Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
60/08.6TBADV-F.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
IDONEIDADE DO MEIO
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não é de julgar idónea a caução oferecida ao exequente, mediante hipoteca de bens já penhorados, com vista à suspensão da execução, por supor uma oneração de bens inoponível à execução.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 60/08.6TBADV-F.E1 – Beja


Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório.
1. (…) e mulher, (…), (…) e mulher, (…) e (…) e mulher, (…), deduziram oposição à execução instaurada por (…) e, por apenso à oposição, requereram a prestação de caução, mediante hipoteca sobre os prédios já penhorados.
O exequente impugnou a idoneidade da garantia.

2. Seguiu-se despacho que julgou improcedente o incidente, designadamente com a seguinte fundamentação:
“(…) há que considerar dois fatores: em primeiro lugar o valor a caucionar proposto pelos requerentes é claramente insuficiente, na medida em que se limita ao montante da quantia exequenda; em segundo lugar a hipoteca proposta pelos requerentes não representa qualquer vantagem adicional para o fim da execução e portanto para a satisfação do interesse dos requeridos. Com efeito, a caução deve conter um quid que, em termos comparativos com a penhora já realizada, determine vantagens adicionais para os fins da execução e para os interesses do exequente (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.09.2009, proc. n.º 73127/05.0YYLSB.L1-7, www.dgsi.pt). O mesmo Tribunal decidiu que a caução para efeitos do nº 1 do art. 818 do CPC tem a função de garantir o cumprimento da obrigação exequenda, acautelando ou prevenindo os riscos eventualmente resultantes da suspensão do processo - terá de ficar inteiramente salvaguardada a posição do exequente face à suspensão da execução (TRL de 19.04.2013, proc. n.º 2921/10.3TBFAR-B.L1-2). No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto no acórdão de 02.04.2009, proc. n.º 2239/07.9TBOVR-B.P1, concluindo que a idoneidade da mesma terá de atender às finalidades que lhe estão associadas e que a mesma visa acautelar, constituindo um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor, devendo, pois, traduzir um “mais” em relação às garantias pré-existentes.”

3. É deste despacho que os requerentes recorrem, formulando as seguintes conclusões que se reproduzem:
“1. O valor oferecido foi a quantia exequenda, os juros, as custas e demais encargos, o que se mostra mais do que suficiente para cumprir os fins da execução, e os acessórios do crédito.
2. O que os recorrentes vieram pedir, e que entendem que a lei não se opõe, é que as penhoras realizadas e efetuadas fossem convertida em hipoteca, tendo e conta que se pode aplicar, sem inconveniente o disposto no artigo 807 do C.P.C.
3. Ora Salvo o devido respeito, a garantia oferecida, garante os riscos de eventual suspensão da execução e os créditos e acessórios do crédito.
4. Resulta do requerimento executivo, o valor em execução, mesmo considerando os acessórios, é de 163.476,16 €, sendo o capital de 124.000,00 € sobre o qual se vencem juros á taxa de 4%, ou seja cerca de 4.960,00 € ao ano, a partir de 2016 não ultrapassando em três anos o valor de 14.880,00 €
5. O que tudo somado ao fim de três anos não será mais do que 178.356,16 €.
6. Aos bens penhorados o Srº Agente de execução na decisão da venda, atribuiu o valor de 473,200,00 € preparando-se para se proceder à venda, dos bens quando o valor e execução nem sequer chegará a metade daqui por três anos.
7. Temos assim que as garantias oferecidas traduzem-se “num mais”, e garantem em toda a linha o crédito que os exequentes pretendem fazer valer.
8. Não se vê pois porque razão, não podem as penhoras dos bens ser convertidas em hipoteca, de modo que a que os exequentes beneficiem da garantia da prioridade de pagamento conferida pela hipoteca.
9. A não suspensão da execução no caso concreto é contaria á ideia de direito.
10. Pelo que deve ser deferida a pretensão dos executados.
11. Fez-se incorreta aplicação dos artigos 686 nº 1, e nº 1 do 623º do C.C. e 733º, nº 1, alínea a), 907º, nº 3 e 807º do C.P.C.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida.
Com o que se fará a costumada, J U S T I Ç A !”
Não houve lugar a resposta.
Observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso, importa decidir se é de deferir, por idónea, a prestação de caução a prestar por hipoteca dos bens já penhorados.

III. Fundamentação.
1. Factos.
Relevam os factos e ocorrências processuais supra relatadas.

2. Direito.
2.1. A caução é uma garantia especial das obrigações que pode ser imposta ou autorizada pela lei ou resultar de negócio jurídico (artºs 623º e 624º, do CC).
A oposição à execução por embargos suspende o prosseguimento da execução se o embargante prestar caução (artº 733º, nº 1, al. a), do CPC).
A caução requerida pelos executados é autorizada pela lei e esta não indica a espécie que ela deve revestir podendo, assim, em princípio, ser prestada mediante hipoteca (artº 623º, nº 1, do CC).
E dizemos em princípio porque, como ajuizou o Ac. RL de 22/9/2009, referenciado nos autos, “é inadequado substituir a penhora de um imóvel pela hipoteca de outro imóvel cujo valor coloque em perigo a realização da garantia patrimonial já concretizada”.
Mas poderá a hipoteca oferecida em caução ao exequente recair sobre bens já penhorados na execução? É que os executados visam suspender o prosseguimento da execução e, assim, suspender a venda dos imóveis já penhorados, oferecendo como caução uma hipoteca sobre os mesmos imóveis, ou seja, simplificando porventura em demasia, os executados visam dar de garantia bens que já estão garantidos.
Uma tal solução, a ser legalmente possível e, adiantando, a nosso ver, não é, descaracterizaria a própria causa/função do instituto; a hipoteca oferecida sobre bens já penhorados, para garantia do pagamento da mesma dívida, nada de novo acrescentaria à garantia que já resultava da penhora, tal como uma segunda hipoteca a favor do mesmo credor para garantia do pagamento da mesma dívida, nada acrescenta a uma primeira hipoteca sobre os mesmos bens, com o mesmo âmbito.
No autorizado dizer de Menezes Cordeiro, a “caução imposta ou autorizada por lei serve, normalmente, para tutelar a posição de uma pessoa a quem vão ser exigidos determinados sacrifícios, numa altura em que não seja possível ajuizar da sua justeza e dimensão. O beneficiário deve, pois, garantir a posição do sacrificado, para a eventualidade de o sacrifício se afirmar inútil ou de haver excesso da sua parte.”[1]
E quando prestada pelo embargante/executado destina-se a assegurar o pagamento da quantia exequenda e a defender o exequente dos riscos inerentes à suspensão da ação executiva.
Ora, o sacrifício imposto ao exequente, decorrente da suspensão da execução, não encontra nenhuma tutela com a caução mediante hipoteca de bens que aquele já logrou penhorar, por não comportar a caução nenhuma vantagem adicional que compense ou equilibre aquele sacrifício.
A argumentação da decisão recorrida foi neste sentido e, por isso, com ela concordamos.
Acrescenta-se, ainda assim, que a penhora “é um ato de desapossamento de bens do devedor, que ficam na posse do tribunal a fim de este os usar para a realização dos fins da ação executiva (entrega, adjudicação, pagamento)”[2], de que decorrem, como efeitos, (i) a transferência dos poderes de gozo, do executado para o tribunal, (ii) a ineficácia relativa dos atos dispositivos subsequentes e (iii) a constituição de preferência a favor do devedor[3].
Com a penhora o executado perde os poderes de gozo que integram o direito penhorado mas não o poder disposição, podendo aliená-los ou onerá-los, porém os atos de disposição ou oneração do bem penhorado são inoponíveis em relação à execução.
“Sem prejuízo das regras de registo, são inoponíveis em relação à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados” (819º, do CC).
Antes desta redação, introduzida pelo D.L. nº 38/2003, de 8/3, a norma dispunha que os atos de disposição ou oneração dos bens penhorados eram ineficazes em relação ao exequente, ficando agora claro que os atos de oneração ou disposição de bens penhorados são inoponíveis em relação à execução, como a doutrina defendia ainda no domínio da redação anterior, ou seja, que os atos de disposição ou oneração dos bens penhorados são ineficazes não só em relação ao exequente mas “também perante os credores reclamantes, o comprador dos bens” e “o próprio tribunal”[4].
Inoponibilidade, como ensina Castro Mendes, “objetiva ou situacional, inoponibilidade no processo de execução, a qualquer nele interveniente – exequente, tribunal, arrematantes, credores, etc …”[5]
Por via desta inoponibilidade, os atos de oneração ou de disposição dos bens penhorados não produzem efeitos em relação à execução.
E daqui que, a hipoteca de bens penhorados oferecida em caução ao exequente, com vista a suspender a execução, não se mostre idónea, por supor um ato de oneração (a hipoteca) que não produz quaisquer efeitos em relação à execução.
Improcede o recurso, com a confirmação da decisão recorrida.

2.2. Porque vencidos no recurso, incumbe aos recorrentes o pagamento das custas (artº 527º, nº 1, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº 7, do CPC).
Não é de julgar idónea a caução oferecida ao exequente, mediante hipoteca de bens já penhorados, com vista à suspensão da execução, por supor uma oneração de bens inoponível à execução.

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 28/9/2017
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
__________________________________________________
[1] Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo IV.
[2] Castro Mendes, Acção Executiva, 1980, pág. 73.
[3] Lebre de Freitas, Direito Processual Civil II, pág. 156.
[4] Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 157 e 158.
[5] Ob. cit., nota a págs. 100 e 101.