Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
76/16.9T8RDD.E3
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
CADUCIDADE
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não tendo sido decretada a inversão do contencioso e não tendo o requerente proposto a acção principal dentro do prazo fixado no artigo 373.º, n.º 1, al. a), do CPC, caduca a providência cautelar decretada.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 76/16.9T8RDD.E3

Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo de Competência Genérica do Redondo


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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

(…) requereu providência cautelar não especificada contra (…) e (…), a que estes últimos deduziram oposição.

Produzida a prova, foi proferida sentença que, julgando a providência parcialmente procedente, condenou os requeridos a permitirem que o requerente aufira os frutos da exploração florestal dos prédios identificados nos autos, designadamente as lenhas aí existentes, a absterem-se de qualquer acto de apropriação relativo às mesmas lenhas, a permitirem o acesso do requerente ou de quem este designar às árvores a sujeitar a cortes e/ou podas e a entregarem, na secretaria do tribunal, duplicado das chaves do cadeado de que sejam detentores, a fim de ser entregue ao requerente durante o período de extracção de lenhas. No mais, os requeridos foram absolvidos. Na sequência da interposição de recurso, a sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora.

Posteriormente, foi proferido o seguinte despacho:

“Suscitam os requeridos a caducidade da providência, por não ter sido intentada a acção principal a ela correspondente, no prazo de 30 dias a que alude o art. 373.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil e por ter sido a decisão completamente omissa quanto à requerida inversão do contencioso, ao que o requerente não reagiu.

Notificado o requerente para exercer o contraditório, o mesmo silenciou.

Cumpre apreciar.

Antes de mais cumpre esclarecer que compulsados os autos, não se alcança qualquer pedido de inversão do contencioso por parte do requerente, pelo que, quanto a esta questão, falecem os fundamentos do requerido.

No que tange à não propositura da acção principal no prazo de 30 dias a contar da notificação do trânsito em julgado importa atentar não só no articulado apresentado para impulso do presente processo, como também no requerimento de fls. 306/309.

Com efeito, no requerimento inicial da providência, o requerente alega, em suma, que os prédios dos autos foram dados de arrendamento aos requeridos, excluindo do âmbito do arrendamento a exploração florestal e que os requeridos, contrariamente ao acordado, não permitiram ao requerente levar a efeito o abate e remoção de árvores mortas/secas, cuja venda o requerente havia negociado com terceiro, encontrando-se o acesso a essas árvores vedado por portões fechados a cadeado a cuja chave o requerente não tem acesso. Mais alega que os requeridos não têm efectuado o pagamento pontual da renda convencionada, pelo que o requerente intentou a competente acção de despejo, cuja sentença condenatória juntou com a petição inicial.

Vem o requerente referir a fls. 306/309 que a acção de despejo (que corre termos sob o n.º 1145/04.3TVLSB no Juízo Central Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa), cuja sentença foi proferida em 03.10.2015 e não se mostrará ainda transitada em julgado, consubstancia a acção principal da presente providência.

Cumpre apreciar.

A providência cautelar visa, de essência, a antecipação provisória da tutela de um direito que se mostra ameaçado.

Como refere Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, 1999, pág. 275, “(…) As providências antecipatórias visam obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória antecipação no tempo dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa”.

Na circunstância, o que o requerente pretendia era o acesso ao produto da exploração florestal excluído do âmbito do arrendamento – invocando até ter já negociado a compra e venda de algumas das árvores a abater – tanto que peticiona sejam os requeridos condenados a facultar-lhes o acesso à Herdade da (…) com a finalidade de permitir a exploração, tratamento e fruição dos produtos florestais e a condenação dos mesmos a absterem-se de quaisquer actos de apropriação desses produtos.

Bom está assim de ver que a tutela antecipatória pretendida tem como objecto a exploração florestal e os proveitos económicos dela advenientes, a cujo acesso o requerente estaria provado por acção dos requerentes e não os danos advenientes do não pagamento das rendas que sustentou a acção de despejo intentada e a que se faz referência.

Na circunstância, o contrato de arrendamento é invocado como contexto da posse dos requeridos sobre a Herdade da (…) e como definidor da extensão dessa posse, mas a exploração florestal não é objecto desse contrato, como o requerente deixou expresso.

Não se vislumbra, assim, como pode a acção de despejo que corre termos sob o n.º 1145/04.3TVLSB - cujo objecto é o contrato de arrendamento – ser causa principal em relação à providência decretada – cujo objecto é a exploração florestal – nem em que medida o cumprimento do julgado, do interesse do requerente, que nessa acção de despejo possa vir a ter lugar – que será, máxime, a desocupação do locado e o pagamento das rendas em mora – tutela de forma definitiva os montantes que tinha justo receio de perder com a impossibilidade de proceder ao abate das árvores cuja venda negociou e com a impossibilidade de acesso à exploração, tratamento e fruição dos produtos florestais.

Com efeito, o pedido da acção principal ao presente procedimento cautelar teria de ser, designadamente, o de condenação na indemnização pelos danos patrimoniais verificados à data da propositura dessa acção, advenientes da impossibilidade de exploração, tratamento e fruição dos produtos florestais.

Assim, por não versar aquela acção n.º 1145/04.3TVLSB sobre os mesmos direitos cuja tutela se mostra peticionada provisoriamente nos presentes autos, e por o julgado nessa acção não ter qualquer alcance sobre os mesmos – tanto assim que a presente providência cautelar não correu por apenso àqueles autos nem a eles foi apensada – não pode considerar-se tal acção como sendo a acção principal do presente procedimento cautelar.

Face ao exposto, tendo o requerente sido notificado do trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, por notificação datada de 21.06.2017 (cfr. ref.º Citius 26815292), impõe-se concluir que, nesta data, se mostra decorrido o prazo de 30 dias a que alude o art. 373.º, n.º 1 al. a) do Código de Processo Civil, pelo que a providência se mostra caducada, o que expressamente se declara, determinando-se em consequência o levantamento da providência, tudo, ao abrigo do disposto no art. 373.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Notifique.”

O requerente recorreu deste despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – O autor é proprietário das herdades descritas na petição inicial, situação reconhecida definitivamente com trânsito em julgado já após a instauração da presente providência cautelar;

2 – Os réus eram arrendatários de tais propriedades, tendo sido decretado o despejo com decisão transitada em julgado já após a instauração da presente providência cautelar;

3 – Apesar das decisões judiciais os requeridos ainda estão na posse das propriedades;

4 – O requerente entretanto já instaurou a execução da sentença de despejo;

5 – Pelo que o direito do requerente que se reconheceu cautelarmente nestes autos, foi objecto de validação judicial posterior à propositura da presente providência cautelar;

6 – Os requeridos estão a violar o direito do autor e praticaram o crime de desobediência, devendo os autos ir com vista ao Ministério Público para instauração do competente processo-crime, como já se requereu anteriormente;

7 – O requerente peticionou a inversão do contencioso na presente providência;

8 – Verifica-se a existência do direito do autor e a necessidade da sua salvaguarda cautelar;

9 – Pelo que a providência cautelar não caducou, devendo o tribunal, pelo contrário, assegurar que a decisão judicial seja executada;

10 – Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida e proferida decisão mantendo a providência cautelar requerida e decretada.

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a única questão a resolver consiste em saber se se verificam os pressupostos da caducidade da providência decretada.

Para sustentar que tal caducidade não se verificou, o recorrente apresenta os seguintes argumentos:

1.º - Tendo requerido, no artigo 40.º da petição inicial, a inversão do contencioso, ele, recorrente, entendeu que, ao ser decretada a providência cautelar requerida, se verificou a anuência ao seu pedido, designadamente no que concerne à referida inversão do contencioso;

2.º - Enquanto a providência decretada não for concretizada, não começa a correr o prazo para a propositura da acção principal;

3.º - A acção principal da presente providência cautelar é uma acção de despejo que correu termos, sob o n.º 1145/04.3TVLSB, no Juízo Central Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa;

4.º - Durante a pendência do recurso interposto da sentença que decretou a providência, foram proferidas e transitaram em julgado uma decisão que julgou o recorrente proprietário dos imóveis destes autos e uma outra que decretou o despejo dos recorridos, no referido processo n.º 1145/04.3TVLSB, com o que “ficou decidida definitivamente a questão do direito e do acesso do requerente desta providência aos bens e direitos objecto da providência, termos em que só por excessivo formalismo conceptual se poderia entender que o requerente teria ainda de instaurar um processo adicional”.

Analisemos estes argumentos.

A leitura do artigo 40.º da petição inicial confirma que foi requerida a inversão do contencioso, tal como o recorrente afirma nas suas alegações de recurso. Esta simples constatação é suficiente para refutar os terceiro e quarto argumentos acima enunciados. Nunca foi intenção do ora recorrente propor “uma acção principal para fazer valer o seu direito aos produtos florestais das suas propriedades sub judice”, como ele próprio afirma no referido artigo 40.º da petição inicial. E, efectivamente, nunca o fez. Daí, precisamente, ter requerido a inversão do contencioso. Não tem, pois, o recorrente razão ao pretender, agora, perante a constatação de que a inversão do contencioso não foi decretada e não propôs a acção de que esta providência seria dependente dentro do prazo fixado no artigo 373.º, n.º 1, al. a), do CPC, que essa acção principal é a acima referida acção de despejo n.º 1145/04.3TVLSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Nunca o foi e não pode passar agora a sê-lo. A confirmá-lo, está o facto de esta última acção ter sido referida no artigo 6.º da petição inicial sem que lhe fosse atribuída a qualidade de processo principal, até porque, se tal tivesse acontecido, esta providência teria de ser proposta como incidente do referido processo, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, e não com requerimento de inversão do contencioso, no Tribunal Judicial da Comarca de Évora (artigo 364.º, n.ºs 1 e 3, do CPC). Portanto, esta providência cautelar nunca teve acção principal, não podendo fazer supervenientemente as vezes desta última, nem a acção de despejo que vimos referindo, nem a outra acção em que terá sido proferida decisão que julgou o recorrente proprietário dos imóveis destes autos.

O argumento de que, enquanto a providência decretada não for concretizada, não começa a correr o prazo para a propositura da acção principal, é claramente refutado pelo disposto no artigo 373.º, n.º 1, al. a), do CPC, que estabelece que a providência já decretada caduca se o requerente não propuser a acção da qual a providência depende dentro de 30 dias, contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado.

Analisemos, por fim, o primeiro argumento do recorrente. Como referimos, este requereu, logo na petição inicial, a inversão do contencioso. Porém, a sentença que decretou a providência é omissa sobre essa matéria, não tendo, nem indeferido, nem decretado a inversão do contencioso. No recurso interposto da sentença, tal questão não foi tratada. É, pois, fora de dúvida que não foi decretada a inversão do contencioso. Ao deixar de conhecer esta questão, a sentença padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. Contudo, tal nulidade não foi arguida no tempo e pela forma devidos, tendo a sentença transitado em julgado. Em face disto, nada há a fazer neste aspecto. Definitivamente, não foi decretada a inversão do contencioso e daí terão de ser retiradas as devidas consequências legais. Se o recorrente entendeu, como afirma, que, ao ser decretada a providência cautelar requerida – o que, em rigor, nem sequer aconteceu inteiramente, já que o procedimento foi julgado apenas parcialmente procedente –, se verificou uma total anuência ao seu pedido, incluindo a inversão do contencioso, fez mal, pois o decretamento deste último tem de resultar de expressa decisão nesse sentido, até porque, do mesmo, resultam ónus importantes para o requerido, nos termos do artigo 371.º do CPC.

Em conclusão, não tendo sido decretada a inversão do contencioso e não tendo o recorrente proposto a acção principal dentro do prazo fixado no artigo 373.º, n.º 1, al. a), do CPC, a providência decretada caducou. Terá, pois, o recurso de ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, embora com fundamentação, em parte, diversa.

Sumário:

Não tendo sido decretada a inversão do contencioso e não tendo o requerente proposto a acção principal dentro do prazo fixado no artigo 373.º, n.º 1, al. a), do CPC, caduca a providência cautelar decretada.

Decisão:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida, embora com fundamentação, em parte, diversa.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

Évora, 26 de Abril de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura