Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
220/21.4GBGDL.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A proibição de conduzir, como verdadeira pena que é, submete-se às regras gerais de determinação da medida concreta das penas constantes do artigo 71º do Código Penal, ressalvando-se a finalidade a atingir, que se revela mais restrita, porquanto a sanção em causa visa primordialmente prevenir a perigosidade do agente, ainda que se reconheçam também necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, através da tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma in casu violada.

Culpa e prevenção geral são, pois, os dois binómios limitadores da determinação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, com exclusão da outra finalidade que o artigo 40º do Código Penal estabelece - a de prevenção especial positiva ou de integração do agente .

Os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o recorrente do facto de a proibição em causa poder afetar as suas eventuais funções profissionais ou a obtenção de rendimentos (para si ou para o seu agregado familiar), são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionado em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução de veículos em estado de embriaguez (ou com recusa ao teste para deteção de álcool no sangue) e que a aplicação da pena pretende prevenir.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO

Nos autos de processo sumário, com o nº 220/21.4GBGDL, do Juízo Local Criminal de Grândola, e mediante pertinente sentença, o Exmº Juiz decidiu:

“a) Condenar o arguido JMC pela prática de dois crimes de DESOBEDIÊNCIA, p. e p. pelo artº 348°, nº 1, al. a), do Cód. Penal, e 152º, nº 1, al. a), do Cód. da Estrada, nas penas parcelares de 6 (seis) meses de prisão, e, em Cúmulo Jurídico, nos termos do art.º 77º do C. Penal, na pena única de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, sob condição do cumprimento pelo arguido, durante o período da suspensão, de regra de conduta de tratamento da dependência do álcool, sob apoio e fiscalização dos serviços de reinserção social, nos termos conjugados dos artigos 50º, nºs 1 e 5, e 52º do C. Penal.

b) Condenar o arguido, por força dos ilícitos de desobediência supracitados, nas penas acessórias parcelares de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 9 (nove) meses e, em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do Cód. Penal, na pena acessória única de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 1 (um) ano 1 (um) mês e 15 (quinze) dias, nos termos do disposto no art.º 69º, nº 1, al. c), e nº 2, do Cód. Penal.

c) Determinar que, no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, o arguido entregue na secretaria deste Tribunal ou em qualquer Posto Policial que remeta aquela o seu título de condução, sob a cominação de não o fazendo incorrer na prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348º, nº 1, al. b), do C. Penal.

d) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 0.5 (zero vírgula cinco) unidade de conta, nos termos conjugados dos artigos 513º e 514º, nº 1, do CPP, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais”.

*

O arguido, inconformado, interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1.ª O Tribunal condenou, como autor material, o arguido AMC pela prática de dois crimes de desobediência, p. e p. pelo artº 348° nº 1 al. a) do Cód. Penal, e 152 nº1 al. a) do Cód. da Estrada:

a) nas penas parcelares de 6 (seis) meses de prisão e, em Cúmulo Jurídico, nos termos do art.º 77 do C. Penal, na pena única de 8 (oito) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses sob condição do cumprimento pelo arguido, durante o período da suspensão, de regra de conduta de tratamento da dependência do álcool sob apoio e fiscalização dos serviços de reinserção social nos termos conjugados dos arts. 50º nºs. 1 e 5 e 52º do C. Penal.

b) nas penas acessórias parcelares de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 9 (nove) meses e, em cúmulo jurídico nos termos do art.º 77 do Cód. Penal na pena acessória única de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 1 (um) ano 1 (um) mês e 15 (quinze) dias nos termos do disposto no art. 69º nº 1. al. c) e nº2 do Cód. Penal.

2.ª Decisão com a qual o Recorrente não concorda, porque considera manifestamente excessivas e desproporcionais as medidas das penas que lhe foram aplicadas.

3.ª Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida merece censura, pois violou o disposto nos artigos 69º, 40º e 71º, todos do Código Penal.

4.ª A Douta Sentença recorrida encontra-se gravada em sistema áudio (dia 24.06.2021, e não dia 21, como consta na ata, certamente por lapso de escrita) das 16h33m às 17h04m), resultando na mesma factualidade dada por provada e que se considera aqui reproduzida.

5.ª Da referida factualidade dada por provada na douta sentença ora em crise, entende o recorrente que o Tribunal a quo não podia ter fixado a sanção acessória de proibição de condução veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses, sendo que, ao decidir dessa forma violou claramente o disposto nos artigos 69º, nº 1, alínea a), 40º, nºs 1 e 2, e 71º, nº 1, todos do Código Penal, como já acima se aludiu.

6.ª Com efeito, o Tribunal a quo, ao determinar a aplicação ao arguido, aqui recorrente, da referida pena acessória pelo período de 9 (nove) meses, não salvaguardou a reintegração daquele na sociedade, como determinam os citados normativos legais.

7.ª A título de pena principal, o ora recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de desobediência, p. e p. pelo art.º 348° nº 1 al. a) do Cód. Penal, e 152 nº1 al. a), do Cód. da Estrada:

8.ª O crime em causa é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

9.ª Foi aplicada ao recorrente, pela prática de cada um destes referidos crimes, uma pena parcelar de 6 (seis) meses de prisão, em cúmulo, 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

10.ª Medida com a qual o recorrente não concorda.

11.ª O Tribunal deveria ter optado por uma pena de multa, a pena de prisão será sempre aplicada em ultima ratio.

12.ª É nosso entendimento que Tribunal a quo violou o plasmado no art.º 40.º do C.P. Dispõe este preceito normativo, no seu n.º 2, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Não podendo em caso algum haver pena sem culpa.

13.ª Tendo em conta os crimes que poderão ser considerados da mesma natureza que os presentes, o arguido tem averbadas no seu Certificado de Registo Criminal duas condenações pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez no âmbito do Processo 1/14.1FASTC (factos datados de 04-08-2014) e do Processo 211/17.0GBGDL (factos datados de 07-07-2017).

14.ª O Tribunal optou por uma pena de prisão, como supra se disse, fixando-a no seu limite médio, como tal não se concorda com esta medida, e não se concorda porque excede em muito a medida da culpa.

15.ª Dita o art.º 70º do C.P. que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena não privativa e pena privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

16.ª Diz o art.º 40.º do C.P., no seu n.º 1, que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

17.ª Assim, no que toca à escolha da pena, sempre que o crime seja punível em alternativa com pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, a lei dá preferência à aplicação de penas não privativas da liberdade sempre que as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as necessidades da punição, ou seja, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do Cód. Penal).

18.ª Considera-se que a Douta Decisão não deu cabal cumprimento ao art.º 71.º do Código Penal, o qual dispõe que: “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

19.ª A ilicitude do facto e a culpa do agente, in casu, situa-se a um nível abaixo da média, o recorrente mostrou-se arrependido, encontrava-se vulnerável.

20.ª Conta apenas com duas condenações por crime de idêntica natureza, sendo que o último, a prática data de 07/07/2017, há cerca de 4 (quatro) anos, data desde a qual se manteve sempre conforme ao direito.

21.ª Encontra-se familiar e socialmente integrado.

22.ª Assim, considerando os limites abstratos acima enunciados, as circunstâncias descritas, considerando as necessidades de prevenção geral e especial, os factos e a personalidade do arguido, consideramos que deveria ser de aplicar ao ora recorrente uma pena de multa, por cada um dos crimes.

23.ª Quanto à determinação do quantum da pena de multa, conforme estabelece o artigo 47º, n.º 2, do Código Penal, a pena de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

24.ª Deste modo, para atender à fixação do quantitativo diário da pena de multa, o tribunal pondera a situação económica do arguido e os encargos por si suportados, devendo fixar uma pena que não colocando em causa a subsistência daquele, seja elevada o suficiente de forma a representar um verdadeiro sacrifício para o arguido cumpri-la.

25.ª Resultou provado quanto aos rendimentos, é que o recorrente vive com a companheira e um filho, que esta não trabalha, que têm tido o apoio da Segurança Social.

26.ª Deveria assim o Tribunal optar por uma multa e fixar o quantitativo diário pelo mínimo, ou seja € 5,00 (cinco euros), como previsto no artigo 47º, n.º 2, do Código Penal.

27.ª Da referida factualidade dada por provada na douta sentença ora em crise, entende o recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao fixar cada uma das sanções acessórias de proibição de condução veículos motorizados, pelo período de 9 (nove) meses, e, em cúmulo jurídico nos termos do art.º 77 do Cód. Penal na pena acessória única de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 1 (um) ano 1 (um) mês e 15 (quinze) dias nos termos do disposto no art.º 69º nº 1. al. c) e nº 2 do Cód. Penal.

28.ª Ao decidir dessa forma, o Tribunal violou claramente o disposto nos artigos 69º, nº 1, alínea a), 40º, nºs 1 e 2, e 71º, nº 1, todos do Código Penal, como já acima se aludiu, e não salvaguardou a reintegração daquele na sociedade, como determinam os supracitados normativos legais

29.ª O arguido, como supra se referiu, apenas sofreu duas condenações que se podem considerar de idêntica natureza à que foi condenado nos presentes autos, datando a prática da última de 07/07/2017, portanto há cerca de 4 (quatro) anos.

30.ª Ficando sem carta de condução, além de punir o arguido é indiretamente punir a família, que dele depende, estando privado de conduzir é privar este de se poder deslocar para algum trabalho que possa fazer e privar a sua família de assistência a todos os níveis, designadamente a nível de saúde, subsistência e económica.

31.ª Assim, considera o arguido que é possível, no caso vertente, cumprir as finalidades das penas através da aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de cerca de 5 (cinco) meses por cada sanção acessória, e, em cúmulo jurídico, não superior a 7 (sete) meses.

32.ª Nesta conformidade, a douta sentença em crise, na parte em que fixou a aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses, cada, e em cúmulo pelo período de 1 (um) ano 1 (um) mês e 15 (quinze) dias, deve ser revogada e substituída por outra que fixe a duração de cada referida pena acessória em período não superior a 5 (cinco) meses, em cúmulo pelo período de 7 (sete) meses.

33.ª Tratando-se de uma pena, a determinação da medida concreta da sanção acessória inibitória, há de efetuar-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71º do Código Penal, não olvidando que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, página 165).

34.ª Assim, pelas razões apresentadas, a pena em que o recorrente foi condenado configura uma errada aplicação do Direito, vertida na Douta sentença, porquanto o quantum das penas acessórias de proibição de conduzir que lhe foi aplicado revela-se manifestamente exagerado.

35.ª Assim, pelas razões apresentadas, a pena em que o recorrente foi condenado configura uma errada aplicação do Direito, vertida na Douta sentença.

36.ª Nesta conformidade, a douta sentença violou, designadamente, o disposto nos art.ºs 18º da C.R.P., os art.º 127º e 410º, n.º 1 e n.º 2 c) do C.P.P., o art.º 40º, 69º nº 1. al. c) e nº 2, 70º, 71 do C.P.

37.ª Em suma, atendendo às razões expostas, deverão as penas a aplicar ao arguido, ora recorrente, pela prática dos dois crimes de desobediência, p. e p. pelo artº 348° nº 1 al. a) do Cód. Penal, e 152 nº1 al. a) do Cod. da Estrada, ser as seguintes:

a) penas parcelares de 40 (quarenta) dias de multa e, em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do C. Penal, na pena única de 70 (setenta) dias de multa.

b) nas penas acessórias parcelares de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 5 (cinco) meses e, em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do C. Penal na pena acessória única de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 7 (sete) meses, nos termos do disposto no art.º 69º nº 1. al. c) e nº 2 do C. Penal.

Foram violadas todas as disposições legais indicadas ao logo de toda a motivação de recurso.

Nestes termos, deve conceder-se provimento ao presente recurso, devendo a Douta Sentença ser revogada e substituída por outra que, de acordo com o entendimento ora explanado, condene o arguido, pela prática dos dois crimes de desobediência, p. e p. pelo artº 348º nº 1 al. a) do Cód. Penal, e 152º nº 1 al. a) do Cód. da Estrada:

a) nas penas parcelares de 40 (quarenta) dias de multa e, em Cúmulo Jurídico, nos termos do art.º 77º do C. Penal, na pena única de 70 (setenta) dias de multa, no quantitativo diário de € 5 (cinco euros).

b) nas penas acessórias parcelares de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 5 (cinco) meses e, em cúmulo jurídico, nos termos do art.º 77º do Cód. Penal, na pena acessória única de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 7 (sete) meses.

Ou, caso assim se não entenda, em períodos ligeiramente acima destes.

Mas V.ª Exas., como sempre, decidirão por forma a fazer Justiça”.

*

A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se pela total improcedência do mesmo.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, entendendo também que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, são as seguintes, em muito breve síntese, as questões suscitadas no presente recurso:

1ª - Escolha da pena principal (o recorrente entende que devem ser aplicadas penas de multa aos crimes em causa, em detrimento de penas de prisão).

2ª - Determinação da medida concreta das penas de prisão (penas parcelares e pena única), alegando o recorrente que as penas aplicadas na sentença sub judice o foram em medida excessiva, nomeadamente ultrapassando a medida da culpa.

3ª - Determinação da medida concreta das penas acessórias de proibição de condução (penas parcelares e pena única), invocando o recorrente que tais penas foram fixadas em medida excessiva e desproporcionada, designadamente não se atendendo, como devia, aos prejuízos que a proibição de conduzir acarreta para o recorrente e para a subsistência da respetiva família.

2 - A decisão recorrida.

Na sentença revidenda foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 16-05-2021, pelas 20h55, o arguido JMC conduziu o veículo automóvel com a matrícula …, na Rua …, em ….

2. Nestas exatas circunstâncias, o arguido JMC apresentava uma Taxa de Álcool no Sangue registada no alcoolímetro (qualitativo) de 2,35g/l, tendo recusado efetuar o teste de despistagem do álcool no aparelho quantitativo devidamente certificado, pese embora tenha sido expressamente advertido pelos militares da Guarda Nacional Republicana de que a não submissão a tal teste quantitativo o fazia incorrer na prática de um crime de desobediência.

3. Nestas exatas circunstâncias, o arguido JMC recusou submeter-se ao referido teste, afirmando: “já estou chumbado e estou, não faço mais nenhum teste”.

4. Após, o arguido foi informado que poderia submeter-se a exame de colheita de sangue para despistagem da Taxa de Álcool no Sangue, junto de estabelecimento hospitalar, tendo o arguido declinado tal possibilidade e afirmado: “se eu for ao sangue ainda dá mais, não quero saber nada disso”.

5. O arguido JMC tinha conhecimento da ordem legal que lhe impunha submeter-se a teste de pesquisa de álcool no sangue, e percebeu a advertência que lhe foi efetuada pelos militares da Guarda Nacional Republicana, e que, por isso, caso se recusasse a submeter-se a teste de pesquisa de alcoolemia, incorreria em crime de desobediência.

6. Não obstante, o arguido JMC quis desobedecer à ordem legal e à ordem emanada pelos militares da Guarda Nacional Republicana, recusando-se a ser submetido a exame de álcool no sangue, o que efetivamente fez.

7. No dia 17-05-2021, pelas 10h00, o arguido JMC conduziu o veículo automóvel com a matrícula … na localidade de …, junto ao …, no Concelho de ….

8. Nestas exatas circunstâncias, o arguido JMC apresentava uma Taxa de Álcool no Sangue registada no alcoolímetro (qualitativo) de 2,32g/l, tendo recusado efetuar o teste de despistagem do álcool no aparelho quantitativo devidamente certificado, pese embora tenha sido expressamente advertido pelos militares da Guarda Nacional Republicana de que a não submissão a tal teste quantitativo o fazia incorrer na prática de um crime de desobediência.

9. Nestas exatas circunstâncias, o arguido JMC recusou submeter-se ao referido teste, afirmando: “outra vez ainda tenho a mesma de ontem não veem”, “não vou realizar mais nenhum teste, ainda tenho a bebedeira de ontem” e “ho homem eu tenho dinheiro para pagar, não faço teste ainda ontem me fartei de soprar para essa merda”.

10. O arguido JMC tinha conhecimento da ordem legal que lhe impunha submeter-se a teste de pesquisa de álcool no sangue e percebeu a advertência que lhe foi efetuada pelos militares da Guarda Nacional Republicana e que, por isso, caso se recusasse a submeter-se a teste de pesquisa de alcoolemia, incorreria em crime de desobediência.

11. Não obstante, o arguido JMC quis desobedecer à ordem legal e à ordem emanada pelos militares da Guarda Nacional Republicana, recusando-se a ser submetido a exame de álcool no sangue, o que efetivamente fez.

12. O arguido JMC agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

13. O arguido é pedreiro de profissão (auferindo um vencimento mensal equivalente ao salário mínimo nacional), mas, presentemente, encontra-se desempregado, não recebendo qualquer subsídio de desemprego.

14. Recentemente, sofreu um acidente de trabalho, tendo “problemas” de coluna, “problemas” que o impedem de exercer a sua profissão de pedreiro.

15. Mora em casa cedida por um amigo.

16. O arguido vive com uma companheira, que sofre de diabetes, e tem a seu cargo um filho maior, com 26 anos de idade. O agregado familiar é ajudado pela Segurança Social.

17. O arguido possui como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.

18. O arguido, na audiência de discussão e julgamento, declarou não se recordar dos factos delitivos em apreço, mas verbalizou arrependimento pela situação.

19. O arguido tem “problemas” de alcoolismo, tendo dado início, recentemente, a um tratamento médico visando libertar-se dessa dependência.

20. O arguido declarou, na audiência de discussão e julgamento, que aceita sujeitar-se, no âmbito da pena a aplicar neste processo, à regra de conduta de tratamento da dependência do álcool, sob apoio e fiscalização dos serviços de reinserção social.

21. O arguido não possui as seguintes condenações criminais anteriores:

1ª - Pela prática de um crime de ameaça, por factos datados de 2007, em pena de multa;

2ª - Pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, por factos datados de 2008, em pena de multa;

3ª - Pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos datados de 2014, em pena de multa e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 meses;

4ª - Pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos datados de 07-07-2017, em pena de multa e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 meses.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da escolha da pena (principal).

Sustenta o recorrente que, in casu, devem ser aplicadas penas de multa aos crimes de desobediência em causa, e não penas de prisão (como o foram na sentença revidenda).

Cumpre decidir.

A apreciação da enunciada questão (atinente à escolha das penas aplicadas) envolve a sindicância do critério de escolha da pena previsto no artigo 70º do Código Penal, porquanto os crimes de desobediência em apreço são puníveis com pena de prisão ou multa.

O critério legal a seguir é simplesmente este: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (no caso, a de multa) sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.

O que o mesmo é dizer que a aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão, no caso a pena de multa, depende, tão-só, de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da comunidade.

Como muito bem escreve o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, págs. 332 e 333), “sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da pena de prisão (...), quer da medida da pena alternativa (...). Em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (...) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista (...) o carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração. (…) A prevenção geral deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (...), como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que imposta ou aconselhada à luz de exigências de socialização, a pena alternativa só não será aplicada se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.

No caso em apreço, e desde logo, as exigências de prevenção especial revelam-se muito elevadas.

Com efeito, o arguido tem já antecedentes criminais pela prática de dois ilícitos que são, em substância, da mesma natureza dos destes autos (por factos datados de 2014, em pena de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 meses; e por factos datados de 2017, em pena de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 meses), sendo, pois, de concluir que as anteriores condenações em pena de multa não foram motivação suficiente para o recorrente se abster do cometimento de condutas delitivas do género aqui em apreço e para interiorizar convenientemente o desvalor das suas condutas.

Ou seja, esta é já a terceira vez que o arguido responde por tipo legal de crime que, em substância, protege o mesmo bem jurídico, tendo desperdiçado as oportunidades anteriores (aliás, as condenações anteriores a que foi sujeito foram todas em pena de multa) para adaptar o seu comportamento aos padrões da sociedade em que vive, no que diz respeito à condução sob o efeito do álcool.

Em suma: não obstante o arguido ter sido solenemente advertido, por duas vezes, de que não deveria praticar crimes rodoviários, e, em especial, conduzir veículos a motor em estado de embriaguez, o mesmo voltou a incorrer, por duas vezes, nesse comportamento.

Depois, as necessidades de prevenção geral positiva (ou de integração) são também muito acentuadas, num contexto temporal em que, a nosso ver, a condução de veículos em estado de embriaguez contribui decisivamente para a eclosão da alarmante sinistralidade rodoviária registada em Portugal (note-se que, in casu, estamos perante condutas delitivas que revelam um grau de ilicitude muito elevado e que geram justificado alarme social, porquanto o arguido, notoriamente embriagado - conclusão que se retira da T.A.S. registada no alcoolímetro qualitativo, a qual, em ambas as vezes, era superior de 2,00g/l -, se recusou a ser submetido ao teste de pesquiza de álcool no sangue em duas ocasiões praticamente seguidas - uma ocorreu no dia 16-05-2021 e a outra teve lugar no dia 17-05-2021 -).

Perante o circunstancialismo apontado, as penas de multa não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Impunha-se, pois, tal como foi feito pelo tribunal a quo, a condenação do recorrente em penas de prisão (ainda que suspensas na respetiva execução), por outras penas já não serem, manifestamente, suficientes e adequadas para satisfazerem as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial que no caso se fazem sentir.

Alega o recorrente, entre outras circunstâncias (nenhuma delas, e com o devido respeito pela opinião expressa na motivação do recurso, suficientemente relevante para alterarmos o acabado de expor), o facto de se ter mostrado “arrependido”, de se encontrar “vulnerável”, de estar “familiar e socialmente integrado”, e de possuir apenas “duas condenações por crime de idêntica natureza, sendo que a última prática data de 07/07/2017, há cerca de 4 (quatro) anos, data desde a qual se manteve sempre conforme ao direito”.

Contudo, pelas razões apontadas e tendo em conta (no essencial) as anteriores condenações do ora recorrente, nenhuma censura nos merece a opção pela aplicação de penas de prisão, como decidido em primeira instância.

A aplicação de penas de multa ao arguido/recorrente revela-se, pois, completamente desajustada, quer do ponto de vista da prevenção especial, quer na vertente da prevenção geral.

Nesta última vertente, seria chocante e intolerável para a comunidade aplicar-se agora simples penas de multa ao arguido, quando este já foi punido, por duas vezes (em 2014 e 2017), pela prática de tipos legais de crime com natureza idêntica à dos crimes destes autos.

Face ao exposto, é manifestamente de improceder a pretensão do recorrente agora em apreciação (aplicação de penas de multa), não merecendo provimento este ponto do recurso.

b) Da determinação da medida concreta das penas (de prisão).

Alega o recorrente que as penas de prisão aplicadas na sentença revidenda (penas parcelares e pena única) o foram em medida excessiva, devendo ser reduzidas.

Cabe decidir.

Os crimes de desobediência em causa são punidos com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (artigo 348º, nº 1, al. a), do Código Penal).

Na sentença revidenda, o arguido foi condenado, pela prática de cada um desses crimes, na pena (parcelar) de 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 meses de prisão (suspensa na respetiva execução).

Preceitua o artigo 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).

O artigo 71º do mesmo diploma estipula, por outro lado, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (nº 2 do mesmo dispositivo).

Dito de uma outra forma, a função primordial de uma pena, sem embargo dos aspetos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim o delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa proteção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin (in “Derecho Penal - Parte General”, Tomo I, tradução da 2ª edição alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99 e 100), em asserção perfeitamente consonante com os princípios basilares do direito penal português, “a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada”.

Mais refere o mesmo autor (ob. citada, pág. 101) que “a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva”.

Por fim, escreve ainda Claus Roxin (ob. citada, pág. 103), “a pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais”.

No caso em apreciação, há que considerar:

- O grau muito elevado de ilicitude dos factos.

- O dolo, que é intenso.

- A condição pessoal e a condição económica do arguido.

- A conduta anterior do arguido (quatro condenações anteriores, duas delas por crimes de idêntica natureza da dos crimes destes autos).

- Ainda, e finalmente, as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, que são acentuadas, olhando à sinistralidade rodoviária registada em Portugal e à gravidade das consequências da mesma.

Da análise conjugada de todos os descritos elementos, afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente, mostrando-se adequadas as penas (parcelares) de prisão fixadas na sentença sub judice (tais penas parcelares foram estabelecidas sensivelmente a meio da moldura penal abstrata prevista para os crimes praticados).

Dito de outro modo: perante as circunstâncias em que os crimes foram praticados, e olhando às condições pessoais e aos antecedentes criminais do arguido, entendemos que as penas (parcelares) de prisão determinadas em primeira instância estão criteriosamente fixadas pelo tribunal a quo (6 meses de prisão), não merecendo, deste modo, e nesta parte, a decisão recorrida qualquer censura.

Face ao disposto no artigo 77º, nº 1, do Código Penal, há, agora, que apreciar o cúmulo jurídico operado em primeira instância (em cúmulo jurídico das duas penas aplicadas, o arguido foi condenado na pena única de 8 meses de prisão - suspensa na respetiva execução -).

Como resulta deste preceito legal, na medida da pena (única) deverão ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A medida da pena conjunta do concurso encontrar-se-á, pois, em função do critério geral atinente à culpa e à prevenção, dentro da orientação legal do artigo 71º do Código Penal e do critério especial de tal artigo 77º, nº 1, do mesmo diploma legal, ou seja, deve proceder-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a alguma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade; só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo é também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Retomando o caso concreto posto nestes autos, verifica-se, por um lado, que é acentuada a gravidade dos ilícitos, e, por outro lado, no contexto da personalidade do arguido e das suas condições de vida, os elementos conhecidos permitem-nos dizer que a globalidade dos factos não é reconduzível a um caso isolado, sem nexo com a personalidade, revelando-nos, isso sim, alguma tendência criminosa do arguido, no que respeita à prática de crimes de natureza rodoviária.

Há também que atender à circunstância de o arguido estar socialmente integrado.

Assim sendo, e em cúmulo jurídico das duas penas parcelares aplicadas, tem-se como adequada a condenação do arguido na pena única de 8 meses de prisão (suspensa na respetiva execução), conforme foi decidido em primeira instância.

Face a tudo quanto fica dito, e nesta parte (medida concreta das penas principais), é totalmente de improceder o recurso interposto pelo arguido.

c) Da determinação da medida concreta das penas acessórias.

Invoca o recorrente que as penas acessórias de proibição de condução (penas parcelares e pena única) foram fixadas em medida excessiva e desproporcionada, designadamente não se atendendo, como devia, aos prejuízos que a proibição de conduzir acarreta para o recorrente e para a subsistência da respetiva família.

Há que decidir.

A proibição de conduzir, como verdadeira pena que é, submete-se às regras gerais de determinação da medida concreta das penas constantes do artigo 71º do Código Penal, ressalvando-se a finalidade a atingir, que se revela mais restrita, porquanto a sanção em causa visa primordialmente prevenir a perigosidade do agente, ainda que se reconheçam também necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, através da tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma in casu violada.

Culpa e prevenção geral são, pois, os dois binómios limitadores da determinação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, com exclusão da outra finalidade que o artigo 40º do Código Penal estabelece - a de prevenção especial positiva ou de integração do agente -.

A medida de prevenção geral, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, formata, assim, a moldura penal correspondente à pena acessória em causa. Dentro desta medida (proteção ótima e proteção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal -), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de proteção, sem poder ultrapassar a medida da culpa, indispensável ao respeito mínimo pela dignidade de qualquer pessoa, pelo simples facto de o ser.

O princípio da culpa tem a consideração de pensamento retor da justiça penal: a pena criminal só pode basear-se na constatação de que cabe reprovar ao agente a formação de vontade conducente à decisão de facto contrária ao direito, e tão pouco pode superar a que o autor mereça segunda a sua culpabilidade.

O princípio da culpabilidade tem como pressuposto lógico a liberdade de decisão do homem, constituindo um marco decisivo no controlo da atividade punitiva do Estado.

A culpabilidade na individualização da pena surge referida não só ao facto, mas também à personalidade do delinquente.

A ilicitude e a culpabilidade são conceitos graduáveis se forem entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a magnitude do dano, ou do perigo, o modo de execução do facto e a perturbação da paz jurídica contribuem para a configuração do grau de injusto, enquanto que a desconsideração, a irreflexão, no fundo os elementos próprios da atitude interna refletidos no facto, a valorar em conformidade com as normas de ética social, devem ser tomados em conta para graduar a culpa.

A moldura penal abstrata da pena acessória configurada no artigo 69º, nº 1, al. c), do Código Penal, tem como limite mínimo e máximo de proibição de condução de veículos com motor três meses e três anos, respetivamente.

Dentro desta moldura penal abstrata (3 meses a 3 anos de proibição de condução), o arguido, por cada um dos crimes de desobediência em causa, foi condenado nas penas acessórias (parcelares) de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 meses e, em cúmulo jurídico, na pena acessória única de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano, 1 mês e 15 dias.

No caso em apreciação, há que considerar:

- O grau elevado de ilicitude dos factos.

- O dolo, que se manifesta de forma intensa.

- A conduta anterior do arguido, que possui antecedentes criminais em matéria rodoviária (além de ter também antecedentes criminais noutras matérias).

- A condição pessoal e a situação económica do arguido (o arguido está desempregado, vive com a companheira e um filho, em casa cedida por um amigo, e tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade).

- As necessidades de prevenção geral positiva ou de integração (que não são despiciendas, face à sinistralidade rodoviária registada em Portugal).

Ora, ponderada a globalidade complexiva dos fatores agora elencados, afigura-se-nos que nenhuma razão assiste ao recorrente, mostrando-se adequadas as penas acessórias de proibição de condução estabelecidas na sentença recorrida (penas acessórias parcelares de proibição de condução pelo período de 9 meses e, em cúmulo jurídico, pena acessória única de proibição de condução pelo período de 1 ano, 1 mês e 15 dias).

Aliás, e a nosso ver, dificilmente se compreenderia que o arguido, no presente processo (em que estão em causa crimes de desobediência cometidos mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool), fosse condenado em penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor estabelecidas em medida inferior à fixada nas duas anteriores condenações pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (pelo crime cometido em 2014, o arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 meses; e, pelo crime cometido em 2017, o arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 meses).

Há ainda que ponderar o facto de o arguido ter sido detetado a conduzir em dois dias seguidos, o que, em nosso entender, agrava o grau de culpa atinente à sua conduta (global) de recusa de submissão aos testes de pesquisa de álcool no sangue, porquanto a última das recusas ocorreu logo no dia seguinte à primeira recusa, sem que o arguido tenha interiorizado, no intervalo de tempo decorrido, como devia, o desvalor da sua conduta inicial.

Perante o exposto, a pretensão do recorrente, em todo este segmento recursivo, mostra-se claramente infundada, tendo em conta que as penas acessórias aplicadas, numa moldura abstrata compreendida entre 3 meses e 3 anos (repete-se), se quedaram pelos 9 meses (as penas parcelares) e pelo 1 ano, 1 mês e 15 dias (a pena única).

Por último, invoca o recorrente que as penas acessórias de proibição de condução são excessivas e desproporcionadas, por não atenderem, como deviam, aos prejuízos que a proibição de conduzir acarreta para o recorrente e para a subsistência da respetiva família.

Desde logo, olhando às condições de vida do arguido (que está desempregado), não vislumbramos a existência de qualquer fundamento fáctico para a asserção vertida na motivação do recurso, segundo a qual a proibição de conduzir acarreta prejuízos para o recorrente e para a subsistência da respetiva família.

Depois, e decisivo, cumpre dizer que os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o recorrente do facto de a proibição em causa poder afetar as suas eventuais funções profissionais ou a obtenção de rendimentos (para si ou para o seu agregado familiar), são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionado em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução de veículos em estado de embriaguez (ou com recusa ao teste para deteção de álcool no sangue) e que a aplicação da pena pretende prevenir.

Em suma: as penas acessórias de proibição de o arguido conduzir veículos com motor impostas pelo tribunal a quo estão criteriosamente fixadas, não merecendo da nossa parte qualquer reparo.

Assim, e também nesta última vertente, é de julgar improcedente o presente recurso.

Posto o que precede, o recurso interposto pelo arguido não merece provimento.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

*

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 16 de dezembro de 2021

João Manuel Monteiro Amaro

Nuno Maria Rosa da Silva Garcia