Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
378/20.0T8BJA.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: FRANQUIA
FACTURA COMERCIAL
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - O contrato de franquia é um contrato sinalagmático e atípico, no âmbito do qual o franquiador concede a outrem, ou seja, o franquiado, a utilização (mediante contrapartidas financeiras – o denominado “Direito de Entrada”) em certa zona, conjunta ou isoladamente, de marcas, nomes, insígnias daquele. Por outro lado, para além daquele valor, são igualmente devidos os denominados royalties que, no caso em apreço, são devidos por cada pedido que seja efetuado pelos clientes.
- Da matéria fáctica apurada nos autos resultou claro que, entre A. e RR. foram celebrados (dois) contratos de franquia, ou franchising, para as cidades de ... e ..., sendo certo que as faturas C/...26 e C/...27 correspondem, tão só, ao pagamento do referido “Direito de entrada” dos RR. naquelas cidades (não estando incluídas em tais facturas o pagamento de royalties pela prestação de serviços a clientes).
- Além disso, em tais contratos, em momento algum ficou acordado entre as partes que o pagamento acima referido ficava dependente de quaisquer serviços prestados pela A., pois, conforme resulta, de forma expressa, da cláusula 7ª dos (dois) mencionados contratos, todos os serviços que a A. tivesse que prestar apenas ocorriam depois do pagamento do referido “Direito de entrada”.
- Nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 7, do Código do IVA, a nota de crédito é um documento legal de rectificação que corrige uma fatura, anulando-a (parcialmente ou na totalidade).
- Os RR. nunca pagaram as duas facturas identificadas como documentos nºs 1 e 3, uma vez que as mesmas foram anuladas pelas duas notas de crédito identificadas como documentos nºs 2 e 4, pelo que a A. deve ser absolvida do pagamento aos RR. da quantia de € 88,12, reduzindo-se a condenação daquela A. no pedido reconvencional, que se fixa agora no valor de € 414,42 (€ 502,54 - € 88,12).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 378/20.0T8BJA.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

Distribuição (…), Unipessoal, Lda. instaurou a presente acção declarativa comum contra, (…) Original, Lda. e AA, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia de € 13.605,85, a título de capital, bem como nos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, calculados com base nas taxas de juros legais aplicáveis a dívidas comerciais e que, desde a data de vencimento de cada uma das faturas, liquidando-se os juros vencidos em € 1.669,06. Pediu ainda que os RR. sejam condenados solidariamente no pagamento da quantia de € 3.075,00 suportada pela A. para cobrança dos valores em dívida – artigo 7.º do DL n.º 62/2003, de 10 de Maio.
Alegou, em síntese, ter celebrado com a 1ª R. um contrato de franquia, constituindo-se o 2º R. fiador do mesmo, sendo que, no âmbito do referido contrato, a A. cedia à 1ª R. a utilização e exploração da marca e plataforma www.....pt. e, como contrapartida, a 1ª R. estava obrigada ao pagamento à A. de “Royalties” semanais. Com a execução do referido contrato foram emitidas diversas facturas, no montante global acima referido de € 13.605,85, tendo sido os serviços prestados pela A. recebidos e aceites pela 1ª R., sem que esta apresentasse qualquer reclamação. Até à presente data, a 1ª R. não procedeu ao pagamento das referidas facturas em dívida, pelo que a A. procedeu à resolução, com justa causa, do contrato celebrado com a Ré.
Devidamente citada para o efeito veio a R. contestar, impugnando o alegado pela A., nomeadamente a existência de qualquer dívida para com esta, deduzindo ainda pedido reconvencional, com base na falta de justa causa para a resolução do contrato e, por via disso, pediu a condenação da A. a pagar aos RR. a quantia de € 15.550,34, por danos patrimoniais.
Veio a A. responder ao pedido reconvencional, alegando inexistirem quaisquer danos sofridos pelas RR., pelo que deve tal pedido ser julgado improcedente.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi lavrado despacho saneador e fixados o objecto do litígio e os temas de prova.
De seguida, veio a ser realizado a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença pela M.ma Juiz a quo, na qual foi julgada parcialmente procedente a acção e a reconvenção e, em consequência:
1. Condenaram-se os RR., solidariamente, a pagar à A. a quantia de € 8.605,85, correspondentes aos valores das facturas juntas com a petição inicial como documentos n.º 7 a 40, acrescida de juros de mora à taxa de uros comerciais que em cada momento vigorar e contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.
2. Condenaram-se os RR. a pagar à A. a quantia de € 40,00 a título de indemnização pelos custos da cobrança de dívida.
3. Absolveram-se os RR. do demais peticionado pela A..
4. Condenou-se a A. a pagar aos RR. a quantia de € 550,34.

Inconformada com tal decisão dela apelou a A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
I. Entre A. e RR. foram celebrados contratos de franquia (ou franchising) para as cidades de ... e ... e que as faturas C/...26 e C/...27 correspondem a direito de entrada dos RR. naquelas cidades (facto provado em 12. da douta Sentença).
II. Conforme resulta dos documentos juntos pela A. (requerimento com a referência Citius ...), em 24 de Julho de 2018, a A. e os RR. assinaram dois contratos de franquia referentes às cidades de ... e ....
III. No âmbito dos referidos contratos (Cláusula 9ª de ambos) os RR. estavam obrigados ao pagamento da quantia de € 3.075,00 (três mil e setenta e cinco euros) por cada uma das cidades a título de direito de entrada na data da assinatura dos mesmos.
IV. O contrato de franquia é um contrato sinalagmático e atípico, no âmbito do qual o franquiador concede a outrem – franquiado – a utilização (mediante contrapartidas financeiras – o direito de entrada) em certa zona, conjunta ou isoladamente, de marcas, nomes, insígnias daquele. Para além daquele valor é igualmente devido royalties que no caso em apreço são devidos por cada pedido efetuado por clientes.
V. Em suma, nos contratos de franquia celebrados entre A. e RR. para as cidades de ... e ... havia lugar ao pagamento de direito de entrada (ou “initial fee”).
VI. No direito de entrada (ou “initial fee”), o valor é fixo e concedeu aos RR. o direito de utilização da marca, nome, insígnia e plataforma eletrónica da A. em exclusividade para as cidades de ... e ... (Cláusula 9ª dos supra referidos contratos).
VII. Conforme resulta do descritivo das faturas C/...26 e C/...27 (assim como do facto provado em 12 da douta sentença), os valores peticionados diziam respeito aos direitos de entrada constantes dos contratos de franquia celebrados entre A. e RR. Em momento algum ficou acordado que esse pagamento dependeria de quaisquer serviços prestados pela A., antes pelo contrário, conforme resulta da Cláusula 7ª dos contratos celebrados em 24 de Julho de 2018, todos os serviços que a A. tivesse que prestar apenas ocorriam após o pagamento do direito de entrada.
VIII. Deste modo o direito de entrada é devido por força da Cláusula 9ª dos contratos de franquia celebrados entre A. e RR, pelo que, deve a douta Sentença proferida ser alterada nesta parte e, em consequência, serem os RR. condenados, solidariamente, no pagamento das faturas C/...26 e C/...27 no valor total de € 6.150,00 (seis mil e cento e cinquenta euros).
IX. Considerou o Tribunal a quo que a A. é devedora da quantia de € 550,34 (quinhentos e cinquenta euros e trinta e quatro cêntimos) aos RR., porquanto resultou provado que, após resolução do contrato pela Autora, os Réus procederam ao pagamento de serviços prestados por restaurantes parceiros à Autora já após tal resolução contratual e que ainda foram facturados aos Réus, por atrasos na recolha das facturas.
X. O valor supra mencionado foi apurado de acordo com os documentos nº 1 a 13 juntos pelos RR. na sua Contestação. Contudo, do somatório dos referidos documentos resulta a quantia de € 502,54 (quinhentos e dois euros e cinquenta e quatro euros) e não a quantia de € 550,34 (quinhentos e cinquenta euros e trinta e quatro cêntimos).
XI. Pelo que, desde já, deve a douta Sentença proferida ser alterada nesta parte, uma vez que estamos perante um erro de cálculo.
XII. Sem prejuízo, sucede que, os RR. não juntaram com a Contestação só faturas, juntaram também notas de crédito (Documentos nº 2 e 4). Com efeito, os RR. juntaram as notas de crédito n.º ...15, no valor de € 8,15 (oito euros e quinze cêntimos) e ...14, no valor de € 35,91 (trinta e cinco euros e noventa e um cêntimos), ambas emitidas pela sociedade comercial P... Lda. (...). Ambas as notas de crédito dizem respeito às faturas n.º ...28, no valor de € 8,15 (oito euros e quinze cêntimos) e ...27, no valor de € 35,91 (trinta e cinco euros e noventa e um cêntimos), também emitidas por aquela sociedade comercial (Documentos n.º 1 e 3 da Contestação). Ora, fácil é de concluir que a nota de crédito ...15, no valor de € 8,15 (oito euros e quinze cêntimos) corresponde à fatura FA ...28 do mesmo valor e a nota de crédito n.º ...14, no valor de € 35,91 (trinta e cinco euros e noventa e um cêntimos) corresponde à fatura ...27, no mesmo valor.
XIII. Nos termos do disposto no artigo 29.º/7, do Código do IVA, a nota de crédito é um documento legal de retificação que corrige uma fatura, anulando-a parcialmente ou na totalidade. É emitida sempre que há necessidade de retificar uma fatura original, e ainda pode servir para dar crédito ao cliente.
XIV. Ora, em face do exposto, dúvidas não restam que os RR. nunca pagaram as faturas FA ...28 e ...27, uma vez que as mesmas foram anuladas pelas notas de crédito NC ...15 e NC ...14 emitidas pela sociedade comercial P... Lda. (...).
XV. Ao considerar como provado (no ponto 17 da douta Sentença) que os RR. pagaram as faturas emitidas aos restaurantes/fornecedores da A. o douto Tribunal não só contabilizou incorretamente o valor das faturas, como ignorou a emissão das notas de crédito supra referidas, pelo que, deve a douta Sentença proferida ser alterada nesta parte e, em consequência, ser a A. absolvida do pagamento da quantia de € 88,12 (oitenta e oito euros e doze cêntimos).
XVI. Para além daquele erro, de toda a prova produzida nos autos não resulta em momento algum que os RR. tenham pago as faturas juntas, com efeito, os RR. não juntaram qualquer documento comprovativo desse pagamento, designadamente, transferências bancárias ou recibos emitidos pelos restaurantes.
XVII. Cabendo-lhes o ónus dessa prova, e não o tendo feito, não pode o Tribunal a quo considerar como provado que o pagaram as faturas juntas como documentos n.º 1 a 13 da Contestação, pelo que, deve a A. ser absolvida do pagamento da quantia de € 550,34 (quinhentos e cinquenta euros e trinta e quatro cêntimos) a que foi condenada.
XVIII. Termos em que, deve a douta Sentença proferida ser parcialmente alterada, condenando os RR. solidariamente no pagamento das faturas C/...26 e C/...27, assim como nos respetivos juros de morada calculados desde a data de emissão de ambas e até efetivo e integral pagamento e ser a A. absolvida do pagamento da quantia a que foi condenada, mantendo-se a douta Sentença no demais e assim se fazendo Justiça.
Pela R. não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela A., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se os RR. devem ser condenados no pagamento à A. da quantia total de € 6.150,00, correspondente aos valores apostos nas faturas C/...26 e C/...27 constantes dos autos e relativas aos contratos de franquia celebrados entre as partes;
2º) Saber se o montante de € 550,34, relativa ao pedido reconvencional deduzido pelos RR., não é devido pela A., pelo que deve a mesma ser absolvida de tal pedido nessa parte.

Antes de apreciar as questões supra referidas importa ter presente a matéria de facto apurada na 1ª instância, a qual, de imediato, passamos a transcrever:
1. A Autora é uma sociedade comercial e é titular da marca www.....pt.
2. A 1.ª Ré é uma sociedade comercial que tem por actividade, entre outras, a distribuição de refeições ao domicílio.
3. Em 11 de Janeiro de 2018, Autora e Réus celebraram um contrato, ao qual designaram contrato de franquia.
4. No âmbito do referido contrato, a Autora cedia à 1.ª Ré a utilização e exploração da marca e plataforma www.....pt para a cidade ....
5. Como contrapartida, a 1.ª Ré estava obrigada ao pagamento de “Royalties” semanais.
6. Com a execução do referido contrato foram emitidas as seguintes facturas:
Tipo de Documento N.º
Doc.
Data Data
Vencimento
Total
Ilíquido
Desconto
Comercial
Impostos Atraso
(Dias)
Total Pendente Acumulado
Fatura ...26 27/07/18 27/07/18 2500 0 575 592 3075 3075 3075
Fatura ...27 27/07/18 27/07/18 2500 0 575 592 3075 551,24 3626,24
Fatura ...75 31/07/19 31/07/19 574,5 0 132,14 223 706,64 706,64 4332,88
Fatura ...70 29/07/19 28/08/19 135 0 31,05 195 166,05 166,05 4498,93
Fatura ...15 29/10/19 29/10/19 600 0 138 133 738 738 5236,93
Fatura ...19 07/11/19 07/11/19 608 0 139,84 124 747,84 747,84 5984,77
Fatura ...23 11/11/19 11/11/19 562 0 129,26 120 691,26 691,26 6676,03
Fatura ...26 18/11/19 18/11/19 504 0 115,92 113 619,92 619,92 7295,95
Fatura ...29 25/11/19 25/11/19 528 0 121,44 106 649,44 649,44 7945,39
Fatura ...32 02/12/19 02/12/19 584 0 134,32 99 718,32 718,32 8663,71
Fatura ...36 09/12/19 09/12/19 528 0 121,44 92 649,44 649,44 9313,15
Fatura ...39 17/12/19 17/12/19 548 0 126,04 84 674,04 674,04 9987,19
Fatura ...42 23/12/19 23/12/19 556 0 127,88 78 683,88 683,88 10671,07
Fatura ...46 30/12/19 30/12/19 368 0 84,64 71 452,64 452,64 11123,71
Fatura ...50 07/01/20 07/01/20 400 0 92 63 492 492 11615,71
Fatura ...53 14/01/20 14/01/20 470 0 108,1 56 578,1 578,1 12193,81
Fatura ...56 20/01/20 20/01/20 428 0 98,44 50 526,44 526,44 12720,25
Fatura ...58 31/01/20 31/01/20 438 0 100,74 39 538,74 538,74 13258,99
Fatura ...63 03/02/20 03/02/20 282 0 64,86 36 346,86 346,86 13605,85
7. No montante total de € 13.605,85 (treze mil seiscentos e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos).
8. As referidas facturas venciam-se nas datas indicadas em 6.
9. Os serviços prestados pela Autora foram recebidos e aceites pela 1.ª Ré.
10. A 1.ª Ré não procedeu ao pagamento das referidas facturas em dívida.
11. O 2.º Réu é fiador e responsável solidário pelo pagamento das dívidas resultantes do contrato celebrado entre Autora e 1.ª Ré.
12. As facturas com os números ...26 e ...27 respeitam ao direito de entrada de franquia nas cidades de ... e ..., sendo que na primeira não existiu qualquer prestação de serviço pela Autora e na segunda os serviços da Autora foram prestados a título de teste e em número indeterminado.
13. Desde Maio de 2019 que a Autora assumiu a gestão do serviço de call-center e os contactos com os fornecedores.
14. Através de carta registada com aviso de recepção direcionada aos Réus, Autora resolveu o contrato com efeitos a partir de 31.01.2020.
15. Na assinatura do contrato, os Réus procederam ao pagamento à Autora da quantia de € 15.000,00, a título de “Direito de Entrada”.
16. A comunicação pela Autora da revogação do contrato celebrado com os Réus aos restaurantes parceiros, que mesmo depois de 1/02/2020 continuaram a debitar à 1.ª Ré os serviços e bens fornecidos a pedido da Autora e por ela beneficiados.
17. Os Réus pagaram aos restaurantes/fornecedores da Autora, após a resolução do contrato, as facturas emitidas pelos mesmos, no valor total de € 550,34.

Apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pela A., ora apelante – saber se os RR. devem ser condenados no pagamento à A. da quantia total de € 6.150,00, correspondente aos valores apostos nas faturas C/...26 e C/...27 e relativas ao Direito de Entrada (Initial Fee) dos contratos de franquia celebrados entre as partes – importa, desde já, referir a tal propósito que, o contrato de franquia é um contrato sinalagmático e atípico, no âmbito do qual o franquiador concede a outrem, ou seja, o franquiado, a utilização (mediante contrapartidas financeiras – o denominado Direito de Entrada) em certa zona, conjunta ou isoladamente, de marcas, nomes, insígnias daquele.
Por outro lado, para além daquele valor, são igualmente devidos os denominados royalties que, no caso em apreço, são devidos por cada pedido que seja efetuado pelos clientes.
Assim, no que tange aos dois contratos assinados pelas partes em 24/7/2018, constata-se que o valor correspondente ao “Direito de Entrada” é fixo - 2.500,00 € + IVA = € 3.075,00 – e concedeu aos RR. o direito de utilização da marca, nome, insígnia e plataforma eletrónica da A. em exclusividade para as cidades de ... e .... Já no que diz respeito aos royalties, variavam estes de acordo com o número de pedidos que eram efetuados pelos clientes, isto é, caso existissem pedidos de clientes, os RR. pagariam à A. um valor, como contrapartida por cada pedido – cfr. cláusulas 7ª e 9ª dos aludidos contratos de franquia.
Ora, da matéria fáctica apurada nos autos (cfr. ponto 12. dos factos provados), resultou claro que, entre A. e RR. foram celebrados (dois) contratos de franquia, ou franchising, para as cidades de ... e ..., sendo certo que as facturas C/...26 e C/...27 correspondem, tão só, ao pagamento do referido “Direito de entrada” dos RR. naquelas cidades (não estando incluídas em tais facturas o pagamento de royalties pela prestação de quaisquer serviços a clientes).
Na verdade, conforme se verifica do teor dos (dois) contratos de franquia datados de 24/7/2018 e referentes às cidades de ... e ..., os RR. estavam obrigados ao pagamento da quantia de € 3.075,00 (€ 2.500,00 + IVA) por cada uma das cidades, a título de “Direito de Entrada” na data da assinatura dos mesmos.
Além disso, em tais contratos, em momento algum ficou acordado entre as partes que o pagamento acima referido ficava dependente de quaisquer serviços prestados pela A. pois, conforme resulta, de forma expressa, da cláusula 7ª dos (dois) mencionados contratos, todos os serviços que a Autora tivesse que prestar apenas ocorriam depois do pagamento do referido “Direito de entrada”.
Deste modo, atentas as razões supra explanadas, forçoso é concluir que, no caso dos autos, o “Direito de entrada” sempre será devido, face ao teor das cláusulas 7ª e 9ª apostas nos contratos de franquia celebrados entre A. e RR., pelo que a sentença recorrida não se poderá manter – nesta parte – revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, condenam-se os RR., solidariamente, no pagamento à A. das faturas C/...26 e C/...27, no valor total de € 6.150,00, a que acrescem os respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de juros comerciais que em cada momento vigorar, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Analisando agora a segunda questão levantada pela A., ora apelante – saber se o montante de € 550,34, relativa ao pedido reconvencional deduzido pelas RR., não é devido pela A., pelo que deve a mesma ser absolvida de tal pedido nessa parte – haverá que dizer a tal respeito que o valor acima referido foi apurado através da soma dos valores constantes dos documentos nºs 1 a 13 juntos pelos RR. com a sua contestação.
Todavia, constata-se que, desde logo, existe um erro de cálculo no montante apurado, pois do somatório dos valores apostos em tais documentos resulta o montante global de € 502,54 – e não a quantia de € 550,34 – pelo que será aquele primeiro montante o que deve ser tido em consideração na condenação da A. no pedido reconvencional deduzido pelos RR.
Por outro lado, importa ter também presente que os RR., além das facturas apresentadas com a contestação, juntaram também duas notas de crédito (cfr. documentos nºs 2 e 4), no valor de € 8,15 e no valor de € 35,91, respectivamente, ambas emitidas pela sociedade comercial P..., Lda. (...), sendo que tais notas de crédito dizem respeito às facturas nº ...28, no valor de € 8,15 e nº ...27, no valor de € 35,91, também emitidas por aquela sociedade comercial (cfr. documentos nºs 1 e 3).
Ora, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 7, do Código do IVA, a nota de crédito é um documento legal de rectificação que corrige uma fatura, anulando-a (parcialmente ou na totalidade).
Assim sendo, face ao supra referido, resulta claro que os RR. nunca pagaram as duas facturas acima identificadas, uma vez que as mesmas foram anuladas pelas ditas notas de crédito emitidas pela sociedade comercial P..., Lda. (...).
Deste modo, forçoso é concluir que a Julgadora “a quo”, não só contabilizou incorrectamente o valor destas duas facturas, como também ignorou a emissão das duas notas de crédito acima referidas, pelo que, a sentença recorrida terá de ser revogada nessa parte e, em consequência ser a A. absolvida do pagamento aos RR. da quantia de € 88,12 (€ 8,15 + € 35,91 = € 44,06 x 2).
Finalmente, vem ainda a A. questionar a matéria constante do ponto 17 dos factos provados, sustentando que o mesmo devia ter tido uma resposta negativa (“não provado”).
Todavia, a Autora não impugnou tal factualidade de acordo com os requisitos que se encontram expressamente previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, o que implica – indubitavelmente – a rejeição do recurso nesta última parte e, por via disso, mantem-se a condenação da A. no pedido reconvencional, reduzindo-se, no entanto, o respectivo valor – pelas razões e fundamentos supra aduzidos – que se fixa agora em € 414,42 (€ 502,54 - € 88,12).
Nestes termos – e em jeito de conclusão – revoga-se parcialmente a sentença recorrida e, por via disso, condenam-se os RR., solidariamente, no pagamento à A. das faturas C/...26 e C/...27, no valor total de € 6.150,00, a que acrescem os respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de juros comerciais que em cada momento vigorar, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento, bem como condena-se a A. a pagar aos RR. a quantia de € 414,42 (a título do pedido reconvencional deduzido por estes últimos), em tudo o mais se mantendo a decisão sob censura.

***

Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)

***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto pela A. e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas em ambas as instâncias pela A./apelante e pelos RR./apelados, na proporção do respectivo vencimento.

***
Évora, 13 de Julho de 2022
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).