Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
159/17.8T8VRS.E2
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: DECISÃO JUDICIAL
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
CONTRADIÇÃO DE DECISÕES NO MESMO PROCESSO
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Proferida sentença ou despacho fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz relativamente à questão decidida, em conformidade com o princípio plasmado no artigo 613.º, n.ºs 1 e 3 CPC, o qual é aplicável ao processo penal e ao processo contraordenacional.
II. Depois de prolatada sentença ou despacho não podem ser os mesmos revogados pelo autor da decisão, por esgotamento do seu poder jurisdicional relativamente às matérias que foram objeto de decisão, em conformidade com o princípio da estabilidade das decisões jurisdicionais e da consequente proibição da discricionariedade, da desordem e da incerteza.
III. Perante duas decisões contraditórias sobre a mesma questão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar (artigo 625.º/1CPC), valendo este mesmo princípio na contradição entre duas decisões proferidas dentro do mesmo processo e que versem sobre a mesma questão concreta. Nestes casos a segunda decisão será inválida e ineficaz.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório
Em auto de contra-ordenação que correu termos no Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, foram aplicadas ao Clube de Fundo do Sotavento – Algarve, devidamente identificado nos autos:
- uma coima de 32.000 €, pela prática de uma infracção ambiental muito grave, p. e p. pelas normas conjugadas dos arts. 8º als. a) e h), 17º nºs 1 e 3, ambas do Regulamento do Plano de Ordenamento (PO) da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António (RNSCMVRSA), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 181/2008 de 24/11; do art. 43º nº 3 al. a) do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (RJCNB), aprovado pelo DL n.º 142/2008 de 24/7; e no art. 22º nºs 1 e 4 al. b) da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais (LQCOA), aprovada pela Lei n.º 50/2006 de 29/8;
- duas coimas de 16.000 € cada, perfazendo o montante total de 32.000 €, pela prática de duas contraordenações ambientais graves, ps. e ps. pelas normas conjugadas dos arts. 9º nº 2 a. i) do Regulamento do PO-RNSCMVRSA, 43º nº 1 al. v) e nº 2 do RJCNB, e 22º nºs 1 e 3 al. b) da LQCOA;
- em concurso de contraordenações, nos termos do disposto no art. 27º, da LQCOA, uma coima única de 50.000 €;
- uma sanção acessória de reposição da situação anterior à infracção prevista, conjugadamente nos arts. 47º e 48º do RJCNB e 30º nº 1 al. j) da LQCOA, nos seguintes termos: deverá o arguido, no prazo máximo de 90 dias consecutivos, contados a partir da data em que tal decisão condenatória se torne definitiva, proceder à demolição/desmantelamento de todas as construções, estruturas e infra-estruturas que instalou no terreno onde tem realizado anualmente o “Derby ...”, e que são as identificadas no Auto de Notícia, a saber: 17 estruturas em ferro, forradas com chapas térmicas (pombal), assentes em laje de betão, ocupando uma área de cerca de 543,417 m2; 1 estrutura em ferro, forrada com chapa térmica (para escritório), assente em laje de betão, ocupando uma área de cerca de 36,910 m2; 1 contentor metálico de cor ... (para arrumos), ocupando uma área de cerca de 9,9333 m2; 1 contentor metálico de cor ... (para recepção), ocupando uma área de cerca de 10 m2; devendo, após isso, deixar o terreno limpo desses materiais e entulhos eventualmente sobrantes.
Não se conformando com tal decisão, o recorrente impugnou-a judicialmente, nos termos do artº 59º do DL nº 433/82, de 27/10 ( Regime Geral das Contra-Ordenações, adiante designado como RGCO ).
Remetido o recurso a tribunal e distribuído ao juízo de competência genérica de Vila Real de Santo António – Juiz 1, do Tribunal Judicial da comarca de Faro, foi o mesmo admitido e, perante a oposição da impugnante a que fosse proferida decisão por simples despacho, foi designada data para a realização da audiência.
No decurso desta, veio a ser decidida a suspensão dos autos, posteriormente declarada cessada, após o que os autos prosseguiram, tendo sido proferida sentença que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão impugnada.
Ainda inconformado, o recorrente interpôs recurso, pretendendo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que mantenha a suspensão do procedimento contraordenacional até à atribuição do título definitivo de exploração ou, não ocorrendo, até à notificação da deliberação definitiva ou, assim se não entendendo, que considera como não provada a prática de qualquer contra-ordenação e, em consequência, a absolva, para o que formulou as seguintes conclusões:

1. Não corresponde à verdade nem resulta da prova produzida nos autos (que no caso sempre teria de ser documental) que a recorrente se denomine, actualmente, “Golden Race Allgarve Associação Desportiva”.
2. Pelo que deve revogar-se a sentença no que tange a tal asserção, por a mesma não ter qualquer correspondência a com a realidade.
3. No caso vertente, está comprovado nos autos que foi apresentado pedido de regularização da actividade desenvolvida no local, ao abrigo do regime instituído pelo D.L. nº 165/2014.
4. Tal circunstância conduziu à decisão de suspensão do processo até à decisão que venha a ser proferida no procedimento de regularização interposto pelo recorrente no âmbito do Decreto-Lei nº 165/2014, de 5 de novembro.
5. Por isso mesmo foi o ora recorrente notificado para informar nos autos se já houve tal decisão.
6. O que fez, dando conta que tal processo administrativo se encontrava em curso.
7. A referida realidade não resulta infirmada nos autos
8. A decisão que declarou o fim de tal suspensão e que conduziu à sentença ora em crise violou o caso julgado formal.
9. Razão pela qual deve julgar-se ilegal tal decisão e em consequência revogar-se a sentença recorrida, repristinando-se os efeitos do despacho que ordenou a suspensão do processo.
10. Mesmo que assim não se decida, o recorrente, tal como está comprovado nos autos, sendo por isso realidade incontornável, deu início, como disposto no Decreto-Lei nº 165/2014, de 5 de novembro ao processo de regularização da actividade por si desenvolvida no local em causa.
11. Tal processo está em curso.
12. Dispõe a propósito o artigo 7º do referido diploma legal:
“1. O recibo comprovativo da apresentação do pedido de regularização constitui título legítimo para a exploração provisória do estabelecimento ou para o exercício da actividade, até à data em que o requerente seja notificado da deliberação final sobre o pedido de regularização ou ocorra alguma das situações previstas no 7.
(…)
5. Os procedimentos contraordenacionais previstos no número anterior que tenham início após a emissão do recibo comprovativo do pedido de regularização do estabelecimento ou exposição, suspende-se a partir da data da notificação do arguido, sem prejuízo do disposto no 2 do artigo 18º.
6. A aplicação e a execução coerciva de medidas de tutela da legalidade urbanística de carácter definitivo que tenham sido determinadas são suspensas na data da emissão do recibo comprovativo da apresentação do pedido de regularização.”
13. No caso vertente, está comprovado nos autos que foi apresentado o pedido de regularização da actividade exercida no local.
14. Como está igualmente demonstrado que o processo ainda não se encontrava findo.
15. Razão pela qual devia ter sido suspenso o procedimento contraordenacional até à atribuição do título definitivo de exploração, o que determinará o arquivamento dos processos de contraordenação e de aplicação de medidas de tutela da legalidade, suspensas por força dos nºs 6 e 7 do artigo 7º anteriormente referido, ou, caso tal não ocorra, com a notificação da deliberação definitiva (cf. art. 7º do DL nº 165/2014).
16. Ao fazer tábua rasa do anteriormente referido violou o tribunal “a quo
o disposto no artigo 7º do D.L. nº 165/2014, razão pela qual deve revogar-se a decisão recorrida, proferindo-se em seu lugar decisão que dê cumprimento a tal ditame legal.
17. Por último, e mesmo que assim não se decida, o que só por cautela de patrocínio se admite, deverá revogar-se a sentença em crise porquanto a mesma julgou mal a matéria dos artigos 49º a 53º dos “factos provados”.
18. E, assim sendo, deve revogar-se a decisão quanto à matéria de facto provada constante dos pontos anteriormente referidos e, com isso, dar como procedente o recurso da contraordenação por não resultar provada a prática de qualquer contraordenação, absolvendo-se a recorrente da decisão em crise.

Na resposta, o MºPº defendeu a confirmação da sentença recorrida, concluindo como segue:

1.º - O recorrente impugna a douta sentença que, negando provimento à impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória proferida pelo Instituto de Conservação da Natureza e das florestas, manteve a decisão que lhe aplicou:
- Uma coima de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros) por ter praticado uma contra-ordenação ambiental muito grave, p. e p. pelas normas conjugadas dos artigos 8º, alíneas a) e h), 17º, n.º 1 e 3, ambas do Regulamento do Plano de Ordenamento (PO) da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António (RNSCMVRSA), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 181/2008, de 24 de Novembro; do art. 43º, n.º 3, alínea a), do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (RJCNB), aprovado pelo DL n.º 142/2008, de 24 de Julho; e no art. 22º, n.º 1 e 4, alínea b), da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais (LQCOA), aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto;
- Duas coimas de € 16.000,00 cada, perfazendo o montante de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), pela prática de duas contraordenações ambientais graves, p. e p. pelas normas conjugadas do art. 9º, n.º 2, alínea i), do Regulamento do PO-RNSCMVRSA; do art. 43º, n.º 1, alínea v) e n.º 2, do RJCNB; e no art. 22º, n.º 1 e 3, alínea b), da LQCOA;
- Em concurso de contraordenações, nos termos do disposto no art. 27º, da LQCOA, numa coima única de € 50.000,00 (cinquenta mil euros);
- Uma sanção acessória de reposição da situação anterior à infracção prevista, conjugadamente nos artigos 47º e 48º do RJCNB e no art. 30º, n.º 1, alínea j), da LQCOA, nos seguintes termos: deverá a arguida, no prazo máximo de 90 (noventa) dias consecutivos, contados a partir da data em que esta decisão condenatória se torne definitiva, proceder à demolição/desmantelamento de todas as construções, estruturas e infra-estruturas que instalou no terreno onde tem realizado anualmente o “Derby ...”, e que são as identificadas no Auto de Notícia, a saber: 17 estruturas em ferro, forradas com chapas térmicas (pombal), assentes em laje de betão, ocupando uma área de cerca de 543,417 m2; 1 estrutura em ferro, forrada com chapa térmica (para escritório), assente em laje de betão, ocupando uma área de cerca de 36,910 m2; 1 contentor metálico de cor ... (para arrumos), ocupando uma área de cerca de 9,9333 m2; 1 contentor metálico de cor ... (para recepção), ocupando uma área de cerca de 10 m2; devendo, após isso, deixar o terreno limpo desses materiais e entulhos eventualmente sobrantes;
2.º - Invoca que «(...) 3. No caso vertente, está comprovado nos autos que foi apresentado pedido de regularização da actividade desenvolvida no local, ao abrigo do regime instituído pelo D.L. nº 165/2014.
4. Tal circunstância conduziu à decisão de suspensão do processo até à decisão que venha a ser proferida no procedimento de regularização interposto pelo recorrente no âmbito do Decreto-Lei nº 165/2014, de 5 de novembro.
5. Por isso mesmo foi o ora recorrente notificado para informar nos autos se já houve tal decisão.
6. O que fez, dando conta que tal processo administrativo se encontrava em curso.
7. A referida realidade não resulta infirmada nos autos
8. A decisão que declarou o fim de tal suspensão e que conduziu à sentença ora em crise violou o caso julgado formal.
9. Razão pela qual deve julgar-se ilegal tal decisão e em consequência revogar-se a sentença recorrida, repristinando-se os efeitos do despacho que ordenou a suspensão do processo.
10. Mesmo que assim não se decida, o recorrente, tal como está comprovado nos autos, sendo por isso realidade incontornável, deu início, como disposto no Decreto-Lei nº 165/2014, de 5 de novembro ao processo de regularização da actividade por si desenvolvida no
local em causa.
11. Tal processo está em curso.
12. Dispõe a propósito o artigo 7º do referido diploma legal:
“1. O recibo comprovativo da apresentação do pedido de regularização constitui título legítimo para a exploração provisória do estabelecimento ou para o exercício da actividade, até à data em que o requerente seja notificado da deliberação final sobre o pedido de regularização ou ocorra alguma das situações previstas no nº 7. (…)
5. Os procedimentos contraordenacionais previstos no número anterior que tenham início após a emissão do recibo comprovativo do pedido de regularização do estabelecimento ou exposição, suspende-se a partir da data da notificação do arguido, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 18º.
6. A aplicação e a execução coerciva de medidas de tutela da legalidade urbanística de carácter definitivo que já tenham sido determinadas são suspensas na data da emissão do recibo comprovativo da apresentação do pedido de regularização.”
13. No caso vertente, está comprovado nos autos que foi apresentado o pedido de regularização da actividade exercida no local.
14. Como está igualmente demonstrado que o processo ainda não se encontrava findo.
15. Razão pela qual devia ter sido suspenso o procedimento contraordenacional até à atribuição do título definitivo de exploração, o que determinará o arquivamento dos processos de contraordenação e de aplicação de medidas de tutela da legalidade, suspensas por força dos nºs 6 e 7 do artigo 7º anteriormente referido, ou, caso tal não ocorra, com a notificação da deliberação definitiva (cf. art. 7º do DL nº 165/2014).
16. Ao fazer tábua rasa do anteriormente referido violou o tribunal “a quo” o disposto no artigo 7º do D.L. nº 165/2014, razão pela qual deve revogar-se a decisão recorrida, proferindo-se em seu lugar decisão que dê cumprimento a tal ditame legal.
17. Por último, e mesmo que assim não se decida, o que só por cautela de patrocínio se admite, deverá revogar-se a sentença em crise porquanto a mesma julgou mal a matéria dos artigos 49º a 53º dos “factos provados”.
18. E, assim sendo, deve revogar-se a decisão quanto à matéria de facto provada constante dos pontos anteriormente referidos e, com isso, dar como procedente o recurso da contraordenação por não resultar provada a prática de qualquer contraordenação, absolvendo-se a recorrente da decisão em crise.
3.º - Em síntese, pretende o recorrente que a douta sentença do Tribunal «a quo» enferma de vício que a invalida porque viola o caso julgado na medida em que não declarou que o despacho que determinou o prosseguimento do julgamento, datado de 26 de Outubro de 2020 [com a referência Citius n.º ...69] violou o caso julgado formado pelo despacho proferido na sessão de julgamento do dia 22 de Fevereiro de 2018, documentado na respectiva Acta, que determinou «a suspensão dos autos nos termos do art.º 7.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente `Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve.
Pretende ainda o recorrente que, caso o douto Tribunal «ad quem» assim não entenda, revogue a sentença em crise por errada decisão em dar como provados os factos elencados nos artigos 49.º a 53.º dos factos provados, e consequentemente absolver o recorrente.
4.º - Porém, salvo melhor entendimento, não assiste razão ao recorrente;
5.º - Na verdade, o despacho que o recorrente pretende ver mantido através da revogação da douta sentença que coloca em crise, foi elaborado no pressuposto de que a atribuição ou não do título definitivo de exploração ou do exercício da actividade do recorrente iria acontecer dentro dos prazos legais;
6.º - Mas o recorrente pressupõe que o despacho que pretende ver (imperceptível) com a revogação da douta sentença que coloca em crise, desconhecia os prazos legais ou que, se os conhecia, pretendeu não os considerar no caso destes autos.
Ora, nenhum fundamento sustenta esta tese do recorrente, já que nunca se aludiu a qualquer prazo no exacto pressuposto de que estes seriam cumpridos.
7.º - E, salvo melhor entendimento de V. Exas., os prazos em causa são os previstos no art.º 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05.11, conjugado com o art. 7.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável «ex vi» do art. 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas;
8.º - Assim, ultrapassado que foi o prazo legal pressuposto no despacho proferido na sessão de julgamento de 22 de Fevereiro de 2018 (documentado na respectiva Acta) que determinou a suspensão dos presentes autos e, ultrapassada que foi também a prorrogação admitida nos termos do art. 7.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, não ocorreu qualquer violação de caso julgado pela douta sentença condenatória do douto Tribunal «ad quem» que teve em consideração os prazos legais do despacho que o recorrente pretende ver agora ver revogado por via da revogação da douta sentença condenatória em crise e a repristinação do despacho proferido na sessão de julgamento do dia 22 de Fevereiro de 2018;
9.º - No que concerne aos fundamentos de revogação da douta sentença em crise, o recorrente deles não se ocupou nas conclusões que formulou do seu recurso pelo que se ignoram os fundamentos da discórdia e os vícios que pretende evidenciar para serem conhecidos pelo douto Tribunal «ad quem».
Ainda assim, sempre se dirá que resulta da fundamentação do recurso que o recorrente discorda da credibilidade atribuída pelo douto Tribunal «a quo» aos depoimentos das testemunhas AA, Vigilante da Natureza e BB, Bióloga, sem contudo, plasmar o raciocínio que invalidaria a convicção do tribunal «a quo» e que imporia decisão diversa;
10.º - Consequentemente, a douta sentença em crise não padece do vício de violação de caso julgado que lhe foi assacado e analisou pormenorizada e acertadamente a prova e fixou os factos em consonância com a adequada ponderação do princípio da livre apreciação da prova segundo as regras da experiência comum, e ptrocedeu à correcta interpretação e aplicação dos normativos nela identificados, pelo que deve ser confirmada.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual -considerando, em síntese, que “À vista do princípio da extinção do poder jurisdicional consagrado no citado artigo 613.º do Código de Processo Civil, o tribunal não podia, por isso, alterar o sentido desta decisão através da sua interpretação correctiva/restritiva [como foi o caso]”, que conquanto nenhum dos despachos em questão haja transitado em julgado, deve ser aplicado por analogia o regime estabelecido no art. 625º do C.P.P., “Ou seja, esgotado o poder jurisdicional com a decisão de 22 de Fevereiro de 2018, os posteriores despachos que a contrariam ou que deles dependerem (incluindo a douta sentença recorrida) não devem ser cumpridos, o mesmo é dizer, são inválidos e ineficazes”, posição que deixa prejudicado o parecer na parte correspondente aos erros de julgamento alegados nas conclusões 1, 2, 17 e 18 (matéria em relação à qual, diante do disposto no artigo 75.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, o recurso seria manifestamente improcedente) – se pronunciou no sentido da procedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tenha sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação
Revestem-se de interesse as seguintes ocorrências e actos processuais[1]:
- Em 22 de Fevereiro de 2018, na sequência da junção aos autos pela arguida de documento comprovativo da entrada, em 5 de Julho de 2017, de requerimento apresentado, junto da Direcção-Regional da Agricultura e Pescas, ao abrigo do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05 de Novembro, o tribunal determinou a suspensão dos autos em razão dos seguintes fundamentos[2] [referência ...36]:
(…)
Vem a recorrente Golden Race Algarve, Associação Desportiva requerer a suspensão dos autos até conclusão de procedimento de regularização pela mesma interposto no âmbito do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05 Novembro.
A situação descrita nos presentes autos enquadra-se no âmbito legalmente previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05 Novembro.
Da análise do requerimento junto pela recorrente confirma-se que a mesma propôs junto da Direcção-Regional da Agricultura e Pescas do Algarve pedido de regularização no âmbito do referido Decreto-Lei, tendo obtido deliberação final favorável condicionada (cfr. doc. 1).
Nos termos do artigo 7.º n.º 4 os procedimentos contra-ordenacionais directamente relacionados com a falta de título de exploração ou com a violação das normas relativas à conformidade com as regras do ambiente e do ordenamento do território que se encontrem em curso são suspensos na data da emissão do recibo comprovativo da apresentação do pedido de regularização de estabelecimento ou exploração.
Ora, da consulta do referido doc. 1 junto com o requerimento apresentado pelo requerente constata-se que o pedido de regularização em causa deu entrada no dia 03.07.2017 pelo que devem os autos ser considerados suspensos a partir da presente data por só agora haver conhecido do aludido pedido.
Face ao exposto, determino a suspensão dos autos nos termos do artigo 7.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05 Novembro até à atribuição ou não de titulo definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve.
Mais se determina a notificação da requerente para juntar aos autos decisão final do procedimento de regularização, até aos 10 dias subsequentes à sua notificação.
Notifique.
(…);
- Em 15 de Janeiro de 2019 o tribunal determinou que os autos continuassem a «aguardar a decisão final do procedimento de regularização (administrativo)» [referência ...07];
- Em 22 de Abril de 2019, a solicitação do tribunal, a arguida veio informar que «o processo de regularização se encontra em curso junto das entidades competentes, nomeadamente Câmara Municipal ...» [referência ...40].
- No seguimento desta informação, em 6 de Maio de 2019 o tribunal determinou que os autos continuassem a aguardar nos termos anteriormente determinados [referência ...75];
- Em 7 de Janeiro de 2020, o tribunal mandou solicitar à Direcção-Regional da Agricultura e Pescas do Algarve que informasse «qual o estado do processo ali instaurado relativamente à aqui recorrente» [referência ...00];
- Em 22 de Janeiro de 2020, a Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve respondeu que o «período para exercer actos de regularização decorreu (…) entre 3/07/2017 e 3/07/2019» e que, face à informação prestada pela Câmara Municipal ..., «aguarda que sejam concluídas as operações de regularização em curso na autarquia, para poder proferir decisão relativamente ao licenciamento em sede do RERAE» (Regime Extraordinário de Regularização das Actividades Económicas) [referência ...05];
- Em 25 de Maio de 2020 o tribunal determinou que se solicitasse informação sobre «o estado do processo de regularização» à Câmara Municipal ... [referência ...78];
- Em 25 de Junho de 2020, a Câmara Municipal ... informou que entendeu «enquadrar a possibilidade do eventual licenciamento da actividade desenvolvida pela Golden Race Allgarve, em sede de Revisão do Plano Director Municipal», que na sua reunião ordinária de 12 de Maio de 2020 deliberou «dar prosseguimento aos trabalhos de Revisão do Plano Director Municipal (…) no prazo de 24 meses, prorrogáveis por uma única vez por um período máximo igual ao previamente definido (…) sendo expectável dar a devida continuidade ao procedimento de licenciamento em apreço» [referência ...11];
- Em 22 de Setembro de 2020, o tribunal proferiu o seguinte despacho [referência ...39]:
(…)
Foi interposto recurso de decisão administrativa proferida no âmbito de procedimento contra-ordenacional, recurso esse que foi admitido pelo Tribunal e subsequentemente tramitado.
No âmbito dessa tramitação, foram, além do mais, realizadas várias sessões de audiência de julgamento e, ademais, veio, entretanto, o recorrente dar conhecimento aos autos que havia proposto, por documento entrado em 05/07/2017, junto da Direcção Regional da Agricultura e Pescas, ao abrigo do disposto no art.º 1.º, n.º 1, al. a) do DL 165/2014, de 05/11, pedido de regularização da situação em causa nos autos, sendo que obteve, junto daquela entidade, deliberação final favorável, ainda que condicionada.
Tendo em conta esta informação, o Tribunal proferiu despacho a ordenar a suspensão dos autos até à atribuição, ou não, de título definitivo, estribando-se no vertido no art.º 7.º, n.º 4, do DL 165/2014, de 05/11, norma que expressamente se refere à suspensão de procedimento contra-ordenacional.
Posteriormente, tem vindo o recorrente aos autos informar, sucessivamente, que o processo de regularização se encontra em curso na Câmara Municipal ...; por sua vez, a edilidade, na pessoa da Sua Presidente, informa que aquele processo de regularização ainda não se encontra concluído.
Aqui chegados, cumpre deixar um ponto de ordem.
O DL 165/2014, de 05/11 entrou em vigor, de acordo com o disposto no seu art.º 24.º e atenta da data de publicação em Diário da República, no 1.º dia útil de Janeiro de 2015.
Este diploma veio expressamente regulamentar o processo de regularização de estabelecimentos ou explorações existentes à data da sua entrada em vigor e que não dispusessem de titulo válido de instalação ou exploração (cfr. art.º 1.º, n.º 1, al. a)). O pedido de regularização deveria ser apresentado no prazo de 1 ano a contar da data de entrada em vigor do diploma (cfr. art.º 3.º). Ou seja, a recorrente, possuidora de estabelecimento ou exploração mas sem possuir título válido para o efeito, deveria submeter pedido de regularização até Janeiro de 2016. Porém, como o recorrente bem aduz, tal pedido apenas deu entrada em 05/07/2017, bem para além do prazo peremptório enunciado.
O recibo comprovativo da apresentação do pedido de regularização constituiria título legítimo para a exploração provisória (cfr. art.º 7.º, n.º 1). E é exactamente por isso, pela apresentação de pedido dentro de prazo (peremptório) e por tal pedido constituir titulo legítimo para a exploração provisória, que o disposto no n.º 4 do art.º 7.º se deve entender como tendo a entidade administrativa como único e exclusivo destinatário, e não já os Tribunais. Ou seja, os procedimentos contra-ordenacionais em curso na entidade administrativa seriam suspensos se, ainda antes de proferida decisão administrativa e dentro do prazo de 1 ano a contar da entrada em vigor do diploma, o infractor requeresse pedido de regularização. Aliás, o disposto no n.º 10 do art.º 7.º reforça, claramente, esta conclusão. Não faz sentido, salvo o devido respeito, considerar que a causa de suspensão do procedimento contra-ordenacional se impõe aos Tribunais, até porque com a decisão administrativa do processo cessa o procedimento contra-ordenacional, abrindo-se, outrossim, a fase judicial, de recurso. O que faz sentido, e é este o sentido do diploma, é que os processos em curso junto da entidade administrativa, à data em que aquele entrou em vigor e dentro do ano subsequente a tal, aguardem o eventual pedido de regularização e subsequente decisão. Após decisão então sim, o sujeito abrangido pela decisão pode, ou não, interpor recurso para o Tribunal. Basta atentar no caso dos autos: se o pedido de regularização formulado pelo recorrente for objecto de indeferimento "quid iuris"? Novo recurso? E o que acontece ao recurso destes autos?
Não deveria, pois, salvo o devido respeito, repete-se, ter sido admitido pela entidade administrativa o pedido de regularização, por decurso do prazo peremptório de 1 ano, nem deveria o Tribunal ter declarado a suspensão dos autos, por inaplicabilidade do disposto no n.º 4 do art.º 7.º, por se tratar de norma expressamente dirigida à entidade administrativa.
Porém, bem ou mal, sobre o aludido despacho formou-se caso julgado formal.
Mas, a suspensão não se pode manter "ad aeternum", mesmo que, como decorre do n.º 9 do art.º 7.º, a prescrição não corra enquanto dure a suspensão. O art.º 7.º, n.º 7, al. d) prevê uma causa de cessação da suspensão, designadamente pelo decurso do prazo de emissão do título de exploração.
Já foi decretada uma decisão favorável condicionada, ao abrigo do disposto no art.º 11.º, n.º 3, al. a). As medidas fixadas em tal decisão devem ser concretizadas nos prazos fixados no art.º 15.º, conforme preceitua o n.º 5 do art.º 11.º.
Ora, o art.º 15.º, nos seus n.ºs 1 e 3, prevê o prazo máximo de 2 anos, ainda que prorrogável por mais 6 meses, para a concretização de tais medidas; pelo que, concomitantemente, a ultrapassagem de tais prazos sem que tais medidas sejam concretizadas acarreta a cessação da suspensão supra (não se curando aqui de entrar em eventual caducidade).
Assim sendo, considerando a data em que foi proferido o despacho de suspensão dos autos, bem como a data em que nos encontramos, haverá que concluir que o prazo de 2 anos, ainda que se possa considerar prorrogado por mais 6 meses, já se encontra ultrapassado. E, assim sendo, aprioristicamente, deverá considerar-se como cessada a suspensão decretada nos autos.
Porém, dada a complexidade dos autos, originada por um desvio ao desenho legal enunciado no diploma legal que se tem vindo a referir, desvio esse a que as entidades administrativas se mantêm alheias, manda a cautela que se notifique a entidade administrativa recorrida, bem como a Câmara Municipal ..., para que, em 10 dias, venham aos autos informar se a recorrente concretizou ou implementou as medidas fixadas em sede de decisão favorável condicionada.
Notifique, sendo-o igualmente Ministério Público e recorrente.
(…);
- Depois de a arguida se pronunciar, o tribunal, em 26 de Outubro de 2020, declarou a cessação da suspensão dos autos [referência ...69]:
(…)
A recorrente, notificada do despacho proferido em 22/09, veio aos autos pronunciar-se, em suma, pela continuação "tout court" da suspensão dos autos e até que haja decisão definitiva relativamente à licença administrativa a atribuir e referida nos autos. Estriba este seu entendimento na consideração daquilo que é o caso julgado que se formou sobre a decisão consubstanciada em despacho.
Damos aqui como reproduzido o anterior despacho.
Salvo o devido respeito, o que aqui está em causa não é propriamente uma questão de caso julgado (formal ou material), mas apenas e tão-somente saber como interpretar o despacho que foi proferido e determinou a suspensão dos autos. Ou seja, determinar, por interpretação daquele, o alcance do mesmo e, assim, determinar igualmente o alcance do caso julgado que se formou sobre o mesmo.
A interpretação meramente literal do dito despacho poderá conduzir a um resultado absurdo: basta atentar na hipótese, que se admite por mero raciocínio, do processo administrativo de concessão de licenciamento não ser objecto de qualquer decisão durante longos anos (ou mesmo nunca), ficando, por assim dizer, "esquecido" nos gabinetes da entidade decisora. Teríamos, pois, um processo em que, não correndo a prescrição, se verificaria a suspensão "ad aeternum".
Não foi, claramente, este o sentido do despacho proferido pelo Mm.º Juiz quando pretendeu declarar a "suspensão".
As sentenças (e os despachos) são verdadeiros actos jurídicos corporizados em documentos e, como tal, sujeitos também às regras de interpretação vertidas na lei substantiva. Tendo em conta tais critérios, parece-nos claro que a letra do despacho foi bem mais além do que aquilo que seria o seu espírito.
Ora, assim sendo, haverá que balizar, adequar, a letra do despacho ao esíirito subjacente ao mesmo, tal qual resulta do nosso anterior despacho. Isto é, a suspensão proclamada no despacho não é será a "tout court", como advogado pela recorrente, mas sim aquela que se assinala no despacho proferido em 22/09. Está é, seguramente, a interpretação que mais sentido faz e que defende o ordenamento jurídico, designadamente a legislação aplicável "in casu".
Nesta conformidade, declara-se a cessação da suspensão dos presentes autos de recurso de contra-ordenação, por ultrapassagem do decurso do prazo enunciado na lei e tal qual deflui do despacho exarado em 22/09.
Notifique.
Após trânsito abra termo de conclusão para que se designe data para continuação de audiência de julgamento.
(…);
- deste despacho foi interposto recurso pela arguida, que veio a ser rejeitado liminarmente por decisão sumária por se ter considerado que o despacho em questão é irrecorrível;
- tendo a arguida reclamado para a conferência, foi proferido acórdão que confirmou aquela decisão e do qual se transcrevem a parte da fundamentação de direito que para aqui interessa:

Apreciando:
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos não existir fundamento para alterar o sentido da decisão sumária proferida.
De facto, salvo o devido respeito pela argumentação do recorrente/reclamante, o que está em causa é a recorribilidade ou não do despacho que é objeto do recurso interposto e não os fundamentos do recurso, especificamente a violação do caso julgado formal.
Ora, tal como foi referido na decisão sumária que é posta em crise, acolhemos o entendimento de que «no âmbito do processo contraordenacional e na fase judicial, os despachos interlocutórios proferidos, não são recorríveis para o Tribunal da Relação, não se estando, nessa matéria, perante qualquer lacuna ou caso omisso do regime das contraordenações, pois que, existem normas, que especificam os casos em que é admissível recurso e, nessa medida, não tendo lugar a aplicação subsidiária, ex vi do artigo 41º do RGCC, do regime de recursos previsto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal[3]
Assim, e por que o despacho de que o Clube arguido interpôs recurso para esta Relação é um despacho interlocutório, de natureza estritamente processual, determinando a cessação da suspensão dos autos que havia sido anteriormente decidida e a consequente prossecução dos mesmos, não tendo tal despacho apreciado e decidido de questão que envolvesse o reconhecimento ou a perda de qualquer direito do Clube arguido, ora reclamante, não é passível de recurso, à luz do disposto no artigo 73º do RGCO, não tendo aqui aplicação subsidiária o regime da recorribilidade das decisões previsto nos artigos 399º e 400º do CPP.
Nesta conformidade e, pelos fundamentos aduzidos na decisão sob reclamação e que aqui se reiteram, é de manter a decisão sumária sob reclamação, rejeitando-se o recurso interposto pelo Clube ora reclamante.

- após o que prosseguiram os autos com a continuação do julgamento e a prolação da sentença recorrida, na qual foram considerados como provados os seguintes factos:

1. O arguido é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, destinada à prática de desporto columbófilo, dependente dos Estatutos e Regulamentos da Associação Columbófila do Distrito de Faro e da Federação Portuguesa de Columbofilia.
2. Para o exercício do seu objecto social o arguido arrendou a CC um prédio no Sítio ..., Estrada ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial referida sob o número ...5, da secção D, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...30, com a área de 26.148,25 m2, por contrato de arrendamento rural datado de 31.10.2011.
3. Em dia não concretamente apurado de Janeiro de 2012, o arguido Clube de Fundo do Sotavento - Algarve, requereu ao Presidente da Câmara Municipal ... autorização para efetuar, no dia 29.09.2012, um evento cultural, recreativo e desportivo de columbofilia, denominado “Derby ...”.
4. Daquele pedido de autorização constava, designadamente, que: «…o evento consiste em colocar pombos num pombal pré-fabricado, desmontável e, após o final do evento, os pombos serão vendidos em leilão; parte das receitas provenientes supra-referido leilão serão canalizadas para apoiar crianças carenciadas do município; o pombal irá ocupar uma área de implantação de aproximadamente 85 m2; após a realização do evento o pombal será desmontado e proceder-se-á a limpeza do respectivo recinto».
5. Em 11.01.2012 foi elaborada na Câmara Municipal ... uma “Apreciação Técnica” daquela pretensão, onde se pode ler, designadamente, que o terreno pré-destinado para a realização do referido “Derby ...” «(...) encontra-se localizado na Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, o qual, segundo o Plano de Ordenamento daquela Área Protegida, apresenta o zoneamento de Áreas de Proteção Parcial do Tipo II (...)».
6. Em 13.01.2012 a Câmara Municipal ... notificou o arguido de cópia daquela “Apreciação Técnica” e de que, por despacho do Vice-
Presidente da Câmara, datado de 11.01.2012, «(...) não (se) qualquer inconveniente na realização do evento data e no local mencionado no requerimento do pedido da autorização (...) mas deverá aperfeiçoar o pedido com o parecer prévio favorável do ICNB/Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António».
7. Em 23.01.2012, o Departamento de Gestão de Áreas Classificadas - Zonas Húmidas (DGAC-ZH) do então designado Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), seu ofício n.º ...69/RNSCM/2012, notificou o arguido de que «(...) este Instituto nada tem a opor a realização deste evento, desde que sejam cumpridas as condicionantes acima referidas (...)».
8. As condicionantes assim estabelecidas pelo ICNB/DGAC-ZH constavam do ofício n.º ...69/RNSCM/2012 mencionado em 7), nos seguintes termos:
a) «(…) a área a utilizar neste evento está integrada na Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António e na área da Rede Natura 2000 -SIC Ria Formosa/Castro Marim (PTCON0013), sujeita respectivamente ao disposto na alínea i), do n.º 2, do art. 9⁰ da Resolução do Conselho de Ministros n.º 181/2008, de 24.11 e na alínea i) do n.º 2, do art. 9⁰ do DL n.º 49/2005, de 24.02, pelo que o parecer emitido é vinculativo;
b) o evento em causa, pelas suas características, ocupação de uma área de cerca de 85 m2 por uma estrutura pré-fabricada, desmontável e sobrelevada 50 cm em relação ao solo, desenvolvendo-se numa zona agrícola que confronta com vias municipais e zonas urbanas, onde não estão presentes os valores naturais que presidiram a classificação do Sítio, não faz prever a existência de impacte significativo sobre os mesmos;
c) contudo, dada a sua relativa proximidade a áreas sensíveis (...), sugere-se que: - sejam alertados os participantes para a sensibilidade ecológica da área envolvente ao local em que irá decorrer o evento, solicitando a máxima precaução no sentido de não deixarem qualquer tipo de resíduos à sua passagem; - o local em que se prevê ocorrer este acontecimento deverá ser vedado em toda a
sua extensão, de forma a evitar qualquer degradação da área envolvente (pisoteio da vegetação e lixo diverso); - após a realização do evento, deverá a organização providenciar à retirada de todos os elementos de apoio logístico ao mesmo, bem assim como de qualquer tipo de resíduo daí decorrente; - não deverá ser permitido o estacionamento de veículos motorizados no interior da área em questão, utilizando para o efeito as vias e caminhos municipais existentes em outros locais para tal destinados (...)».
9. Em 23.07.2012, o ICNB/DGAC- ZH, através do seu ofício
n.º ...17/RNSCMVRSA/2012, notificou o arguido de que: «(...) na sequência de uma ação de fiscalização dos serviços de Vigilância e Fiscalização desta reserva natural, realizada a 11 de julho, podemos aperceber-nos de que as estruturas destinadas e este evento se encontram ocupadas por centenas de pombos. Após alguma pesquisa, tomámos conhecimento de que este mesmo evento está integrado numa competição desportiva mais vasta, denominada “Derby ... 2012”, indicando ... como local de realização 5 concursos: 25 de Agosto, a partir da ...; 1 Setembro, a partir de ...; 8 de Setembro, a partir de ...; 15 de Setembro, a partir de ...; e, finalmente, 29 Setembro, partir de ...; sendo que a recepção de pombos nestas estruturas que iniciou em Fevereiro e terminou em Maio. Face a esta situação, vimos alertar V. Exa. para o facto de que apenas o evento do dia 29 Setembro está autorizado, devendo (o Clube de Fundo do Sotavento - Algarve) desenvolver os procedimentos administrativos respectivos para obtenção de autorização para as restantes provas acima referidas, caso as pretendam efetivamente realizar no mesmo local (...)».
10. Em 30.08.2012, o arguido requereu, conjuntamente às Câmara Municipal ... e ao ICNB, autorização para realizar «(...) um evento cultural, recreativo e desportivo de columbofilia, denominado “Derby ...”, e a sua prova final no dia 29 de Setembro, com solta dos pombos em .... O evento terá ainda, para treino dos pombos para a prova final, mais 4 concursos, com soltas em ..., dia 25 de Agosto, em ..., dia 1 de Setembro, em ..., dia 8 de Setembro e em ..., de 15 de Setembro. Pretendemos ainda montar uma tenda, para acomodar convenientemente os visitantes para a prova final dia 29 de Setembro, tenda essa que terá que ser montada uns dias antes (10-15) para que os pombos se habituem à sua presença, e será desmontada e nos dias seguintes a realização do evento em apreço (…)».
11. Em resposta aquele pedido de autorização, logo nesse mesmo dia 30.08.2012, o DGAC-ZH do agora designado ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, I.P.), através do seu oficio n.º ...08/RNSCMVRSA/2012, notificou o arguido de que: a) «(…) a área a utilizar neste conjunto de eventos está integrada na Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António e em área da Rede Natura 2000 SIC Ria Formosa/Castro Marim (PTCON 0013) sujeita, respectivamente, ao disposto na alínea i), do n.º 2, do art. do DL n.º 49/2005, de 24.02, pelo que o parecer emitido é vinculativo; b) os eventos em causa realizar-se-ão no mesmo local e com as mesmas características do concurso desportivo previsto para o dia 29 de Setembro, o qual foi devidamente autorizado por este Instituto, através do nosso ofício n.º ...69/RNSCM/2012, de 19.01; c) pedido de autorização agora em análise cumprimento ao expresso no nosso oficio n.º ...17/2012, de 23.07; c) no que respeita à utilização provisória de uma tenda, para a competição de dia 29 de Setembro, e atendendo a que a mesma se destina a melhorar as condições de recepção e ordenamento dos visitantes, não se prevê que possa acarretar impactes acrescidos sobre os valores naturais presentes nas áreas circundantes; d) pelo acima exposto, e no âmbito especifico das competências do ICNF, I.P. em matéria de Conservação da Natureza e das Florestas, informa-se V. Exa. que este Instituto nada tem a opor à realização deste conjunto de eventos, desde que sejam cumpridas as condicionantes anteriormente referidas no nosso ofício n.º ...69/RNSCM/2012, de 19.01 (…)».
12. Em 29.09.2012 realizou-se, organizada pelo arguido e previamente autorizada pela Câmara Municipal ... e pelo ICNF/DGAC-ZH, a prova final do mencionado evento cultural, recreativo e desportivo de columbofilia “Derby ...”, onde estavam em disputa um total de 260 mil euros em prémios monetários.
13. No ano de 2012, o arguido instalou no prédio descrito em 2), a título precário, os equipamentos, nomeadamente pombais, que ocupavam inicialmente uma área coberta de 85 m2, para realização da prova columbófila denominada de “Derby ...”.
14. No prédio arrendado e descrito em 2), o arguido instalou pombais geminados, em material pré-fabricado, amovível, bem assim como uma estrutura pré-fabricada, também amovível, para apoio à logística do evento.
15. As instalações em causa foram servidas com redes provisórias de energia electrica, água e esgotos, executados pelo arguido.
16. E o terreno que compõe o prédio descrito em 2) foi vedado com vedação metálica, tendo sido instalado um portão de acesso/controlo ao interior do recinto.
17. Em 31.10.2012 é elaborado, pelo Serviço de Vigilância e Fiscalização da RNSCMVRSA, o Relatório de Fiscalização n.º 16/2012, onde se dá conta que o arguido incumpriu uma das condições do parecer favorável condicionado que lhe fora notificado pelo ICNB através do oficio n.º ...69/RNSCMVRSA, de 13.01.2012, porquanto, após a realização, em 29.09.2012, da prova final do referido “Derby ...”, deveria o arguido ter providenciado pela retirada de todos os elementos de apoio logístico a esse evento, o que não fez.
18. Em 20.11.2012, o ICNF/DGAC-ZH, através do seu oficio n.º ...36/RNSCMVRSA/2012, notificou o arguido de que: «Na sequência do parecer emitido pelo ICNB, I.P., expresso no nosso ofício n.º ...69/RNSCM/2012, de 19.01, sobre o evento referido em epígrafe, e de acordo com o Vosso próprio requerimento para a realização do mesmo, reforçado pelo facto de que decorreram dois meses, desde a data de realização deste “Derby ...” (29 de Setembro) até a presente data, vimos relembrar a necessidade legal de desmontagem e retirada célere dos respectivos elementos de apoio logístico, de forma a manter-se o necessário enquadramento jurídico deste evento. (...)».
19. Em 04.01.2013, o arguido apresenta novo requerimento no ICNF, em que se pode ler, designadamente, o seguinte: «(...)Fomos recebedores do Vosso oficio datado de 20.11.2012, n.º 20936, assim somos a esclarecer: - Organizou o Clube de Fundo do Sotavento Algarve no ano 2012, pela primeira vez no ..., o evento denominado “Derby ...”, em que a prova final se realizou no dia 29 de Setembro de 2012; - Os pombos que participaram estão ainda a ser leiloados, encontrando-se ainda cerca de 80 no pombal; - Parte das receitas serão para distribuir pelas instituições de apoio social do concelho ..., conforme regulamento; - Como o evento teve um grande sucesso, devido ao acesso fácil a ..., onde os que nos visitaram puderam usufruir de bons hotéis, bons restaurantes, bons bares, e a Gala final no Casino foi considerada um sucesso, é intenção do Clube de Fundo do Sotavento Algarve continuar a organizar o evento “Derby ...” no ...; - Soubemos que o local onde se encontram actualmente os pombais era parte da reserva natural de Vila Real de Santo António depois de termos efectuado contrato de arrendamento do terreno, sito na Rua ..., ...; - Sabemos que não são permitidas construções no terreno, mas também somos conscientes de que os pombais que foram montados para a realização do evento são amovíveis, pré-fabricados, temos consciência do que quer dizer a palavra Reserva, e tudo temos feito para que o espaço possa ser considerado como tal, pois o terreno era um amontoado de lixo, descargas e resíduos de restos de obras, com vedação partida e caída para a estrada, em que ninguém podia passar pelo passeio para a estação, e tornámos o espaço um espaço limpo de lixo, verde, que pode ser visitado e que não envergonha a palavra Reserva, como acontece com grande parte de espaços que se encontram dentro da Vossa área. Temos ainda consciência de que não causamos qualquer impacto ambiental negativo na Zona, pois todos os pombais são limpos diariamente, e os dejectos são levados para explorações agrícolas para servirem de fertilização. Em resumo, pensamos que transformámos um local sujo da Reserva num local limpo da Reserva; - Sabemos que a autorização foi dada para apenas a realização do evento em 2012 mas, como após muitas pressões aceitámos continuar a organizar o evento no ..., e apesar de procurarmos terrenos alternativos, não foi possível consegui-lo. Assim somos a solicitar autorização para continuar a organizar o “Derby ...” no local actual; - O evento continua com os mesmos objectivos de apoio social para o concelho ...; - Para 2013, a prova final realizar-se-á no dia 28 de Setembro. Os pombos para a edição de 2013 começam a entrar no pombal a partir de Março 2013, seguindo-se a realização de alguns treinos e concursos para preparação para a prova final em 28 de Setembro 2013; - 1.º Concurso - 24 Agosto - 120 km -...; - 2.º Concurso - 31 Agosto - 180 km - ...; - 3.º Concurso - 7 Setembro - 220 km - ...; - 4.º Concurso - 14 Setembro - SILVER RACE/ CONCURSO PRATA 300 km - ...; - 21 Setembro - treino - 50/100 Km; - 5.º Concurso - Prova Final 28 Setembro 2013 - ...- 500 KM (...)».
20. O arguido pagou ao ICNF, I.P., em 22.02.2013, a quantia de € 210,20 (duzentos e dez euros e vinte cêntimos) pela emissão de um estudo/parecer.
21. Em 11.02.2013, o Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Algarve (DCNF-Alg.) do ICNF, através do oficio n.º ...2/2013/DCNF-Alg. (RNSCM), notificou o arguido, designadamente, «(...) para exercício do direito de audiência prévia quanto à intenção de ser proferido, por este ICNF, “recusa de autorização” respeitante ao pedido de autorização para a realização da 2.ª edição do “Derby ... - 2013” (...)».
22. Em resposta àquela notificação do ICNF/DCNF-Algarve, em 23.03.2013 o arguido apresentou uma exposição no ICNF, em que se pode ler, designadamente, o seguinte: «(...) Após pedido de autorização para a organização da 2.ª edição do evento cultural, recreativo, desportivo e de ajuda solidária “Derby ...” que se pretende realizar na Rua ..., em ..., fomos recebedores do Vosso oficio (...), pelo que vimos responder de acordo com o CPA. É com alguma surpresa que fomos confrontados com a Vossa decisão de não autorização da realização deste evento, estamos conscientes de que o terreno se encontra dentro de zona não edificável mas que, salvo melhor entendimento, permite a autorização de eventos culturais e desportivos, nomeadamente de carácter temporário, que é o que o nosso pedido solicita, pois não estamos a pedir uma autorização definitiva, apenas para a realização da edição 2013, pois ainda não sabemos onde se irá realizar a edição 2014, e consideramos que a estrutura que foi montada para acolher o evento é provisoria, amovível, não conseguimos entender o Vosso Parecer; mas como também não somos conhecedores profundos de toda a legislação aplicada, não poderemos neste momento efectuar mais qualquer comentário. De acordo com o ponto 7 Conclusão do Vosso oficio, deveremos, após a prova final, remover toda a estrutura, pois vimos informar que a prova final se realiza em 28 de Setembro e depois os pombos serão leiloados para doação de verbas a instituições de solidariedade do concelho ..., pelo que precisamos de mais 3 meses para que possamos vender os pombos, pois não temos outro local para os colocar. (...)».
23. Em 01.04.2013, o ICNF/DCNF-Algarve, através do oficio n.º ...86/2013 DCNF-Algarve (RNSCM), enviou ao arguido uma «(...) 2.º Notificação para exercício do direito de audiência prévia quanto à intenção de ser proferido, por este ICNF, “recusa de autorização”, respeitante ao pedido de autorização para a realização da 2.ª edição do “Derby ... - 2013” (...)».
24. Respondendo àquele oficio n.º ...86/2013, em 03.05.2013, o arguido apresenta no ICNF nova exposição, onde se pode ler, designadamente, o seguinte: «(...) - A edição 2013 tem a sua prova final dia 28.09.2013 e segue-se depois o processo de venda dos pombos em leilões.
- Precisamos de 3 meses para vender todos os pombos e, enquanto não são vendidos, têm de permanecer no pombal.
- Assim, dia 28.12.2013 estará terminada a edição 2013 do “Derby ...”, pelo que nessa data retiraremos toda a estrutura montada, para novo local onde se realizar a edição 2014.
- Mais informamos que precisamos de montar um pombal, por imposição veterinária para efeito de quarentena dos pombos chegados de alguns Países (...)».
25. Em 23.05.2013, o ICNF/DCNF-Algarve, através do oficio n.º ...08/2013 DCNF-Algarve (RNSCM), notificou o arguido, designadamente, de que «(...) poderá V. Exa., querendo, e no prazo de dez dias úteis a contar da data do recebimento desta notificação, vir pronunciar-se por escrito, dizendo o que se lhe oferecer, quanto à intenção de ser proferida “AUTORIZAÇÃO CONDICIONADA” no que respeita à sua pretensão referida no assunto (respeitante ao pedido de autorização para a realização da 2.ª edição do “Derby ... - 2013”) (...)».
26. Em 19.06.2013, o ICNF/DCNF-Algarve, através do oficio n.º ...35/2013 DCNF-Algarve (RNSCM), notificou o arguido «(...) da decisão final deste Instituto, no que respeita a sua pretensão referenciada em epígrafe [respeitante ao pedido de autorização para a realização da 2.ª edição do “Derby ... - 2013”] sendo confirmada a emissão de “AUTORIZAÇÃO CONDICIONADA”, cujos fundamentos de facto e de direito foram enunciados nas informações n.ºs 1306/2013/DCNF-Algarve (RNSCM), de 31.01.2013, 4697/2013/DCNF-Algarve/DLAP(RNSCM), de 28.03.2013 e 9348/2013/DCNF-Algarve/DLAP(RNSCM), de 22.05.2013, oportunamente notificadas a essa Entidade e agora sintetizados na nossa informação n.º ...13/DCNF-Algarve/DLAP(RNSCM), de 19.06.2013 (cuja copia se anexa a este oficio) (...)».
27. Na informação n.º ...13/DCNF-Algarve/DLAP (RNSCM), de 19.06.2013 consta, na sua parte final, o seguinte: a) «(...) verifica-se que a pretensão, tal como é apresentada, continua a não ter enquadramento legal no articulado das normas constantes do Regulamento do PORNSCMVRSA, por colidir nomeadamente com o
artigo 8º, alíneas a) e h), artigo 9º, n.º 1, alíneas e) e f) e n.º 6, e artigos 16º, 17º, 47º e 49º, bem como com o disposto no artigo 3º, n.º 2, artigo 101º, n.º 2 e artigo 103º do RJIGT, a que as entidades públicas e os particulares estão vinculados por força da lei. b) Todavia, reitera-se que, tendo em atenção os antecedentes do processo, os objetivos de natureza económica e social do evento e o compromisso assumido formalmente pela entidade requerente, para a retirada das estruturas e limpeza do terreno, até ao dia 28 de dezembro, entende-se que estão reunidas as condições para que este Instituto possa emitir, a título definitivo, despacho de “autorização condicionada” à realização da 2.ª edição do evento “Derby ... - 2013” (...)».
28. Em 04.09.2013, deu entrada no ICNF mais uma carta do arguido, em que este vem comunicar que «(...) A exemplo do ano anterior e para acomodação ordenada das pessoas que nos visitam em 28.09.2013, dia da realização da prova final do Derby ..., vimos informar que precisamos de montar uma tenda amovível com cerca de 40/15 m, tenda essa que terá que ser montada uns dias antes da realização (por volta de dia 10 de Setembro) para que os pombos se acostumem á sua presença, e será desmontada nos dias seguintes ao dia 28 (...)».
29. Em 09.09.2013 o ICNF/DCNF-Algarve, através do oficio n.º ...06/2013 DCNF-Algarve (RNSCM), notificou o arguido de que «(...) analisada a pretensão apresentada, este Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Algarve autoriza a instalação temporária de tenda amovível, com área de 600 m2 (40 m x 15 m), para acolhimento de visitantes durante a realização da prova final do “Derby ... - 2013” agendada para o próximo dia 28 de setembro, condicionado à desmontagem da referida estrutura durante a primeira quinzena do mês de outubro. (…)».
30. Em 28.09.2013 realizou-se, no mesmo local da edição anterior, a prova final da 2.ª edição do referido “Derby ...”, onde participaram 1.600 pombos e estiveram em disputa um total de 275 mil euros de prémios monetários.
31. Em 27.09.2014 realizou-se, no mesmo local das duas edições anteriores, a prova final da 3.ª edição do “Derby ...”, sem que para esta tivesse sido requerida a legalmente indispensável autorização, ou parecer favorável, do ICNF, onde estiveram em disputa um total de 275 mil euros de prémios monetários.
32. Em 28.05.2015 foi efectuada uma acção de fiscalização, por elementos da fiscalização do ICNF, que encontraram, no local onde se efectuaram as edições de 2012, 2013 e 2014 do “Derby ...”, diversas obras e estruturas que ai haviam sido implantadas desde 2012, violando assim os termos das duas autorizações condicionadas anteriormente emitidas pelo ICNF, onde se estabelecia expressamente que tais construções deveriam ter sido demolidas/removidas, respectivamente, até 28.12.2012 e até 28.12.2013.
33. Alguns dias após aquela acção de fiscalização (em data concreta que não foi possível apurar) efectuou-se uma reunião entre técnicos do DCNF-Algarve e o representante do arguido; nesta reunião não se encontrou solução para a pretensão do arguido de manter as estruturas montadas no local durante o ano inteiro e foi-lhe reiterado que deveria submeter á aprovação do ICNF um pedido de autorização para a realização do evento previsto para este ano (de 2015), o que ele se comprometeu a fazer.
34. No ICNF/DCNF-Algarve nunca deu entrada nenhum pedido de autorização para a prova final da 4.ª edição do “Derby ...”, que se viria a realizar em 27.09.2015.
35. As construções inicialmente autorizadas pelo ICNF (e na condição de serem removidas até 28.12.2012) abrangiam uma área de apenas 85 m2 e as obras/construções e estruturas cuja existência foi constatada naquela acção de fiscalização de 28.05.2015 eram as seguintes:
- 17 estruturas em ferro, forradas com chapas térmicas (pombal), assentes em taje de betão, ocupando uma área de cerca de 543,417 m2;
- 1 estrutura em ferro, forrada em chapa térmica (para escritório), assente em laje de betão, ocupando uma área de cerca de 36,910 m2;
- 1 contentor metálico de cor ... (para arrumos), ocupando uma área de cerca de 9,9333 m2;
- 1 contentor metálico de cor ... (para recepção), ocupando uma área de cerca de 10 m2;
- terreno relvado, com cerca de 4.668,767 m2;
importando, todas aquelas obras e estruturas uma área total intervencionada, sem autorização e/ou parecer favorável do ICNF, de 600,2603 m2 de área coberta e 4.668,767 m2 de área descoberta.
36. Em 27.09.2015 realizou-se, no mesmo local das três edições anteriores, a prova final da 4.ª edição do “Derby ...”, sendo que para este evento também não foi previamente requerida pelo arguido, e obtida, a legalmente indispensável autorização, ou parecer favorável, do ICNF.
37. Nesta edição de 2015 participaram concorrentes oriundos de 27 países, com mais de 4.200 pombos, tendo os prémios atribuídos pela organização do evento ascendido ao valor total de 245 mil euros.
38. Em 19.10.2015, pelas 17:00 horas, os elementos da fiscalização do ICNF/DCNF-Algarve deslocaram-se de novo ao local do “Derby ...” e, constatando que ainda aí se encontravam implantadas todas as supra mencionadas construções, levantaram o Auto de Notícia de Contraordenação n.º ...2/RNSCM/2015, junto a fls. 7 a 13, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
39. Em 24.09.2016 realizou-se, no mesmo local das quatro edições anteriores, a prova final da 5.ª edição do “Derby ...”, sendo que para este evento também não foi previamente requerida pelo arguido, e obtida, a legalmente indispensável autorização, ou parecer favorável, do ICNF, pelo que foi iniciado procedimento contraordenacional através do auto de noticia n.º 02/2016.
40. Nesta edição de 2016 participaram 1.200 columbófilos de 35 países, com mais de 5.400 pombos, tendo os prémios monetários distribuídos pela organização do
evento ascendido ao valor global de 400 mil euros.
41. Por escritura pública datada de 09.12.2014, foi constituída a associação de direito privado, sem fins lucrativos, denominada de “Golden Race Allgarve – Associação Desportiva”, a qual sucedeu ao arguido Clube de Fundo do Sotavento – Algarve, com o seguinte objecto: participar, organizar e desenvolver, integrado na associação Columbófila do distrito de Faro r na Federação Portuguesa de Columbofilia, a prática de actividades desportivas e culturais, no âmbito do exercício da columbofilia.
42. Em 2017, na sequência de uma acção de fiscalização realizada em 15.03.2017 pelo vigilante da natureza do ICNF, I.P., foi instaurado um procedimento contraordenacional por parte do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, I.P./Departamento de Conservação da natureza e Florestas do Algarve-RNSCMVRSA, através do auto de notícia n.º ...1/2017, por se verificar um aumento de ocupação do terreno descrito em 2) com a instalação pela arguida de novas infraestruturas – 3 pombais de quarentena, 1 gabinete veterinário com instalações sanitárias próprias, lage em betão e vedação em chapa fixa em postes e barras de ferro – e por não ter sido solicitado ao ICNF parecer para construção das citadas infraestruturas.
43. A associação Recorrente “Golden Race Allgarve – Associação Desportiva” elaborou em 03.07.2017 pedido de regularização da actividade exercida por aquela no prédio descrito em 2) à Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve no âmbito do DL n.º 165/2014, de 05.11, o qual deu origem ao processo administrativo n.º ...97/ALG/2017, onde foi realizada conferencia decisória em 09.01.2018, da qual saiu a deliberação final (por maioria simples, com o voto desfavorável do ICNF, I.P.) de “favorável condicionada” ao cumprimento da seguinte questão: à apresentação no prazo de 6 meses de Plano de Gestão de efluentes pecuários que preveja as medidas de minimização exigidas pelas entidades competentes, se for o caso.
44. A decisão referida em 42) constitui titulo legítimo para o exercício da actividade, tendo sido concedido o prazo de 2 anos a contar da data do pedido (de 03.07.2017 a 03.07.2019), para que a associação Recorrente pudesse comprovar a efectiva legalização das edificações de apoio em causa referidas em 35).
45. Apesar de já se encontrar a decorrer o processo de regularização referido em 43), na sequência de uma acção de fiscalização realizada em 18.09.2017 pelo vigilante da natureza do ICNF, I.P., foi instaurado procedimento contraordenacional por parte do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, I.P./Departamento de Conservação da natureza e Florestas do Algarve-RNSCMVRSA, através do auto de notícia n.º ...9/2017, por se verificar a instalação de uma estrutura de ferro com cobertura em lona sintectica tipo tenda, ocupando uma área de 320 metros quadrados, para convívio entre os seus associados, sem autorização do ICNF, I.P.
46. Em 2018, na sequência de uma acção de fiscalização realizada em 24.09.2018 pelo vigilante da natureza do ICNF, I.P., foi instaurado um procedimento contraordenacional por parte do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, I.P./Departamento de Conservação da natureza e Florestas do Algarve-RNSCMVRSA, através do auto de notícia n.º ...4/2018, por se ter verificado a instalação de uma estrutura de ferro com cobertura em lona sintética tipo tenda, ocupando uma área de cerca de 1000 metros quadrados, para o evento anual “Derby ...” contrariando o parecer desfavorável emitido pelo ICNF, I.P. através do ofício n.º ...66/2018/DCNF-ALG/DLAP.
47. Em 2019, apesar de ter solicitado parecer, na sequência de uma acção de fiscalização realizada em 24.09.2019 pelo vigilante da natureza do ICNF, I.P., foi instaurado um procedimento contraordenacional por parte do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, I.P./Departamento de Conservação da natureza e Florestas do Algarve-RNSCMVRSA, através do auto de notícia n.º ...9/2019, por se ter verificado a instalação pela arguida de uma estrutura em ferro com cobertura em lona sintética tipo lona, ocupando uma área com cerca de 1500 metros quadrados, para acomodar os visitantes do evento a realizar-se, sem possuir autorização para tal por parte do ICNF.
48. O prédio rústico onde, desde 2012, têm sido efectuadas todas as mencionadas edições do “Derby ...”, está inscrito na matriz predial da freguesia ..., sob o artigo ...5 da secção D e descrito na conservatória do registo predial ..., sob o n.º ...30, a favor de CC e foi dado de arrendamento ao arguido, para aí realizar anualmente o referido evento.
49. O prédio rústico descrito em 2) e 48) localiza-se na freguesia ..., na zona denominada de ..., mas fora do perímetro urbano daquela localidade, conforme vem delimitado na respectiva planta de síntese do Plano Director Municipal (PDM) de Vila Real de Santo António.
50. No prédio rústico descrito em 2) e 48) todas as construções e estruturas referidas em 35), aí implantadas pelo arguido, foram-no numa zona que está cartografada como “Área de Protecção Parcial do tipo II”, conforme se extrai da Carta de Síntese do Plano de Ordenamento (PO) da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e de Vila Real de Santo António (RNSCMVRSA) junta a fls. 44 e 45 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
51. O prédio rústico referido em 2) e 48) também se encontra parcialmente abrangido pelo Sitio de Interesse Comunitário (SIC) Ria Formosa/Castro Marim (PTCON0013), nos termos da Directiva n.º 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de maio (Directiva Habitats), candidato a integração na Rede Natura 2000, constante da primeira fase da lista nacional de sítios, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de agosto.
52. O prédio rústico referido em 2) e 48) encontra-se ainda totalmente abrangido pela Reserva Agrícola Nacional (RAN).
53. Todas as obras/construções e estruturas edificadas pelo arguido no mencionado prédio rústico melhor identificadas no Auto de Noticias e em 35), carecem de licenciamento municipal, sem prejuízo dos pareceres prévios vinculativos a emitir, entre outros, pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e pela Comissão Regional da Reserva Agrícola Nacional do Algarve (que funciona junto
da Direção-Regional de Agricultura e Pescas do Algarve).
54. A associação Recorrente “Golden Race Allgarve – Associação Desportiva” tem actualmente ao seu serviço 8 trabalhadores.
55. Desconhece-se à associação Recorrente antecedentes pela prática de contra-ordenações ambientais.

- A motivação da decisão da matéria de facto, no que concerne em particular aos factos considerados como provados[4], foi explicada nos seguintes termos:

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados e não provados, formou-se com base na análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, em conformidade com o disposto no art. 127º, do CPP ex vi do art. 41º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27.10.
Já no que tange aos documentos, foram os mesmos valorados pelo tribunal dentro do regime definido pelos artigos 167º a 169º, do mesmo diploma legal ex vi do art. 41º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27.10.
Concretizando, o Tribunal alicerçou a sua convicção no auto de notícia de fls. 7 a 13; no oficio da Câmara Municipal ... de 18.01.2012, de fls. 15 a 19; no oficio do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade/DGAC-Zonas Húmidas, n.º ...69/2012 de 23.01.2012, de fls. 20 e 21; no oficio Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade/DGAC-Zonas Húmidas, n.º ...17/2012, de 23.07.2012, de fls. 22 e 23; do requerimento do arguido de 30.08.2012, de fls. 24; do oficio do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade/DGAC-Zonas Húmidas, n.º ...08/2012, de 30.08.2012, de fls. 25; do oficio do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade/DGAC-Zonas Húmidas n.º ...36/2012, de 20.11.2012, de fls. 26; do requerimento do arguido de 04.01.2013, de fls. 27 a 28; do oficio da Câmara Municipal ... de 14.12.2012, de fls. 29; do oficio do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas/DCNF-ALG., n.º ...2/2013, de 11.02.2013, de fls. 30 a 31; da informação do Instituto da Conservação da natureza e das Florestas n.º ...06/2013/DCNF-ALG., de 31.01.2013, de fls. 32 a 45; do requerimento do arguido de 26.03.2013, de fls. 46; do oficio do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas/DCNF-ALG., n.º ...86/2013, de 01.04.2013, de fls. 47 a 54; do requerimento do arguido de 03.05.2013, de fls. 55; do oficio do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas/DCNF-ALG., n.º ...08/2013, de 23.05.2013, de fls. 56 a 63; do oficio do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas/DCNF-ALG., n.º ...06/2013, de 19.06.2013, de fls. 64 a 69; do requerimento do arguido de 04.09.2013, de fls. 70; do oficio do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas/DCNF-ALG., n.º ...06/2013, de 09.09.2013, de fls. 71; da informação n.º ...15/DCNF-ALG/DGOF, de 26.10.2015, de fls. 77 a 80; da informação do Instituto da Conservação da Natureza e das florestas/DCNF-ALG., n.º ...92/2015/DCNF-ALG/DGOF, de 08.10.2015, de fls. 81 a 82; da informação do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas n.º ...37/2015/DCNF-ALG/DGOF de 23.11.2015 de fls. 84 e verso; do pedido de informação do Tribunal Administrativo e Fiscal ... n.º 132 de 13.06.2016 (PA n.º .../15) e respectiva resposta do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas n.º ...92/2015/DCNF-ALG/DGOF de 08.10.2015 de fls. 94 a 97; do auto de notícia n.º ...7 de 11.10.2016, referente à realização da edição do evento denominado de “Derby ... – Derby ...” no dia 24.09.2016, e suas informações, notificações e documentos anexos, que teve origem na denúncia apresentada por DD, a qual também se mostra junta, de fls. 109 a 133; da escritura pública de constituição da associação Recorrente“Clube de Fundo do Sotavento – Algarve”, de fls. 191 a 196; da cópia não certificada da descrição predial do prédio referido em 2) de fls. 197 a 198; do recibo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas de 22.02.2013 de fls. 199 e 200; da escritura pública de constituição de associação denominada “Golden Race Allgarve – Associação Desportiva” e respectivo documento complementar, de fls. 267 a 294; do contrato de arrendamento rural de fls. 295 a 310; do pedido de reunião feito pelo arguido ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas datado de 10.10.2013, de fls. 318; da planta de síntese do Plano Director Municipal (PDM) de Vila Real de Santo António que se pode consultar no site autárquico de Vila Real de Santo António; do relatório de fiscalização n.º .../12 do serviço de Vigilância e Fiscalização da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António elaborado em 31.10.2012 e do relatório de fiscalização n.º .../2012 do serviço de Vigilância e Fiscalização da RNSCMVRSA elaborado em 11.07.2012 de fls. 409 a 415 e de fls. 421 a 432; do oficio n.º ...77/2018/DL/DRAPALG, de 26.01.2018 da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, onde se incluem os pareceres da CCDR Algarve, do ICNF, I.P., da Câmara Municipal de VRSA, da Agência Portuguesa do Ambiente da Direcção de Serviços de Alimentação e Veterinária da Região do Algarve, de fls. 445 a 471; da informação n.º .../DRHAJAI/DRAPALG de 15.01.2020 da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve de fls. 497 a 498 verso; da informação da Câmara Municipal ... n.º ...20/1873 de 25.06.2020 de fls. 507 a 508; da informação n.º .../DRCNF-ALG/DGAL de 04.01.2021 do Instituto da Conservação da natureza e das Florestas, e seus documentos anexos, nos quais se incluem os seis autos de noticia que deram origem a processos de contraordenação contra a arguida pela actividade por esta exercida no local, nos anos de 2015 a 2019, de fls. 528 a 546 verso; das fotografias de fls. 613 a 614; do documento junto pela Câmara Municipal de ... de 21.11.2016 de fls. 616 a 619, que confirmam os factos provados, entre os quais, os constantes da decisão administrativa, e que não foram abalados por qualquer meio de prova bastante.
Desde logo, para demonstração dos factos dados como provados, foram tidas em consideração as declarações do legal representante do arguido, o EE, que descreveu bem a criação, a estrutura e o objecto da associação Recorrente Clube de Fundo do Sotavento – Algarve, bem como o processo de alteração para a associação “Golden Race Allgarve – Associação Desportiva”. Começou por referir que a associação necessitava de um local para a prática da actividade de fundo e escolheram o prédio descrito em 2) e 48), o qual arrendaram ao proprietário, pelo preço de € 500 mensais.
Confirmou que ele e toda a direcção sabiam da necessidade legal de obter as respectivas licenças para o exercício da actividade em causa, bem como para a instalação das infraestruturas essenciais, como os pombais, tendo começado a tratar disso logo no ano de 2012.
Admitiu que, tanto ele, como a restante direcção, sempre souberam que o terreno estava incluído na área do Sapal de Castro Marim e de VRSA, razão pela qual solicitaram autorização às autoridades competentes para realizar o evento/torneio de columbofilia que ocorreu no ano de 2012, o que foi conseguida.
Confirmou que no ano seguinte, em 2012, voltaram a pedir autorização ao ICNF, I.P. para a realização do torneio anual de columbofilia e que obtiveram uma autorização condicionada à posterior retirada dos pombais no fim do evento.
Admitiu que o arguido não retirou os pombais no final do torneio realizado no ano de 2012, bem como que não solicitou parecer e autorização ao ICNF, I.P. nos anos de 2014 e 2015 para a realização dos torneios realizados nesses anos. Explicou que teve uma reunião com o Director do ICNF e que este lhe disse que só autorizavam a colocação no terreno de infraestruturas não fixas ao solo, ou seja, pombais que fossem desmontáveis e como isto lhe pareceu pouco lógico, voltou a solicita uma nova reunião com o ICNF que nunca aconteceu. Confirmou que a associação Recorrente realizou os eventos/torneios anuais de columbofilia nos anos de 2012 e 2013 e apesar de não ter solicitado (e obtido) a necessária autorização para o efeito ao ICNF, I.P., confirmou que aquela decidiu avançar e realizou também os torneios dos anos de 2014 e 2015. Mais confirmou que nunca desmontou os pombais instalados no terreno, conforme lhe havia sido determinado na autorização condicionada obtida no ano de 2013. Justificou essa decisão com o inconveniente económico e logístico que isso traria para a associação arguida.
Confirmou, também, que receberam uma fiscalização no ano de 2015, que deu origem ao auto de contraordenação em análise aqui nos autos, onde o fiscal da natureza do ICNF concluiu que a associação Recorrente deveria ter retirado os pombais que haviam instalado para o torneio de 2013, tendo-lhe explicado que estava à espera de uma reunião com aquele Instituto.
Foi confrontado com toda a documentação junta pela Entidade Administrativa Autuante, tendo reconhecido a mesma como autêntica, reflectindo toda a tramitação do processo administrativo de concessão de autorização de realização dos torneios, bem como de fiscalização por parte do ICNF, I.P.
Referiu que os pombais estão instalados a cerca de 50 cm do chão, em estruturas metálicas desmontáveis. Explicou que construiu um sistema de esgotos para escoamento dos dejectos dos pássaros, para não contaminar directamente o solo, e que tudo isto foi sugestão de uma responsável pela conservação do Sapal de Castro Marim no ano de 2012.
No mais, confirmou o pedido de regularização da actividade exercida pela arguida no prédio descrito em 2) à Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve no âmbito do DL n.º 165/2014, de 05.11, em 2017, o qual ainda se encontra a aguardar decisão final.
Por fim, confirmou que os eventos foram sempre aumentando o numero de participantes desde o torneio realizado em 2012 até hoje, o que representa um êxito para a associação arguida, enquanto organizadora e para a actividade de columbofilia, admitindo que os prémios foram também aumentando, referindo, contudo, que ois lucros obtidos servem para apoiar empresas e cidadãos do município.
Para prova dos factos dados como assentes, considerou-se também os depoimentos das testemunhas FF, biólogo do ICNF desde 1996, GG, vigilante da natureza do ICNF até 2013, actualmente aposentado, HH, vigilante da natureza do ICNF desde 1999 e AA, vigilante da natureza do ICNF desde 1988, responsáveis pelas fiscalizações a que a associação Recorrente foi sujeita, nomeadamente a aqui em causa, que deu origem ao presente processo de contraordenação.
Pela primeira testemunha foi referido, em síntese, que em agosto de 2014 passou a ser o responsável pela fiscalização deste processo, que desconhecia até então. Esteve presente no acto de fiscalização realizado em outubro de 2015 e que deu origem a este processo. Confirma que a associação Recorrente não tinha, nesse ano, autorização para a realização do evento de columbofilia. Também confirmou a existência no local das infraestruturas referidas no auto de noticia de fls. 7 a 13 (com o qual foi confrontado e cujo conteúdo confirmou) as quais deveriam ter sido removidas nos anos de 2013 e 2014 e que não foram. Confirmou que a justificação que recebeu do legal representante da arguida foi que se encontravam a aguardar uma reunião com o ICNF. Referiu que esta reunião apenas serviu para advertir a arguida para a dilação de tempo decorrido sem que aquelas infraestruturas tivessem sido removidas e quais as suas consequências. Ou seja, no entender desta testemunha, esta reunião pouco alterava em termos técnicos. No mais, confirmou que os pombais se encontram edificados numa área onde não é possível edificar, classificada de reserva natural.
Pela segunda testemunha foi dito que tomou conhecimento que no local em causa existiam “construções ilegais” e esteve presente na fiscalização realizada em 2013. Confirmou que nesse acto inspectivo verificou a existência dessas construções que descreveu (tendo sido confrontado com as fotografias de fls. 10, confirmando tratar-se das mesmas). Referiu que eram “ilegais” porque a arguida não tinha solicitado e obtido autorização do ICNF para as edificar, encontrando-se em área de reserva natural. Tomou conhecimento da notificação da arguida para a retirada dos pombais após a realização do torneio de 2013, tendo ido novamente ao local posteriormente para confirmar se tal havia sucedido, o que constatou que não aconteceu.
Pela terceira testemunha foi referido que acompanhou os restantes colegas no acto de fiscalização que ocorreu em 2013 no terreno explorado pela associação arguida, tendo verificado aí a existência de construções (mais concretamente pombais). Confirmou saber que a associação Recorrente tinha autorização para instalar essas infraestruturas no local durante o evento de columbofilia durante esse ano, mas com a obrigação de as retirar findo o mesmo, o que verificaram que não aconteceu. Acrescentou que tal facto foi comunicado aos seus superiores e depois de outras deslocações ao local, em face da permanência dessas construções que não tinha autorização do ICNF, foi levantado o auto de noticia aqui em análise. Confirmou que os pombais estão construídos numa zona que não é permitida a construção. Mais referiu que a cada acção de fiscalização que realizou no local (de 2012 a 2016), verificou que a área de construção dos pombais ia aumentando cada vez mais e que estes nunca daí foram retirados, apesar das várias notificações nesse sentido.
Por último, pela quarta testemunha foi referido que é o agente autuante responsável pela elaboração do auto de noticia que deu origem a estes autos, junto a fls. 7 a 13, e com o qual foi confrontado, confirmando na íntegra o seu conteúdo. Explicou que o processo em causa começou em 2012, altura em que a associação Recorrente solicitou e obteve autorização do ICNF para a instalação dos pombais e realização do evento/torneiro de columbofilia. Referiu que o mesmo aconteceu no ano de 2013, sendo que neste ano com a condição de retirar os mesmos do local após a sua realização. Disse que no ano de 2014e 2015 não foi solicitado, nem conseguido, a necessária autorização do ICNF para a instalação dos pombais e realização do evento. Esclareceu que, pelo contrário, a associação Recorrente foi notificada em 2015 para proceder á retirada dos pombais do terreno, o que nunca fez até hoje.
Questionado, disse que verificou que os mesmos ainda hoje permanecem no local, tendo aumentado a cada ano a área da sua implantação no solo. No mais, confirmou que os pombais foram construídos numa área de reserva natural, mais concretamente num tramo parcial tipo 2.
Esses depoimentos mostraram-se convincentes uma vez que relataram o que observaram directamente de um modo convergente com a descrição dos factos constantes na decisão administrativa e com o teor do auto de notícia, não suscitando qualquer reserva, nem dúvida, revelando-se claros, objectivos e desprendidos de considerações marginais ou paralelas, que mereceram total credibilidade pelo Tribunal.
De qualquer modo, também se diga, em abono da verdade, que apenas um facto dado como provado nesta sentença, e anteriormente dado como assente na decisão administrativa, foi posto em causa pela associação Recorrente na sua impugnação de recurso, mais concretamente que o prédio onde aquela instalou os pombais e realizou os eventos de columbofilia nos anos de 2012 a 2015, seja classificado como sitio de importância comunitária Ria Formosa/Castro Marim, integrado na Rede Natura 2000 e Reserva Agrícola Nacional.
Para prova desse facto, considerou o Tribunal os depoimentos das quatros testemunhas anteriormente identificadas, com destaque para o depoimento da testemunha AA, responsável pela cartografia junta com o auto de notícia. Questionado, respondeu que o ICNF tem arquivos digitais que permitem saber se uma área é ou não classificada como protegida e de reserva nacional. Confirmou que, no caso em apreço, retirou as coordenadas do local (mais do que um ponto) e colocou as mesmas num GPS que fez a coincidência. Também mediu as áreas com uma fita métrica, tendo colocado os resultados no programa que o ICNF possui para a sobreposição de áreas, tendo obtido exactamente o mesmo resultado. Ou seja, confirmou que o prédio descrito em 2) e 48) está inserido numa área de reserva Agrícola Nacional, sendo uma área protegida Parcial 2, não edificável.
Em sede de alegações, a associação Recorrente questionou a validade deste método de verificação das áreas objecto de fiscalização pelos vigilantes de natureza do ICNF, afirmando que se mostram pouco fiáveis, já que não são feitas por um instrumento de medição aprovado pelo Estado.
Ora, não pode o Tribunal estar de acordo com essa afirmação. Em primeiro lugar, porque está em causa prova documental válida e emitida por uma entidade pública, sem interesse directo na causa. Mas ainda que assim não fosse, o método utilizado para classificação da área é um método preciso e eficaz, que não é utilizado apenas para classificação dos terrenos no âmbito de autuação contraordenacional, mas também para outras finalidades como seja a demarcação de prédios (inclusive a realizada no âmbito judicial), tratando-se de meios de prova válidos.
Nem se compreenderia porque razão estaria a Entidade Administrativa e os tribunais limitados, ao nível probatório, ao resultado obtido por um instrumento de medição aprovado pelo Estado, em detrimento de outros meios de prova.
Com efeito, o método utilizado pelos vigilantes da natureza responsáveis pela fiscalização que deu origem ao auto de noticia em causa para classificação do terreno como não edificável e inserido em área protegido é legalmente admissível, demonstra rigor e precisão (tanto quanto é possível obter), bem como é o utilizado por todos os vigilantes da natureza.
Por fim, não se compreende a razão pela qual vem agora o arguido questionar essa classificação do terreno, já que sempre demonstrou saber que o mesmo se situava em área protegida. Tanto assim é que solicitou, quer no ano de 2012, quer no ano de 2013, autorização ao ICNF para instalação dos pombais e realização do torneio de columbofilia.
Considerou-se, também, o depoimento da testemunha II, arquitecto do ICNF desde 1994, responsável pelo Departamento de Gestão e Conservação das Áreas Classificadas e Zonas Húmidas, que inclui a Rede Natura. Pelo mesmo foi dito que teve intervenção neste processo, quando a Câmara Municipal de ... lhe solicitou a elaboração de um parecer técnico para saber as condições que um evento como o realizado pela associação Recorrente podia ter numa área classificada como de área protegida. Questionado como classificou o terreno, disse que o fez tendo por base a informação que lhe foi prestada pela BB (cfr. informação n.º ...24/12, de 09.01).
Na sequência, referiu que elaborou o parecer técnico junto a fls. 20 e 21, cujo conteúdo corroborou. Localizou a sua intervenção no ano de 2012. Esclarece que, na sua opinião, a instalação de estruturas para pombos (pombais), sejam elas móveis ou fixas, trazem sempre um uso diferente daquele para o qual o terreno está preparado, comprometendo-o, por isso emitiu parecer positivo, mas condicionado ao cumprimento de deveres que fez constar do mesmo.
Considerou-se o depoimento da testemunha JJ, arquitecto, tendo prestado funções no ICNF, na área da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e VRSA, entre 2012 e 2015, o qual confirmou ter participado na elaboração do parecer emitido para o ano de 2013, mais concretamente o documento junto de fls. 30 a 45, com o qual foi confrontado e cuja autoria reconheceu.
Confirmou que recebeu um pedido de autorização do arguido para a realização do um evento de columbofilia para o ano de 2013. Disse ter visto os antecedentes do arguido na matéria e que, após receber a informação do fiscal da natureza (AA) de que aquele terreno estava inserido em área protegida, emitiu parecer no sentido de conceder autorização condicionada à retirada das estruturas, exactamente como já havia sido autorizada no ano anterior e que tomou conhecimento que não havia sido cumprido.
Explicou que, no seu parecer fez constar que aquela actividade não se enquadrava nas actividades que permitem a edificação de construções na zona, pelo que qualquer construção naquele terreno sempre exigiria a sua posterior demolição, a fim de poder respeitar os interesses ecológicos daquela área.
Por fim, confirmou ao Tribunal ter tomado conhecimento que o arguido até hoje nunca levantou as estruturas montadas no local, conforme havia sido notificado.
Relevante para a compreensão das condicionantes que envolvem o terreno em causa, foi o depoimento da testemunha BB, técnica superior do ICNF, hoje reformada. Pela mesma foi explicado que o espaço em causa está inserido em zona protegida de parcial 2 (Reserva do Sapal de Castro Marim e de VRSA), non eadificandi (qualquer que fosse o grau de protecção). Sabe disso porque conhece o Plano de Ordenamento do Território da localidade e as cartas de síntese do local (Plano Director Municipal). Questionada por várias vezes, foi sempre peremptória na sua resposta: não tem dúvida quanto a esta classificação do terreno.
Confirmou que tomou conhecimento do caso em concreto através de uma denuncia feita por terceiro e da informação que lhe chegou ao conhecimento prestada pelos fiscais da natureza do ICNF, que haviam confirmado a existência de construções não autorizadas naquele local. Referiu que entraram em contacto com o arguido que lhes confirmou que não tinham autorização por escrito (mas apenas oral) por parte do ICNF para manter os pombais naquele local.
Referiu que o arguido, na pessoa do EE, tentou regularizar a situação e fez formalmente o pedido de autorização ao ICNF que a concedeu mas apenas por um dia (quanto ao evento) e condicionada à remoção dos pombais do local após a sua realização. No mais, confirmou saber que o arguido foi várias vezes notificado nos anos que se seguiram para retirar de lá as estruturas mas este nunca cumpriu a ordem.
Por sua vez, as declarações de KK, Vice-Presidente e Presidente da Câmara Municipal ... à data dos factos em apreço, não se mostrou especialmente relevante porquanto denotou-se não ter conhecimento integral dos mesmos. Apenas contribuiu para confirmar que o arguido se dedica à prática de desporto de columbofilia e organiza eventos dessa modalidade. Confirmou também que a sua actividade era muito importante para a economia local, mais concretamente para a restauração e para a hotelaria, já que atraía muitos visitantes aficionados durantes os torneios que realizava. Classificou o arguido como uma associação de interesse publico municipal.
No mais, disse saber do processo de legalização da ocupação dos pombais no local em causa proposto no ICNF pelo arguido, pois tal envolve também a participação da Câmara Municipal de ..., na medida em que emitem parecer para autorização da actividade. Confirmou que esta situação levou à decisão de avançar para a alteração do Plano Director Municipal para desclassificar aquela área de protegida, já que entende que a referida actividade não implica uma perturbação grave do ambiente.
Contudo, questionada, desconhecia que o arguido incumpria há vários anos as condições impostas nas autorizações concedidas pelo ICNF e que as estruturas aí implantadas não eram apenas em madeira.

3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[5], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[6], no quadro restrito dos quais - através do mero exame do texto da decisão recorrida ( sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo ), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum - se circunscreve, em matéria contra-ordenacional e em face da limitação constante do nº 1 do art. 75º do RGCO, a reapreciação da matéria de facto.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões submetidas à nossa apreciação são as seguintes:
- inexistência de prova demonstrativa de que o recorrente se denomine, actualmente, “Golden Race Allgarve – Associação Desportiva”;
- violação de caso julgado formal e do disposto no art. 7º do DL nº 165/2014 de 5/11;
- erro de julgamento relativamente aos pontos 49. a 53. dos factos provados.

A relação de prejudicialidade entre estas questões impõe que se comece por apreciar a questão enunciada em segundo lugar na medida que a apreciação das demais depende da sua improcedência. De facto, enquanto que a segunda visa a destruição da sentença recorrida e o retrocesso dos autos a um estádio anterior à sua prolação, as demais pressupõem que esta decisão tenha sido proferida sem que existisse qualquer obstáculo à sua prolação.
Ora, da leitura da argumentação que o recorrente expende a respeito daquela segunda questão, apreende-se que ele defende que, ao ter sido declarada cessada a suspensão e determinado o prosseguimento dos autos através do despacho proferido em 22/9/20, houve violação do caso julgado formal na medida em que ainda não se tinha verificado a circunstância estabelecida no despacho proferido em 22/2/18 como termo para a vigência da suspensão que nele foi decretada, em concreto, a “atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve”.
Numa outra vertente, defende que o procedimento contraordenacional devia ter sido suspenso até à atribuição do título definitivo ou, caso tal não ocorra, até à notificação da deliberação definitiva na medida em que foi comprovado que apresentou o pedido de regularização da actividade exercida no local e que o processo não se encontrava findo, tendo o tribunal recorrido violado o disposto no art. 7º do DL nº 165/2014 ao decidir o prosseguimento dos autos.
Frisaremos, em primeiro lugar, que na economia do presente recurso não está em cima da mesa a questão da (ir)recorribilidade dos despachos interlocutórios, que já foi decidida, pela negativa, no acórdão desta Relação a que acima aludimos.
Essa irrecorribilidade não esgota, porém, nem contende com a apreciação da questão que reside em determinar se o despacho que decidiu a cessação da suspensão contrariou, de forma ilegal, o despacho que a tinha decretado. Como, aliás, também resulta das considerações que desse aresto acima transcrevemos.
A resposta a essa questão não pode deixar de ser afirmativa, adiantamo-lo desde já.
De facto o despacho de 22/2/18 é cristalino naquilo que nele foi decidido: determinou-se que os autos ficassem suspensos até à atribuição ou não do título definitivo nele discriminado. Ou seja, que os autos ficassem suspensos até haver decisão definitiva sobre a atribuição de tal título. Mal ou bem, para aqui não importa, não foi indicada qualquer outra forma de fazer cessar a suspensão.
Ora, é inquestionável que o dito título ainda não havia sido atribuído, tão pouco recusado, de forma definitiva, no momento em que o despacho de 22/9/90 foi proferido, nem mesmo aquando da prolação da sentença recorrida, ao que os autos evidenciam. E as informações prestadas pela C.M. ... são no sentido de que o procedimento de licenciamento em questão estará muito atrasado, com a ultrapassagem dos prazos estabelecidos na lei, sendo, no entanto, expectável que lhe seja dada continuidade. E sem que se vislumbre que nesse atraso se possam assacar culpas ao recorrente,
Resulta, também, evidente, que o despacho posterior visou contornar um impasse que se prolongava no tempo, tendo-se “engendrado” para o efeito uma solução artificiosa de forma a procurar compatibilizá-lo com o despacho anterior, fazendo uma interpretação que não tem qualquer correspondência com o seu teor e exercendo, mesmo com a capa do “devido respeito”, uma clara censura não só à entidade administrativa por ter aceite intempestivamente o pedido de regularização como também ao primeiro despacho ao dizer-se expressamente que “nem deveria o Tribunal ter declarado a suspensão dos autos, por inaplicabilidade do disposto no n.º 4 do art.º 7.º, por se tratar de norma expressamente dirigida à entidade administrativa.”
Não vamos discutir aqui se essa censura tinha ou não fundamento; certo é que a alteração/revogação de despachos que não sejam de mero expediente não pode ser efectuada fora do âmbito do recurso, a menos, claro está, nos casos ( em que o presente se não enquadra ) em que a lei admite reapreciações em função da alteração das circunstâncias.
E ir buscar à lei - a mesma que foi invocada no despacho que decretou a suspensão dos autos - ( e, ademais, de forma algo contraditória, quando antes se havia afirmado não fazer sentido considerar que a causa de suspensão do procedimento contra-ordenacional se impunha aos Tribunais ) uma causa de suspensão que este, de forma implícita mas clara, desconsiderou, é uma forma encapotada de alterar o que já havia sido decidido nos autos.
Isto posto, cremos que a solução para este imbróglio não pode ser outra se não aquela que foi proposta pelo Exmº PGA no seu parecer, do qual transcrevemos as considerações expendidas para a alcançar e que sufragamos inteiramente:

Dispõe o artigo 613.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, que proferida a sentença ou o despacho, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz.
Por força da remissão dos artigos 4.º do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, este princípio básico do processo civil é igualmente aplicável no processo penal e no processo contra-ordenacional.
No caso dos autos, o tribunal, depois de no despacho de 22 de Fevereiro de 2018 ter determinado «a suspensão dos autos nos termos do artigo 7.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 05 de Novembro até à atribuição ou não de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve», sem aguardar pelo desfecho do procedimento de regularização interposto pelo arguido, voltou com a palavra atrás e declarou «a cessação da suspensão dos presentes autos de recurso de contra-ordenação» por entender que afinal «nem deveria (…) ter declarado a suspensão dos autos, por inaplicabilidade do disposto no n.º 4 do art.º 7.º», que «a suspensão não se pode manter ad aeternum», que as medidas de regularização do estabelecimento ou exploração «devem ser concretizadas nos prazos fixados no art.º 15.º» [do mesmo Decreto-Lei n.º 165/2014, de 5 de Novembro], que «a ultrapassagem de tais prazos sem que tais medidas sejam concretizadas acarreta a cessação da suspensão» e que neste caso esse prazo máximo já se encontrava ultrapassado (despachos de 22 de Setembro de 2020 e de 26 de Outubro de 2020).
Salvo o devido respeito, não cremos que esta decisão seja válida.
O despacho de 22 de Fevereiro de 2018, que não constitui um despacho de mero expediente (cf. o artigo 152.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), determinou a suspensão dos autos até à atribuição (ou ao seu indeferimento) de título definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção-Regional da Agricultura e Pescas do Algarve sem estabelecer qualquer dies ad quem, dessa forma criando uma determinada expectativa ao arguido/recorrente quanto à tramitação e ao desenlace do recurso de impugnação da decisão proferida pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
À vista do princípio da extinção do poder jurisdicional consagrado no citado artigo 613.º do Código de Processo Civil, o tribunal não podia, por isso, alterar o sentido desta decisão através da sua interpretação correctiva/restritiva [como foi o caso].
«[P]rolatada a sentença ou despacho, o tribunal não os pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais. Graças a esta regra, antes mesmo do trânsito em julgado, uma decisão adquire com o seu proferimento um primeiro nível de estabilidade interna ou restrita, perante o próprio autor da decisão» (Rui Pinto, Excepção e autoridade do caso julgado – algumas notas provisórias, Revista Julgar Online, Novembro de 2018, páginas 2-3).
«Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível. (…) Que o tribunal superior possa, por via de recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão» [Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V, Artigos 658.º a 720.º (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, páginas 126-127].
Nos termos do artigo 625.º do Código de Processo Civil, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar (n.º 1). O mesmo princípio é aplicável à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual (n.º 2).
Embora nenhum dos despachos em questão (o de 22 de Fevereiro de 2018 e os de 22 de Setembro e de 26 de Outubro de 2020) haja transitado em julgado, cremos que este regime pode ser aplicado por analogia.
Ou seja, esgotado o poder jurisdicional com a decisão de 22 de Fevereiro de 2018, os posteriores despachos que a contrariam ou que deles dependerem (incluindo a douta sentença recorrida) não devem ser cumpridos, o mesmo é dizer, são inválidos e ineficazes.
Em sentido adverso ao sustentado pelo Ministério Público na 1.ª instância, entendemos, assim, que o recurso deve proceder.

Na decorrência, não podem subsistir nem o despacho de 26/10/2020 - outro tanto sucedendo com o de 22/9/2020 no qual já se haviam adiantado as razões pelas quais se entendeu que a suspensão decretada nos autos devia considerar-se como cessada -, nem a sentença recorrida, assim como qualquer tramitação que conflitue com aquela suspensão.
Com o que procederá o recurso, na parte que dele foi conhecida, ficando prejudicadas as demais questões que nele foram suscitadas.

4. Decisão
Por todo o exposto, julgam o recurso procedente, na parte que dele conhecem, e, em consequência, revogam a sentença recorrida e, bem assim, os despachos proferidos em 22/9/2020 e 26/10/2020, determinando que os autos continuem suspensos de acordo com o decidido no despacho proferido em 22/2/2018, “até à atribuição ou não de titulo definitivo de exploração ou do exercício da actividade solicitada pela requerente à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve.”
Évora, 13 de Julho de 2022
____________________________
[1] No que concerne ao período que decorreu até ao despacho que declarou a cessação da suspensão, reproduzimos aqui o elenco constante do parecer do Exmº PGA por os retratar fielmente.
[2] Sendo o itálico e o negrito destaques efectuados no referido parecer.
[3] Neste sentido, vide, entre outros, na jurisprudência, Ac. da RE de 29/03/2005, proc. n.º 678/05-1, Ac.s da RL de 06/04/2011, proc. 1.724/09.27FLSB -3 e de 27/03/2014, proc. 829/11.4TFLSB.L1-9, Ac. da RC de 16/12/2017, proc. n.º 88/16.2T8SEI.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt e na doutrina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República …, 2011, Universidade Católica Editora, págs. 298, 299 e 301 e Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, Almedina, pá. 256.
[4] Não se reveste de interesse para o presente recurso a factualidade considerada como não provada, não tendo sido objecto de impugnação.
[5] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[6] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.