Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
162/09.1TASTB.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I- O Instituto da Segurança Social, tendo deduzido pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal, não está isento de custas.

II- É conforme à lei, o procedimento seguido no Tribunal «a quo», ao notificar o demandante Instituto de Segurança Social, após o trânsito em julgado da sentença para proceder ao pagamento da taxa de justiça, correspondente ao pedido de indemnização civil não obstante não ter sido condenado em custas.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I.Relatório
No processo comum nº 162/09.1TASTB, que correu termos no antigo 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, actual Tribunal da Comarca de Setúbal, Instância Local de Setúbal, Secção Criminal, pela Exmª Juiz titular dos autos foi proferido, em 24/1/14, o seguinte despacho:

«Fls. 519 a 521:
Considerando o teor da recente alteração legislativa, introduzida pela Lei nº 7/2012 de 13 de Fevereiro, ao artigo 15º do RCP, aplicável aos presentes autos, concordamos coma informação a fls. 527 a 529, para cujos fundamentos, por exaustivos e claros, remetemos».

A informação de fls. 527 a 529, para a qual remete do despacho acabado de transcrever é do seguinte teor:

«Informação a que alude o n.º 4 do art. 31.º do RCP
«O demandante Civil, Instituto da Segurança Social, veio reclamar do pagamento do taxa de justiça pela interposição de pedido de indemnização civil, suscitando diversas questões que, nos termos do n.º 4 do art. 31.º do RCP, cumpre responder.

Contudo, mesmo não dizendo expressamente no requerimento que se trata de urna reclamação, após leitura do mesmo conclui-se que é disso que se trata, sendo certo que o Demandante Instituto da Segurança Social não procedeu ao pagamento da taxa de justiça a que alude o n.º 8 do art. 7.° do RCP (Tabela II - Outros incidentes) pela apresentação da referida reclamação.

Independentemente da referida falta de pagamento da taxa de justiça, entende-se responder à reclamação de modo a evitar mais delongas na tramitação processual dos presentes autos.

Assim, primeiramente, quanto à suscitada questão de não ter havido condenação do demandante em custas, verifica-se que, em 22-01-2010, aquando da apresentação do Pedido de Indemnização Civil de € 519.328,15 (fls, 383 a 392), não foi paga a taxa de justiça no montante € 4.692,00.

Valor esse calculado pelo art. 6.° n.º 1 do RCP, que consagra que "A taxa de Justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado ( ... ), aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A ( ... )"

Embora parte da jurisprudência defenda a não obrigatoriedade da autoliquidação desse valor aquando do impulso processual, há unanimidade que tal valor terá de ser pago a final.

Em bom rigor, o legislador enumerou taxativamente os casos de auto liquidação e prévio pagamento, os quais estão expressamente previstos no seu art. 8.º, reconduzindo os mesmos à constituição de assistente e à abertura de instrução, n.º 1 e n.º 2, respectivamente, e nada mais. Sendo nos restantes casos paga a final, recorrendo-se à tabela I-A por remissão do já mencionado art. 6.º RCP e descartando-se a aplicação do n.º 9 do art. 8.° do mesmo diploma uma vez que estamos perante um pedido de indemnização civil e, na realidade, o legislador não consagrou tal na tabela III.

Verifica-se que nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 15.º RCP e uma vez que estamos na presença de um pedido de indemnização civil apresentado em processo penal de valor superior a 20 UC, o demandante ficaria dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça.

Realça-se que o facto de estar dispensado de pagamento prévio da taxa de justiça não significa que esteja isento da mesma.

Nesse seguimento, diz o n.º 2 do art. 15º RCP que "( ... ) independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias."

Para os devidos efeitos consigna-se que os presentes autos transitaram em Abril de 2012 pelo que aplicar-se-á o RCP alterado pela Lei n.º 7/2012 de 13-02 que entrou em vigor em 29-03-2012 (v. art. 8.°, n.º l - Aplicação no tempo da referida Lei 7/2012).

Foi nesse contexto que, embora a sentença condene a arguida/demandada no pagamento das custas, procedeu-se à liquidação da taxa de justiça devida pelo demandante pela apresentação do seu pedido de indemnização civil com base nos artigos supra mencionados.

Pelo que desta questão, não se afigura assistir razão ao demandante.

Vem ainda o demandante alegar que, o valor da taxa de justiça a pagar seria de €51.00 nos termos da alínea c), n.º 1 do art. 12.° RCP.

Mesmo aceitando que no âmbito interno do Instituto da Segurança Social podemos estar na presença de um processo de contencioso, certo é que, na realidade, estamos na presença de um processo comum singular com regras definidas e uniformes para todos os intervenientes e com as quais todos os intervenientes tem de se reger.

Assim, por entender que esta tentativa de incluir um pedido de indemnização civil num processo comum singular como se se tratasse de um processo de contencioso não acolhe qualquer adesão por parte da jurisprudência nem o próprio demandante apresenta argumentos no seu requerimento para tal, nada mais há a acrescentar a não ser que não parece assistir novamente razão ao demandante.

Finalmente, vem o demandante alegar isenção do pagamento de custas ao abrigo da alínea g) do art. 4.° do RCP, juntando para o efeito alguns acórdãos de Tribunais superiores.

Aquando da notificação da conta entendeu-se que, no caso em concreto (pedido de indemnização civil relacionado com a prática de um crime de abuso de confiança relativamente à segurança social na forma continuada), o demandante não actua em defesa directa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos, limitando-se a exercer as suas atribuições estatutárias, diligenciando pela cobrança de prestações sociais em dívida, integrantes do elemento objectivo do crime de abuso de confiança.

Insiste o demandante, no seu ponto 10, alegando que se encontra a exercer um direito fundamental.

Contudo, não procurando aqui entrar num debate sobre direito constitucional, o mencionado art. 63.º CRP surge no capítulo dos direitos sociais e não assume, como afirma a Segurança Social, a natureza de direito fundamental.

Resumindo-se tudo a que o Demandante, neste caso concreto, visa apenas e unicamente a prossecução de um interesse próprio e não a defesa de direitos fundamentais dos cidadãos.

Fortalecido tal entendimento com o facto do legislador, aquando da aprovação do RCP, ter revelado intenção de ver ainda mais reduzido o número de isenções (cfr. Preâmbulo do texto legal).

Ora se o DL 324/2003 de 27-12 bem como o art. 25.° do DL 34/2008 de 26-02, restringiu as isenções e deixou de abranger as instituições de Segurança Social, não faz sentido o demandante pretender um beneficio ao abrigo de um texto legal mais recente, quando é certo que este procurou diminuir os casos de isenções de custas.

Por tudo o exposto, uma vez que o demandante se encontra aqui na prossecução de um interesse próprio e não na defesa de direitos fundamentais dos cidadãos, também se afigura que queda a pretensão do mesmo.

Refutadas assim as diversas questões alegadas pelo demandante na sua reclamação, parecendo que em nenhuma das suscitadas assiste razão ao Instituto da Segurança Social.

Não terminando sem frisar, novamente, que a reclamação ora apresentada não apresentava a auto liquidação do pagamento de taxa de justiça que a lei estipula pela sua apresentação - art. 7.°, n.º 8 do RCP».

Do despacho proferido o demandante Instituto de Segurança Social, IP interpôs recurso, devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

1º O âmbito objectivo do presente recurso, tem a ver com o facto do o Tribunal “ a quo ”, ao concordar com o teor da informação do Senhor contador e com o Ministério Público, ter indeferido o requerimento apresentado pelo demandante civil nos autos à margem identificados, no sentido de ser dado sem efeito, o pagamento da conta de custas da responsabilidade do ISS, I.P., no montante de € 1.020,00, requerendo a sua anulação, com todas as legais consequências.

2º Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, entende o ora recorrente que não é da sua responsabilidade, nem deverá recair sobre o Instituto da Segurança Social, I. P., o pagamento de quaisquer custas.

3º Conforme se pode constatar na própria sentença proferida nos autos, a mesma não condenou o Interveniente em custas, “ Custas pelo demandado ”. – Sublinhado a negrito nosso.

4º Nos termos da alínea g) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais, estão isentos de custas “as entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a Lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias”.

5º O Decreto-lei n.º 214/2007, de 29 de Maio, diploma que se encontrava em vigor à data da dedução do pedido de indemnização civil, posteriormente revogado pelo Decreto-lei n.º 83/2012, de 30 de Março, consagraram a orgânica do ISS.IP, definindo-o como um Instituto Publico integrado na Administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, com vista a prosseguir as atribuições do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, sob superintendência e tutela do respectivo Ministro (artigo 1º).

6º Assim, para efeitos da alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, o Instituto da Segurança Social, IP, constitui uma entidade pública que, ao formular o pedido de indemnização civil no processo penal, relativamente a créditos da segurança social, está a actuar em exclusivo no âmbito das suas atribuições de defesa do direito fundamental dos cidadãos à segurança social, previsto no artigo 63.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 2.º n.º 1 da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases Gerais do Sistema da Segurança Social).

7º Na verdade, o direito à Segurança Social constitui um direito fundamental de todos (artigo 63º da CRP), pelo que o Instituto da Segurança Social, IP, ao demandar civilmente os arguidos em processo penal para aí obter o pagamento das prestações que estes não terão entregue à segurança social, está a exercer um direito fundamental e tem legitimidade processual para o efeito, que de resto não está em causa.

8º Neste contexto, ao deduzir o pedido de indemnização civil nos presentes autos, o recorrente não fez mais do que uma tentativa de ver salvaguardados os interesses do sistema de segurança social.

9º Acresce que o artigo 97.º n.º 1 da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, prescreve que as instituições de segurança social gozam das isenções reconhecidas por lei ao Estado. O ISS, IP é um instituto que prossegue a concretização das funções atribuída por lei à segurança social. Para este efeito, parece-nos que deve ser considerado abrangido pelo regime de isenção prescrito na norma supra citada.

10º O citado preceito legal, reforça a interpretação a fazer da alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP.
11º A propósito do ora sufragado, citam-se os seguintes acórdãos:

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/03/2012, prolatado no proc. n.º 1559/10.0TAGMR-A.G1 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06/07/2012, proferido no proc. n.º 64/10.9TAPRD-A.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

12º Face ao exposto, o Instituto da Segurança Social, IP beneficia da isenção de custas prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, sem prejuízo de ser responsável pelas custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido (n.º 5) e de apesar de estar isento, ser responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a sua pretensão for totalmente vencida (n.º 6), o que não é manifestamente, o caso dos presentes autos. ( sublinhado nosso )

13º Os nºs 5 e 6 do artigo 4.º do RCP constituem uma clara interpelação no sentido de que a isenção do pagamento de custas não é absoluto. Só á luz de cada caso concreto, a final, se concluirá se a isenção deve operar e em que termos.

14º Além do mais, por cautela de patrocínio, mesmo que o Tribunal ad quem entenda que o recorrente não está isento de custas, pesem embora os propósitos de uniformização do RCP, o mesmo continuou a distinguir a fixação da taxa de justiça devida em geral (artigo 6.º), relativamente a outros processos ou fases processuais (artigos 7.º e 8º), bem como aos actos avulsos (artigo 9.º).

15º No caso da taxa de justiça devida em processo penal, o legislador enumerou taxativamente os casos de autoliquidação e prévio pagamento, os quais estão expressamente previstos no seu artigo 8.º, reconduzindo os mesmos à constituição de assistente (8.º, n.º 1) à abertura de instrução (8.º, n.º 2) e mais nada.

16º Por sua vez, estipulou como regra geral que “Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III” (artigo 8.º, n.º 5 do RCP).

17º Existe pois, uma aparente contradição entre o artigo 8º n.º 5 do RCP e o artigo 15º do mesmo Diploma Legal, contradição que é dissipada pelo facto do legislador neste último preceito, ter definido a dispensa de pagamento prévio para várias categorias de processos (constitucionais, cíveis, administrativos, fiscais e criminais), por razões de subjectividade (Estado, Regiões Autónomas, arguidos em processo criminal) ou por razões objectivas (processo no Tribunal Constitucional), mas reservou para norma especifica – o artigo 8º - a definição rigorosa dos casos de autoliquidação em processo criminal, que expressamente previu, relegando para final (artigo 8.º, n.º 5) um regime especial geral de não exigência prévia de autoliquidação da taxa de justiça, no qual se inclui o regime do pedido civil deduzido em processo penal.

18º Por outro lado, o modo de pagamento dessa taxa de justiça encontra-se regulado pelo artigo 13.º do RCP, sendo paga nos termos fixados pelo Código de Processo Civil (447.º, n.º 2 e 447.º-A do C. P. Civil), designadamente em função do respectivo impulso processual, estando a oportunidade desse pagamento, quando seja devida a taxa de justiça prévia, prevista no subsequente artigo 14.º, n.º 1 e 2 do mesmo RCP.

19º Isto significa que, como de resto já sucedida anteriormente na vigência do CCJ, que não há lugar ao pagamento prévio de taxa de justiça “ Nas acções cíveis declarativas e arresto processados conjuntamente com a acção penal” (29.º, n.º 3, al. f) CCJ), atenta a autonomia do processo penal em relação ao processo civil (Cfr. Acórdãos da Relação do Porto, de 2011/Abr./04, 2011/Mai./18, 2011/Set./28, 2012/Jun./20, todos em www.dgsi.pt).

20º Cumpre realçar, que o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.

21º No quadro deste entendimento, o acto processual que consiste na dedução do pedido cível não é uma acção autónoma, nem pode ser equiparado à petição inicial na acção cível, isto porque, no processo penal o pedido de indemnização civil tem que ser fundado na prática de um crime (artigos 129º do Código Penal e 71º do Código de Processo Penal)

22º Caso contrário, ficava por explicar a razão pela qual, no processo penal se privilegiavam os lesados que fossem sociedades comerciais (em detrimento dos lesados que são pessoas singulares, em princípio com menor capacidade económica), uma vez que quando deduzem pedido cível não são penalizados com uma taxa de justiça agravada como sucede no processo civil (cf. art. 14º da Portaria nº 419-A/2009, de 17.4).

23º Acresce que, a decisão sobre custas relativas ao pedido civil enxertado na acção penal, que não foi objecto de indeferimento ou rejeição, tendo prosseguido para julgamento, é proferida a final, isto é, na sentença ou acórdão (cf. artigos 374.º, n.º 4 e 377.º, n.º 3 e n.º 4 do CPP).

24º A este propósito, pode ler-se no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/10/2011, proferido no Proc. n.º 193/10.9GCGRD-A.C1, com transcrição de parte do acórdão da Relação do Porto de 06/04/2011,…” o facto do lesado não ter de autoliquidar taxa de justiça quando deduz o pedido cível não significa que a não tenha de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença ( altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas)”. - ( sublinhado nosso )

25º Ora, o demandante não foi condenado em quaisquer custas em sede de sentença, pois, pode ler-se na mesma o seguinte: “Custas pelo demandado”.

26º De facto, foi considerado provado e totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no processo contra os arguidos/demandados, condenando os mesmos ao pagamento do montante de € 519.328,15, acrescido dos juros de mora legais, vencidos e vincendos.

27º Mais se dirá, que em processo penal, o pedido civil nele enxertado independentemente do respectivo valor ser igual ou superior a 20 UC e das excepções previstas no RCP e no art. 14.º, nº 3, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.

28º Neste sentido, o disposto nos artigos 6º, nº 1 e 14º, nº 1, do RCP não se aplica ao demandante cível que em processo penal deduz pedido civil, porque por um lado o processo penal, atentas as suas finalidades, não está dependente de impulso processual do demandante cível e, por outro lado, segundo o princípio da adesão consagrado no artigo 71º do CPP, “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”

29º Cumpre ainda referir que, de acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2012, este (novo) regime é aplicável a todos os processos iniciados após a entrada em vigor do RCP, na redacção dada por tal diploma, sendo que, o Regulamento das Custas Processuais, na redacção dada pela Lei n.º 7/2012, entrou em vigor em 29 de Março de 2012.

30º Sucede que, o pedido civil deduzido pelo Instituto da Segurança social, I.P., foi efectuado em 21 de Janeiro de 2010, ou seja, em data muito anterior à vigência da Lei n.º 7/2012.

31º A propósito da matéria objecto do presente recurso, citam-se os seguintes acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/04/2013, prolatado no proc. n.º 2359/08.2TAVFX-A.L1-3, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/04/2013, proferido no proc. n.º 3259/02.5TDLSB-A.L1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/05/2013, proferido no proc. n.º 1838/11.9TDLSB-.L1-5, ambos disponíveis in www.dgsi.pt

Acresce que,

32º Nos termos do Artigo 11º do Regulamento das Custas Processuais, a regra geral para fixação das taxas de justiça assenta no valor da causa em concreto, sendo o montante pecuniário aferido pela leitura da Tabela I-A, que integra o referido Regulamento.

33º Por sua vez, o Artigo 12.º do citado Regulamento estabelece os casos especiais em que o valor da taxa de justiça a liquidar é fixado tendo em conta o tipo de processo e não o valor da causa, dispondo que em tais situações se atende ao valor indicado na linha 1 da Tabela I-B, ou seja 0,5 UC. ( € 51,00 Euros ).

34º Nos presentes autos, aplica-se a regra especial de cálculo da taxa de justiça prevista na alínea c) do nº 1 do Artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais, que estabelece que o procedimento indicado no ponto 2.º do presente requerimento, se aplica aos processos de contencioso das instituições de segurança social.

35º Na verdade, o objecto e a causa de pedir da presente acção, subsumem-se no tipo de processos de contencioso das instituições de segurança social: Este Instituto é demandante, enquanto pessoa colectiva de direito público, uma vez que, veio requerer nomeadamente, que os arguidos/demandados fossem condenados a pagar a título de indemnização a quantia de € 519.328,15 (Quinhentos e Dezanove Mil, Trezentos e Vinte e Oito Euros e Quinze Cêntimos), referente ao não pagamento das contribuições devidas à Segurança Social legalmente imputáveis aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários de pessoas colectivas ou equiparadas, relativas aos períodos contributivos compreendidos entre Novembro de 2003 a Agosto de 2007.

36º Deste modo, o eventual pagamento de taxa de justiça a ter lugar, o que, á cautela, e só por mero dever de patrocínio se concede, apenas deverá incidir sobre o montante de € 51,00 Euros, correspondente a 0,5 UC, de acordo com o valor indicado na linha 1 da Tabela I-B, atendendo aos preceitos legais supra indicados.

37º Encontram-se violados no douto despacho impugnado proferido pelo Tribunal “a quo ” os seguintes preceitos legais: Artigos 4º n.º 1 alínea g), nºs 5 e 6, 6º n.º 1, 8º, n.º 1, 11º, 12º n.º 1, alínea c), 13.º n.º 1, 14º n.º 1, 15.º n.º 2, 29.º e 30.º todos da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro (Regulamento das Custas Processuais), artigos 4.º e 6.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, artigo 1º do Decreto-lei n.º 214/2007, de 29 de Maio, posteriormente revogado pelo Decreto-lei n.º 83/2012, de 30 de Março (Estrutura Orgânica do ISS, IP), artigo 63.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 97.º n.º 1 da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases Gerais do Sistema da Segurança Social).

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido e ordenado que o pagamento da conta de custas da responsabilidade deste Instituto, no montante de € 4.692,00, seja dado sem efeito, requerendo a sua anulação, com todas as legais consequências.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos.

O MP respondeu à motivação do recorrente, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões:

1. Vem o recurso em causa interposto do douto despacho que indeferiu o requerimento apresentado pelo demandante cível, “Instituto da Segurança Social, I.P.”, ora Recorrente, “no sentido de ser dado sem efeito o pagamento da conta de custas”.

2. Invoca, em suma, o ora Recorrente que o Instituto da Segurança Social, I.P. goza da isenção de custas prevista na alínea g) do n.º1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, sendo que, subsidiariamente, sustenta que, mesmo que se entenda que o referido Instituto não goza de tal isenção, uma vez que, in casu, na sentença proferida não foi condenado em custas não terá de pagar a final a taxa de justiça correspondente ao pedido de indemnização cível que formulou na acção penal e que foi julgado totalmente procedente, acrescentando, ainda que, na hipótese de se considerar que, ainda assim, terá de pagar custas, dever-se-á elaborar a conta das custas da sua responsabilidade atendendo-se ao valor indicado na linha 1 da Tabela I-B, por aplicação do disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais.

3. A questão primacial suscitada pelo Recorrente - a de saber se o Instituto da Segurança Social, I.P. goza da isenção de custas prevista na alínea g) do n.º1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais - trata-se de matéria já largamente debatida nos nossos Tribunais Superiores, que maioritariamente se têm pronunciado negativamente, entendimento, esse, que esteve na base do despacho ora sob censura, e que, igualmente, sufragamos.

4. Com efeito, a jurisprudência dominante tem entendido que, ao contrário do defendido pelo ora Recorrente, o Instituto da Segurança Social, I.P. não goza da isenção de custas prevista na alínea g) do n.º1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.

5. Foi assim decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20.05.2013 (processo n.º 76/11.5TAPVL.G1), no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.09.2011 (processo n.º 1008/09.6TAPRD-A.P1), no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03.12.2013 (processo n.º 1052/11.3TASTR-A.E1) e, do nosso conhecimento, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.04.2013 (processo n.º 2359/08.2TAVFX-A.L1-3), entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

6. Nas decisões vindas de mencionar entendeu-se, em suma, que o Instituto de Segurança Social, I.P., quando deduz pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal, não age no âmbito de especiais atribuições para a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, mas sim no âmbito das suas atribuições estatutárias, diligenciando pela cobrança de prestações sociais em dívida.

7. Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3.10.2012, processo 687/10.6TAVNG.P1, de que foi relator Joaquim Gomes, “ quando o ISS está a formular um pedido de indemnização civil cuja causa de pedir é a prática de um crime… o mesmo está essencialmente no exercício das suas atribuições estatutárias de cobrança das prestações sociais, impondo coercivamente o cumprimento de um dever constitucional e legal de contribuição para a segurança social… Nesta conformidade, e partindo do pressuposto que o direito à segurança social é um direito fundamental, nunca está o ISS com a dedução deste pedido de indemnização civil a promover esse direito, mas antes a exigir o cumprimento do dever fundamental de pagamento de contribuições para a segurança social, não estando, por isso, a atuar «exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para a defesa de direitos fundamentais dos cidadãos…”».

8. Acresce que, como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.09.2012, de que foi relator Pedro Vaz Pato, “considerar que o Instituto de Segurança Social, ao reclamar o pagamento de contribuições devidas à segurança social, exerce funções de defesa do direito fundamental dos cidadãos à segurança social e goza, por isso, de isenção de custas ao abrigo do citado artigo 4 n.º 1 g) do Regulamento das Custas Processuais, é atribuir a este artigo uma interpretação tão ampla que não se compadece com o claro propósito legislativo de redução das isenções subjetivas de custas. Se assim se considerasse, em coerência, deveria também considerar-se que quase sempre as entidades públicas atuam, de forma mediata e indireta, em defesa de direitos fundamentais (à saúde, ao ensino, ao ambiente, etc.). E muitas entidades públicas (o Instituto de Segurança Social e outras) passariam a beneficiar, ao abrigo do disposto no citado artigo 4 n.º 1 g), de uma isenção de custas de que tinham deixado de beneficiar ao abrigo do anterior regime, depois da alteração operada pelo referido Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro. E essa alteração não se compreenderia à luz do claro propósito do legislador de redução das isenções subjetivas de custas”.

9. No mesmo sentido se pronuncia Salvador da Costa (in Regulamento das Custas Processuais anotado, 5.ª edição, página 161), ao escrever, em anotação ao mencionado artigo 4.º, n.º1, alínea g): «Dado o elemento literal deste normativo e o seu fim, esta isenção não abrange o Instituto de Segurança Social, IP, relativamente a pedidos cíveis enxertados na acção penal com vista à realização de direitos de crédito da titularidade da segurança social».

10. Pelo que, na esteira da orientação jurisprudencial, que vimos de referir e que sufragamos, consideramos não assistir razão ao Recorrente, entendendo-se que o Instituto da Segurança Social, I.P. não goza da isenção de custas prevista na alínea g) do n.º1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.

11. No que tange às outras duas questões subsidiariamente colocadas pelo Recorrente na peça recursória que apresentou, consideramos igualmente que o entendimento por este propugnado não deve merecer acolhimento.

12. Com efeito, e ao contrário do defendido pelo Recorrente, consideramos ser aplicável, in casu, o disposto no n.º2 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º7/2012, de 13.02, que prescreve que “as partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias” (sublinhado nossos).

13. Com efeito, dispõe o n.º1 do artigo 8.º da Lei n.º7/2012, de 13.02, sob a epígrafe “Aplicação da Lei no Tempo” que “o Regulamento das Custas Processuais, na redacção que é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data” (sublinhado nosso), como é o caso dos autos.

14. Neste conspecto, seguimos a orientação existente no Supremo Tribunal Administrativo, na Secção do Contencioso Tributário, que, a propósito de situações de dispensa do prévio pagamento previstas no artigo 15.º, n.º1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais, tem vindo a entender que a referida regra do n.º2 do artigo 15.º se aplica não só aos processos iniciados após a entrada em vigor da Lei n.º7/2012, como a todos os processos pendentes nessa data (neste sentido, Acs. do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Outubro de 2012, processo 0759/12, e de 16 de Outubro de 2013, processo 01154/13. Em sentido coincidente, Salvador da Costa, in ob. cit., págs 38 e 39).

15. A favor de tal entendimento tem-se considerado que o citado n.º9 do artigo 8.º da Lei que vimos de referir - que prescreve que “nos processos em que, em virtude da legislação aplicável, houve lugar à dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça, essa dispensa mantém-se, sendo o pagamento dos montantes que a parte teria de ter pago caso não estivesse dispensada devidos apenas a final, ainda que a aplicação da redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei determinasse solução diferente” - não obsta a essa aplicação aos processos pendentes, pois apenas se destina a obviar a que aqueles que haviam beneficiado do diferimento do pagamento da taxa de justiça e que, por força do novo regime, deixaram de beneficiar [o que não é o caso dos autos atento o valor do pedido de indemnização cível formulado], fossem compelidos, após a entrada em vigor desta Lei n.º7/2012, ao pagamento de imediato da taxa de justiça.

16. Pelo que, independentemente da condenação a final, o Instituto da Segurança Social, I.P. que, no caso dos autos não autoliquidou previamente a taxa de justiça devida pela formulação do pedido de indemnização civil, não deixa de ser responsável pelo seu pagamento a final, devendo ser - como foi - para tanto notificado.

17. Por fim, diga-se, que a dedução de pedido de indemnização cível na acção penal não configura um processo de contencioso das instituições de segurança social, a que alude na alínea c) do n.º1 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais, sendo, por conseguinte, inaplicável o valor indicado na linha 1 da Tabela I-B anexa àquele diploma, ao contrário do pretendido pelo Recorrente.

18. Antes se trata-se de uma acção cível enxertada na acção penal por força do princípio de adesão previsto no artigo 71.º, do Código de Processo Penal, que estabelece que, por regra, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime - como é a situação dos autos - é deduzido no processo penal respectivo.

19. Não configura assim um qualquer processo especial que demande a aplicação de regras especiais me matéria de custas, como pretende o Recorrente, sendo que, no caso do pedido cível deduzido no processo penal o montante da taxa de justiça devida é fixado de acordo com a tabela I-A conforme decorre do disposto no artigo 6.º n.º1 do Regulamento das Custas Processuais onde se dispõe que “[A] taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.

20. E, no caso foram precisamente os valores da tabela I-A os aplicados na liquidação da taxa de justiça que foi efectuada nos autos pelo Sr. Contador e para cujo pagamento foi o ora Recorrente notificado.

21. Por considerar correcta a liquidação efectuada, porquanto de harmonia com os dispositivos legais aplicáveis, entendemos que igualmente não merece acolhimento o entendimento propugnado neste conspecto pelo Recorrente.

22. De tudo quanto vem exposto, entendemos que a decisão sob censura fez correcta aplicação do Direito, não violando, assim, qualquer norma legal e, em particular, os preceitos constantes do Regulamento das Custas Processuais, devendo improceder, in totum, o recurso apresentado.

Deste modo, porque nada encontramos que nos mereça censura na decisão ora recorrida, entendemos que deverá ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se aquela decisão.

Pelo Digno Procurador-Geral Adjunta junto desta Relação foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

O parecer emitido foi notificado ao recorrente, a fim de se pronunciar, tendo ele exercido o seu direito de resposta.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II.Fundamentação

Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância da decisão recorrida, que transparece das conclusões do recorrente, resume-se à pretensão de reversão do juízo de indeferimento que recaiu sobre uma pretensão por ele formulada enquanto demandante civil, no sentido de lhe não ser cobrada, porque não devida, a quantia de € 4.692, a título de taxa de justiça da sua responsabilidade, invocando, em síntese, os seguintes fundamentos:

a) O demandante Instituto da Segurança Social, IP encontra-se abrangido pela isenção de custas prevista no art. 4º nº 1 al. g) do Regulamento das Custas Processuais (RCP);

b) O demandante não estava obrigado ao pagamento prévio de taxa de justiça pela apresentação do pedido de indemnização civil, não podendo a mesma ser-lhe exigida a final, por não ter sido condenado em custas;

c) Subsidiariamente, o único valor que poderá ser exigido ao demandante civil, a título de taxa de justiça, cifra-se em € 51 (0,5 UC), a que se refere a linha 1 da tabela I-B anexa ao RCP.

Com eventual interesse para o ajuizamento da pretensão recursiva, convirá retermos os seguintes aspectos do processado dos autos:

1) Em 21/12/09, o MP deduziu acusação contra «X – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.» e SC, imputando-lhes a prática de crime de abuso de confiança relativamente à segurança social, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts. 107º nº 1 e 105º nº 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) (fls. 368 a 372);

2) Em 22/1/10, o Instituto da Segurança Social, IP deduziu, contra as arguidas, pedido de indemnização civil pelos factos alegados na acusação (fls. 383 a 392);

3) O demandante não pagou qualquer importância a título de taxa de justiça pela apresentação do pedido de indemnização civil;

4) O pedido de indemnização civil foi admitido por despacho judicial proferido em 6/5/10 (fls. 420);

5) Em 9/3/12, foi lida e depositada sentença que, em matéria cível, julgou integralmente procedente o pedido indemnizatório e condenou as demandadas nos seus precisos termos, bem como a suportar a totalidade das respectivas custas (fls. 461 a 477);

6) Da sentença proferida não foi interposto recurso, tendo transitado em julgado;

7) Após o trânsito em julgado da sentença, os autos foram remetidos à conta, na qual foi incluída a importância de € 4.692, correspondente à taxa de justiça devida pelo demandante pela apresentação do pedido de indemnização civil (fls. 505).

O nº 1 do art. 4º do RCP estatui:
Estão isentos de custas:
(…)
g) As entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias.

O recorrente invoca em apoio da principal tese jurídica, em que faz assentar a sua pretensão, dois Acórdãos, um da Relação de Guimarães, outro da Relação do Porto, melhor identificados no ponto 11 das conclusões da motivação do recurso.

Tais Acórdãos encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt (tal como os restantes Arestos adiante referidos, salvo menção diversa) e perfilham efectivamente o entendimento segundo o qual o Instituto da Segurança Social beneficia da isenção de custas prevista na disposição do RCP acima transcrita, quando deduza pedido de indemnização civil em processo penal, relativo a crime contra a segurança social.

Contudo, temos conhecimento de várias decisões das Relações que sufragam a tese contrária, tendo podido recensear, nesse sentido, dos Acórdãos da Relação de Coimbra de 1/2/12, proferido no processo nº 2297/10.9TACBR-A.C1 e relatado pela Exª Desembargadora Dra. Alice Santos; Relação de Évora de 3/12/13, proferido no processo nº 1052/11.3TASTR-A.C1 e relatado pela Exª Desembargadora Dra. Maria Fernanda Palma; Relação de Guimarães de 20/5/13, proferido no processo nº 76/11.5TAPVL.G1 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Paulo Fernandes Silva; Relação de Lisboa de 3/12/13, proferido no processo nº 2359/08.2TAVFX.L1 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Jorge Langweg, de 17/12/13, proferido no processo nº 826/09.0TDLSB.L1 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Jorge Gonçalves e de 14/5/14, proferido no processo nº 5500/09.4TDLSB-A.L1 e relatado pela Exª Desembargadora Dra. Conceição Gonçalves; Relação do Porto de 18/5/11, proferido no processo nº 4887/09.3TAVNG-A.P1 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Joaquim Gomes, de 28/9/11, proferido no processo nº 1008/09.6TAPRD-A.P1 e relatado pela Exª Desembargadora Dra. Airisa Caldinho, de 6/6/12, proferido no processo nº 1316/09.6TASTS-A.P1 e relatado pela Exª Desembargadora Dra.Maria Leonor Esteves, de 26/9/12, proferido no processo nº 191/97.6TBVLC.P1 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Pedro Vaz Pato e de 3/10/12, proferido no processo nº 687/10.6TAVNG.P1 e relatado pelo Exº Desembargador Dr. Joaquim Gomes.

Perante os Arestos agora referenciados, pensamos poder legitimamente concluir que se vem desenhando uma tendência maioritária da jurisprudência no sentido da tese oposta à defendida pelo recorrente e que se adequa à pretensão que ele pretende fazer valer.

Concordamos com esta orientação, com base na argumentação desenvolvida nos Acórdãos que a adoptaram, que a seguir tentaremos sintetizar

A isenção de custas prevista na al. g) do nº 1 do art. 4º do RCP depende da reunião dos seguintes pressupostos:

- Uma entidade pública;
- Actuando no âmbito exclusivo das suas atribuições;
- Em defesa de direitos fundamentais ou de interesses difusos;
- Cuja defesa lhes esteja cometida pelo respectivo estatuto; e
- A quem a lei especialmente atribua legitimidade processual para o efeito.

Ao tempo em que foi deduzido o pedido de indemnização civil nestes autos, a estrutura orgânica do aqui demandante era definida pelo DL nº 214/07 de 29/5, que veio a ser posteriormente revogado pelo DL nº 83/12 de 30/3.

O nº 1 do art. 1º do DL nº 214/07 de 29/5 definia o Instituto de Segurança Social como um instituto público integrado na administração indirecta do Estado.

O nº 2 do art. 3º do diploma legal em referência enumerava as atribuições do ISS, IP, entre as quais podemos destacar, com eventual interesse para a questão a dirimir, o poder para «reclamar os créditos da segurança social em sede de processos de insolvência e de execução…», atribuído pela al. e), e para «assegurar nos termos da lei, as acções necessárias à eventual aplicação dos regimes sancionatórios referentes a infracções criminais praticadas por beneficiários e contribuintes da segurança social», conferido pela al. x).

Nesta ordem de ideias, o demandante civil do presente processo reveste a natureza de uma entidade pública, para o efeito que agora nos interessa, e a sua intervenção nos autos, consistente na dedução de um pedido de indemnização civil contra as arguidas (sociedade e pessoa singular), por factos integradores de um crime de abuso de confiança relativamente à segurança social, situa-se nos limites das atribuições que lhe são legalmente reconhecidas.

De todo o modo, o «pomo da discórdia» entre os defensores da tese, que o recorrente pretende fazer vingar e o entendimento contrário situa-se ao nível de saber se o referido tipo de intervenção processual consubstancia ou não a defesa de algum direito fundamental dos cidadãos.

No nº 1 do seu art. 63º, a Constituição da República consagra o direito de todos à segurança social.

Aqui chegados, teremos de manifestar a nossa discordância em relação ao que é afirmado na informação lavrada a fls. 527 a 529, a que o despacho recorrido aderiu sem reservas, no sentido de o direito à segurança social fazer parte do catálogo dos «direitos sociais», o que lhe retiraria a dignidade de «direito fundamental».

Tal asserção ignora a sistemática da Lei Fundamental.
Na verdade, a Parte I da CRP intitula-se «Direitos e Deveres Fundamentais», subdividindo-se nos Títulos I (arts. 12º a 23º), II (arts. 24º a 57º) e III (arts. 58º a 79º), o primeiro dos quais se ocupa de princípios gerais.

O Título II tem por epígrafe «Direitos, Liberdades e Garantias» e o Título III «Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais», estando o direito abrangido neste último Título, no capítulo reservado aos direitos sociais.

Os direitos económicos, sociais e culturais, previstos na Constituição, consubstanciam uma realidade jurídica distinta dos direitos, liberdade e garantias, nela também consagrados, e poderão não beneficiar da tutela particularmente forte a estes conferida pelo art. 18º da CRP, mas não deixam por isso de ser direitos fundamentais.

Nesta conformidade, a referência feita na al. g) do nº 1 do art. 4º do RCP a «direitos fundamentais» pode, em abstracto, ser reportada ao direito à segurança social previsto no nº 1 do art. 63º da CRP.

A isto acresce que a realização do direito à segurança social tem como pressuposto que todos aqueles, que estão obrigados a contribuir para as despesas a ela inerentes, prestem efectivamente a contribuição a que estão vinculados.

Daí decorre o correlativo dever fundamental de contribuir para a segurança social, bem como a legitimação constitucional da repressão em termos criminais dos atentados mais graves ao património desta.

Uma vez dito isto, adiantaremos, desde já, que não se nos afigura que a dedução pelo ISS, IP de um pedido de indemnização civil, em processo penal, por factos integradores de crime de abuso de confiança relativamente à segurança social, consubstancie uma acção de defesa do direito fundamental à segurança social.

A este propósito, entendemos por bem transcrever, porque elucidativa, parte da resposta deduzida pelo MP no recurso correspondente ao processo nº 1052/11.3TASTR-A.E1, sobre o qual recaiu o Acórdão desta Relação de Évora de 3/12/13, a que fizemos referência, relativamente à qual o Tribunal manifestou a sua concordância (transcrição com diferente tipo de letra):

Quanto a estes últimos, os direitos sociais, a procedência da acção não determinou a prestação relacionada com o sistema de protecção social de cidadania - vide as secções II, II e IV do capítulo II da Lei 4/2007, de 16/01 (serviços e equipamentos sociais, programas de combate à pobreza, disfunção, marginalização e exclusão sociais; prestações pecuniárias e em espécie; prestações do rendimento social de inserção; pensões sociais; subsídio social de desemprego; complemento solidário para idosos; complementos sociais; prestações pecuniárias com encargos familiares; com encargos no domínio da deficiência e da dependência). A procedência da acção não determinou a oblação de prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido relacionada com o sistema previdencial – vide o capítulo III da Lei 4/2007, de 16/01 (em consequência de doença, maternidade, paternidade e adopção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais, invalidez, velhice e morte). A procedência da acção não determinou a oblação de prestações complementares das concedidas pelo sistema previdencial – vide o capítulo V da Lei 4/2007, de 16/01.

Em suma, a intervenção judicial do ISS, I.P. não implicou a realização de direito fundamental de que resultasse a protecção de um concreto cidadão com vista a suprir a sua falta ou ”diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho” – cfr. a parte final do nº 3 do art. 63º da CRP. Como refere correctamente a fundamentação do Ac. da RP de 26/09/2012, Pº 1764/10.9 TAVNG-B.P1 já citado, «Não estamos, no caso vertente, perante a promoção e defesa do direito à segurança social, mas perante a a exigência de cumprimento do dever fundamental de pagamento das contribuições para a segurança social».

De acordo com o entendimento expresso no trecho acabado de transcrever, só nos encontramos perante uma acção proposta em defesa do direito fundamental à segurança social, quando da respectiva procedência resulte a realização do direito a uma prestação (em sentido lato) proporcionada pelo sistema de segurança social e não apenas o direito das instituições, que gerem a segurança social, à percepção das contribuições que hão-de financiar tais programas, conforme sucede nos presentes autos.

Quanto à hipótese de a intervenção processual do demandado ter tido por finalidade a defesa de interesses difusos, importa recordar que a ordem constitucional confere alguma tutela a essa categoria de interesses, como seja no caso previsto no nº 3 do art. 60º da CRP:

As associações de consumidores e as cooperativas de consumo têm direito, nos termos da lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores, sendo-lhes reconhecida legitimidade processual para defesa dos seus associados ou de interesses colectivos ou difusos;

Ou ainda, no nº 3 do art. 52º da CRP:
É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:

a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural;

b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.

Como pode verificar-se, os interesses difusos, a que a Lei Fundamental reconhece relevância, configuram uma realidade sociológica e jurídica completamente distinta do direito à segurança social e do correlativo dever de contribuir para as despesas a ela inerentes.

Consequentemente, o pedido de indemnização civil deduzido no presente processo pelo ISS, IP não poderá ser reconduzido à defesa de quaisquer interesses difusos.

Neste contexto, a averiguação dos restantes pressupostos da isenção de custas prevista na al. g) do nº 1 do art. 4º do RCP, a saber, estar a defesa do direito fundamental ou do interesse difuso legalmente cometida ao ISS, IP e ter-lhe a lei conferido legitimidade processual para esse efeito, fica prejudicada por não se verificar que o demandante tivesse actuado em defesa de um direito ou interesse da referida natureza.

Invoca ainda o recorrente, em apoio da sua pretensão, a disposição do nº 1 do art. 97º da Lei nº 4/2007 de 16/1.

A invocada norma legal torna extensivas às instituições da segurança social as «isenções reconhecidas por lei ao Estado».

Ora, em matéria de custas judiciais, desde a entrada em vigor da Reforma de 2003 do antigo Código das Custas Judiciais (CCJ), ao qual sucedeu o RCP, aprovado pelo DL nº 34/08 de 26/2, que o Estado deixou de gozar da isenção geral de custas, a que teve direito até então.

Tal estado de coisas manteve-se, no essencial, no RCP vigente a partir de 2008, não prevendo o art. 4º desse diploma qualquer isenção de custas em benefício do Estado, mesmo restrita a determinadas categorias de processos.

Mesmo a dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça prevista no art. 15º nº 1 al. a) do RCP, a favor do Estado e outras entidades públicas, não tem relevo para o caso em apreço, já que é válida apenas para processos que corram termos nos Tribunais Administrativos ou Tributários e não para enxertos cíveis de processos penais da competência dos Tribunais Comuns.

Consequentemente, impõe-se concluir que a norma do nº 1 do art. 97º da Lei 4/07 de 16/1 é inócua para o efeito de o demandante beneficiar de isenção de custas no presente processo.

Como tal, verifica-se que o demandante não beneficia de semelhante isenção, mormente ao abrigo do disposto na al. g) do nº 1 do art. 4º do RCP.

Passemos, então, a apreciar o segundo fundamento da pretensão recursiva, consistente na alegação de que o demandante não estava obrigado ao pagamento prévio de taxa de justiça, pela apresentação do pedido de indemnização civil, e que esse valor não poderá ser-lhe exigido a final, por não ter sido condenado em custas, em sede de sentença.

Faz basear tal asserção no normativo do art. 8º do RCP, que prevê como únicos actos dependentes da prévia autoliquidação da taxa de justiça, em processo penal, o pedido de constituição de assistente e o requerimento de abertura de instrução e na inaplicabilidade à situação em apreço da redacção do nº 2 do art. 15º do RCP, introduzida pela Lei nº 7/12 de 13/2, que é do seguinte teor:

As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias.

A este respeito, convirá termos presente o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2016 (publicado em DR, 1ª série, nº 54, de 11/3/16), o qual veio fixar jurisprudência nos seguintes termos:

A parte dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização civil que, na vigência do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, tenha sido deduzido no processo penal e que se encontrar pendente à data da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02, deve, independentemente de condenação em custas, ser notificada, a final, para proceder, no prazo de dez dias, ao pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 15.º, número 2, do referido Regulamento, na redacção dada pela citada Lei n.º 7/2012, de 13.02, aplicável por força do disposto no artigo 8.º, número 1, deste diploma.

O Acórdão de Fixação de Jurisprudência agora identificado foi proferido no âmbito de recurso interposto por motivo da oposição de julgados, verificada entre dois Acórdãos da Relação de Lisboa, um datado de 17/12/13 (acórdão fundamento) e outro de 14/5/14 (acórdão recorrido), proferidos, respectivamente, nos processos nºs 826/09.0TDLSB.L1 e 5500/09.4TDLSB-A.L1, aos quais fizemos anteriormente referência, a propósito do ajuizamento da questão da isenção de custas, e que consultámos em www.dgsi.pt.

Ambos os Acórdãos envolvidos na oposição de julgados, que motivou a prolação do Acórdão nº 5/2016, foram proferidos no âmbito de recursos interpostos pelo Instituto de Segurança Social, também recorrente nestes autos, de decisões posteriores ao trânsito em julgado da sentença, que significaram a essa entidade a obrigação de pagar taxa de justiça, pelo processamento d pedido de indemnização civil que deduziu.

Do confronto entre os processos nºs 826/09.0TDLSB.L1 e 5500/09.4TDLSB-A.L1 resulta o seguinte quadro factual:

a) Ambos os processos versaram, na vertente criminal, sobre factos integradores de crime de abuso de confiança contra a segurança social;

b) Nos dois processos, o ISS, IP deduziu pedido de indemnização civil, durante o ano de 2010, por valor não inferior a 20 UC (1 UC = € 104), não lhe tendo sido cobrada qualquer importância a título de taxa de justiça, como condição do prosseguimento do pedido formulado;

c) Em ambos os processos, foi proferida sentença transitada em julgado, que, em matéria cível, julgou integralmente procedente o pedido indemnizatório e condenou os demandados a suportar a totalidade das respectivas custas;

d) No processo nº 826/09.0TDLSB.L1, a sentença foi proferida em 28/02/12 e depositada em 27/3/12;

e) No processo nº 5500/09.4TDLSB-A.L1, a prolação da sentença ocorreu em 13/12/12.

A oposição de julgados verificada entre os dois Acórdãos em referência incidiu sobre a aplicabilidade do nº 2 do art. 15º do RCP, na redacção introduzida pela Lei nº 7/12 de 13/2, tendo sido essa a questão concretamente dirimida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência.

O art. 9º da Lei nº 7/12 de 23/2 dispõe que o diploma entra em vigor 45 dias após sua publicação o que nos remete para a data de 29/3/12, sem esquecer que o ano de 2012 foi bissexto.

O nº 1 do art. 8º da mesma Lei prescreve a aplicabilidade da redacção do RCP, introduzida por este diploma, aos processos pendentes, ao tempo da sua entrada em vigor.

A sentença dos presentes autos foi lida e depositada em 9/3/12, o que significa antes do início da vigência da Lei nº 7/12 de 13/2 e da reforma do RCP, por ela aprovada.

Ao tempo, vigorava a redacção do CPP anterior à reforma introduzida pela Lei nº 20/13 de 21/2.

Na versão então vigente, o art. 411º nºs 1 al. b) e 4 do CPP estabelecia em 20 dias o prazo para recorrer das decisões judiciais, o qual se elevava para 30 dias, quando o recurso tivesse por objecto a reapreciação da prova agravada, contando-se o prazo, se estiver em causa recorrer da sentença, a partir do seu depósito em secretaria.

Conforme já entendíamos na altura, o trânsito em julgado da sentença ocorria depois de esgotado o prazo de recurso mais alargado de 30 dias, pelo menos, desde que tivesse sido produzido prova pessoal, que fosse objecto de registo sonoro, o que aconteceu nos presentes autos, mesmo que a prova gravada se tenha limitado às declarações de confissão integral e sem reservas prestadas pela arguida singular.

Nesta conformidade, teremos de tomar em consideração, em ordem a determinar a data do trânsito em julgado da sentença, a suspensão do prazo de interposição do recurso durante o período das férias judiciais de Páscoa, do Domingo de Ramos à Segunda-feira de Páscoa, o que, no ano de 2012, recaiu entre 1 e 9 de Abril inclusive.

Como tal, teremos de concluir que o prazo para recorrer da sentença proferida nos autos expirou em 16/4/12, o que equivale a dizer depois da entrada em vigor da Lei nº 7/12 de 13/2 e das normas do RCP veiculadas por este diploma.

Se bem compreendemos, a circunstância de a sentença do presente processo ter sido proferida ainda antes do início da vigência da Lei nº 7/12 de 13/2 não teria sido obstáculo, à face do entendimento jurisprudencial, que vingou no Acórdão nº 5/2016, a que estes autos tivessem sido considerados «processo pendente», para o efeito previsto no nº 1 do art. 8º da identificada Lei, pois o seu trânsito em julgado ocorre posteriormente e semelhante circunstancialismo verificou-se também no processo nº 826/09.0TDLSB.L1,no qual foi proferido o Acórdão fundamento do recurso que deu origem àquela decisão uniformizadora.

É certo que, no Acórdão fundamento, foi decidido denegar a efectivação da notificação prevista no nº 2 do art. 15º do RCP, na versão introduzida pela Lei nº 7/12 de 13/2, mas por razões não se prendem com o facto de a sentença ter sido proferida anteriormente à entrada em vigor deste diploma, aspecto que não foi sequer valorado pelo Tribunal na fundamentação desse Aresto.

O valor do pedido indemnizatório formulado nos presentes autos (€ 519.328,15) não é inferior a 20 UC, pois, se o fosse, sempre estaria abrangido pela isenção de custas prevista na al. n) do nº 1 do art. 4º do RCP.

Considerados conjuntamente o presente processo e os autos em que foram proferidos os Acórdãos que geraram a oposição de julgados, que esteve na origem da prolação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2016, verifica-se existe entre eles uma similitude de situações de facto, quanto aos aspectos factuais relevantes para a definição a solução jurídica que o recorrente pretendeu questionar, como seguidamente tentaremos mostrar:

- Dedução pelo ISS, IP de pedido de indemnização civil, em processo penal;

- Em data anterior a 29/3/12;

- Por factos integradores de crime de abuso de confiança contra a segurança social;

- Por valor não inferior a 20 UC;

- Não ter o demandado pago taxa de justiça como condição do prosseguimento do pedido indemnizatório;

- Procedência total do pedido de indemnização e condenação dos demandados nas custas;

- Encontrar-se o processo «pendente», no sentido de não ter transitado em julgado a decisão final, à data de 29/3/12.

Na situação factual em causa no presente processo, não vislumbramos qualquer diferenciação em relação às situações verificadas nos processos nºs 826/09.0TDLSB.L1 e 5500/09.4TDLSB-A.L1, que possa justificar um tratamento diverso daquele que o Supremo Tribunal de Justiça deu à questão no Acórdão nº 5/2016.

Por conseguinte, teremos de concluir que a orientação jurisprudencial consagrada no referido Aresto Unificador é aplicável à questão agora em apreço.

Acerca da eficácia dos Acórdãos do Pleno das Secções Criminais do STJ, proferidos no âmbito de recursos para fixação de jurisprudência, fora dos processos em que tem lugar a respectiva prolação, dispõe o nº 3 do art. 445º do CPP:

A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada.

O regime contido na disposição legal agora transcrita procura estabelecer um ponto de equilíbrio entre a desejável uniformidade, segurança e previsibilidade do direito e o princípio da independência dos Tribunais e da sua vinculação exclusiva à lei, estatuído pelo art. 203º da CRP.

Ao contrário do antigo instituto dos Assentos, que se caracterizava pela sua obrigatoriedade para a generalidade dos Tribunais e cuja compatibilidade com o postulado constitucional da vinculação exclusiva destes à lei era, por isso, problemática, os actuais Acórdãos de fixação de jurisprudência revestem uma força vinculativa tendencial, ou seja, os Tribunais podem divergir da orientação neles consagrada, mas, fazendo-o, ficam sujeitos a um especial dever de justificar a divergência.

Neste contexto, somos de entender que, sob pena de se esvaziar de conteúdo útil o propósito unificador da instituição dos Acórdãos a que nos vimos referindo, os Tribunais só devem afastar-se da doutrina acolhida por essas decisões perante razões ponderosas, como seja, por exemplo, a convicção de que orientação jurisprudencial preferida pelo STJ é manifestamente incompatível com algum princípio jurídico basilar, geralmente aceite, ou violadora de normas constitucionais expressas.

Seguindo o critério agora enunciado, não se nos afigura que possam ser opostas à orientação jurisprudencial consagrada pelo citado Acórdão uniformizador objecções ponderosas, que possam justificar a preterição de um valor tão relevante como a uniformidade, segurança e certeza na aplicação do direito.

Assim sendo, nada mais nos restará, em coerência com a posição adoptada, que aderir à orientação perfilhada pelo Pleno das Secções Criminais do STJ.

Como tal, teremos de dirimir a questão em apreço em consonância com a orientação jurisprudencial consagrada.

Consequentemente, importa concluir pela conformidade à lei do procedimento seguido no Tribunal «a quo», ao notificar o demandante, após o trânsito em julgado da sentença para proceder ao pagamento da taxa de justiça, correspondente ao pedido de indemnização civil não obstante não ter sido condenado em custas.

Por isso, improcede também o segundo fundamento do recurso.

Finalmente, a título subsidiário, peticionou o recorrente que lhe fosse cobrada apenas a taxa de justiça a que se refere a linha 1 da Tabela I-B anexa ao RCP, no valor de 0,5 UC.

As taxas de justiça enumeradas na Tabela I-B anexa ao RCP aplicam-se aos processos referenciados nos arts. 6º nº2, 7º nº 2, 12º nº 1 e 13º nº 2 desse diploma, pelo que passamos a reproduzir o teor desses normativos.

- Nº 2 do art. 6º
Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

- Nº 2 do art. 7º
Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.

- Nº 1 do art. 12º
Atende-se ao valor indicado na l. 1 da tabela I-B nos seguintes processos:
a) Nos processos relativos à impugnação judicial da decisão sobre a concessão do apoio judiciário;

b) Nas intimações para prestação de informação, consulta de processos ou passagem de certidões;

c) Nos processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social e dos organismos sindicais, nos processos para convocação de assembleia geral ou de órgão equivalente, nos processos para declaração de invalidade das respectivas deliberações e nas reclamações de decisões disciplinares;

d) Nos recursos dos actos de conservadores, notários e outros funcionários;

e) Sempre que for impossível determinar o valor da causa, sem prejuízo de posteriores acertos se o juiz vier a fixar um valor certo;

f) Nos processos cujo valor é fixado pelo juiz da causa com recurso a critérios indeterminados e não esteja indicado um valor fixo, sem prejuízo de posteriores acertos quando for definitivamente fixado o valor.

- Nº 7 do art. 13º
A taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B para:
a) As partes coligadas;
b) O interveniente que faça seus os articulados da parte a que se associe;
c) Os assistentes em processo civil, administrativo e tributário.

Como facilmente pode constatar-se, nenhum dos procedimentos ou figuras processuais, a que poderão corresponder as taxas de justiça enumeradas na Tabela I-B, anexa ao RCP, se identifica com aquilo que aqui está em causa, ou seja, um pedido de indemnização civil em processo penal e o sujeito processual que o encabeça (demandante civil)

Consequentemente, terá também de improceder esta última pretensão recursiva, ficando o recurso votado ao fracasso na sua totalidade.

Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.
Notifique.

Évora 5/7/16 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)