Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1846/13.5TBSTR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: MÚTUO BANCÁRIO LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
CONTRATO DE SEGURO
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É legítima a anulação do contrato de seguro, por parte da seguradora, no caso em que a pessoa segura omitiu conscientemente dados relevantes sobre a sua saúde.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1846/13.5TBSTR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) propôs contra (…) – Companhia Portuguesa de Seguros, SA, (…) – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA, e Banco (…), SA, pedindo a condenação das rés no pagamento de uma indemnização por responsabilidade pré-contratual e danos morais no valor de € 25.000,00; e no pagamento do capital seguro no valor de € 62.349,74.
Alegou o seguinte:
- celebrou com o réu Banco (…) um contrato de empréstimo bancário para aquisição de habitação e com a ré (…) um contrato de seguro do ramo vida associado àquele;
- comunicou ao réu Banco (…) que era portador de uma incapacidade de 75,3% e pretendeu saber se a ré (…) saldaria o empréstimo bancário, tendo esta negado fazê-lo alegando que à data da celebração do contrato de seguro era portador de doença pré-existente que não foi referenciada aquando do preenchimento da proposta de adesão, omissão esta que determinou a sua anulação;
- não foi o autor das respostas dadas ao questionário médico constante da proposta de adesão e deste constam referências que não lhe dizem respeito, nomeadamente o número da conta bancária ali referido, pelo que tal documento não diz respeito à sua pessoa mas à pessoa titular de tal conta;
- as rés não tiverem o mínimo cuidado no preenchimento da proposta de adesão, a qual contém três letras diferentes;
- mesmo que tivesse respondido negativamente às perguntas constantes do questionário médico, tal não importaria a prestação de informações falsas ou erradas;
- em anterior contrato de empréstimo e aquando da celebração do seguro de vida não omitiu o seu estado de saúde, pelo que também não o faria no que diz respeito ao contrato de seguro dos autos;
- em 1997 era uma pessoa normal e a incapacidade de que mais tarde viria a padecer não era perceptível nessa data;
- aquando da celebração do contrato as rés não o informaram das causas de exclusão do seguro e das suas condições gerais e particulares, de tal modo que se delas tivesse sabido não teria celebrado o contrato, o que configura responsabilidade pré-contratual, além de que torna tais cláusulas inválidas, mantendo-se válida a restante parte do contrato;
- foi obrigado a celebrar o contrato de seguro nos moldes em que o fez para poder beneficiar de vantagens no spread e taxa de juro, pelo que a sua declaração de vontade não foi livre, sendo por isso anulável;
- a conduta das rés provocou-lhe ataques de ansiedade constantes, deixou de dormir e sente-se diminuído perante a atitude voraz das mesmas.
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Os RR. contestaram.
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Realizou-se a audiência prévia no decurso da qual foi proferido despacho:
a) a julgar improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial;
b) a julgar o réu Banco (…) e a ré (…) – Companhia Portuguesa de Seguros, SA, partes ilegítimas.
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Depois de realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença cuja parte decisória é esta:
- absolvo os réus do pedido de pagamento da quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros);
- absolvo os réus do pedido de pagamento ao autor da quantia de € 62.349,74 (sessenta e dois mil, trezentos e quarenta e nove euros e setenta e quatro cêntimos);
- condeno a ré (…) – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA, a reconhecer que se verifica, desde 5 de Outubro de 2012, a situação de invalidez total e permanente prevista na condição n.º 3 das condições especiais do contrato de seguro identificado nos autos;
- condeno a ré (…) – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA, a cumprir o contrato de seguro, devendo efectuar a liquidação do capital em dívida à data de 5 de Outubro de 2012 e entregar ao autor eventual remanescente;
- condeno a ré (…) – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA, a pagar ao autor todas as prestações que este entregou ao Banco (…) desde 5 de Outubro de 2012 e até ao trânsito em julgado desta decisão, para pagamento do mútuo bancário, relegando-se a sua quantificação para execução de sentença.
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Desta sentença recorre a R. (…) defendendo a sua revogação, com a consequente absolvição do pedido.
Impugna a matéria de facto bem como a decisão de direito.
Invoca a nulidade de sentença por omissão de pronúncia e condenação além do pedido.
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O A. contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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A recorrente baseia a arguição da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, uma vez que o tribunal não se pronunciou sobre os factos alegados por si nos artigos 63.º a 70.º e 113.º a 114.º da contestação.
A pronúncia a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al. d), Cód. Proc. Civil, é sobre as questões que, por sua vez, alude o art.º 608.º, n.º 2: são as questões jurídicas que as partes submeteram ao tribunal que devem ser apreciadas e decididas e não os factos que as suportam.
Assim, não se verifica tal nulidade.
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Invoca ainda a nulidade da sentença por ter condenado em objecto diverso do pedido.
Aqui concordamos com a recorrente.
Os pedidos do A. e a decisão estão transcritos no início do relatório. O que o A. pediu foi a condenação da recorrente no pagamento do capital seguro no valor de € 62.349,74; o que o A. obteve foi a condenação da recorrente a cumprir o contrato de seguro, devendo efectuar a liquidação do capital em dívida à data de 5 de Outubro de 2012 e entregar ao autor eventual remanescente e a condenação da mesma recorrente a pagar ao autor todas as prestações que este entregou ao Banco (…) desde 5 de Outubro de 2012.
O tribunal teve boa noção do tema aqui em questão e enfrentou-o, conforme o seguinte trecho da sentença:
«Será que a circunstância de o autor, em vez de ter pedido a liquidação do empréstimo através do capital seguro, ter pedido o pagamento para si do mesmo impedirá que este Tribunal “converta” a pretensão deduzida no efeito jurídico que se se afigura mais correcto?
«O art.º 609.º, n.º 1, do CPC prescreve que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. À primeira vista, e convocando o argumento literal, dir-se-ia que o Tribunal estaria a condenar em “coisa diferente” se decidisse no sentido de ordenar o cumprimento do contrato de seguro condenando a seguradora no pagamento do capital seguro à entidade dele beneficiária, devendo restituir ao autor tudo o que tiver sido prestado por conta do mútuo bancário, que de outro modo não deveria ter acontecido por causa do pagamento do capital em dívida. Sucede que na interpretação das normais jurídicas, nomeadamente das normais de cariz processual, pensadas para permitir o rápido e eficaz cumprimento do direito material, devemos procurar soluções de razoabilidade e que de um ponto de vista prático não impliquem alteração substancial da posição jurídico-económica das pessoas ou entidades envolvidas. A economia processual, o prestígio das instituições judiciárias e os princípios da rápida e justa composição dos litígios seriam postergados se se optasse por um entendimento rígido do citado normativo, vendo-se o autor na necessidade de intentar outra acção para que se pudesse “dizer o direito da forma mais correcta”. Em suma, o que o autor pretende é que o contrato de seguro seja cumprido e o que este Tribunal irá decidir é precisamente o que resultaria do seu cumprimento, caso a seguradora tivesse aceitado a verificação do sinistro. Daí que não se considere violado o disposto no art.º 609.º, n.º 1, do CPC se se decidir no sentido de condenar a ré seguradora no cumprimento do contrato de seguro, efectuando o pagamento do capital seguro à data em que o autor comunicou a incapacidade (de acordo com os factos provados tal ocorreu no dia 5 de Outubro de 2012). A ré seguradora deve ainda ser responsabilizada pela devolução ao autor de todas as prestações que este pagou para liquidação do empréstimo bancário desde a mesma data e até ao trânsito em julgado desta decisão».
Note-se que o próprio tribunal reconhece que está a proceder a uma conversão do pedido. Tal como reconhece que o A. é apenas a pessoa segura e não o beneficiário do seguro.
Mas isto é proibido pelo citado art.º 609.º. O tribunal pode condenar em menos mas não em coisa diferente.
Em relação à primeira parte da decisão (a que condena a recorrente a liquidar a dívida e entregar o remanescente ao A.), não temos dúvidas que não foi isto que o A. pediu; o que ele pediu foi a entrega, para si, do capital seguro e não que a recorrente pagasse ao mutuante o montante em dívida (nem para tanto, como notam as alegações, teria legitimidade).
Em relação à segunda parte da decisão (a que condenou no pagamento ao autor de todas as prestações que este entregou ao Banco), também não temos dúvidas em afirmar que o A. nunca pediu isto. Diferentemente de uma condenação diversa da pedida, temos uma condenação sem pedido.
Isto tem como consequência, aliás e como nota a recorrente, o recorrido «sair duplamente beneficiado, em primeiro lugar por receber do Banco (…), S.A. o excedente do pagamento efectuado pela Apelante, uma vez que a quantia atualmente em dívida é inferior ao que estava em dívida a 5-10-2012, e, em segundo lugar, recebendo novamente da Apelante tudo o quanto liquidou desde aquela data» (negrito no original).
A conversão operada alterou, para além do permitido pelo art.º 609.º, o objecto da causa
Concluímos, pois, que a sentença é nula, o que agora se declara.
No entanto, e nos termos do art.º 665.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, conheceremos da apelação uma vez que a nulidade não impede tal conhecimento.
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A impugnação da matéria de facto refere-se aos factos não provados de 1 a 3.
Têm o seguinte teor:
- que o autor, aquando da elaboração da proposta de adesão ao contrato de seguro constante de fls. 28 (e 72 e 128) com o n.º (…), respondeu “Não” a todas as questões relacionadas com a sua saúde, apondo pelo seu próprio punho ou permitindo que outrem apusesse a letra “N” nas quadrículas da coluna 1.º situadas à frente das perguntas sobre elementos relativos à pessoa segura;
- que o autor ocultou intencionalmente o seu estado de saúde, nada declarando à ré (…) quer aquando da contratação do seguro de vida, quer posteriormente;
- que a ré (…) apenas teve conhecimento que o autor sofria de lúpus eritematoso sistémico e consequente artrite lúpica aquando da participação do sinistro e do envio da documentação para análise do mesmo.
Em relação ao primeiro facto, o que a sentença deu por provado foi que «pessoa não concretamente identificada preencheu com a letra “N” as quadrículas da coluna 1.º situadas à frente das perguntas sobre elementos relativos à pessoa segura da proposta de adesão ao contrato de seguro». Cremos que a questão é indiferente para o problema pois que não está em questão o momento em que o questionário foi assinado; não se discute se foi antes ou depois do seu preenchimento. O que temos por certo, e o recorrido não o nega, é que ele assinou a proposta e nada havendo que levante dúvida, temos de concluir que o recorrido assinou a proposta com o conteúdo que dela consta.
Acresce que o depoimento de parte prestado é por demais evasivo e não isento de dúvidas. Concordamos, em tese geral, com a alegação da recorrente sobre o valor deste meio de prova o que não significa que se tenha sempre de o desvalorizar. O depoimento de parte pode ser útil e convincente até, pelo que casos há em que ele pode ser positivamente valorado. Mas é claro que se for desacompanhado de outras provas, a sua fragilidade é grande. No nosso caso, a demais prova vai no sentido de o A. estar esclarecido sobre o que assinava uma vez que a prática é o funcionário bancário, na presença do proponente e fazendo-lhe as perguntas devidas, que preenche o questionário. Vão neste sentido os depoimentos de (…) e (…), funcionários do Banco (…), e não vemos indício que no caso do A. as coisas tenham corrido de maneira diferente.
Isto significa que não há elementos para afirmar com rigor se foi outra pessoa (à revelia do A. ou não), quem preencheu o questionário ou se foi o próprio a preenchê-lo; o que sabemos é que foi o A. quem respondeu e tanto assim que assinou o respectivo documento.
A assinatura do A. no documento significa que ele toma o seu teor como seu, faz suas as declarações nele inscritas, tenha sido ele a escrevê-las pelo seu punho (1.ª hipótese) ou não (2.ª hipótese).
Assim, entendemos que o facto não provado indicado em primeiro lugar deve ser dado por provado tal como está redigido (uma vez que abrange as duas alternativas), (n.º 15 da exposição subsequente); em função disto, retira-se da exposição da matéria de facto aquilo que o tribunal deu por provado e que acima se transcreveu.
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Em relação ao segundo ponto, há um facto que se não pode deixar passar em claro: o A. informa o Banco (…) que era portador de incapacidade de 73,5%, deste 1997; esta informação foi dada em Julho de 2000 (em momento anterior, portanto, a um exame a que o A. foi sujeito pela Junta Médica da Sub-Região de Saúde de Santarém realizada no dia 15 de Abril de 2002). O A. conhecia o seu estado de saúde desde 1997 e tanto assim que sabe até o respectivo grau de incapacidade.
A adesão ao seguro é de Maio de 1998.
Uma das perguntas do dito questionário é esta: «Possui alguma invalidez?». Foi dada resposta negativa como acima já se viu.
Perante uma pergunta deste teor, e perante o conhecimento que o A. tinha sobre a sua saúde, podia ele responder da forma como o fez? A expressão «invalidez» pode não ser a melhor mas sem dúvida que abrange os casos de incapacidade física; o A. pode não ser inválido, no sentido habitual do termo, mas a verdade é que padece de uma incapacidade alta e isto é uma forma de invalidez.
Mas o alegado não se refere, directamente, ao modo como a resposta foi dada. Refere-se antes à intenção presente nessa resposta. Não temos por crível que outra coisa possa ser que não ocultar o seu problema de saúde pois ele é conhecido do próprio, está identificado e até quantificado. Pode haver várias razões para o A. ter respondido negativamente à pergunta (vergonha, pesar, desejo de obtenção do crédito) mas a intenção foi sempre a mesma.
Ao responder negativamente a este facto o tribunal entrou, a nosso ver, em contradição com a resposta dada a outro que deu por provado. Com efeito, as duas respostas (provado que o A. não tinha a intenção de ocultar a sua doença e provado que ela era já do seu conhecimento) conflituam entre si, são incompatíveis à luz dos acontecimentos normais do quotidiano. Não é minimamente credível que não fosse esta a intenção do A. pois que ele conhecia bem a sua condição.
Assim, também o facto em questão deve ser dado por provado (adiante sob o n.º 15-A).
Resta o terceiro facto que foi dado por não provado.
Sobre este, a própria recorrente reconhece que ele não tem relevo uma vez que no momento da celebração do contrato ela desconhecia qualquer situação clínica do A., dadas as suas respostas ao questionário.
Concordamos com a recorrente e acrescentamos que tal facto nenhum desfecho tem na decisão a tomar. Com efeito, é no momento do contrato que o seu objecto e o seu circunstancialismo há-de ser conhecido; o conhecimento posterior pode levar à sua ratificação mas esta é acidental e não altera os termos do contrato.
Assim, não se analisará esta parte da impugnação da matéria de facto.
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A matéria de facto é a seguinte:
1- Por escritura pública de 30 de Setembro de 1998, o Banco (…) concedeu ao autor um empréstimo no montante de doze milhões e quinhentos mil escudos para efeitos de transferência de crédito contraído junto do B (…), SA.
2- Esta quantia foi creditada pelo Banco (…) na conta aberta em nome do mutuário no réu Banco (…) com o n.º (…).
3- Em associação ao contrato de mútuo supra mencionado, foi proposta a adesão do autor a um contrato de seguro contributivo do ramo Vida, temporário, anual e renovável, titulado pela apólice n.º (…), cujas condições gerais e especiais constam dos documentos de fls. 108 a 127.
4- O autor aderiu a este contrato em 4 de Maio de 1998.
5- Em 27 de Setembro de 1998 o autor tornou-se pessoa segura no âmbito do contrato de seguro de grupo acima identificado, para garantia do crédito n.º (…), passando a ser titular do certificado individual n.º (…).
6- Através do contrato de seguro referido supra a ré (…) garantiu o pagamento ao Banco (…) do capital em dívida no mútuo a este associado, no momento em que se verificasse, em relação à pessoa segura, um dos riscos cobertos pelo mesmo e até ao limite do capital seguro, nos termos das condições gerais e especiais daquele contrato.
7- O réu Banco (…) foi o tomador daquele seguro e o Banco (…) assumiu a qualidade de beneficiário por ser credor hipotecário.
8- O autor decidiu contrair o empréstimo junto do réu Banco (…) para poder obter melhores condições para aquisição de habitação própria.
9- Por carta de 1 de Janeiro de 1999 a ré (…) enviou ao autor o certificado individual do seguro com o n.º (…) e as condições gerais referentes ao seguro do ramo vida associado ao crédito bancário.
10- Por carta de 6 de Julho de 2000 o autor enviou à agência (…) sita em Santarém um atestado médico comprovando uma deficiência de 75,3% e solicitando a redução da prestação mensal do empréstimo para habitação, informando ainda que era portador de tal incapacidade deste 1997.
11- O autor padece de lúpus eritematoso sistémico desde 1993-1994, data em que a doença foi diagnosticada.
12- Em 1997 já estava instalada a deformidade decorrente da doença, nomeadamente artrite nas mãos.
13- O lúpus eritematoso sistémico deu origem a uma artrite lúpica, também conhecida por artropatia de Jacob, diagnosticada em 1997 e que se agravou a partir de 2000. A artrite lúpica é uma consequência do processo evolutivo do lúpus eritematoso sistémico e surge em cerca de 3%-4% dos doentes que sofrem de lúpus.
14- Foi em consequência da artrite lúpica que foi atribuída ao autor, por Junta Médica da Sub-Região de Saúde de Santarém realizada no dia 15 de Abril de 2002 uma incapacidade permanente global de 75,3% desde 1997.
15- O autor, aquando da elaboração da proposta de adesão ao contrato de seguro constante de fls. 28 (e 72 e 128) com o n.º (…), respondeu “Não” a todas as questões relacionadas com a sua saúde, apondo pelo seu próprio punho ou permitindo que outrem apusesse a letra “N” nas quadrículas da coluna 1 situadas à frente das perguntas sobre elementos relativos à pessoa segura.
15-A- O autor ocultou intencionalmente o seu estado de saúde, nada declarando à ré (…) quer aquando da contratação do seguro de vida, quer posteriormente.
16- O autor apôs a sua assinatura neste documento, no lugar destinado ao proponente.
17- O documento de fls. 28 foi preenchido por várias pessoas e dele constam várias assinaturas.
18- Uma das assinaturas foi aposta pelo autor e logo por cima desta existe uma outra, aposta por (…), na qualidade de empregado do réu Banco (…).
19- Aquele documento contém na sua parte final a seguinte declaração: “Tanto o tomador do seguro como a(s) pessoas(s) segura(s) declara(m) ter(em) tomado conhecimento das condições gerais do contrato a realizar; Declaro também ter tomado conhecimento das condições do seguro de vida que constam neste impresso e no verso, nomeadamente das referidas no verso sob o título «Protecção de Dados Pessoais», bem como das condições gerais que me foram apresentadas nesta data". Na parte superior da referida proposta de adesão foi preenchido o campo destinado ao “N.º Conta D. O.” com o n.º (…).
20- Esta conta não pertence nem pertenceu ao autor e encontra-se encerrada desde 2004.
21- Perante as respostas dadas no preenchimento do questionário médico constante da proposta de adesão a ré (…) não ordenou a realização de exames médicos na pessoa do autor.
22- Se a situação de doença do autor fosse do conhecimento da ré (…) antes da celebração do contrato de seguro, a cobertura do risco de invalidez teria sido recusada e o prémio por risco de morte teria sofrido agravamento.
23- Em 27 de Setembro de 2012 o autor solicitou junto da sucursal do réu Banco sita em Santarém as condições gerais e especiais relativas ao contrato de seguro, tendo a ré (…) procedido ao seu envio, bem como ao envio da 2.ª via do certificado do seguro, por carta de 12 de Outubro de 2012.
24- Em 25 de Outubro de 2012 o autor dirigiu à ré (…) a carta junta a fls. 25 na qual se pode ler o seguinte: “Visto quando comprei este imóvel e ter feito um seguro de vida e de incapacidade, venho por este meio e tendo uma incapacidade de 75,3% saber se tenho o direito da companhia me saldar o empréstimo”.
25- A ré (…) respondeu por carta de 31 de Outubro de 2012, junta a fls. 26, solicitando o envio da documentação médica e outra aí identificada.
26- Por carta de 7 de Dezembro de 2012, junta a fls. 27, a ré (…) comunicou ao autor que declinava qualquer responsabilidade pelo pagamento do capital seguro na apólice, referindo que aquele não havia feito qualquer referência, aquando do preenchimento da proposta de adesão ao seguro e respectivo questionário médico, da pré-existência de patologia, tendo inclusive respondido negativamente a todas as questões relacionadas com a existência de eventuais problemas de saúde.
27- Nessa mesma carta a ré (…) referiu ainda que existia um quadro clínico pré-existente que, se tivesse sido declarado, teria condicionado a aceitação do risco, e que as declarações inexactas, reticentes ou que omitam qualquer facto relativo a doença pré-existente se encontra excluída da cobertura dos riscos e tornam nulo o pedido de adesão ao contrato de seguro.
28- A ré (…) procedeu à anulação do contrato de seguro no dia 7 de Dezembro de 2012 e disso informou o autor pela referida carta.
30- Aquando da celebração do contrato de seguro relativo ao empréstimo contraído junto do Banco (…), SA, o autor comunicou a doença de que era portador e fez constar da documentação parecer do seu médico.
29- O autor é professor de Educação Musical há mais de dezasseis anos, tendo frequentado a Escola Superior de Educação em Santarém, onde se licenciou.
30- O autor toma medicação diária.
31- O autor sente-se incomodado e agastado com a recusa da ré (…) em efectuar o pagamento previsto no contrato de seguro.
32- O autor sabe que se prestasse falsas declarações, poria em causa o contrato de seguro.
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No que à parte jurídica se refere, a recorrente argumenta, no essencial, com o disposto no art.º 429.º, Cód. Comercial (entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008). Considerando o disposto no art.º 2.º, n.º 1, deste diploma legal, aplica-se o citado preceito do Cód. Comercial, sem prejuízo de se atender à legislação nova se tiver carácter interpretativo.
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Dispõe aquele preceito legal que toda a «declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo».
Esta nulidade sempre foi entendida como relativa (na linguagem do Código de Seabra, no seu art.º 10.º e respectivo § único) ou anulabilidade na actual expressão legal (cfr. Pedro Soares Martinez et alli, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016. p. 149).
No nosso caso, a omissão reporta-se à saúde do A. na declaração de risco por si apresentada.
Esta declaração (que assume um «importantíssimo papel na economia do contrato de seguro»: José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 211), como declaração de ciência que é, deve ser verdadeira; o que nela se contém deve corresponder à realidade das coisas. Esta obrigação de verdade (ou, pelo menos, obrigação de não omitir dados relevantes sobre a pessoa segura; cfr. ob. cit., p. 220) tem importância fundamental uma vez que «se destina a avaliar o risco e a permitir o cálculo do prémio» (ob. cit., p. 211). Como se escreve no ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Outubro de 2009, o que a lei exige é que «o segurado soubesse, quando prestou as declarações, que sofria de doença susceptível de influenciar a decisão da seguradora em contratar e que a omissão ou falsa declaração ocorridas sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar. Tinha, pois, o Apelante, nos termos do indicado normativo legal, o dever de informar, com verdade, a seguradora das sequelas de que vinha padecendo».
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Tendo respondido negativamente às perguntas do questionário que à sua saúde se referiam, e com o propósito de ocultar a sua condição, o A. induziu a recorrente em erro, isto é, criou-lhe uma falsa representação da realidade. Ao invés do que afirmara, o A. era já portador de doença incapacitante e escondeu isto da segurador assim a levando a aceitar o contrato nos termos em que foi celebrado. Ao mentir (porque é disto que se trata), com a intenção de ocultar a sua doença, e com a consciência de que levaria a seguradora a laborar em erro, temos de concluir que o A. agiu dolosamente. Esta afirmação não está em contradição com o facto provado n.º 32 (o «autor sabe que se prestasse falsas declarações, poria em causa o contrato de seguro»); antes pelo contrário, revela a noção que o A. tinha da importância da sua declaração de risco e da vontade de agir da forma como fez tendo aquele conhecimento.
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Como é natural, a posição da seguradora seria outra caso tivesse conhecimento do estado de saúde real do A.; podia não realizar o contrato como podia alterar as suas cláusulas dada a existência de um risco sério e provável de verificação do sinistro. O que não aconteceria era o contrato ter sido feito nos termos em que foi efectivamente feito.
Só depois da carta do A. dando a saber a sua situação é que a recorrente tomou notícia do facto e anulou o contrato, precisamente, com fundamento em que o não teria celebrado se o A. tivesse prestado declarações verdadeiras.
Entendemos, assim, que as declarações do A. sobre a sua saúde não foram verdadeiras e que a recorrente teve motivo para anular o contrato.
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Uma vez que o contrato foi legitimamente anulado, e dada a eficácia retroactiva da declaração de anulação, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, Cód. Civil, temos que à sua sombra não se criaram direitos para as partes (sem prejuízo do disposto no art.º 429.º, § único). Assim, a R. não está obrigada a cumprir um contrato que deixou de vigorar.
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Tanto basta para que a acção improceda.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga a sentença recorrida e absolve-se a recorrente do pedido.
Custas pelo A..
Évora, 13 de Julho de 2017
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho

Sumário:
I- Pedindo o autor que a ré seguradora seja condenada a pagar-lhe o capital seguro (caso de um seguro de vida coligado com um contrato de mútuo bancário), não pode o tribunal (art.º 609.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil) condenar no pagamento do capital em dívida ao mutuante e entregar ao autor o eventual remanescente, pois que se trata de condenação em objecto diverso.
II- Também não pode o tribunal (art.º 609.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil), perante o mesmo pedido, condenar a ré a pagar ao autor todas as prestações que este entregou ao Banco mutuante para pagamento do mútuo bancário, pois que se trata de condenação em algo que não foi pedido.
III- É legítima a anulação do contrato de seguro, por parte da seguradora, no caso em que a pessoa segura omitiu conscientemente dados relevantes sobre a sua saúde.