Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
296/17.9T8FAR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: i) A liberdade de expressão dos trabalhadores e seus representantes legais não constitui um direito absoluto.
ii) A distribuição por três trabalhadores (dois deles dirigentes sindicais), de um comunicado aprovado em plenário pelos trabalhadores, onde consta que “o hotel está a aumentar a exploração e a empurrar-nos para a pobreza”, e as expressões “enquanto a repressão tem vindo a aumentar”, há oito anos que não há aumento de salários, não é pago o trabalho suplementar e aumentou a precariedade”, seguida da descrição dos fundamentos de tal imputação considerados não falsos, consubstancia o direito à crítica, mordaz e incisivo, que vai além do que seria admissível, mas, no contexto em que foi produzido e em que estiveram envolvidos outros trabalhadores que não foram objeto de processo disciplinar, não revela uma gravidade tal que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 296/17.9T8FAR.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelantes: BB, CC e DD (autores).
Apelada: EE, SA (ré).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Faro, J1.

1. Os autores vieram impugnar judicialmente a regularidade e licitude do seu despedimento promovido pela ré.
Realizada audiência de partes não chegaram as mesmas a acordo.
Notificada para motivar o despedimento veio a R. alegar que, no dia 24 de março de 2016, os AA., na sequência de plenário de trabalhadores, procederam à divulgação pelos clientes, utentes da praia e auditores do hotel, de um comunicado redigido em português e em inglês, no qual a acusavam de precarização das condições de trabalho por recurso ao trabalho temporário pago com baixos salários e estagiários em substituição de trabalhadores, aumento da repressão, não atualização de salários e não pagamento do trabalho suplementar prestado o que não corresponde à verdade pelas razões que melhor elencou.
Acrescenta que a convocatória do plenário foi efetuada, em nome próprio por três delegados sindicais, entre os quais os dois autores masculinos e outro que integrava a comissão sindical, que extrapolaram as respetivas atribuições porquanto a legitimidade para proceder a tal convocatória pertencia à comissão sindical.
Instruído o processo disciplinar, de acordo com as formalidades legais que elencou, decidiu-se a R. pela decisão de despedimento com justa causa dos AA. por entender que a relação de confiança e lealdade se quebrou em virtude dos comportamentos ofensivos, desprimorosos e difamatórios de que entende ter sido alvo.
Arrolou testemunhas.
Notificados, os AA. responderam alegando que a convocatória do plenário foi subscrita pelos três elementos que integravam a comissão sindical, que o conteúdo do comunicado que foi posto à votação no mesmo era o resultado do debatido em plenários anteriores, pelo que a sua entrega pelos AA. foi-o no âmbito da sua atividade sindical e ao abrigo da liberdade de expressão, motivo porque a decisão é ilícita.
Acrescentam que desconhecem os factos atinentes às finanças da R., referindo, no entanto, que a mesma beneficiou de financiamentos através do Programa Algarve 21, que o aumento salarial de 2007 não contraria as pretensões de 2015 manifestadas pelo comunicado, que o hotel esteve fechado para obras entre novembro de 2008 e junho de 2010 e durante tal tempo os trabalhadores estiveram em formação e, quando não estiveram, foram obrigados a comparecer em contentores ou a gozar as férias, que por vezes o aumento se deu sobre a remuneração dos mesmos trabalhadores, as promoções não podem considerar-se aumento generalizado, a disponibilização de refeições sempre existiu, a extensão do seguro à família tem que ser assegurada pelo trabalhador – o que não pode ser encarado como regalia -, a disponibilização de farda e sua manutenção, também, sempre existiu. Mais referem que a referência à precarização das condições de trabalho pretendia abranger o desgaste dos materiais, equipamentos e infra-estruturas onde o trabalho é prestado e aos horários de trabalho que não respeitam as 11 horas entre jornadas de trabalho. Continuam referindo que menos de 50% dos trabalhadores da R. são efetivos, o recurso ao trabalho temporário representa cerca de 10% do número de trabalhadores sendo que alguns já poderiam estar a trabalhar através de contrato sem termo, os estagiários asseguram tarefas que deveriam ser asseguradas por outros, vários trabalhadores fazem queixas de repressão e abuso de poder por parte da R. às quais não dão seguimento por temerem consequências. Acrescentam que apesar da R. lhes compensar o trabalho suplementar com dias de folga também lhes dificulta o seu gozo e só em caso de cessação do contrato é que tais dias são pagos. Por isso, ainda que se reconheça que praticaram infração disciplinar, a decisão de despedimento é desproporcionada – atendendo também à sua antiguidade e ausência de antecedentes disciplinares sendo, por isso, ilícita.
Referem ainda que o comunicado foi distribuído por outros trabalhadores da R., para além dos AA. e relativamente àqueles a R. não instaurou qualquer processo disciplinar, tendo assim violado o princípio da coerência disciplinar o que acarreta ilicitude da decisão.
Finalmente acrescentam que o processo disciplinar teve como fundamento o exercício dos seus direitos como trabalhadores nos seis meses anteriores à instauração do processo disciplinar pelo que, a sanção aplicada se tem de presumir abusiva.
Acrescentaram que a R. nos art.º 126.º a 132.º acrescentou novos factos que não devem ser tidos em conta.
Por fim deduziram pedidos reconvencionais de indemnização em detrimento da reintegração
Finalizam pedindo se declare a ilicitude do despedimento com a consequente reintegração ou indemnização dos AA., caso por esta venham a optar, e caso se prove a abusividade da sanção, requerem a condenação desta a pagar-lhes a indemnização a que alude o disposto no art.º 392.º n.º 3 do Código de Trabalho, bem assim as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento.
Indicaram testemunhas.
A R. exerceu o contraditório, alegando que o pedido reconvencional é inepto em virtude dos AA. não exporem os factos em que o alicerçam.
Saneados os autos, decidiu-se que a matéria alegada nos artigos 127.º a 132.º do articulado motivador não seria considerada em virtude de não constar do processo disciplinar. Consequentemente, decidiu-se pela não admissão dos documentos 4 a 24 juntos com tal articulado.
Admitiu-se o pedido reconvencional relativamente ao qual se não julgou procedente a ineptidão.
Designou-se data para julgamento, que foi realizado de acordo com as formalidades legais, tendo-se, posteriormente ao mesmo, proferido decisão declarando os factos provados, não provados e respetiva motivação.
De seguida, foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Em face do exposto:
a) Declaro que BB, CC e DD foram despedidos com justa causa, pelo que absolvo a R. EE, SA dos pedidos formulados pelos mesmos.
b) Custas pelos AA. (cfr. art.º 527.º do CPC, ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do CPT), sem prejuízo da isenção de que os mesmos beneficiam.
c) Fixo o valor da causa em € 60 805,91.

2. Inconformados, vieram os autores interpor recurso de apelação que motivaram e com as conclusões que se seguem:
I – DA INCORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS – DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A. O Tribunal a quo deu como provado que foi corretamente enviada a comunicação de marcação do plenário de trabalhadores, tendo sido este também corretamente marcado (ponto 37. da matéria provada).
B. Igualmente deu como provado que os trabalhadores assim reunidos decidiram proceder à distribuição de um comunicado, nesse mesmo dia, e assim o fizeram (ponto 41. da matéria provada).
C. Mais deu como provado que os AA. participaram tanto no plenário, como na distribuição do comunicado (pontos 42. e 45. da matéria provada).
D. Face a tais factos dados como provados, o Tribunal a quo concluiu que “Estamos, pois, perante imputações e condutas (na medida em que os AA. conhecedores daquele conteúdo, não correspondente à realidade, procederam à sua distribuição a clientes e terceiros que em frente ao hotel passavam, e se o fizeram é porque com ele concordavam, assumindo-o como seu) graves, ofensivas do bom nome da R. e potencialmente prejudiciais dos interesses da empresa enquanto um todo.”.
E. Ora, o Tribunal a quo deu como provado que a decisão de aprovar e distribuir o referido comunicado se deu em contexto sindical, e de luta laboral.
F. Mas depois conclui que os AA. decidiram proceder à entrega dos mesmos como se de opiniões próprias e particulares se tratasse, sem qualquer contextualização ou atenção à sua condição de trabalhadores e ignorando o precedente enquadramento sindical da ação.
G. Tomando, sem mais, parte, exclusivamente, pelos direitos da entidade empregadora, a R., o Tribunal a quo desconsiderou não só o enquadramento da questão, como a própria conformação da liberdade de expressão, especialmente em contexto laboral e sindical.
Isto porque:
H. O artigo 10.º da CEDH [Convenção Europeia dos Direitos do Homem] determina que: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou idéias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras”.
I. E ainda que tal direito tenha limitações, que as tem, o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sustenta que estas “têm de ser interpretadas muito restritamente e sempre atendendo à existência de uma «necessidade social imperiosa»”.
J. Ora, que necessidade social imperiosa é que pode beneficiar a entidade patronal, que possa justificar a limitação por esta desejada à liberdade de expressão dos seus trabalhadores?
K. Principalmente quando não se provou qualquer dano efetivo à imagem da empresa, a mesma até aumentou a sua atividade entretanto e esta apenas se queixou de vagos sentimentos de vergonha e embaraço, que atribuiu a outros empregados seus e nem sequer a si?
L. Veja-se que a liberdade de expressão é protegida a nível constitucional (artigo 37.º) e especialmente a nível laboral (artigo 14.º, do Código do Trabalho), sendo “reconhecida, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa”.
M. Aliás, segundo Guilherme Machado Dray “a liberdade de expressão e de opinião no âmbito da empresa constitui uma condição necessária à tutela da dignidade do trabalhador”, que é a parte mais frágil da relação laboral.
N. Mais, refere Jorge Leite que “Desde que não ultrapasse os seus limites, a crítica, mesmo pública, corresponde ao exercício de um direito, aliás, como um longo e penoso percurso histórico. Também este direito à crítica faz parte das regras da convivência democrática, com ele se cumprindo, aliás, uma das mais essenciais funções da liberdade de expressão, desde logo a de suscitar a comunicação, o diálogo, o debate”.
O. Até porque, nas palavras do mesmo autor, “aceita-se que o empregador deva ser considerado menos exposto ao escrutínio público, mas também se me afigura razoável entender-se que se não encontra no plano do cidadão comum. Afinal, é ele, empregador, que dirige uma instituição em que também convergem os interesses dos que nela trabalham e até interesses mais gerais”.
P. Isto porque os empregadores cumprem funções sociais que extravasam, numa sociedade civilizada e democrática, a simples produção de lucro e não podem por isso exigir eximir-se à avaliação de toda a sociedade, forçando os seus trabalhadores a votos de silêncio.
Q. Mais acresce que os AA. se encontravam no âmbito de uma atividade sindical, cuja liberdade está especialmente prevista na Constituição Portuguesa (artigo 55.º) e cuja concretização vem no artigo 460.º, do Código do Trabalho, sendo que foi a comissão sindical que marcou o plenário e foram os trabalhadores que, presentes, decidiram proceder à distribuição de um comunicado que procede diretamente dessa atividade sindical.
R. Ora, neste contexto, podem até ser utilizadas palavras «incomodativas» ou até «fortes» mas elas têm que ser entendidas como o exercício do direito de expressão por parte de uma associação sindical, tendo os trabalhadores apenas, visto terem sido “mandatados para tal”, entregue o comunicado em causa e nada mais do que isso.
S. Veja-se que a entidade patronal, R., nunca foi apodada diretamente de nada, tendo-se apenas elencado factos que ou são do conhecimento geral ou foram transmitidos por outros trabalhadores à comissão sindical: “1) houve uma evolução positiva do turismo na região algarvia desde 2013; 2) não havia atualização de salários; 3) houve aumento da precariedade das condições de trabalho pelo recurso a trabalho temporário e estagiários; 4) verificou-se um aumento da repressão; 5) não se verificava pagamento do trabalho suplementar.”
T. Ora, a R. apresentou-se como tendo sido difamada, pois entendeu que a informação transmitida era falsa ou incorreta.
U. Mas veja-se: o Código Penal diz, quanto ao crime de difamação, “A conduta não é punível quando o agente tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
V. Em bom rigor, tanto a associação sindical, como a comissão sindical, como os AA. tinham fundamento para tomar como verdadeiras as informações transmitidas por colegas, até porque face à relação de domínio da entidade empregadora sobre os seus trabalhadores e ao melindre das questões qualquer averiguação junto desta seria inviável.
W. Aliás, o Código Civil diz o mesmo: “É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão e a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º).
X. Ora, o critério do bom pai de família sempre aqui surgiria como medida de bom senso, pois só se pode concluir, em face das circunstâncias do caso, que os AA. não tendo motivo para duvidar da veracidade dos factos transmitidos por colegas não podem ter culpa de uma lesão provocada à R.
Y. Aliás, lesão e danos que esta nem conseguiu, ou não quis, provar.
Z. Em conclusão: o teor do comunicado entregue pelos trabalhadores arguidos não consubstancia, objetivamente, qualquer violação dos deveres de respeito, de urbanidade para com a sua entidade empregadora e superiores hierárquicos e do dever de lealdade previstos nas alíneas a) e f) do n.º 1 do artigo 128.º do CT/2009, na medida em que traduz, tão só, o exercício do direito de liberdade de expressão e do direito de liberdade sindical, previstos nos artigos 37.º e 55.º da CRP, respetivamente, e 14.º do CT/2009.
AA. Pelo que o despedimento foi ilícito!
BB. Ou, quando muito, não há qualquer culpa e, portanto, nem tão pouco a nível laboral poderia haver espaço para qualquer sanção disciplinar.
CC. Em suma, ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida, com o devido e mui merecido respeito, violou o disposto nos normativos legais supramencionados.
DD. Pelo que, deve a douta sentença recorrida ser revogada, condenando-se a recorrida tal como o peticionado pelos AA. ora recorrentes.
II – DA INCORRECTA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS – DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
EE. Para efeitos de celeridade processual e melhor leitura, dão-se aqui por reproduzidos os pontos acima expostos, nomeadamente os S. e seguintes, das presentes conclusões.
FF. Efetivamente, em qualquer ramo do Direito nacional, a conduta dos AA. tem que ser vista à luz do especial circunstancialismo do caso, o que leva, obrigatoriamente, a uma leitura mais branda do sucedido.
GG. Contudo, o Tribunal a quo concluiu: “Face ao exposto é, pois, evidente que o desvalor da conduta é elevado e, por isso, não consideramos exigível a manutenção de vínculo laboral com trabalhadores que, conscientemente, adotaram condutas que põem em causa, de forma ilegítima (face ao apurado respeito das atualizações e práticas salariais, à forma de compensação do trabalho suplementar, ao recurso ao trabalho temporário e estagiários e demais práticas laborais), o bom nome da sua entidade patronal do qual muito depende o respetivo sucesso.
O despedimento assentou, pois, em justa causa e, apesar da antiguidade e falta de notícia de antecedentes disciplinares, mostra-se proporcional à infração e gravidade da mesma, pelo que não é ilícito.”.
HH. Face ao tudo a acima exposto, parece-nos que o que é evidente é exatamente o contrário daquilo que o douto Tribunal a quo concluiu.
II. Até porque é jurisprudência pacífica que a entidade patronal só deve determinar o despedimento de um trabalhador quando outra sanção permissiva da manutenção do contrato de trabalho seja de todo inaceitável.
JJ. Além do já tudo exposto quanto à conformação legal do direito que a R. alega ter sido violado e da sua proteção, cumpre acrescentar, por dever de patrocínio, que se deve atentar nas atenuantes de que os AA. beneficiam e ficam provadas nos autos, nomeadamente o facto de trabalharem há longos anos para a entidade patronal sem registo disciplinar anterior, o enquadramento dos factos em causa.
KK. Mais, grande parte dos colegas dos AA. manifestaram, inclusive, o seu apoio aos mesmos, como resulta do “Abaixo Assinado” junto aos autos, e cujo conteúdo se dá como reproduzido para os devidos efeitos legais.
LL. Verifica-se portanto que a R. exagera na sua perceção de impossibilidade de manutenção do vínculo laboral, imaginando uma intranquilidade laboral que não existe e cismando numa gravidade dos atos praticados, que como assim já sobejamente demonstrado, não se verifica.
MM. Assim, como diz o Código do Trabalho, a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração."(art.º 330.º/1).
NN. É, pois, destituída de fundamento a acusação de ser o comportamento dos AA, de tal gravidade e consequência, que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento.
OO. Pelo que, em conclusão, inexiste justa causa para o despedimento por este motivo, mostrando-se a sanção de despedimento desadequada aos factos apurados em julgamento quanto ao trabalhador, sendo portanto o despedimento ilícito!
PP. Assim, ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida, com o devido e mui merecido respeito, violou o disposto nos normativos legais supramencionados.
QQ. Pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada, condenando-se a recorrida tal como o peticionado pelos AA. ora recorrentes.

3. Foi apresentada resposta, que conclui do seguinte modo:
I) Da correta aplicação do Direito em respeito pela Liberdade de Expressão:
1.ª) A sentença proferida não viola o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem os artigos 37.º da Constituição da República Portuguesa ou 14.º do Código do Trabalho, normas que consagram o direito à Liberdade de Expressão;
2ª) Não se puniram os recorrentes por causa do exercício de atividade sindical, como resulta do Facto Provado n.º 83, que não foi impugnado, mas pela violação do dever dos deveres de respeito, lealdade, urbanidade, honestidade, confiança, probidade e boa-fé para com a entidade patronal previstos no artigo 128.º n.º 1, als a) e f) e n.º 2 do CT;
3ª) Ao invés do que pretendem, o facto de os recorrentes exercerem uma atividade sindical não lhes permite cometer crimes e violar direitos de terceiros ou fazer um uso abusivo da liberdade de expressão que lhes assiste, nem os isenta dos deveres dos trabalhadores previstos no artigo 128.º do Código do Trabalho;
4ª) A liberdade de expressão e de opinião no local de trabalho não é absoluta nem ilimitada e cessa na medida em que dela resulte a ofensa dos direitos de personalidade de outros sujeitos laborais ou quando suscetível de afetar o normal funcionamento da empresa, não permitindo atitudes ou declarações claramente contrárias aos interesses da empresa nem contribuir, de alguma forma, para, levianamente, difundir uma imagem distorcida da respetiva entidade patronal;
5ª) A divulgação de factos falsos por delegados sindicais agrava tal conduta pois têm especiais direitos de informação e consulta, nos termos do artigo 466.º n.º 1 do CT, tornando inadmissível que pautassem a sua atuação com fundamento em meros rumores ou opiniões, suas ou expressas por alegados colegas, pois impendia sobre eles um especial dever de apurar a situação da empresa;
6ª) Resulta de facto provado n.º 42, não impugnado, que os recorrentes difundiram um documento em que acusavam a sua entidade patronal de os explorar e de os condenar à pobreza com as seguintes práticas: não atualização de salários; precarização das condições de trabalho; aumento de repressão; não pagamento do trabalho suplementar – factos que se provou serem falsos (Factos n.ºs 47 a 82, não impugnados);
7ª) Os recorrentes têm conhecimento direto e não podiam desconhecer a falsidade dos factos que imputaram à entidade patronal - que não os condena à pobreza, nem lhes dá condições de vida indignas, nem os explora, antes lhes concede benefícios muito acima do que por lei seria obrigada a dar – pois beneficiam diretamente dos pagamentos e benesses conferidos pela entidade patronal, tendo agido com má-fé e culpa na sua ação difamatória;
II) Da correta aplicação do Direito em respeito pelo Princípio da Proporcionalidade:
8ª) Não existem, não foram levadas aos autos, não resultam dos factos provados, nem os recorrentes identificam prova da existência de, quaisquer atenuantes da conduta dos recorrentes, sendo que a mera antiguidade não é um fator atenuante;
9ª) Pelo contrário, a qualidade de agentes sindicais dos recorrentes com especial acesso aos dados da empresa para verificação dos mesmos, o conhecimento direto dos factos que sabiam ser falsos, agravado pela antiguidade, bem como a forma pública usada para prejudicar a imagem da entidade patronal constituem agravantes da sua atuação;
10ª) A ilegalidade da conduta dos recorrentes ao violar os direitos da entidade patronal é objetiva e existe independentemente das suas consequências;
11ª) Sem prescindir, a conduta dos recorrentes não foi inconsequente, como pretenderiam, pois conseguiram proceder à distribuição dos documentos e obter o resultado de divulgação pública pretendido (cfr. factos provados n.ºs 44 a 46 e 80, não impugnados), o que causou, por um lado, a perda de confiança da entidade patronal nos trabalhadores que violaram os deveres de respeito, lealdade, urbanidade, honestidade, confiança, probidade e boa-fé e, por outro lado, a divulgação - lesiva do bom nome da recorrida - de ideias falsas sobre esta com o conhecimento público dos factos falsos que lhe imputaram;
12ª) A lesão ao bom nome da recorrida, que dele depende na sua atividade, é particularmente nefasta, grave e perene pois não há como eliminar da realidade social o conhecimento que o público - no local (turistas, auditores, trabalhadores) e por disseminação em comunicação a nível nacional - teve dos factos que lhe imputaram os recorrentes e que, ainda que falsos, são idéias “invisíveis” que entraram na esfera do seu conhecimento que perduram na sociedade e no tempo;
13ª) Não consta dos factos provados que a R. tenha aumentado a sua atividade, nem foi alegada nem provada qualquer relação causa-efeito com os factos dos autos sendo certo que a diminuição da procura é um facto negativo, bem como a formação de ideias erradas na mente da opinião pública, que não ocorrem apenas ato contínuo com a lesão mas também com efeito prolongado além do momento desta;
14ª) Ao invés do que alegam, os recorrentes perturbaram a tranquilidade do ambiente laboral, sendo eles próprios que pedem desculpa pelo “incómodo” que causaram, no panfleto que distribuíram, como resulta do teor do facto provado 42, que não foi impugnado;
15ª) Para além desse incómodo no normal desenvolvimento da atividade no local de trabalho, que ocorreu no momento dos factos, a entidade patronal nunca mais poderá estar tranquila porque perdeu a confiança quanto à capacidade, aptidão e apetência dos trabalhadores recorrentes para o respeito, lealdade, urbanidade, honestidade, confiança, probidade e boa-fé;
16ª) Os recorrentes, apesar de não impugnarem os factos provados – admitindo, necessária e implicitamente, a falsidade das acusações feitas – nas alegações, continuam a minimizar as suas ações dizendo que a gravidade da sua conduta não passa de uma “cisma” da recorrida e que tudo não passa de uma “estratégia de vitimização”, como se a entidade patronal não fosse efetivamente vítima da sua atuação, mantendo que tinham o direito a imputar-lhe factos falsos;
17ª) Perante as imputações feitas e a forma como foram divulgadas, tanto mais graves quanto uma unidade hoteleira depende do seu bom nome e reputação, a confiança da recorrida nos trabalhadores e no seu futuro comportamento foi irremediavelmente perdida;
18ª) Acresce que os recorrentes defendem que o exercício da liberdade de expressão e da atividade sindical lhes permite acusar a entidade patronal de factos falsos e ofensivos do seu bom nome;
19ª) O desvalor da conduta dos recorrentes é elevado e agravado pelo facto de, como apurado e resultante dos factos provados 47 a 82, não impugnados, apesar das dificuldades económicas por que tem vindo a passar, a entidade patronal ter sido exemplar no que respeita a atualizações e práticas salariais, à forma de compensação do trabalho suplementar, ao recurso ao trabalho temporário e estagiários e demais práticas laborais;
20ª) Não é exigível a manutenção de vínculo laboral com trabalhadores que, conscientemente, adotam condutas que põem em causa, de forma ilegítima o bom nome e reputação da entidade patronal;
21ª) A sentença recorrida não violou o princípio da Proporcionalidade, previsto pelo artigo 330.º n.º 1 do CT pois aplicou a única sanção possível perante a gravidade dos factos praticados pelos recorrentes, sendo proporcional à infração e gravidade da mesma.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, com as legais consequências.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer onde conclui pela confirmação da sentença recorrida.
Notificado, nada foi dito pelas partes.

5. Após os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em apurar se existe justa causa para despedimento e respetivas consequências, conforme se decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença deu como provada a seguinte matéria de facto, não impugnada, expurgada da transcrição das notas de culpa e relatórios finais elaborados pela instrutora do procedimento para onde remete a decisão final, conforme abaixo se explicará como questão prévia, que a seguir se transcreve:
1. BB foi admitido ao serviço da sociedade “FF, SA”, por contrato de trabalho a prazo, com início no dia 02 de dezembro de 1988, encontrando-se atualmente, por força das sucessivas renovações, em situação de trabalho sem termo.
2. CC foi admitida ao serviço da sociedade “FF, SA”, por contrato de trabalho a prazo, com início no dia 6 de abril de 1987, encontrando-se atualmente, por força das sucessivas renovações, em situação de trabalho sem termo.
3. DD foi admitido ao serviço da sociedade “FF, SA”, por contrato de trabalho a prazo, com início no dia 4 de maio de 1998, encontrando-se atualmente, por força das sucessivas renovações, em situação de trabalho sem termo.
4. Os AA. exerciam funções no Hotel …, em Vilamoura.
5. Em 2006, a sociedade “EE S.A.” adquiriu a totalidade do capital social da sociedade comercial suprarreferida, incluindo o Hotel suprarreferido.
6. O Hotel, numa primeira fase passou a denominar-se … e, posterior e atualmente, … – Algarve.
7. Os AA. passaram, então, a ser trabalhadores da EE, S.A. com todos os direitos e regalias de que dispunha ao serviço da FF, S.A., continuando a desempenhar funções no citado Hotel.
8. BB foi admitido ao serviço para desempenhar as funções de cozinheiro de 1.ª, as quais se mantiveram até à decisão de despedimento.
9. É delegado sindical e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve.
10. O que é do conhecimento da EE, S.A..
11. CC foi admitida ao serviço para desempenhar as funções de copeira, as quais se manteve até à data do despedimento.
12. É associada do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve, não exercendo, no entanto, aí qualquer função.
13. DD foi admitido ao serviço para desempenhar as funções de rececionista de 2.ª, as quais se mantiveram em vigor até ao despedimento com a categoria de 1.ª.
14. É delegado sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve.
15. O que é do conhecimento da EE, S.A..
16. Em 6 de junho de 2016 BB foi notificado da nota de culpa junta no processo disciplinar apenso.
17. Em 6 de Junho de 2016 CC foi notificada da nota de culpa junta no processo disciplinar apenso.
18. Em 6 de junho de 2016 DD foi notificado da nota de culpa junta no processo disciplinar apenso.
19. Em todas as notas de culpa constava o seguinte “Já no pretérito dia 08 de maio de 2016 o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve (…) fez distribuir (…) um comunicado interno com o título “ AUMENTO DOS SALÁRIOS E PAGAMENTO DO TRABALHO SUPLEMENTAR ACUMULADO”(…)
A convocatória do plenário foi assinada, em nome próprio, por três delegados sindicais (…) Sucede que os sobreditos delegados sindicais (… ) extrapolaram as atribuições que lhe são conferidas pelos Estatutos do sindicato de que são associados ( …) carecendo de legitimidade para o efeito.”
20. Na nota de culpa comunicava-se que a conduta do trabalhador constituía justa causa de despedimento.
21. Da nota de culpa foi dado conhecimento ao Sindicato de que os AA. são delegados sindicais e associada, respetivamente.
22. Os AA. responderam às notas de culpa, realçando que a questão levantada no processo disciplinar prendia-se com a atividade do sindicato enquanto um todo, sendo por isso indevida a ação apenas contra determinados trabalhadores em concreto, ressalvando ainda que já há cerca de 28, 29 e 18 anos respetivamente que se encontram ao serviço da unidade de produção atualmente detida pela requerida, não tendo até ao momento qualquer antecedente disciplinar, que o plenário tinha sido legalmente convocado e concluindo que “Considerando o que aqui foi dito, não resta concluir senão requerendo-se o arquivamento do processo sem a aplicação de qualquer sanção disciplinar (…).
Com efeito, estamos em crer que não estão reunidos os pressupostos à aplicação de qualquer sanção disciplinar.
(…) agiu num exercício de direitos legítimos protegidos quer em sede laboral, quer mesmo através do texto constitucional, sendo desproporcional a limitação desses mesmo direitos em detrimento daqueles que a arguente pretende fazer valer.”
23. Os AA. solicitaram ainda a inquirição de testemunhas.
24. Após a audição das testemunhas arroladas pelos AA. a R. decidiu proceder à realização de novas diligências probatórias, nomeadamente voltando a ouvir algumas das testemunhas bem como ouvindo novas testemunhas.
25. Após, através de carta datada de 28 de julho de 2016, remeteu aos AA. nota de culpa reformulada com o teor que melhor consta nos processos disciplinares que que aqui se dá por reproduzido.
26. Os AA. responderam à mesma requerendo a inquirição das suas testemunhas aos novos factos e pugnando pelo arquivamento do processos.
27. Após produção de todas as diligências probatórias, e no tocante aos processos disciplinares instaurados contra os AA. BB e DD, foram apresentadas cópias integrais dos processos disciplinares ao Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve, para, querendo, emitirem pareceres fundamentados, o que este fez pugnando pela inexistência da prática de qualquer infração disciplinar e preconizando o arquivamento dos dois processos disciplinares.
28. No dia 18 de novembro de 2016, foram elaborados relatórios finais.
29. Nesse mesmo dia, a instrutora remeteu os autos disciplinares ao Diretor-Geral e ao Diretor Financeiro, respetivamente, … e ….
30. Os quais, no dia 21 de novembro de 2016 e com poderes ao abrigo da procuração outorgada, e autenticada no dia 29 de dezembro de 2015, perante a Advogada, Dr.ª …, com a cédula profissional n.º… e com domicílio profissional na Praça …, Lisboa, por “EE, SA”, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva …, representada pelo seu vogal do Conselho de Administração, …, com base na Ata que o dito conselho lhe transferiu, em sua reunião de 14 de dezembro de 2015, vieram a proferir as decisões finais, no sentido de despedir os AA. com os fundamentos constantes dos relatórios finais da instrutora.
31. Das decisões finais e respetivos relatórios foi dado conhecimento ao Sindicato em causa, através de cartas registadas com aviso de receção, recebidas no dia 24 de novembro de 2016, conforme resulta dos mencionados avisos juntos aos processos disciplinares.
32. Assim, em 21 de novembro de 2016 a R., no processo atinente a BB, a R. proferiu decisão disciplinar aplicando decisão disciplinar de despedimento com justa causa, dando por provados os factos constantes da nota de culpa referida em 25.
33. Em 21 de novembro de 2016 a R., no processo atinente a CC, proferiu decisão disciplinar aplicando decisão disciplinar de despedimento com justa causa, dando por provados os factos constantes da nota de culpa referida em 25.
34. Em 21 de novembro de 2016 a R., no processo atinente a DD, proferiu decisão disciplinar aplicando decisão disciplinar de despedimento com justa causa, dando por provados os factos constantes da nota de culpa referida em 25.
35. Tais decisões foram notificadas aos AA. em 24 de novembro de 2016.
36. No decurso dos processos disciplinares os requerentes não foram suspensos de funções.
37. No dia 21 de março de 2016, BB, na qualidade de dirigente sindical, enviou um e-mail para a Diretora de Recursos Humanos do Hotel, …, informando-a da decisão da marcação de um “Plenário de Trabalhadores, conforme anexo que remetia.
38. Do referido anexo constava “(...) os delegados sindicais programaram para o dia 24 de março de 2016, às 12:30m, a realização de um plenário com os trabalhadores desse estabelecimento com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Ponto – Concentração no exterior junto ao Hotel
a) apresentação e leitura de Moção.
2. Ponto – Diversos.
De facto estão desde já a dar conhecimento a V. exa. E informa da realização do referido Plenário na Porta de Serviço do Hotel.(…)”.
39. Tal anexo foi assinado pelos AA.BB e DD e, ainda, pelo colega, GG, na qualidade de delegados sindicais.
40. BB, DD e GG integravam, à data, a comissão sindical.
41. No dia 24 de março de 2016, os trabalhadores que aderiram ao plenário encontraram-se na porta de serviço da unidade hoteleira em causa, tendo aprovado uma proposta para, de imediato, procederem à distribuição de um comunicado com o título “COMUNICADO AOS CLIENTES” e com a menção prévia de “Sindicatos dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve” o que fizeram, deslocando-se para a porta principal do hotel com bandeiras do sindicato a que pertenciam.
42. Uma vez aí os AA. BB, CC e DD que tinham participado no plenário, procederam à distribuição do documento, redigido em português e inglês, não assinado, com o seguinte teor:
“COMUNICADO AOS CLIENTES
HOTEL …ESTÁ A AUMENTAR A EXPLORAÇÃO E A EMPURRAR-NOS PARA A POBREZA
2013 foi considerado “o melhor ano turístico de sempre”, 2014 “foi um ano de recordes turísticos na região e no país” e em 2015 a atividade turística no Algarve voltou a registar um crescimento de 10,2% de proveito, atingindo 758,4 milhões de euros.
Embora o turismo na região esteja em crescimento há vários anos os nossos salários não são atualizados há 8 anos, ao mesmo tempo que tudo temos feito para manter um serviço de qualidade ao cliente. De ano para ano a administração do hotel (…) tem vindo a precarizar cada vez mais as nossas condições de trabalho recorrendo ao trabalho temporário pago com baixos salários e aos estágios em substituição de trabalhadores, enquanto a repressão tem vindo a aumentar.
Além de não vermos os salários atualizados a administração não nos paga o trabalho suplementar que fizemos devido à falta de contratação de trabalhadores para responder a todas as necessidades dos clientes.
Pedimos desculpa pelo incómodo causado mas não aguentamos mais esta exploração, queremos trabalhar e prestar um bom serviço ao cliente mas também queremos que a administração deste hotel nos respeite, queremos trabalho com direitos e salários justos que nos permitam ter uma vida digna.
(…)
A comissão Sindical”
43. O A. BB apresentava-se com, pelo menos, parte da farda disponibilizada pela R. para exercício exclusivo das suas funções, vestida.
44. Pelo menos numa ocasião, o A. DD acompanhou um hóspede do hotel, com quem falava desde a cancela e até à entrada principal da mesma, explicando e exibindo o conteúdo do comunicado, que trazia na mão.
45. Os AA. distribuíram o comunicado a quem entrava ou saía do hotel e, junto à cancela de acesso ao hotel, às pessoas que passavam em direção à praia ou em regresso da mesma.
46. O comunicado foi, ainda, entregue aos auditores contabilísticos da R. que, no dia em questão, se encontravam a realizar uma auditoria na empresa os quais, por sua vez, procederam à entrega do mesmo à R..
47. Dado o estado de degradação e velhice do hotel, este foi encerrado, para remodelação total, no período de tempo compreendido entre novembro de 2008 e junho de 2010.
48.O resultado líquido de exercício da R. foi de:
a) em 2010 : - € 8 458 637,05;
b) em 2011: - € 6 248 781,14;
c) em 2012: - € 4 159 736,19;
d) em 2013: - € 3 740 611,60;
e) em 2014: - € 2.243 766,27;
f) em 2015: - € 1 153 938,65.
49. Em virtude dos constrangimentos de tesouraria nos anos de 2010 a 2015 as chefias nem sempre receberam, pontualmente, as suas remunerações.
50. Também, por isso, os administradores da empresa tiveram, também, de reduzir as suas remunerações.
51. Em tal período a R. não conseguiu satisfazer todos encargos junto do Estado e da Segurança Social o que a obrigou a suportar juros moratórios e coimas, no valor de € 1 585,12 em 2011, € 67 330,44 em 2012, € 30 012,41 em 2013, € 16 473,79 em 2014 e € 90 999,81 em 2015.
52. A R. acordou com a segurança social a regularização das contribuições em dívida, cujo cumprimento global só ocorreu no mês de novembro de 2015.
53. A reabertura do hotel ocorreu em plena crise nacional e internacional.
54. No ano de 2007 a R. procedeu a um aumento geral em 5% dos salários de todos os seus trabalhadores, passando a maioria deles a receber acima da tabela salarial em vigor.
55. Durante o período de encerramento do hotel para obras a R. manteve o vínculo laboral com todos os trabalhadores e regalias inerentes.
56. Alguns trabalhadores da empresa, estando sem funções, aproveitaram para prestar serviços para terceiras entidades, cumulando, assim, remunerações complementares.
57. Durante tal período os trabalhadores gozaram férias que tinham por gozar, tendo ainda realizado formação.
58. Anualmente, em decorrência de promoções, a R. procede a aumentos salariais dos trabalhadores abrangidos.
59. No ano de 2014, a R. procedeu a aumento de salários, que variou entre os 2,5% e os 4%, para todos os trabalhadores que auferissem uma remuneração mensal inferior a € 650.
60. A R., na sequência do que a FF já fazia, disponibiliza a todos os seus trabalhadores três refeições diárias completas, com inclusão dos dias de gozo de folgas e feriados.
61. Os trabalhadores podem tomar a refeição mesmo nos dias em que terminam o seu horário de trabalho em horas incompatíveis com as refeições.
62. A R. celebrou com a companhia de seguros “…” um seguro de saúde de grupo da rede “Médis” e de que todos os trabalhadores beneficiam, com coberturas que constam doas condições especiais da apólice juntas aos processos disciplinares e que aqui se reproduzem.
63. A empresa suporta, por trabalhador, o custo de seguro anual de € 167,42.
64. Este seguro é extensível a todos os familiares diretos e cônjuges, com iguais regalias e com um custo igual para adultos e com o custo de € 147,15 para os filhos.
65. Em situação normal no mercado dos seguros, o custo do seguro não seria inferior a € 700 anuais.
66. A R. disponibiliza fardamento a todos os trabalhadores que a têm de usar por inerência das funções, bem como a respetiva manutenção diária.
67. No verão, em alguns departamentos, os trabalhadores usam, diariamente, duas fardas diferentes.
68. A R. recorre à contratação a termo no verão e, no período de inverno, quando há ocupação transitória por grandes grupos.
69. A R. recorre à prestação de trabalho temporário em período de verão, para quando não consegue recrutar a termo.
70. A taxa de ocupação do hotel no inverno – novembro a abril/maio - anda na ordem dos 30% e, no verão pode atingir a taxa máxima.
71. A R. mantém, durante o ano inteiro, um quadro constante de 220 trabalhadores ao serviço do hotel.
72. A R. pratica salários de acordo com a CCT outorgada pela “AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve”.
73. É prática corrente no sector, o que a R. também faz, aceder a pedidos de aceitação de estagiários, realizados pelas escolas de hotelaria e turismo e pelas escolas de formação profissional, variando a aceitação anual entre os 10 e os 20.
74. A R. suporta parte da remuneração dos mesmos, assegurando-lhes ainda alimentação, alojamento e fardamento.
75. A contratação de estagiários não tem interferência no número de trabalhadores efetivos da empresa por não lhes retirarem trabalho substancial.
76. No setor da hotelaria e turismo é prática corrente compensar o trabalho suplementar prestado por um trabalhador com dias de folga.
77. Na R. quem trabalha em feriado goza dois dias de folga e quem trabalha em dia de folga goza três dias de folga.
78. Tal forma de compensação é desejada pela quase totalidade dos trabalhadores da empresa porquanto lhes reduz a sua tributação em sede de IRS.
79. Em caso de cessação do contrato de trabalho a R. procede ao pagamento das folgas e dos feriados não gozados, em consequência do trabalho suplementar prestado.
80. No dia 26 de março de 2016, no Jornal …, foi publicitada a ação referida em 39.
81. A R. beneficiou de financiamento do programa Algarve 21.
82. A R., no inverno, encerra parte do hotel com vista à diminuição de custos.
83. A R. não puniu os AA. por terem participado em iniciativa que passava pela reclamação das condições de trabalho nem por nela terem intervindo na qualidade de dirigentes sindicais.
84. Em 2017 o Sindicato dos trabalhadores da Indústria e Hotelaria, Turismo, restaurantes e similares do Algarve apresentou à R. o caderno reivindicativo junto a fls. 83 cujo teor se dá por reproduzido.
85. Em data anterior a março de 2016 o Sindicato dos trabalhadores da Indústria e Hotelaria, Turismo, restaurantes e similares do Algarve já tinha reunido com a R. reivindicando aumentos salariais e a regularização do trabalho suplementar.
86. À data do despedimento, o A. BB auferia, 14 vezes ao ano, a remuneração base mensal ilíquida de € 1.391,39 (mil trezentos e noventa e um euros e trinta e nove cêntimos), sendo o subsídio de alimentação pago em espécie.
87. Na sequência do despedimento, foram pagos ao A. BB € 5.907,95 (cinco mil, novecentos e sete euros e noventa e cinco cêntimos) dos quais:
a) Remuneração base (relativa ao período de 01/11/2016 a 24/11/2016): € 1 113,11;
b) Outros abonos relativos aos dias de recuperação não gozados: € 946,15;
c) Subsídio de alimentação (relativo ao período de tempo de férias não gozadas): € 37,83;
d) Proporcionais do subsídio de férias (2016): € 1 267,71;
e) Dias de férias não gozados (2016): € 1 275,44;
f) Proporcionais do subsídio de Natal: € 1 267,71.
85. A. CC, à data do despedimento, auferia, 14 vezes ao ano, a remuneração base mensal ilíquida de € 611,65 (seiscentos e onze euros e sessenta e cinco cêntimos), sendo o subsídio de alimentação pago em espécie.
88. Na sequência do despedimento, foram pagos à A. CC € 3.091,89 (três mil e noventa e um euros e oitenta e nove cêntimos) ilíquidos, dos quais:
a) Remuneração base (relativa ao período de 01/11/2016 a 24/11/2016): € 489,32;
b) Outros abonos relativos aos dias de recuperação não gozados: € 973,08;
c) Subsídio de alimentação (relativo ao período de tempo de férias não gozadas): € 34,60;
d) Proporcionais do subsídio de férias (2016): € 531,63;
e) Dias de férias não gozados (2016): € 531,63;
f) Proporcionais do subsídio de Natal: € 531,63.
89. À data do despedimento, o A. DD auferia, 14 vezes ao ano, a remuneração base mensal ilíquida de € 740,78 (setecentos e quarenta euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de um abono para falhas mensal líquido de € 34,44 (trinta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), da quantia mensal ilíquida de € 370,39 (trezentos e setenta euros e trinta e nove cêntimos) pela prestação de trabalho noturno fixo e de um prémio de línguas mensal no valor ilíquido de € 43,76 (quarenta e três euros e setenta e seis cêntimos), sendo o subsídio de alimentação pago em espécie.
90. Na sequência do despedimento, foram pagos ao A. DD € 7.260,94 (sete mil, duzentos e sessenta euros e noventa e quatro cêntimos) ilíquidos, dos quais:
a) Remuneração base (relativa ao período de 01/11/2016 a 25/11/2016): € 617,32;
b) Abono para falhas (relativa ao período de 01/11/2016 a 25/11/2016): € 28,70;
c) Ajuste anual do subsídio de Natal: € 536,71;
d) Trabalho noturno fixo (relativa ao período de 01/11/2016 a 25/11/2016): € 308,66;
e) Prémio de línguas (relativa ao período de 01/11/2016 a 25/11/2016): € 36,47;
f) Outros abonos relativos aos dias de recuperação não gozados: € 1 378,59;
g) Subsídio de férias (50% referentes ao ano de 2016): 693,80;
h) Subsídio de Natal (duodécimo referente mês de novembro de 2016): € 41,13;
i) Subsídio de alimentação (relativo ao período de tempo de férias não gozadas): € 79,58;
j) Proporcionais do subsídio de férias (2016): € 1 080,91;
k) Dias de férias não gozados (2016): € 1.378,16;
l) Proporcionais de férias (2016): € 1 080,91.
91. A R. não tem conhecimento da existência de comissão de trabalhadores junto de si.

B) APRECIAÇÃO
A questão a decidir consiste em apurar se existe justa causa para despedimento e respetivas consequências, conforme o que for decidido.

A) Questões prévias
1. A sentença recorrida transcreve nos factos provados as três notas de culpa e os três relatórios com a proposta de decisão elaborada pela instrutora do procedimento disciplinar.
Face ao alegado pelas partes, não está em causa a existência das notas de culpa nem as suas exigências de forma.
De igual modo, não está em causa o exercício do direito de resposta pelos trabalhadores.
Não está também em causa a existência das decisões de despedimento dos trabalhadores nem os relatórios elaborados pela instrutora do processo para os quais remetem as decisões de despedimento da empregadora (art.º 357.º n.º 4 do CT).
O que está em causa é a prova dos factos constantes da decisão de despedimento (art.º 387.º n.º 3 do CT), e dos factos invocados pelos trabalhadores para justificar o seu comportamento ou que constituam exceção impeditiva ou extintiva do direito de despedir.
Neste contexto, torna-se inútil que o tribunal de primeira instância reproduza as notas de culpa e os relatórios com as propostas de decisão elaboradas pela instrutora do procedimento disciplinar, quando estas formalidades não estão em causa. O único efeito obtido com a transcrição é tornar mais complexo o processo, a leitura, compreensão e discernimento do que são factos alegados pelas partes dirigidas ao tribunal para este apreciar e o que são os factos e razões que cada uma das partes dirige à outra no decorrer do procedimento disciplinar.
O tribunal tem de responder provado ou não provado aos factos alegados em tribunal pelas partes, com os limites decorrentes dos art.ºs 357.º n.º 4 e 387.º n.º 3 do CT, que já citámos. O tribunal não tem de reproduzir a nota de culpa, a resposta e o relatório final, os quais constituem garantia da existência de um processo formalmente justo dirigido pela empregadora contra o trabalhador, mas o que aí diz cada uma das partes só prova que o disseram e não a veracidade do alegado.
O que aí alegam fará parte do tema da prova se e na medida em que as partes o apresentem a tribunal ou decorra da audiência de discussão e julgamento da matéria de facto (art.º 72.º n.ºs 1, 2 e 4 do CPT), sempre com respeito pelo contraditório e desde que os novos factos não agravem a situação dos trabalhadores. O tribunal só tem de pronunciar-se sobre os factos alegados no requerimento inicial e na oposição e sobre aqueles que decorram da audiência de julgamento. Nestes dois articulados estão os factos objeto de prova, desde que constantes da decisão de despedimento ou da resposta do trabalhador.
Daí que tenhamos retirado do elenco dos factos provados a transcrição das três notas de culpa dirigidas inicialmente aos trabalhadores e dos três relatórios finais para os quais remetem as três decisões de despedimento.
2. O tribunal recorrido deu como provado no ponto 83 dos factos provados que: “A R. não puniu os AA. por terem participado em iniciativa que passava pela reclamação das condições de trabalho nem por nela terem intervindo na qualidade de dirigentes sindicais”.
Este facto é conclusivo, na medida em que contém um juízo de valor decorrente de determinados factos. Trata-se de uma conclusão a extrair do conjunto dos factos concretos provados no momento de aplicar o Direito.
Daí que se considere como não escrito e se expurgue do elenco dos factos provados o facto dado como provado no ponto 83 dos factos provados da sentença.

B2) A justa causa de despedimento e suas consequências
O art.º 351.º do CT prescreve que constitui justa causa de despedimento, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (n.º 1).
O n.º 2 deste mesmo artigo enumera exemplificativamente comportamentos do trabalhador, suscetíveis de constituir justa causa de despedimento.
Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os eus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
No caso, o comportamento dos AA. tem atinências com a alínea i) do n.º 2 do art.º 351.º do CT, sob a eventual forma de injúrias ou ofensas dirigidas contra a empregadora.
Os factos provados têm também a ver com a eventual violação dos deveres dos trabalhadores e da empregadora, previstos nos art.º 126.º a 128.º do CT.
A empregadora despediu os AA. com fundamento nos seguintes factos provados: “No dia 24 de março de 2016, os trabalhadores que aderiram ao plenário encontraram-se na porta de serviço da unidade hoteleira em causa, tendo aprovado uma proposta para, de imediato, procederem à distribuição de um comunicado com o título “COMUNICADO AOS CLIENTES” e com a menção prévia de “Sindicatos dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve” o que fizeram, deslocando-se para a porta principal do hotel com bandeiras do sindicato a que pertenciam.
Uma vez aí, os AA. BB, CC e DD, que tinham participado no plenário, procederam à distribuição do documento, redigido em português e inglês, não assinado, com o seguinte teor:
“COMUNICADO AOS CLIENTES
HOTEL … ESTÁ A AUMENTAR A EXPLORAÇÃO E A EMPURRAR-NOS PARA A POBREZA
2013 foi considerado “o melhor ano turístico de sempre”, 2014 “foi um ano de recordes turísticos na região e no país” e em 2015 a atividade turística no Algarve voltou a registar um crescimento de 10,2% de proveito, atingindo 758,4 milhões de euros.
Embora o turismo na região esteja em crescimento há vários anos os nossos salários não são atualizados há 8 anos, ao mesmo tempo que tudo temos feito para manter um serviço de qualidade ao cliente. De ano para ano a administração do hotel (…) tem vindo a precarizar cada vez mais as nossas condições de trabalho recorrendo ao trabalho temporário pago com baixos salários e aos estágios em substituição de trabalhadores, enquanto a repressão tem vindo a aumentar.
Além de não vermos os salários atualizados a administração não nos paga o trabalho suplementar que fizemos devido à falta de contratação de trabalhadores para responder a todas as necessidades dos clientes.
Pedimos desculpa pelo incómodo causado mas não aguentamos mais esta exploração, queremos trabalhar e prestar um bom serviço ao cliente mas também queremos que a administração deste hotel nos respeite, queremos trabalho com direitos e salários justos que nos permitam ter uma vida digna.
A comissão Sindical”
O BB apresentava-se com, pelo menos, parte da farda disponibilizada pela R. para exercício exclusivo das suas funções, vestida.
Pelo menos numa ocasião, o A. DD acompanhou um hóspede do hotel, com quem falava desde a cancela e até à entrada principal da mesma, explicando e exibindo o conteúdo do comunicado, que trazia na mão.
Os AA. distribuíram o comunicado a quem entrava ou saía do hotel e, junto à cancela de acesso ao hotel, às pessoas que passavam em direção à praia ou em regresso da mesma”.
A questão em análise tem a ver com o direito de liberdade de expressão dos trabalhadores e seus representantes no local de trabalho e com os seus limites[1]. Este direito não é absoluto.
Tem-se entendido, filosófica e juridicamente, que o exercício de um direito tem como limite os direitos de outrem. Na prática, os direitos devem ser exercidos com respeito pelos direitos dos demais.
Daí que se diga que os direitos não são absolutos, na medida em que coexistem com outros direitos que devem ser tidos em conta.
No âmbito da empresa, o art.º 14.º do CT reconhece a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa, em consonância com o preceituado nos art.ºs 37.º e 55.º n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa.
A questão está em encontrar a linha a partir da qual o exercício de um direito deixa de ser um direito para passar a ser um abuso.
A linha há de ser encontrada casuisticamente. Além das linhas gerais que já referimos, é na dinâmica do caso concreto que se decide se e em que medida um direito foi exercido de forma a ultrapassar o limite a partir do qual deixa de ter justificação ética e jurídica e passa a ser um não direito. O direito cessa precisamente no ponto em que ultrapassa o fim que justificou a sua constituição.
Nos termos dos art.ºs 460.º, 461.º e 465.º do CT os trabalhadores e os seus representantes podem reunir-se na empresa, de modo a não prejudicar o seu funcionamento, e proceder aí à distribuição, além do mais, de comunicados.
No caso dos autos, os dois AA. delegados sindicais e a A. associada do sindicato, procederam à distribuição de um comunicado na empresa, após aprovação em plenário de trabalhadores. Até aqui, não se vê que exista qualquer exercício ilegítimo do direito previsto na lei.
A controvérsia tem a ver com o conteúdo do comunicado. A empregadora entende que é injurioso ao ponto de tornar imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho e os trabalhadores entendem que não e, em qualquer caso, é desproporcional a sanção de despedimento.
Analisado o conteúdo do comunicado, o que parece chocar mais, objetivamente, é o título “HOTEL …ESTÁ A AUMENTAR A EXPLORAÇÃO E A EMPURRAR-NOS PARA A POBREZA”, e a expressão “enquanto a repressão tem vindo a aumentar”.
Trata-se de afirmações muito fortes.
Todavia, estas afirmações devem ser analisadas e interpretadas, objetivamente, no contexto de luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, que o resto do comunicado descreve.
Está provado que a empregadora aumentou os salários para os trabalhadores em geral em 2007 e que a partir daí até 2016, aumentou só os salários inferiores a € 650 por mês. Os outros ganhos salariais decorreram de promoções. O aumento de retribuição por força de uma promoção profissional não constitui um aumento de salário na função ou categoria. Quando se fala de aumentos salariais, quer dizer-se aumento dos salários correspondentes a cada categoria profissional.
Assim, não é falsa a alegação contida no comunicado quanto ao não aumento salarial durante oito anos, com a exceção relativa aos salários mensais inferiores a € 650 por mês.
Está provado que a empregadora contrata trabalhadores a termo, por força de alguma sazonalidade da sua atividade, e que também recebe estagiários. É uma realidade da vida que os trabalhadores podem criticar e criticam no comunicado e que não constitui uma imputação objetivamente infundada. Referem uma realidade, eventualmente justificada, mas que pode legitimamente ser objeto de crítica pelos trabalhadores e seus representantes.
No que toca ao trabalho suplementar, está provado que não é pago. Quando prestado, a empregadora compensa-o com a concessão de folgas, donde resulta que não é falsa a alegação de que não é pago. Os trabalhadores têm direito a criticar a compensação do trabalho suplementar com a atribuição de folgas em vez do seu pagamento em dinheiro.
Os factos constantes do comunicado e a sua distribuição mostram-se inseridos na luta dos trabalhadores por melhores condições remuneratórias, porquanto está provado que “85. em data anterior a março de 2016 o Sindicato dos trabalhadores da Indústria e Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve já tinha reunido com a R. reivindicando aumentos salariais e a regularização do trabalho suplementar”.
A reunião nas instalações da empresa, a aprovação do comunicado e a sua distribuição pelos trabalhadores no hotel, em face do conjunto dos factos provados, mostra que os trabalhadores já andavam insatisfeitos com a falta de aumentos salariais e com o não pagamento do trabalho suplementar. Não se trata de uma ação isolada e inesperada, mas insere-se num processo reivindicativo, que se tinha iniciado em data anterior e continuou, se atentarmos também que está provado que “84. em 2017 o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve apresentou à R. o caderno reivindicativo junto a fls. 83 cujo teor se dá por reproduzido”.
O comunicado, a seguir ao título, descreve e contextualiza-o. Alega que apesar da melhoria da atividade económica, a empregadora não fez repercutir este facto nos salários.
Neste contexto, não vemos que os trabalhadores tenham extrapolado nas críticas à empregadora até um ponto de tal forma grave que torne imediata e praticamente impossível a subsistência dos contratos de trabalho. A forma das críticas pode ser algo censurável, na medida em que o comunicado se dirige à empregadora duma forma muito dura e foi dado a conhecer aos clientes.
Trata-se contudo de um comunicado inserido num contexto de reivindicação dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, em que o conflito está sempre presente. Não é confortável para a empregadora, é certo.
Ponderados os factos na sua globalidade, as imputações dos AA. não têm como finalidade atingir o bom nome e a honra devida à empregadora, humilhando-a e rebaixando-a, mas sim a melhoria das suas condições de trabalho, embora se mostrem algo excessivas.
A sua gravidade, atentos os factos provados, não permite formular um juízo de censura aos autores de tal forma grave que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, considerando também que resulta dos factos provados que houve mais trabalhadores envolvidos e que não foram objeto de procedimento disciplinar nem sancionados.
Nestes termos, decidimos julgar a apelação procedente, declarar ilícito o despedimento e revogar a sentença recorrida.
Resulta do ora decidido que cada um dos trabalhadores tem direito à indemnização prevista nos art.ºs 389.º n.º 1, alínea a), 390.º e 391.º do CT, conforme opção que fizeram.
Assim, nos termos do segundo artigo citado, cada um dos trabalhadores tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
Às retribuições acabadas de referir deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
Os trabalhadores optaram pela indemnização em substituição da reintegração, pelo que o seu valor será entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º.
Para efeitos do acabado de referir, será atendido o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
O A. BB, foi admitido em 02.12.1988 e auferia na data do despedimento a retribuição base de € 1 391,39 x 14 meses.
O autor DD foi admitido em 04.05.1998 e auferia na data de despedimento a retribuição base de € 740,78 x 14 meses.
A A. CC foi admitida em 06.04.1987 e auferia na data de despedimento a retribuição base de € 611,65 x 14 meses.
Considerando o contexto em que os três trabalhadores foram despedidos, nomeadamente a sua conduta não totalmente isenta de responsabilidade, embora, como se disse, não justificadora da sanção de despedimento, bem como a conduta anterior da empregadora, nomeadamente as regalias concedidas aos trabalhadores, entendemos que a indemnização de antiguidade deve ser fixada com referência a 20 dias de retribuição base para cada um deles, a qual se mostra proporcional e ajustada à gravidade do caso.
Nesta conformidade, julga-se a apelação procedente, declara-se ilícito o despedimento efetuado pela ré, revoga-se a sentença recorrida e condena-se esta nos termos acabados de referir.
Sumário: i) a liberdade de expressão dos trabalhadores e seus representantes legais não constitui um direito absoluto.
ii) a distribuição por três trabalhadores (dois deles dirigentes sindicais), de um comunicado aprovado em plenário pelos trabalhadores, onde consta que “o hotel está a aumentar a exploração e a empurrar-nos para a pobreza”, e as expressões “enquanto a repressão tem vindo a aumentar”, há oito anos que não há aumento de salários, não é pago o trabalho suplementar e aumentou a precariedade”, seguida da descrição dos fundamentos de tal imputação considerados não falsos, consubstancia o direito à crítica, mordaz e incisivo, que vai além do que seria admissível, mas, no contexto em que foi produzido e em que estiveram envolvidos outros trabalhadores que não foram objeto de processo disciplinar, não revela uma gravidade tal que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente, declarar ilícito o despedimento dos autores promovido pela ré, revogar a sentença recorrida e condená-la a pagar a cada um dos trabalhadores:
1. As retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, deduzidas das importâncias que os trabalhadores tenham auferido com a cessação do contrato e que não receberiam se não fosse o despedimento e do subsídio de desemprego atribuído, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social, a liquidar após o trânsito em julgado da decisão final, acrescida dos juros à taxa legal desde as data em que as quantias deveriam ter sido colocadas à disposição dos trabalhadores até pagamento.Custas pela apelada.
2. A indemnização de antiguidade com referência a 20 dias de retribuição base por cada um deles, a liquidar após o trânsito em julgado da decisão final.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 08 de março de 2018.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço

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[1] Sobre esta questão, Acs. do STJ, de 27.05.2004, processo n.º 04A1704; de 07.03.2007, processo n.º 07P440; e de 28.05.2014, processo n.º 2786/11.8TTLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt/jstj.