Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1556/16.1GBABF.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: FURTO QUALIFICADO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 05/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - O artigo 410.º, n.º2, al. c), do CPP contempla os casos de erro grosseiro de julgamento, evidente a partir do texto decisão recorrida, máxime da respetiva fundamentação, conjugado com as regras da experiência comum, não podendo a recorrente fundamentar o vício de erro notório na apreciação da prova nas citações e transcrições de declarações probatórias em audiência por si feitas no texto da motivação de recurso, que apenas poderiam relevar se tivesse optado por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412.º, n.º3, do CPP.

II - Quanto ao grau de ilicitude, o tribunal recorrido destaca o modo de execução e a multiplicidade dos factos praticados pelo Arguido num curto espaço de tempo e a natureza e valor dos objetos subtraídos. No entanto, é notório que os valores atribuídos aos telemóveis objeto do furto correspondem ao valor que tinham quando adquiridos novos em estabelecimento comercial, pelo que o valor patrimonial a considerar não pode ser o considerado na factualidade provada, sendo certo que não constituindo o valor da coisa circunstância agravante do furto não se justifica o reenvio do processo para fixar um valor mais preciso a cada um dos telemóveis.

III - A multiplicidade dos factos praticados pelo arguido integra, in casu, a qualificativa do modo de vida, que eleva a pena máxima de três anos, prevista para o furto simples, para 5 anos de prisão, juntamente com os antecedentes criminais que se traduzam na prática de crimes de furto, pelo que a sua consideração em sede de determinação concreta da pena sempre tem que atender à proibição de dupla valoração, o que no caso presente não terá sido considerado pelo tribunal a quo dada a forma como se refere à multiplicidade dos factos praticados a propósito da medida concreta da pena.

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. - No Juízo Central de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal coletivo CC, nascido em 05.07.1994, natural e nacional da Roménia, casado, mecânico, atualmente preso no Estabelecimento Prisional do Linhó em cumprimento de pena à ordem de outro processo, a quem o MP imputara a prática de dez crimes de Furto Qualificado, previstos e punidos pelo nº 1, do artigo 203º, e al. h) do nº 1 do artigo 204º, aplicáveis por referência ao disposto no artigo 26º e nº 1 do artigo 30º, do Código Penal e nºs 1, 2 e 3 do artigo 151º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho.

2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu:

- « a) Condenar o Arguido CC:

- pela prática de três crimes de Furto Qualificado previstos e puníveis pelos artigos, nas penas de 2 (dois) anos de prisão pela prática de cada um dos mesmos (NUIPCs 1556/16.1GBABF, 1591/16.0GBABF e 1686/16.0GBABF) e

- procedendo à alteração da qualificação jurídica dos factos relativos ao NUIPC 1680/16.0GBABF, pela prática de um crime de Furto Qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. h), 22º e 23º, do mesmo diploma legal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

b) Absolver o Arguido da prática dos demais crimes de que vem acusado;

c) Fazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Arguido e condená-lo na pena única de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses de prisão.

d) Determinar a entrega dos bens apreendidos da propriedade dos Ofendidos conforme a matéria provada e que ainda se encontrem apreendidos, nos termos do disposto no artigo 186º, nº 1 e 2 do Código de Processo Penal, bem como a entrega dos demais bens apreendidos a quem provar a sua propriedade, sem prejuízo do seu perdimento a favor do Estado caso não sejam reclamados no prazo legal - artigo 186º, do Código de Processo Penal;

e) Não decretar a pena acessória de expulsão, nos termos do disposto no artigo 151º, nºs 1 e 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho»

3. – Inconformado, o arguido veio recorrer daquele acórdão condenatório, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« - CONCLUSÕES:
1) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido de fls., que condenou o Arguido ora Recorrente pela prática de três crimes de furto qualificado p.p. 203. º n.º 1 e artigo 204º n.º 1 alínea b) do CP e por um crimes de furto qualificado, na forma tentada, p.p. 203. º n.º 1 e artigo 204º n.º 2 alínea h) do CP, na pena única de cinco anos e cinco meses de prisão.

2) O Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova (artigou 410.º do CPP) pelo que violou o disposto no artigo 127 do CPP, uma vez que, de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento não havendo quaisquer elementos seguros que permitissem concluir pela autoria material, deu como provados factos que deveria ter dado como não provados.

3) Em clara violação do princípio material, de que as coisas são como são e não podem ser modificadas por qualquer actividade mental, ou seja, segundo a teoria do conhecimento, este deve captar a realidade tal como ela é, sem a distorcer.

4) Insuficiência da matéria de facto para a decisão e erro notório na apreciação da prova já que, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe como no caso vertente, quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida.

5) Existe erro notório na apreciação da prova como no caso em análise quando se dão como provados factos que em face da experiência comum e lógica do homem médio, não se teriam podido verificar (vício que resulta do texto da decisão recorrida)

6) Na medida em que, a prova produzida não autoriza as conclusões vertidas no douto acórdão de que se recorre.

7) As conclusões do Tribunal recorrido enfermam de vício lógico que consubstanciam contradição insanável de fundamentação para efeitos do artigo 412.º n.º 2 alínea b) e c) do CPP.

8) O Tribunal a quo só valorizou os elementos negativos e desconsiderou a pessoa na perspectiva de uma necessária e adequada reinserção social do Arguido recorrente.

9) O douto acórdão de que se recorre valorou excessivamente os elementos negativos da conduta da Recorrente (grau de ilicitude, intensidade do dolo, gravidade do facto ilícito de que resulta um agravamento desmesurado da pena e não deu o devido realce as circunstâncias provadas nos autos.

10) Pelo que devem ser consideradas violadas as seguintes normas e princípios:

a) O princípio fundamental do in dubio pro reo, basilar do processo penal e de um estado de direito;

b) Artigo 40.º do CP uma vez que o Tribunal a quo considerou a necessidade de recuperação e inserção social do arguido, atendendo somente a uma perspectiva primitiva e degradante do delinquente enquanto homem e cidadão.

c) O artigo 71º do CP. Já que princípios de adequação, racionalidade e proporcionalidade – a pena aplicável é de todo desadequada a prosseguir o fim do processo penal, quer por desnecessárias nessa dimensão quer por ser demasiado excessiva.

d) 410 n.º2 do CP a matéria provada por lapsus calami foi apreciada erroneamente e desse erro resultou uma subsunção errada para além de que a decisão encontra-se em total contradição com os factos provados e que subsumido ao direito são o fundamento ultimo da pena.

NESTES TERMOS, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:

Ser alterada a matéria de facto dada como provada, nos termos acima alegados, e em consequência deverá o douto Acórdão ora recorrido que condenou o arguido, pela prática de três crimes de Furto Qualificado previstos e puníveis pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea h), ambos do Código Penal, nas penas de 2 (dois) anos de prisão pela prática de cada um dos mesmos e pela prática de um crime de Furto Qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea h), 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, sendo em cúmulo, condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 5 (meses) de prisão ser revogado e substituído por outro que, o absolva de tais crimes;»

4. – Notificado para o efeito, o MP apresentou a sua resposta, concluindo pela total improcedência do recurso.

5.- Nesta Relação, a senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.

6. – Cumprido o disposto no art. 417º nº2 o o arguido nada acrescentou.

Cumpre apreciar e decidir.

7. O acórdão condenatório (transcrição parcial)

«1. No dia 29 de Julho de 2016, pelas 11h10m, no estabelecimento comercial denominado “McDonalds”, na Av. dos Descobrimentos, em Albufeira, o Arguido aproximou- se da mesa onde se encontrava sentado o Ofendido RC e pousando um jornal sobre a mesa agarrou e fez seu o telemóvel deste, da marca Samsung, modelo Galaxy S6, com o IMEI 35984506---, que aí se encontrava pousado.

2. De seguida abandonou o mencionado estabelecimento fazendo seu o referido telemóvel.

3. Desta forma, o Arguido causou ao Ofendido um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do telemóvel subtraído, ou seja, de cerca de € 689,90 (seiscentos e oitenta e nove euros e noventa cêntimos).

4. O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

NUIPC 1591/16.0GBABF
5. No dia 31 de Julho de 2016, pelas 15 horas, no estabelecimento comercial denominado “Café At Patricks”, na Av. da Liberdade, em Albufeira, o Arguido aproximou-se da mesa onde se encontrava sentado o Ofendido Patrick e pousando um jornal sobre a mesa agarrou e fez seu o telemóvel deste, da marca Samsung, modelo Galaxy S5, que aí se encontrava pousado.

6. De seguida abandonou o mencionado estabelecimento fazendo seu o referido telemóvel.

7. Desta forma, o Arguido causou ao Ofendido um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do telemóvel subtraído, ou seja, de cerca de € 400 (quatrocentos euros).

8. O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

NUIPC 1686/16.0GBABF
9. No dia 7 de Agosto de 2016, pelas 13 horas, no estabelecimento comercial denominado “Bar Central Planet”, na Rua Cândido dos Reis, em Albufeira, o Arguido aproximou-se da mesa onde se encontrava sentado o Ofendido BF e, pousando uma revista sobre a mesa, agarrou e fez seu o telemóvel deste, da marca Samsung, modelo Galaxy S6 Edge Plus 64 gb, com o IMEI 35312107----, que aí se encontrava pousado.

10. De seguida abandonou o mencionado estabelecimento fazendo seu o referido telemóvel.

11. Desta forma, o Arguido causou ao Ofendido um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do telemóvel subtraído, ou seja, de cerca de € 800 (oitocentos euros).

12. O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

NUIPC 1680/16.0GBABF
13. No dia 7 de Agosto de 2016, pelas 21h40m, no estabelecimento comercial denominado “O Gastronómico”, sito na Estrada dos Brejos (Montechoro), em Albufeira, o Arguido retirou do balcão, ocultado num jornal, um telemóvel da marca Huawei, com o valor de cerca de € 500, pertencente a LB.

14. Contudo, devido à intervenção desta que o empurrou para fora do estabelecimento por si explorado, o Arguido acabou por deixar o telemóvel em cima de uma mesa, sem que o conseguisse fazer seu.

15. O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, o que não logrou conseguir por motivo alheio à sua vontade, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

16. O Arguido encontrava-se ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.

17. O Arguido não desempenha qualquer actividade profissional que lhe permita prover ao seu sustento.

18. Como tal, o Arguido dedica-se à prática de crimes de furto como forma de obter recursos financeiros.

Mais se apurou que

19. CC é natural de Iasi – Roménia, filho de um casal de romenos de etnia cigana, cujo processo de socialização decorreu naquele país.

20. É o filho mais velho de uma fratria de quatro elementos, fruto da união dos progenitores, cuja dinâmica familiar, segundo o próprio, foi caracterizada como normativa. Ambos os progenitores encontravam-se laboralmente activos. Segundo referiu, desde tenra idade, acompanhava a mãe na venda de flores.

21. Iniciou a formação escolar ao 6 anos de idade, com uma frequência que considerou intermitente, não só por ser pouco relevante a formação escolar na sua cultura, como por falta de motivação para a aprendizagem bem como por ter considerado ser sua obrigação ajudar os progenitores, em especial a mãe, na venda de flores. Mesmo assim, referiu ter conseguido concluir o equivalente ao 5º ano de escolaridade no ensino português, entre os 16/17 ano de idade.

22. Aos 14 anos de idade e segundo a tradição cigana, contraiu matrimónio com uma jovem um ano mais velha, Petrache. Segundo o próprio, essa fase foi vivida e experienciada de forma instável, revelando que chegou a automutilar-se por não conseguir lidar com as responsabilidades que o casamento lhe exigia, acrescentando que alterou esse padrão de comportamento aquando do nascimento do primeiro de dois descendentes, tinha na altura 16 anos de idade.

23. O casal residia com os progenitores do Arguido na habitação daqueles, sendo que a habitação foi descrita como tendo boas condições de habitabilidade.

24. Em Julho de 2016, CC referiu ter respondido a um anúncio de emprego na internet, altura em que migrou juntamente com um primo para Portugal, à procura de melhores condições de vida, tendo sido acolhido no aeroporto de Lisboa por um conterrâneo que os acomodou numa pensão em Lisboa.

25. Nesta fase, referiu ter estado a trabalhar cerca de 2 meses, por intermédio do conterrâneo, numa herdade em Grândola, sendo que, após este período, desistiu das funções laborais por alegadamente lhe serem devidos os respectivos salários acordados.

26. Posteriormente a esposa e filhos terão vindo para Portugal, em Agosto de 2016, tendo arrendado uma habitação na localidade de Almada.

27. Presentemente, a esposa encontra-se em Portugal, a trabalhar num restaurante, na zona de Lisboa, onde se encontra a viver, em casa de conhecidos, os filhos regressaram para a Roménia e estão aos cuidados dos avós paternos. A esposa vai com alguma frequência à sua terra natal.

28. À data dos factos, o Arguido referiu que se encontrava a viver num apartamento arrendado na zona de Almada. A esposa estava a trabalhar num restaurante e o Arguido encontrava-se desempregado, mantendo um padrão de vida desestruturado e disfuncional, sendo que para sobreviver e fazer face aos encargos e responsabilidades passou a recorrer a actos ilícitos.

29. A esposa disponibiliza todo o seu apoio, embora apenas o tenha visitado neste Estabelecimento Prisional duas vezes, a última em 12 de Maio de 2018.

30. CC foi preso em 16 de Novembro de 2016. Está à ordem do Processo nº ---/16.6PAALM, a cumprir 6 anos de prisão pelos crimes de furto qualificado e roubo. Tem ainda 14 processos pendentes.

31. Encontra-se no Estabelecimento Prisional do Linhó desde 22 de Fevereiro de 2018, proveniente do Estabelecimento Prisional de Setúbal.

32. Em termos ocupacionais, aquando da sua entrada no Estabelecimento Prisional do Linhó, manifestou interesse em exercer uma actividade laboral, encontrando-se a aguardar a efectivação da mesma.

33. A nível comportamental, não regista sanções disciplinares neste Estabelecimento Prisional. No entanto, no Estabelecimento Prisional de Setúbal, regista duas sanções, a última datada de 13 de Dezembro de 2017, punido com 3 dias de permanência obrigatório no alojamento. Tem ainda a decorrer um Processo nº 33/2018, também no Estabelecimento Prisional de Setúbal, a aguardar decisão.

34. Do seu Certificado de Registo Criminal constam as seguintes condenações:

- no Processo Comum Singular nº ---/17.0SILSB, por decisão de 20.09.2017, transitada em julgado em 20.10.2017, pela prática, em 16.10.2016, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 60 dias de multa;

- no Processo Sumaríssimo nº ---/16.9GBMMN, por decisão transitada em julgado em 02.10.2017, pela prática, em 24.10.2016, de um crime de Furto, na pena de 150 dias de multa;

- no Processo Comum Colectivo nº ----/16.6PAALM, por decisão de 13.11.2017, transitada em julgado em 22.03.2018, pela prática, em 18.08.2016, de um crime de Roubo de um crime de Furto Qualificado, na pena de 5 anos de prisão;

- no Processo Comum Singular nº --/17.2PHSXL, por decisão de 28.11.2017, transitada em julgado em 10.01.2018, pela prática, em 25.10.2016, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 60 dias de multa;

- no Processo Sumaríssimo nº ---/16.2PAACB, por decisão de 11.12.2017, transitada em julgado em 15.01.2018, pela prática, em 30.09.2016, de um crime de Furto, na pena de 140 dias de multa;

- no Processo Comum Singular nº ---/16.0PCLRA, por decisão de 21.12.2017, transitada em julgado em 02.02.2018, pela prática, em 11.10.2016, de dois crimes de Furto, na pena de 120 dias de multa; e

- no Processo Comum Singular nº --/17.6XELSB, por decisão de 19.02.2018, transitada em julgado em 21.03.2018, pela prática, em 16.10.2016, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 100 dias de multa.

B. Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa não se provou que:

NUIPC 1560/16.0GBABF
a) No dia 29 de Julho de 2016, no período compreendido entre as 12 horas e as 12h30m, no estabelecimento comercial denominado “Mosurb Imobiliária Real Estate”, na Marina de Albufeira, o Arguido aproximou-se da mesa onde se encontrava o telemóvel pertencente ao Ofendido Charles B, da marca Samsung, modelo Galaxy Core Prime, com o IMEI 3593600----, o qual agarrou e fez seu.

b) De seguida abandonou o mencionado estabelecimento fazendo seu o referido telemóvel.

c) Desta forma, o Arguido causou ao Ofendido um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do telemóvel subtraído, ou seja, de cerca de € 139,90 (cento e trinta e nove euros e noventa cêntimos).

d) O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

NUIPC 1585/16.5GBABF
e) No dia 31 de Julho de 2016, pelas 15h50m, no estabelecimento comercial denominado “McDonalds”, na Av. dos Descobrimentos, em Albufeira, o Arguido aproximou- se da mesa onde se encontrava sentado o Ofendido JG e pousando um jornal sobre a mesa agarrou e fez seu o telemóvel deste, da marca Samsung, modelo Galaxy S6, com o IMEI 35592207----, que aí se encontrava pousado.

f) De seguida abandonou o mencionado estabelecimento fazendo seu o referido telemóvel.

g) Desta forma, o Arguido causou ao ofendido um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do telemóvel subtraído, ou seja, de cerca de € 800 (oitocentos euros).

h) O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

NUIPC 1589/16.8GBABF
i) No dia 31 de Julho de 2016, entre as 22 horas e as 22h30m, no estabelecimento comercial denominado “Franguinho de Albufeira”, na Av. dos Descobrimentos, em Albufeira, o Arguido aproximou-se da mesa onde se encontrava sentado o Ofendido FM e, pousando um guardanapo sobre a mesa, agarrou e fez seu o telemóvel deste, da marca Samsung, modelo Galaxy S5, com o IMEI 35380106----, que aí se encontrava pousado.

j) De seguida abandonou o mencionado estabelecimento fazendo seu o referido telemóvel.

k) Desta forma, o Arguido causou ao Ofendido um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do telemóvel subtraído, ou seja, de cerca de € 600 (seiscentos euros).

l) O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

NUIPC 1690/16.8GBABF
m) No dia 7 de Agosto de 2016, pelas 20h30m, no estabelecimento comercial denominado “Clay Oven”, sito na Av. dos Descobrimentos, em Albufeira, o Arguido aproximou-se da mesa onde se encontrava sentado o Ofendido Naveen T. e, pousando uma revista sobre a mesa, agarrou e fez seu o telemóvel deste, da marca Samsung, modelo Galaxy S6 Edge, com o IMEI 352564077---, que aí se encontrava pousado.

n) De seguida, abandonou o mencionado estabelecimento fazendo seu o referido telemóvel.

o) Desta forma, o Arguido causou ao Ofendido um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do telemóvel subtraído, ou seja, de cerca de £ 700, (setecentas libras).

p) O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

q) No dia 7 de Agosto de 2016, entre as 20h30m e as 21 horas, no estabelecimento comercial denominado “Green grill”, sito na Rua António Silva, em Albufeira, o Arguido aproximou-se da mesa onde se encontrava sentada a Ofendida Helen S. e pousando um jornal sobre a mesa agarrou e fez seu o telemóvel desta, da marca Samsung, modelo Galaxy S6, com o IMEI 35701107-----, que aí se encontrava pousado.

r) De seguida, abandonou o mencionado estabelecimento fazendo seu o mencionado telemóvel.

s) Desta forma, o Arguido causou à Ofendida um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do telemóvel subtraído, ou seja, de cerca de € 700 (setecentos euros).

t) O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.

NUIPC 1691/16.1GBABF
u) No dia 7 de Agosto de 2016, entre as 21 horas e as 21h15m, no estabelecimento comercial denominado “Girassol”, sito na Estrada de Santa Eulália, em Albufeira, o Arguido aproximou-se da mesa onde se encontrava sentado o Ofendido VC e, pousando um jornal sobre a mesa agarrou e fez seu o telemóvel deste, da marca Huawei, modelo P8Lite, com o IMEI 862046----, que aí se encontrava pousado.

v) De seguida, abandonou o mencionado estabelecimento fazendo seu o mencionado telemóvel.

w) Desta forma, o Arguido causou à Ofendida um prejuízo patrimonial correspondente ao valor do telemóvel subtraído, ou seja, de cerca de € 160,00 (cento e sessenta euros).

x) O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito concretizado de se apoderar do artigo supra referido, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.
*
C. Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada por provada e como não provada fundou-se no conjunto de prova produzida, recorrendo às regras da experiência e fazendo-se uma apreciação crítica da mesma.

O Arguido admite a prática de factos semelhantes aos descritos no despacho acusatório, referindo, no entanto, não ter sido o autor de todos eles. Com efeito, aceita ter subtraído telemóveis com recurso ao método indicado, em Albufeira, não conseguindo precisar os locais concretos.

Relativamente aos factos referentes ao NUIPC 1680/16.0GBABF, reconhece a sua presença no restaurante em causa, sem que tenha conseguido levar o telemóvel por ter sido abordado por elementos policiais.

Refere ainda ter praticado os factos por necessidade, designadamente, para pagar a renda da casa onde vivia a sua esposa e filhos.

No que tange aos factos do NUIPC 1556/16.1GBABF, RC explicou as circunstâncias em que, encontrando-se no McDonalds, foi abordado pelo Arguido que se aproximou com papéis que pousou em cima do seu telemóvel e, logo após este se ter afastado, esta testemunha deu-se conta da falta de tal aparelho, cuja marca e valor indica e é confirmado pelo aditamento e documento de fls. 23 e 24. O descrito por esta testemunha é confirmado pelas imagens de videovigilância (cfr. pen de fls. 222), mormente pelo Relatório de Visionamento de fls. 419. RC identifica o Arguido como o autor dos factos em audiência de discussão e julgamento, como, aliás, já o havia feito no Auto de Reconhecimento de fls. 11.

Relativamente aos factos do NUIPC 1591/16.0GBABF, Patrick S. esclareceu como foi abordado pelo Arguido (que reconheceu conforme o Auto de Reconhecimento de fls. 162) que lhe pediu direcções, tendo a testemunha desenhado um mapa. E, após o Arguido ter abandonado o local, Patrick S. apercebeu-se do desaparecimento do telemóvel. Mais indica esta testemunha a marca e o valor do referido telemóvel.

No que respeita ao NUIPC 1686/16.0GBABF, BF, reconhece o Arguido como o autor dos factos referidos em 9. a 12. (cfr. Auto de Reconhecimento de fls. 186), descrevendo as circunstâncias em que aquele se aproximou de si, com uma revista e, após o mesmo ter-se ausentado, a testemunha deu por falta do seu telemóvel que havia pousado em cima da mesa. BF indica igualmente a marca e o valor do referido telemóvel.

No que se refere ao NUIPC 1680/16.0GBABF, EP, JV e GC (militares da GNR que se encontravam a jantar no restaurante identificado) descrevem as movimentações suspeitas do Arguido (que trazia na mão um jornal) que observaram e que havia indicação de outros furtos que tinham tido lugar em dias anteriores com recurso a um modus operandi idêntico. Nessa sequência e estando o Arguido a ser expulso do mencionado estabelecimento, decidiram abordá-lo. Mais explicam que, tendo desaparecido um telemóvel do dito restaurante, o mesmo veio a ser encontrado em local diferente e pelo qual o Arguido havia passado quando abandonou o estabelecimento.

Estas testemunhas revelam-se honestas ao afirmar não terem visto o Arguido a retirar o telemóvel.

De igual modo, LB, proprietária do restaurante em causa, descreve as circunstâncias como o Arguido entrou no seu estabelecimento comercial, o comportamento adoptado pelo mesmo, o objecto que retirou e largou de seguida ao ser abordado pela ora testemunha.

De sublinhar que as supra referidas testemunhas prestaram depoimentos de forma coerente, não se denotando qualquer esforço em implicar o Arguido nos factos em discussão ou em agravar a sua participação nos mesmos, revelando-se verdadeiras. Quaisquer disparidades nos pormenores e esquecimentos apenas revelam a sua espontaneidade, sendo certo que é do conhecimento comum que cada pessoa tem uma apreensão fragmentada e diferente de uma mesma realidade que é dinâmica, pelo que quer a perspectiva quer a memória de cada testemunha podem não ser, naturalmente, completamente coincidentes.

Por outro lado, não se pode olvidar a proximidade temporal entre o momento em que o Arguido se aproximou dos Ofendidos, usando do mesmo método (conforme reconhecido pelo próprio) e o momento em que aqueles se aperceberam da falta dos respectivos telemóveis, formando-se no espírito deste Tribunal, de acordo com as regras da normalidade da vida, a firme convicção de que foi o mesmo quem subtraiu tais objectos.

Não perturba tal raciocínio a circunstância dos telemóveis não terem sido recuperados na sua posse, já que se tratam de bens fáceis de vender, destino que o Arguido admite ter dado aos mesmos.

Assim e considerando toda a prova supra referida, conjugados com o Relatório de Diligência Criminalística de fls. 222/223, o Auto de Apreensão de fls. 48, o Auto de Exame Directo e Avaliação de fls. 267 e os autos de notícia respectivos, bem como com as regras da experiência comum, conclui-se, com toda a segurança, pelo factos dados como provados em 1. a 3., 5. a 7., 9. a 11., 13. e 14.

Atendendo à forma de actuar dada como provada e nada resultando que o Arguido padeça de qualquer incapacidade cognitiva e/ou de decisão, resultam igualmente das regras da experiência comum a intenção com que o mesmo actuou e o seu conhecimento quanto à proibição das suas condutas (factos 4., 8., 12., 15. e 16.).

Os factos dados como provados em 17. e 18. resultam do próprio reconhecimento do Arguido quanto aos mesmos e do Relatório Social elaborado.

Já no que se refere aos factos dados como não provados, não se fez qualquer prova ou prova suficiente quando aos mesmos.

Designadamente e tratando-se de mero reconhecimento fotográfico o que consta de fls. 21 do Apenso 1560/16.0GBABF, Charles B. não identifica o Arguido em sede de julgamento (NUIPC 1560/16.0GBABF).

Por seu turno, VC também não indica o Arguido como sendo o autor dos factos (NUIPC 1691/16.1GBABF).

HM limita-se a atestar que adquiriu um telemóvel a um indivíduo que não identifica como sendo o ora Arguido, desconhecendo a origem de tal objecto.

E não se tendo obtido o depoimento das testemunhas Ofendidas JG, FM, Naveen T. e Helen S., não foi possível apurar que os seus telemóveis foram subtraídos e as respectivas circunstâncias. Assim e não se mostrando suficientes os demais elementos juntos aos autos, resultam como não provados os factos relativos aos NUIPCs 1585/16.5GBABF, 1589/16.8GBABF e 1690/16.8GBABF.

Os factos relativos à situação pessoal do Arguido assentaram no Relatório Social junto aos autos a fls. 688 e ss..

Por fim, atentou o Tribunal nos demais documentos juntos aos autos, designadamente, o Certificado de Registo Criminal do Arguido.

D. Enquadramento Jurídico-Penal
(…)

E. Das Penas
Aos crimes praticados pelo Arguido cabem as seguintes penas:
- Furto Qualificado, na forma consumada: prisão até 5 anos ou multa até 600 dias; e

- Furto Qualificado na forma tentada: prisão até 3 anos e 4 meses ou multa até 400 dias.

Nos termos do disposto no artigo 70º do Código Penal “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Da leitura desse artigo resulta que o tribunal deverá dar preferência à aplicação da segunda "sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", que são, de acordo com o artigo 40º do Código Penal, "a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".

Assim, a escolha da pena depende apenas de considerações de prevenção geral e especial, não se considerando aqui a culpa, que apenas será valorada na determinação da medida da pena.

No caso em apreço, o Arguido conta já com condenações pela prática de crimes idênticos e os factos praticados demonstram uma elevada energia criminosa.

Quanto às exigências de prevenção geral, também estas se revelam prementes, dado ao aumento do tipo de criminalidade em causa e o alarme social que provoca, impondo-se uma intervenção firme por parte da Justiça.

Não se mostra, pois, possível fazer um juízo positivo quanto às finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (integração do agente), sendo veementemente desaconselhada a aplicação de outra pena que não a privativa da liberdade.

Assim, tudo ponderado e por se entender que a mera sanção pecuniária não se revela suficiente para realizar as finalidades da punição, opta-se pela aplicação de penas de prisão.
*
Dispõe o artigo 71º que "a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes".

Segundo o modelo consagrado no artigo 40º do Código Penal, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena. (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, p. 227 e Anabela Rodrigues, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10.04..96, CJSTJ, ano IV, t. 2, p. 168).

Tendo presente o modelo adoptado, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

Assim, será de considerar o seguinte:
As necessidades de prevenção geral são prementes, atendendo ao aumento deste tipo de criminalidade contra o património e o receio e o alarme social que provoca, devendo a pena restabelecer a tranquilidade e a expectativa comunitárias na vigência e validade da norma violada.
O grau de ilicitude dos factos mostra-se relevante, atendendo ao modo de execução e a multiplicidade dos factos praticados pelo Arguido num curto espaço de tempo e a natureza e valor dos objectos subtraídos.

O dolo é intenso, já que o Arguido agiu com dolo directo.

A nível sócio-profissional, embora o Arguido tenha família constituída, revela baixa escolaridade, desinserção laboral e, consequentemente, dificuldades económicas, tudo apontando para a forte possibilidade de voltar a praticar factos ilícitos semelhantes, tornando prementes as necessidades de prevenção especial.

De resto, conta já com várias condenações pela prática de crimes idênticos, tendo-lhe já sido aplicada pena de prisão efectiva.

Tudo ponderado, julga-se adequado aplicar ao Arguido as seguintes penas de:

- 2 (dois) anos de prisão pela prática de cada um dos três crimes de Furto Qualificado, na forma consumada, pelos quais vai condenado; e

- 10 (dez) meses, pela prática do crime de Furto Qualificado na forma tentada.

F. Do Cúmulo Jurídico

Atento o teor do artigo 30º do Código Penal, os crimes pelos quais o Arguido vai condenado encontram-se numa relação de concurso entre si, pelo que se deverá encontrar uma pena única, nos termos do artigo 77º do mesmo diploma legal.

Ainda de acordo com este artigo, a moldura penal abstracta do concurso terá o limite máximo de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão e um limite mínimo de 2 (dois) anos de prisão.

Na medida da pena única a aplicar ao Arguido são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. artigo 77º, nº 1 do Código Penal).

Significa isto que “devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2006, disponível na Internet in www.dgsi.pt.

Assim e levando em consideração todas as circunstâncias já acima referidas, nomeadamente a energia criminosa revelada na prática dos factos revelada pela multiplicidade de actos ilícitos praticados num curto espaço de tempo, as condenações sofridas pela prática de crimes idênticos (tendo-lhe já sido aplicada uma pena de prisão efectiva) e as fragilidades a nível sócio-laboral, julga-se adequado condenar o mesmo pena única de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses de prisão.
*
G. Da Pena Acessória de Expulsão
(…) »

Cumpre agora decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso.
Como é pacificamente entendido, são as conclusões do recurso que delimitam o objeto do mesmo, sem prejuízo das questões de que o tribunal de recurso deva conhecer oficiosamente.

1.1.Pelo presente recurso, o arguido não vem impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, nos termos do art. 412º do CPP, antes vem invocar, no âmbito do chamado modelo de revista alargada, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável de fundamentação e erro notório na apreciação da prova, previstos nas alíneas do nº2 do art. 210º do CPP, de cuja procedência entende decorrer a alteração da matéria de facto dada como provada e a sua absolvição.

1.2. Subsidiariamente, o arguido alega que o tribunal a quo atendeu somente a uma perspetiva primitiva e degradante do delinquente enquanto homem e cidadão, considerando que a pena aplicada é de todo desadequada a prosseguir o fim do processo penal, quer por desnecessária nessa dimensão quer por ser excessiva, sem explicitar, porém, se se reporta à pena única, às penas parcelares ou a todas elas, pelo que apreciaremos a determinação concreta de todas as penas, dispensando-se assim o convite a que refere o art. 417º nº3 do CPP.

São, pois, estas as questões a decidir.

2. – Decidindo.

2.1. – Os vícios previstos no art. 410º nº2 als a), b) e c), do CPP invocados pelo recorrente.

a) Quanto ao vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é manifesta a falta de razão do recorrente, uma vez que este vício respeita à necessidade de apurar factos essenciais para cabal decisão das questões de direito a decidir que tenham sido alegados na acusação ou na contestação, ou que resultem da discussão da causa, o que não é minimamente referido pela recorrente que se reporta antes a alegada falta de prova que permitisse julgar provada a factualidade típica, o que pode reconduzir-se, antes, ao vício de erro notório na apreciação da prova.

b) Do mesmo modo é manifesta a falta de fundamento quanto ao vício de contradição entre a matéria de facto provada e não provada, que a recorrente se limita a invocar o sem qualquer explicitação ou concretização, sendo certo que não se vislumbra qualquer contradição ou oposição lógica, evidente, entre a factualidade provada e a fundamentação de direito, tal como se encontram expostas no acórdão recorrido, o que não se confunde com eventual incongruência que o recorrente, com base na sua convicção, julgue encontrar entre a prova produzida e a decisão do tribunal, pois a verificar-se tal incongruência a mesma respeita ao mérito do julgamento em matéria de facto e não a vício manifesto da própria sentença.

Improcede, pois, a arguição dos vícios previstos nas alíneas a) e b) do nº2 do art. 410º do CPP, impondo-se apreciar agora o terceiro dos vícios invocados.

c) No que concerne ao vício de erro notório na apreciação da prova previsto na al. c) do nº2 do art. 410º do CPP, este vício, tal como os demais a que se reportam as alíneas a) e b), há de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que tais vícios são apenas os que podem detetar-se unicamente com base na própria decisão, sem considerar quaisquer elementos de prova que não se encontrem aí reproduzidos ou que devam considerar-se como tal, máxime as declarações probatórias produzidas em audiência.

Com efeito, conforme podia ler-se já no Ac do TC, de 05.05.93, BMJ 427/121, o nº2 do art. 410º do CPP não permite ao tribunal de recurso reapreciar a prova produzida, ou seja, “ …reexaminar, repensar, emitir um juízo novo e autónomo, decidir em 2ª instância, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (…). O tribunal superior não pode, ao abrigo deste preceito, manifestar convicção diversa da do tribunal a quo face à globalidade do material probatório ao seu dispor mesmo quando a prova vier a ser registada (…). A lei faz depender o funcionamento dos mecanismos do art. 410º de um requisito essencial: os vícios em causa só justificam o alargamento excepcional dos poderes de cognição do tribunal à questão de facto, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida.”

Assim, o art. 410º nº2 c) do CPP contempla os casos de erro grosseiro de julgamento, evidente a partir do texto decisão recorrida, máxime da respetiva fundamentação, conjugado com as regras da experiência comum, não podendo a recorrente fundamentar o vício de erro notório na apreciação da prova, nas citações e transcrições de declarações probatórias em audiência por si feitas no texto da sua motivação de recurso, que apenas poderiam relevar se tivesse optado por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º nº3 do CPP, o que não fez, como aludido.

Ora, é manifesta a inexistência de erro notório na apreciação da prova no caso presente, pois da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, máxime do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, resulta que este fundou a sua convicção sobre os factos em prova indireta.

Com efeito, não tendo sido observada ou gravada a subtração de qualquer dos telemóveis por parte do arguido, foi produzida prova pessoal abundante sobre factos indiretos ou instrumentais de que se infere logicamente, de acordo com as regras da experiência comum, para além de qualquer dúvida razoável, que foi o arguido quem os subtraiu, fazendo-os seus, conforme explicado detalhadamente na apreciação crítica da prova, de que repetimos a transcrição do seguinte trecho a título ilustrativo: ” Por outro lado, não se pode olvidar a proximidade temporal entre o momento em que o Arguido se aproximou dos Ofendidos, usando do mesmo método (conforme reconhecido pelo próprio) e o momento em que aqueles se aperceberam da falta dos respectivos telemóveis, formando-se no espírito deste Tribunal, de acordo com as regras da normalidade da vida, a firme convicção de que foi o mesmo quem subtraiu tais objectos.».

Improcede, pois, a arguição dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº2 do art. 410º do CPP..

2.2. No que concerne ao alegado excesso da medida concreta das penas de prisão aplicadas ao arguido, entendemos resultar da reapreciação dos fatores determinantes da medida concreta da pena, tal como previstos no art. 71º do C. Penal, e dos termos da fundamentação do acórdão recorrido, que é de atender à pretensão do arguido, essencialmente em atenção à função da culpa no modelo de determinação concreta da pena e às razões que subjazem à proibição de dupla valoração.

Com efeito, acompanhando a fundamentação do acórdão recorrido sobre as finalidades das penas e as exigências de prevenção geral decorrentes da frequência com que são praticados furtos desta natureza e o alarme social que provocam e considerando que são igualmente pertinentes e justas as considerações sobre as exigências de prevenção especial derivadas das suas condições socioprofissionais, incluindo baixa escolaridade e desinserção laboral, merecem melhor ponderação o grau de ilicitude do facto, incluindo o valor da coisa furtada, por um lado, e, por outro lado, a circunstância de o arguido vir condenado pela agravante prevista na al. a) do nº1 do art. 204º do C. Penal, ou seja, o arguido fazer da prática de furtos modo de vida.

Quanto ao grau de ilicitude, o tribunal recorrido destaca o modo de execução e a multiplicidade dos factos praticados pelo Arguido num curto espaço de tempo e a natureza e valor dos objetos subtraídos. No entanto, é notório que os valores atribuídos aos telemóveis objeto do furto correspondem ao valor que tinham quando adquiridos novos em estabelecimento comercial, pelo que o valor patrimonial a considerar não pode ser o considerado na factualidade provada, sendo certo que não constituindo o valor da coisa circunstância agravante do furto não se justifica o reenvio do processo para fixar um valor mais preciso a cada um dos telemóveis.

Assim, para efeitos da aferição do grau de ilicitude de cada um dos factos, do ponto de vista do desvalor do resultado da conduta criminosa, importa ter em conta que o valor de cada um dos telemóveis a considerar corresponde, pelo menos, a cerca de metade do indicado na factualidade provada. Por outro lado, o modo de execução do facto não se nos apresenta como fator desfavorável ao arguido em função do respetivo grau de ilicitude, sendo certo que a conduta ilícita típica do furto sempre implica a provocação ou aproveitamento de uma situação de vantagem do agente sobre a vítima e nessa medida não parece que o truque do jornal seja especialmente gravoso.

Por último, a multiplicidade dos factos praticados pelo arguido integra, in casu, a qualificativa do modo de vida, que eleva a pena máxima de três anos, prevista para o furto simples, para 5 anos de prisão, juntamente com os antecedentes criminais que se traduzam na prática de crimes de furto, pelo que a sua consideração em sede de determinação concreta da pena, sempre tem que atender à proibição de dupla valoração, o que no caso presente não terá sido considerado pelo tribunal a quo dada a forma como se refere à multiplicidade dos factos praticados a propósito da medida concreta da pena.

Posto isto, tendo em conta o limite mínimo de 1 mês de prisão e o limite máximo de 5 anos de prisão, bem como o grau de ilicitude do facto que, no seu conjunto, não desfavorece o arguido, bem como a conduta anterior e posterior ao crime, sem contar a seu favor com confissão relevante, arrependimento ou reparação do mal do crime e as consequentes exigências de prevenção especial daí decorrentes, que são aqui determinantes, entendemos ser adequada a pena de 1 ano e 7 meses de prisão para cada um dos furtos consumados e a pena de 8 meses de prisão para o furto tentado.

Reformulando o cúmulo jurídico, há que ter em conta, por um lado, que o limite mínimo da moldura do concurso é de 1 ano e 7 meses e o limite máximo é de 5 anos e 5 meses, de prisão, por outro, que o conjunto dos factos e da personalidade do arguido, apelam a pena que considere particularmente as exigências de prevenção especial, embora sem esquecer que no direito penal do facto como o nosso, a culpa pelo facto concreto não pode ser ultrapassada, ainda que em prejuízo da satisfação ótima das necessidades de prevenção.

Assim, julgamos suficiente e adequada a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.

2.3. Não obstante a medida concreta da pena de prisão admitir a suspensão da sua execução, a simples censura do facto e a ameaça da prisão não satisfazem suficientemente as fortes necessidades de prevenção especial já assinaladas no acórdão recorrido e que aqui acompanhamos, destacando-se as suas condições socioprofissionais, incluindo baixa escolaridade e desinserção laboral, aliadas aos antecedentes criminais particularmente relevantes, pois encontra-se a cumprir pena de 6 anos de prisão, para além da circunstância específica de o arguido se dedicar -se à prática de crimes de furto como forma de obter recursos financeiros, que apesar de constituir qualificativa do crime de furto deve aqui ser plenamente considerada por estar agora em causa a eventual escolha de pena de substituição, tudo apontando, pois, para a forte possibilidade de voltar a praticar factos ilícitos semelhantes.

Assim e tendo especialmente em conta o preceituado no art. 50º do C.Penal, decide-se não suspender a execução da pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

III. Dispositivo
Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, CC, revogando o acórdão sob recurso na parte em que o condenou nas penas parcelares de 2 anos de prisão pelos crimes de furto consumado e de 10 meses de prisão pelo crime de furto tentado, e decidem, em substituição.

- Condenar o arguido nas penas parcelares de 1 ano e 7 meses de prisão pela autoria, na forma consumada, de cada um dos três crimes de furto qualificado p. e p. pelos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, al. h), ambos do Código Penal, e na pena de 8 meses de prisão pela autoria de um crime de furto qualificado p. e p. pelos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, al. h), e 22º, todos do Código Penal, na forma tentada.

Em cúmulo jurídico, vai o arguido condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão. Mantém-se, no mais, o acórdão recorrido.

Sem custas.

Évora, 7 de maio de 2019

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)