (...) os detinha na qualidade de fiel depositária.
27. E conhecerem as obrigações inerentes a tais cargos.
28. Os arguidos (...) e (...) agiram sempre de forma consciente, livre e deliberada, em permanente comunhão de esforços e intentos.
29. Com o propósito de integrar, ainda, como integraram, os aludidos bens nas suas esferas patrimoniais.
30. Não obstante saberem que os mesmos pertenciam a (...).
31. Os arguidos sabiam, ainda, que todas as suas condutas, acima discriminadas, eram proibidas e punidas por lei penal.
Do pedido cível, provou-se que:
32. Para recuperar o veículo automóvel de marca Hyundai, com a matrícula (…), avaliado à época em 8.000€, o assistente foi obrigado a contratar um serviço de reboque para transportar o veículo de (…), onde foi mandado esconder.
33. Os restantes bens nunca foram recuperados.
34. Pelo serviço de reboque referido em 32, o assistente pagou 147,60€ (cento e quarenta e sete euros e sessenta cêntimos).
35. Para guardar o referido veículo, de modo a que não seja alvo de descaminho, o assistente foi obrigado a guardá-lo na garagem de uma oficina, onde lhe é cobrada a quantia diária de 5€, pelo que perfaz a quantia de 560€ (quinhentos e sessenta euros).
36. Em deslocações para tentar localizar onde se encontravam os bens, nomeadamente para fornecer aos autos as moradas onde os bens se encontravam escondidos, bem como para que fossem recuperar o veículo, gastou em combustível pelo menos 100€ (cem euros).
37. O assistente sente-se psicologicamente abalado com o comportamento dos arguidos, vivendo em constante intranquilidade e insegurança porque não sabe se os demais bens arrolados ainda se encontram em poder da arguida (...) ou se esta também já os fez desaparecer.
38. Quando o assistente soube que os bens descritos na acusação tinham sido furtados sofreu grande desgosto porque a bicicleta a motor, que era uma peça de coleção, fabricada em 1934, é insubstituível porquanto já não se fabrica.
39. Também ficou muito desgostoso com o descaminho do motociclo de cor vermelha, pois tinha elevado valor estimativo e tinha prometido oferecer ao filho.
40. Com o descaminho dos bens, o assistente ficou privado de os usar, nomeadamente o veículo Hyundai e quando vinha da Suíça foi obrigado a alugar veículos, o que lhe causou um prejuízo de pelo menos 550€ (quinhentos e cinquenta euros).
41. Em especial a conduta da ex-mulher, a arguida (...), chocou e abalou profundamente o assistente porquanto aquela sabe que todo o património que o ex­-casal possui foi adquirido com o trabalho árduo de emigrante do assistente para criar e educar os enteados e o filho do casal e proporcionar conforto à sua mulher.
42. Pelo que, ainda hoje, tais atitudes daquela arguida abalam profundamente o assistente.
Mais se provou, com interesse para a decisão da causa, que:
43. O agregado familiar de (...) é constituído pelo companheiro, de 62 anos, com quem vive em situação análoga à dos cônjuges há 5 anos, e uma pessoa de 104 anos, que foi sua utente na casa de acolhimento para idosos, da qual foi proprietária, e um amigo de família.
44. Residem em habitação própria, igualmente propriedade do seu ex-marido, o ora assistente.
45. O companheiro aguarda que lhe seja atribuída a reforma por invalidez, pelo não aufere nenhum rendimento.
46. O enquadramento sacio económico do referido agregado é consubstanciado pela remuneração auferida pela arguida, no valor de € 700 referente ao exercício da atividade profissional no ramo da restauração. Gere a reforma da idosa que está ao seu cuidado, no valor de € 350, que é direcionada essencialmente aos cuidados da mesma e conta ainda com a reforma do amigo, no valor de € 400, que apoia nas despesas correntes.
47. Tem, ainda, um rendimento extra referente a uma habitação arrendada no valor de € 200, mas tem empréstimo bancário referente à mesma no valor de € 31O, sendo a casa igualmente propriedade do ex marido.
48. A arguida é a 6ª filha de uma fratria de 6. Originária de uma família tradicional, de origens humildes, que sempre subsistiram do trabalho árduo exercido no campo.
49. (...) completou o 4º ano e cedo iniciou a sua atividade laboral no campo para coadjuvar os pais e contribuir para o sustento do agregado familiar.
50. A nível afetivo, contraiu matrimónio aos 17 anos. Desta relação, tem dois filhos atualmente com 39 e 36 anos.
51. Emigrou para a Suíça, onde trabalhou no ramo das limpezas e em hotéis.
52. Mais tarde voltou a contrair matrimónio e desta relação teve um filho, atualmente com 26 anos. Os descendentes estão emigrados na Suíça.
53. A arguida (...) reside sozinha, numa habitação arrendada no valor de € 175, inserida em meio rural.
54. O seu enquadramento socioeconómico é essencialmente consubstanciado pela prática do culto espiritual Iemanjá, do qual se intitula de líder espiritual em que os devotos do mesmo contribuem com o valor que considerem adequado, bem como com bens alimentares. Paralelamente realiza trabalhos pontuais no ramo da costura.
55. A arguida é natural de (…). É o 5º elemento de uma fratria de 5. Formou a sua personalidade no contexto de uma família humilde, pelo que cedo iniciou a sua atividade profissional para coadjuvar o seu agregado familiar.
56. Completou o 4º ano de escolaridade.
57. Em termos afetivos contraiu matrimónio aos 17 anos de idade. Do matrimónio teve dois filhos.
58. Emigrou para a Suíça, país onde permaneceu cerca de 10 anos, sempre na companhia dos filhos.
59.Regressada a Portugal laborou essencialmente no ramo das limpezas, até que por vocação dedicou-se à prática do culto espiritual Iemanjá.
60. (...) está em grande sofrimento uma vez que a filha faleceu há 7 meses, num contexto de doença oncológica, tendo estado sempre muito presente na vida filha, mesmo quando esta já estava em contexto de internamento no IPO de Lisboa.
61. Sendo uma pessoa com tendência para o isolamento, esta fatalidade veio acentuar esta característica, dedicando-se essencialmente ao mundo espiritual, onde considera encontrar a sua paz anterior.
62. O arguido (...) é mecânico de terraplanagens, em Paris, e aufere cerca de 2.600€ mensais.
63. Vive sozinho em casa arrendada por cuja renda despende 650€ mensais.
64. Tem uma filha menor que vive com a mãe, a quem paga 150€ mensais.
65. A arguida (...) foi condenada no processo comum singular n. o 423/17.6GBTMR, do juízo local criminal de Tomar, por decisão de 02.07.2019, transitada em julgado em 19.09.2019, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 7€, pela prática de um crime de denúncia caluniosa, praticado em 05.09.2017.
66. A arguida (...) foi condenada pela prática de três crimes de emissão de cheque sem provisão, um crime de furto simples, dois crimes de falsificação de documento e um crime de burla simples, nos termos do CRC junto aos autos e que se considera reproduzido.
67. O arguido (...) foi condenado pela prática de oito crimes de condução sem habilitação legal, dois crimes de desobediência, um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de abuso de confiança, e de um crime de detenção de arma proibida, pelo qual foi condenado na pena de sete anos de prisão, tudo nos termos do CRC junto aos autos e que se considera reproduzido.»

Relativamente a factos não provados, consta da(o) sentença\acórdão que [transcrição]:
«Nada mais se provou, com interesse para a decisão da causa, designadamente que:
I. Os bens referidos em 7 foram entregues pela arguida (...) também à arguida (...).
II. Após, a arguida (...) saiu dali na posse dos mesmos.
III. O descrito em 13 aconteceu com a indicação e aval da arguida (...).
IV. No dia 26.11.2016, pelas 17h30, via telefone, a arguida (...) contactou o Posto territorial da GNR de Tomar e disse que, naquela hora, na Estrada da (…), por arrobamento, desconhecidos, dois homens e uma mulher, subtraíram dali um ciclomotor, dois veículos de matrícula suíça e um ciclomotor, que eram sua propriedade e propriedade do seu marido.
V. Do mesmo modo, no dia 27.11.2016, pelas 10hOO, a arguida (...) informou a GNR que, na referida ocasião, desconhecidos também tinham subtraído um motociclo de marca (…), uma motocross preta e uma bicicleta a gasolina.
VI. Com o que a arguida fez criar o auto de notícia com o n. o de registo 498227190000, que deu origem ao presente inquérito com o NUIPC 553/16.1GBTMR, onde figurou como "ofendida".
VII. A arguida (...) disse o descrito em 18, após ter prestado juramento legal.
VIII. Perante Órgão de Polícia Criminal com competência delegada pelo Ministério Público.
IX. E ter sido advertida das consequências penais de um testemunho falso.»

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«Quanto aos elementos objetivos e subjetivo do tipo de ilícito, o tribunal fundou a sua convicção com base na conjugação da prova produzida, analisada de acordo com as regras da experiência comum.
Com efeito, os pontos 1 a 4 dos factos provados resultam das certidões das providências cautelares com autos de arrolamento de fls. 93 a 139, em conjugação com as próprias declarações da arguida (...) e do assistente (...), que confirmaram a realização da diligência, o elenco de bens arrolados e modo de alcançar o respetivo valor atribuído.
Quanto ao vertido em 5 a 17, os mesmos foram assumidos pelos arguidos (...) e (...), que confirmaram que a arguida (...) lhes transmitiu que pretendia pôr diversos bens do assistente "fora do seu alcance", incluindo os constantes dos autos de arrolamento, tendo pago ao arguido (...) para que executasse tal desiderato. Não obstante a arguida (...) tenha negado tal factualidade, dizendo desconhecer o modo como os bens desapareceram, a verdade que estas declarações não mereceram credibilidade.
Desde logo atendendo ao facto de não ter apresentado queixa quanto ao desaparecimento dos bens e não existir qualquer sinal de arrombamento (como confirmado pelas testemunhas (…), militares da GNR), o que permite concluir que a arguida (...), que era quem tinha livre acesso aos locais onde os bens se encontravam, os colocou à disposição do arguido (...) para que este ­do modo descrito nos factos provados, e que o próprio confirmou - os fizesse "desaparecer".
As declarações do assistente (...) foram, também, tidas em consideração, pois foram prestadas de forma espontânea e objetiva, não obstante um pouco emocionada, merecendo credibilidade. O assistente caracterizou os objetos subtraídos, explicando a quem pertenciam, como foram adquiridos e, ainda, quem deles dispunha e elencando o respetivo valor. Mais esclareceu o local onde se encontravam os objetos e o modo como deu pela respetiva falta. Explicou, ainda, a forma como veio a saber do paradeiro dos objetos subtraídos, assegurando ter sido contactado pelo arguido (...), que o informou (encontro que foi também confirmado pelas testemunhas (...), que estiveram presentes), bem como explicou as diligências que efetuou para lograr encontrá-los e elencou as despesas efetuadas para o efeito.
Mais se analisou o auto de notícia de fls. 3 a 6; o print de registo automóvel de fls. 7 a 10; as fotos de objetos furtados de fls. 151 e 152; o auto de apreensão de fls. 288 e 296; e o print de pesquisa do OLX.
Do depoimento da testemunha (…) resulta, também, em consonância com as declarações do arguido (...), que o mesmo emprestou a referida carrinha para proceder a transporte de bens, desconhecendo, porém, a origem e finalidade de tal transporte.
Acresce que a testemunha (...), ex-funcionária da arguida (...), confirmou o transporte das motas para a "casa da D. …", a mando da arguida (...), desconhecendo, porém, se tal ocorreu antes ou depois do arrolamento. De todo o modo, daqui também decorre a intenção da referida arguida em fazer desaparecer os bens mais facilmente, pois só assim se explica que estando as aludidas motas em casa da própria arguida, numa garagem, tenha a mesma determinado o transporte para uma casa velha pertencente à referida D. …. De facto, o arguido (...) e as pessoas que o acompanhavam, aí se deslocaram durante o dia, como se nada de ilícito se tratasse - como o mesmo referiu e as testemunhas (...) (que presenciaram a retirada das motas para a carrinha), facto se só foi possível por terem a "autorização" da arguida (...) para o efeito.
O perito, (…), relatou os critérios utilizados para aferir o valor atual dos bens, sendo certo que não é possível retroceder e, de forma fidedigna, apurar o valor dos bens à data dos factos. O perito prestou os seus esclarecimentos de forma isenta e imparcial, merecendo credibilidade.
No que respeita aos pontos 18 a 21 dos factos provados os mesmos decorrem do auto de inquirição de testemunha de fls. 37 e 38 e da prova dos restantes factos, que permitem concluir que a arguida (...) faltou à verdade no depoimento prestado na qualidade de testemunha.
Os factos provados que consubstanciam o elemento subjetivo (22 a 31), resultam dos factos objetivos dados como provados, uma vez que são os mesmos insuscetíveis de prova direta, os quais, atendendo às regras da experiência comum e mediante presunções naturais, permitem de forma segura inferir tais conclusões.
O depoimento das testemunhas (…), casal amigo da arguida (...), residente em (…), (…) em nada abalou a convicção supra exposta, uma vez que estas testemunhas nada sabiam sobre a factualidade em apreciação, salvo aquilo que lhes havia sido dito ou haviam ouvido a outras pessoas.
Assim, da conjugação da prova testemunhal com a prova documental, nos termos supra expostos, dúvidas não existem de que os arguidos (...) e (...) praticaram os factos que lhe são imputados.
O estado emocional do assistente, assim como as despesas realizadas e as alterações de quotidiano decorrem das suas próprias declarações, nos termos supra expostos, assim como dos documentos 1 a 3 juntos com o pedido de indemnização e do depoimento das testemunhas (...), que procedeu ao reboque do automóvel em causa, e (…), empresário de táxis, e (...) (...), vizinho do assistente, que depuseram com conhecimento direto dos factos e de forma objetiva e segura, merecendo credibilidade.
Quanto às condições económicas e sociais dos arguidos, analisaram-se os relatórios sociais elaborados pela DGRSP e as declarações por estes prestadas que, nesta parte, se consideraram merecedoras de crédito.
No que diz respeito aos antecedentes criminais, tiveram-se em atenção os certificados de registo criminal juntos aos autos.

Quanto aos factos não provados, relativos à participação da arguida (...), a verdade é que a mesma negou a participação nos factos, assumindo apenas ter conhecimento de que a arguida (...) queria colocar vários objetos fora do alcance do assistente, pois a mesma havia confidenciado tal pretensão. Acresce que mais nenhum elemento de prova relaciona a arguida (...) com a factualidade em apreciação, pelo que os factos foram considerados não provados.
Os factos não provados de V a IX resultam da análise dos autos, designadamente da inquirição de testemunha de fls. 37 e 38, de onde decorre que a arguida (...) não prestou juramento legal antes da inquirição como testemunha e também que não foi a arguida quem efetuou a denúncia, esta última parte confirmada pelo próprio assistente, que confirmou ter sido ele o autor da denúncia.»
û
Conhecendo.

(i) Questão prévia
Da rejeição parcial do recurso
Entende o Ministério Público – na 1.ª Instância, por enunciação da questão, e nesta Relação, por adesão à peça processual onde tal questão é suscitada – que a Recorrente não pode, em sede de recurso, impugnar os factos que foram dados como provados nos pontos 2, 7 e 13.
Porque tendo aceitado alteração não substancial de tais factos, que lhe foi oportunamente comunicada, é contraditório que agora os impugne. E não pode deixar de se proibir este comportamento contraditório, que deve ser associado a falta de interesse em agir.

Com interesse para a decisão a proferir, o processo fornece os seguintes elementos:
a) Da acusação deduzido no processo consta, entre o mais
«(…)
1.º No dia 21.11.2014, entre as 15H40 e as 16H40, na Rua (…), no âmbito do procedimento cautelar n.º 1955/16.9T8TMR-A do Juízo de Família e Menores de Tomar, foram ali arrolados, além do mais, os seguintes bens:
A. Motociclo de cor vermelha, com matrícula (…), avaliado, à época, em € 600,00 (verba 143);
B. Um automóvel de marca Hyundai, com a matrícula (…), avaliado, à época, em € 8 000,00 (verba 145), mas com um valor de mercado não superior a € 2 500,00;

2.º A par, no dia 21-11-2016, entre as 9H30 e as 14H15, novamente na Rua (…), no âmbito do procedimento cautelar n.º 1715/16.7T8TMR, do Juízo de Família e Menores de Tomar, foram ali arrolados, além do mais, os seguintes bens:
C. Uma bicicleta com motor a gasolina, avaliada à época, em € 800,00 (verba 233);
D. Um motociclo de cross sem matrícula, de cor preto, de marca Yamaha, avaliado á época em € 1 500,00 (verba 235);
(…)
7.º Para tanto, entre o dia 21 de novembro de 2014 e as 9H00 do dia 21-11-20216, na Rua (…), de forma não concretamente apurada, a arguida (...) entregou os seguintes bens aos arguidos (...) e (...)
ü o aludido automóvel, arrolado, de marca Hyundai, modelo Accent, de matrícula (…), com valor de marcado não inferior a € 2 500,00;
ü duas motosserras novas laranjas, de marca não apurada, avaliadas em € 1 000,00;
ü dois geradores trifásicos de marca não apurada no valor de e 1 600,00; e
ü duas malas de ferramentas no valor de € 800,00, tudo (co)propriedade do ofendido (...);
(…)
13.º Após, entre as oH00 do dia 25.11.2016 e as 14H00 do dia 26.11.2016, na Estrada da (…), a mando das arguida (...), os arguidos (...) e (...) penetraram, de forma não concretamente apurada, na referida residência, propriedade da idosa “(...)”,
(…)»

b) No decurso da sessão de julgamento que decorreu no dia 10 de novembro de 2020, o Magistrado do Ministério Público ditou para a ata o seguinte:
«Da prova produzida na presente audiência, entendemos que há necessidade de alterar os factos descritos na acusação. Parte das alterações resultam de um lapso na indicação do ano no auto de arrolamento – de fls. 94 – que, por sua vez, comportou igual lapso na acusação. A par, as restantes alterações resultam do cotejo de toda a prova produzida, nomeadamente da testemunhal e das declarações das coarguidas.
Assim, no facto n.º 1 deve alterar-se a data para 21-11-2016 (e não 2014 que consta do documento) já que as arguidas e testemunhas confirmaram que foi nesse ano que foi feito o primeiro arrolamento.
A par, no facto n.º 2deve aditar-se a residência da Estrada da (…). Ou seja, o arrolamento realizou-se, naquele dia, não só na morada ali constante, como também na casa de (...), localizada naquela Estrada, conforme referiram as arguidas e as testemunhas, nomeadamente (...).
Assim, o facto n.º 2 deve ficar com a seguinte redação “No dia 22-11-2016, entre as 9H30 e as 14H15, novamente na Rua (…) e numa garagem na Estrada da (…), no âmbito do procedimento cautelar n.º 1715/16.7T8TMR, do Juízo de Família e Menores de Tomar, foram ali arrolados, além do mais, os seguintes bens:
C. Uma bicicleta com motor a gasolina, avaliada à época, em € 800,00 (verba 233);
D. Um motociclo de cross sem matrícula, de cor preto, de marca Yamaha, avaliado á época em € 1 500,00 (verba 235);”
Por seu turno, o facto 7 deve ser também alterado, na medida em que da prova produzida resultou que os bens foram dissipados após ambos os arrolamentos, até porque se assim não fosse os mesmos não estariam ali disponíveis para aquele efeito. Ou seja, só foram arrolados porque efetivamente se encontravam no local, resultando isso de prova documental, nomeadamente dos autos de fls. 94 a 127 e das declarações dos arguidos e testemunhas, nomeadamente do assistente. A par, não se sabe a data exata dessa entrega dos bens ao arguido (...), apenas se sabe que foi entre o arrolamento e o início do inquérito criminal, onde se dá conta dos respetivos desaparecimentos. Assim, o MP requer se proceda à modificação do facto n.º 7, no sentido de se alterarem as datas ali constantes, passando a ter a seguinte redação:
“Para tanto, entre as 15H00 do dia 21/11/2016 e o mês de dezembro daquele ano, na Rua (…), de forma não concretamente apurada, a arguida (...) entregou os seguintes bens aos arguidos (...) e (...)
ü o aludido automóvel, arrolado, de marca Hyundai, modelo Accent, de matrícula (…), com valor de marcado não inferior a € 2 500,00;
ü duas motosserras novas laranjas, de marca não apurada, avaliadas em € 1 000,00;
ü dois geradores trifásicos de marca não apurada no valor de e 1 600,00; e
ü duas malas de ferramentas no valor de € 800,00, tudo (co)propriedade do ofendido (...);
Por fim, da prova produzida não resultou demonstrado que a (...) tivesse ido à garagem da Estrada da (…). Assim, ficou demonstrado que foram, pelo menos, dois rapazes e uma rapariga, sendo que um desses rapazes foi o (...), os restantes não foi possível identificar. Com efeito, isso resulta da conjugação da toda a prova produzida, nomeadamente do facto de ter sido usado um veículo de um amigo daquele, conforme referiram os arguidos (...) e (...), e a testemunha (…) que aqui relatou que lha facultou a carrinha no dia do furto. A par, os bens foram levados para a área de residência dos arguidos (...) e (...), conforme resulta das declarações do Sr. (...), que viu as motos numa garagem localizada na área de (…). De igual modo, a testemunha “…” arrolada pela defesa confirmou que viu a carrinha similar à do furto, nesse dia, junto à residência dos arguidos à época a carregar móveis, estando presente o arguido (...) e a irmã deste. Assim, entendemos que o facto 13.º deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redação:
“Após, entre as 00H00 do dia 25.11.2016 e as 14H00 do dia 26.11.2016, na Estrada da (…), a mando das arguida (...) e com indicação e aval da arguida (...), o arguido (...) e, pelo menos duas pessoas não concretamente apuradas, penetraram de forma não concretamente apurada, na referida residência, propriedade da idosa “(...)” (…), mantendo-se o já vertido na acusação.

Estas alterações não comportam qualquer agravamento ou alteração dos crimes imputados aos arguidos. Por todo o exposto, ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.º 2 do CPP, o MP requer a alteração não substancial dos referidos factos, nos termos indicados.»

Nesta ocasião, a propósito do requerimento do Ministério Público, as Senhoras Advogadas que defendem os Arguidos disseram nada ter a opor ou a requer.

E a Senhora Juíza que presidia ao julgamento proferiu despacho com o seguinte teor:
«Concordando com o ora exposto pelo Ministério Público e aderindo aos fundamentos expostos, que consideramos reproduzidos, determino a alteração não substancial dos factos nos termos ora requeridos pelo Ministério Público, nos termos do artigo 358.º, n.º 1 do CPP

Despacho que ficou, desde logo, notificado aos intervenientes processuais.

c) A Recorrente impugna, entre outros, os factos considerados como provados nos pontos 2, 7 e 13.
A estrutura acusatória do nosso processo penal, consagrada no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa[[3]], significa, desde logo, que é pela acusação [ou pela pronúncia, havendo-a] que se define o objeto do processo [thema decidendum].
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira[[4]], «O princípio acusatório (…) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório).»
Esta vinculação temática do Juiz do julgamento – à matéria constante da acusação – constitui para o arguido uma garantia de defesa, na qual se inclui claramente o princípio do contraditório, que traduz[[5]] «o dever e o direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afetados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efetiva no desenvolvimento do processo; em particular, direito do arguido de intervir no processo e de pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo; a proibição por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter podido contraditar os respetivos fundamentos.»

Todavia, as preocupações de justiça subjacentes ao processo penal fazem com que tal estrutura acusatória não tenha sido consagrada de forma absoluta.
Efetivamente, como decorre do disposto no artigo 124.º e do n.º 4 do artigo 339.º, em julgamento devem ser apresentados todos os factos invocados pela acusação, pela defesa, e pelo demandante civil, quando o haja, produzidas e examinadas todas as provas e explanados todos os argumentos, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.
Por outro lado, relativamente ao thema decidendum, o legislador não colocou quem julga na total dependência dos intervenientes processuais. Neste domínio, surgem as possibilidades de alteração factual – alteração não substancial e substancial – consagradas nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.

Mas estas questões «hão-de ser resolvidas com o recurso ao conceito de identidade do facto processual (ou, do objeto do processo), dentro dos parâmetros estabelecidos pelos princípios da legalidade, da acusação (nas vertentes de garantia de independência e imparcialidade do julgador e no domínio dos direitos de defesa, impedindo que o arguido seja surpreendido “…com novos factos ou com novas perspetivas sobre os mesmos factos para os quais não estruturou a defesa”) e do princípio da proibição da rejormatio in pejus que, deste modo, funcionam como limites inultrapassáveis de garantia da posição do arguido.»[[6]]

A importância desta matéria, pela sua abrangência e forma como tem sido interpretada, deu já origem, e por diversas vezes, à intervenção do Supremo Tribunal Justiça para fixação de jurisprudência obrigatória – Assento n.º 2/1993, de 27 de janeiro de 1993 [publicado no Diário da República, I Série, de 10 de março de 1993] [[7]], Assento n.º 3/2000, de 15 de dezembro de 1999 [publicado no Diário da República I Série–A, de 11 de fevereiro de 2000] [[8]], Acórdão Uniformizador n.º 7/2008, de 25 de junho de 2008 [publicado no Diário da República, 1ª Série, n.º 146, de 30 de julho de 2008] [[9]], Acórdão Uniformizador n.º 11/2013, de 11 de junho de 2013 [publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 138, de 19 de julho de 2013] [[10]] e Acórdão Uniformizador n.º 1/2015, de 20 de novembro de 2014 [publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 18, de 27 de janeiro de 2015].[[11]]

Dispõe o artigo 358.º do Código de Processo Penal, a propósito da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia:
«1 – Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 – Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 – O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.»

Deste preceito resulta que a falta de oposição a uma comunicação de alteração não substancial de factos acarreta, tão-só, que o processo prossiga, também, para conhecimento desses factos.

E é o que decorre do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que o Ministério Público convoca em abono da rejeição do recurso que nos ocupa. Dito de outra forma, que se pretende mais esclarecedora, tal decisão do Supremo Tribunal de Justiça não tem, manifestamente, o sentido que lhe foi atribuído pelo Ministério Público.
Senão, vejamos o seu teor:
«As regras dos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, emanação direta do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, destinam-se a garantir eficazmente o exercício do contraditório e do direito de defesa em geral.
Daí que, submetida a situação emergente ao juízo do interessado, estando o MP e o assistente se o houver, de acordo, a lei se baste com o consentimento dele para prosseguir com o objeto da acusação alterado. Na presunção de que, então, exercido o contraditório ou tendo-lhe sido dada oportunidade para o fazer, não há prejuízo relevante para o exercício do direito de defesa.
Ora, no caso, como se viu do despacho supra transcrito, o tribunal recorrido, antes das alegações finais, informou o arguido da alteração de facto e de direito já que o alertou para que “a prova produzida em audiência”, necessariamente distinta dos factos da acusação, apontava para a eventual convolação para o crime de recetação, ao invés do acusado crime de furto qualificado.
Logo, ficou garantido o exercício do contraditório e do direito de defesa.
Acontece que o arguido nada opôs, ali, ao que lhe foi transmitido pelo tribunal.
Assim, embora tacitamente, deu o seu assentimento a que o julgamento prosseguisse, agora já com a informação da alteração do objeto do processo recebida e interiorizada.
Assentimento tácito que também os demais sujeitos processuais concederam, mormente o MP.
Logo, a remeter o caso para a previsão do n.º 2 do artigo 359º do Código de Processo Penal.
E, assim, a precludir a possibilidade de, mais tarde, mormente em via de recurso, vir atacar a decisão de prosseguir o julgamento, a qual só foi tomada porque o recorrente silenciou qualquer oposição à comunicação que lhe foi feita.
Tanto assim que, como resulta claro do disposto, quer do n.º 3 do artigo 359º, quer do n.º 1, do artigo antecedente, o requerimento para adequado exercício do direito de defesa proporcionado pela comunicação da alteração do objeto processual em causa, nomeadamente para concessão de prazo suplementar para o efeito, ou de oposição à alteração comunicada, tem de ser imediato

E sendo este o alcance da não reação a uma comunicação de alteração não substancial de factos, nada impede a Arguida, ora Recorrente, de impugnar os factos objeto dessa comunicação.
Inexistindo razão para a rejeição do recurso na parte em que aí se impugnam os factos considerados como provados nos pontos 2, 7 e 13.

(ii) Da incorreta valoração da prova
Da contradição entre factos
Do erro notório na apreciação da prova
Insurge-se a Recorrente contra a factualidade considerada como provada nos pontos 2, 3, 5, 6, 7, 9, 11, 13, 14, 17, 19, 21, 22 a 30, 32, 35, 36, 41 e 42.
Porque, no seu entender, não se alicerça na prova produzida em julgamento, evidenciando erro notório na sua apreciação.
E assinala a alguns desses factos contradição não sanável.

Vejamos se lhe assiste razão.
Com o propósito de bem expressar o nosso entendimento, impõe-se se precisem conceitos.
Em causa está o modo como pode sindicar-se a valoração da prova feita em 1.ª Instância, determinante para a fixação dos factos que aí se consideraram como provados e não provados – sindicância que pode fazer-se num primeiro momento fora e, depois, no âmbito dos vícios que devem ser aferidos perante o texto da decisão em causa [dito de outra forma, e respetivamente, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto e no domínio da impugnação restrita da matéria de facto].

A impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto [ou aquela que se encontra fora do âmbito da previsão do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal], depende da observância dos requisitos consagrados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, ou seja:
«(...)
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(...)»
E ocorrendo impugnação da matéria de facto, com observância das regras acabadas de mencionar, o Tribunal, conforme se dispõe no n.º 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, «procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta de verdade e a boa decisão da causa
Encontramo-nos no domínio dos vícios do julgamento. No domínio do erro na “aquisição” da prova, que ocorre quando o Julgador perceciona mal a prova – porque o conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, efetivamente, foi dito por quem os prestou.
Erro do Julgador, no momento em que perceciona a prova, em que toma contacto com ela, e não no momento em que a avalia. Erro que pode viciar a avaliação da prova, mas que a antecede e dela se distingue.
Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, página 1131, em anotação ao artigo 412.º do Código de Processo Penal, afirma que «a especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (...)»; «a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (...) mais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento».
«(...) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado (...).».[[12]]
De onde é lícito concluir que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».[[13]]
Ou seja, a gravação das provas funciona como “válvula de segurança” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto.

A sindicância da matéria de facto pode, ainda, obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão [e não do julgamento] – impugnação restrita da matéria de facto –, de conhecimento oficioso, que podem constituir fundamento de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito [n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal].
Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.
Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”[[14]]
A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[15]]
O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.» [[16]]

Não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do Código Penal.
Mas tal valoração é, também, sindicável.
O que equivale a dizer que a matéria de facto pode ainda sindicar-se por via da violação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Neste preceito legal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante[[17]], pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas exceções decorrentes da “prova vinculada” [artigos 84.º (caso julgado), 163.º (valor da prova pericial), 169.º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344.º (confissão) do Código de Processo Penal] e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova [artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal] e o do “in dubio pro reo” [artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa].[[18]]
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevante para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
«O ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objetivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objetivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a perceção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova.
A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos atos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extratos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.
A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex..
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma perceção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjetivo, que se vincula o juiz à perceção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão [[19]]
E, seguindo tais ensinamentos, não resta senão concluir que não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.

Posto isto, e de regresso ao processo, da análise das conclusões que a Recorrente extraiu da motivação do seu recurso é patente que aí se confunde erro de julgamento com erro notório na apreciação da prova e que não se atenta que tais erros constituem formas distintas de impugnação da matéria de facto, sujeitas a regras processuais não coincidentes.
O erro notório na apreciação da prova – previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal – consubstancia-se num vício de raciocínio na apreciação das provas, que se deteta pela simples leitura da sentença. As provas apontam num determinado sentido e na sentença concluiu-se em termos opostos. E este erro há.de ser percetível por qualquer pessoa de mediana formação cultural.
Os vícios consagrados nas diversas alíneas do n.º 2 do já referido artigo 410.º do Código de Processo Penal, de enumeração taxativa, terão de sere videntes e passíveis de deteção através do mero exame da sentença – sem possibilidade de utilização de outros de outros elementos constantes do processo –, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum.
O erro de julgamento não se limita ao texto da sentença, sendo, ao invés, uma forma de impugnação alargada da matéria de facto e que deve ser exercida com a observância do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.

A Recorrente invoca o erro notório na apreciação da prova por referência a prova produzida em julgamento – declarações prestadas no decurso da audiência de julgamento – e que avalia de forma diversa da que foi a avaliação do Tribunal recorrido.
Porque assim é, estamos para além dos limites da sentença e a questão que a Recorrente coloca não é de erro notório na apreciação da prova, mas de erro de julgamento – que deve conhecer-se em conformidade com as regras ditadas pelo artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Antes de mais, urge analisar a sentença, com vista a nela assinalar a presença de algum dos vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Nesta análise importa ter presente que à Recorrente são imputados os crimes de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público, de furto, de simulação de crime e de falsidade de testemunho. E que a Recorrente apenas não foi condenada pela prática do crime de simulação de crime.

A descrição factual constante da sentença recorrida não é feliz.
Seguiu os factos constantes da acusação formulada pelo Ministério Público, com as emendas que lhe foram introduzidas em fase de julgamento.
De tais factos – considerados como provados e não provados na sentença recorrida – permanece a dúvida quanto à propriedade dos bens arrolados, das motosserras, dos geradores e das malas de ferramentas.
Note-se que nos termos do artigo 408.º do Código Civil, na providência de arrolamento, o depositário é o possuidor ou detentor dos bens, qualidade que pode não coincidir com a de proprietário.
Note-se, ainda, que a qualidade de proprietário, na sentença, só resulta inequívoca quanto ao Assistente (...) – pontos 3, 5, 7, 30 e 41.
Este defeito da sentença acarreta impede que dela se extraiam consequências fiáveis quanto aos crimes cometidos e às penas com que devem ser sancionados.
Estamos perante uma descrição factual insuficiente para a decisão proferida, que constitui o vício consagrado na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Dos factos provados decorre, ainda o embaraço de não se esclarecer, no ponto 2. o que foi arrolado em cada um dos locais aí mencionados – na Rua (…) e na garagem da Estrada da (…), ambos situados em (…).
E este aspeto assume relevância porque no ponto 11 dos factos provados se diz que a Recorrente, com o auxílio de três pessoas transportou os motociclos e a bicicleta para moradia localizada na Estrada da (…).
Porque não se desloca um bem arrolado para o local onde o arrolamento aconteceu – ou seja, não se desloca uma coisa para onde ela já se encontra – é notória a contradição entre os factos mencionados.
E estamos perante o vício consagrado na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Idênticos vícios devem ser assinalados perante a factualidade considerada como provada nos pontos 5, 7 e 9.
Porque tendo a Recorrente o propósito de se apoderar dos bens que foram arrolados e de outros que o (...) guardava na habitação sita na Rua (…), importa esclarecer a que título entregou ao Arguido (...) o veículo automóvel de marca Hyundai, as motosserras, os geradores e as malas de ferramentas.
Desde logo, porque também se deu como provado que o Arguido (...) fez seus tais objetos e se desconhecem as razões que levaram a Recorrente a agir desta forma.

Os vícios acabados de assinalar não podem ser suprido nesta Relação, por falta de todos os elementos, a tanto, necessários e para garantir o duplo grau de jurisdição consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Vícios que determinam o reenvio do processo para novo julgamento, relativo à sua totalidade, dada a importância das questões assinaladas para a decisão da causa – artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
O que torna inútil o conhecimento das restantes questões que nos foram colocadas pela Recorrente (...).


III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, dando parcial provimento ao recurso, decide-se ordenar o reenvio do processo para novo julgamento relativo à sua totalidade, com respeito pelo disposto no artigo 426.º-A do Código de Processo Penal.

Sem tributação.
û
Évora, 2021 setembro 7
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)


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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)


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(Renato Amorim Damas Barroso)

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao
princípio do contraditório.»
[4] In “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, Coimbra Editora, 2007, a página 522.
[5] Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada, a página 523.
[6] Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, página 717.
[7] «Para fins dos artigos 1.º, alínea f), 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 4, 309.º, n.º 2, 359.º, nºs 1 e 3, e 379.º, alínea b), do Código de Processo Penal,
não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respetiva qualificação jurídica ou convolação, ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave.»
[8] «Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes
da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em
figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao
arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respetiva defesa»
[9] «Em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º deste último diploma legal»
[10] «A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no artº 358º nºs 1 e 3 do CPP».
[11] «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.»
[12] No mesmo sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17.ª Edição, páginas 965 e 966.
[13] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 2005 e de 9 de março de 2006, processos n.º 2951/05 e n.º 461/06, respetivamente, acessíveis in www.dgsi.pt.
[14] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.
[15] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.
[16] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.
[17] O julgamento surge, na estrutura do processo penal, como o momento de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.
[18] O princípio in dubio pro reo, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.
Dito de outra forma, o princípio in dubio pro reo constitui imposição dirigida ao Juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
[19] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, relatado pelo Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos
– acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.