Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
497/12.6PALGS.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
DESTINO DOS BENS APREENDIDOS
RECUSA DE DEPOIMENTO
Data do Acordão: 12/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I – A falta de indicação do destino a dar a coisas relacionadas com o crime não é uma das indicações da sentença condenatória cuja omissão gera nulidade de sentença nos termos do art. 379.º, nº1 a) do CPP, conforme resulta do mero confronto desta disposição com o art. 374º nº3 c), igualmente do CPP.

II – Não se mostrando que os factos tenham ocorrido durante a coabitação entre arguido e assistente, esta não goza da faculdade legal de recusar-se a prestar declarações, pelo que também não tinha que ser-lhe feita a advertência a que se reporta o nº2 do art. 134º do CPP.
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

I. Relatório

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no 2º juízo do Tribunal Judicial de Lagos, o Ministério Público deduziu acusação contra A, nascido a 28-07-1956, divorciado, empresário, residente em Lagos, imputando-lhe a prática, como autor material e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.°, n.º 1, al. b) e c) e n° 2 do Código Penal.

2. A assistente e ofendida CV, veio deduzir contra o arguido A. acusação particular nos termos do artigo 284º do Código de Processo Penal imputando ao arguido 4 crimes de injúrias e 4 crimes de ameaça, deduzindo também contra ele Pedido de Indemnização Cível no valor de €2.500,00 por danos não patrimoniais.

No decurso da audiência de julgamento a assistente desistiu do pedido cível e da queixa crime, prosseguindo os autos para julgamento dos crimes imputados ao arguido na acusação pública.

3. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal singular decidiu condenar o arguido como autor material e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.°, nº 1, al. b) e c) e nº 2 do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, cuja execução se suspende por um período de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.

4. Inconformado, o arguido veio interpor o presente recurso da sentença condenatória, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

1º - O arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº. 1al. b) e c) e nº. 2 do C.P., na pena de 2(dois) anos e 3(três) meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2(dois) anos e 3(três) meses de prisão.

2º - Salvo o devido respeito, a douta decisão proferida pelo tribunal a quo deve ser revogada por estar sustentada em factos que não deviam ter sido dados como provados – proibição de prova e erro na apreciação da prova - e por fazer errada interpretação e aplicação do direito.

3º - Conforme resulta da referida acta da audiência de discussão e julgamento do dia 18 de Junho de 2013, e não no dia 18 de Janeiro de 2013, data esta identificada por lapso, foi apreciado o requerimento de fls. 229, em que a assistente veio manifestar a desistência da queixa-crime apresentada e do pedido de indemnização civil formulado, por já não ter qualquer interesse na manutenção dos mesmos.

4º - Por despacho do Mmo. Juiz do tribunal a quo, foi decidido homologar a desistência do pedido de indemnização civil formulado pela assistente.

5º - Depois de identificada e de ser advertida do dever de responder, e de responder com verdade, sob pena de, não o fazendo, cometer um crime de falsidade de testemunho, a assistente foi questionada nos termos do art. 348º, nº. 3, do C.P.P., disse a mesma “ser ofendida nos autos, e ter vivido, há um ano, há cerca de um ano maritalmente com o arguido, (…)”.

6º - De imediato “foi advertida nos termos do disposto no art. 134º, nº. 1, b) do C.P.P., do direito que lhe assiste de, querendo, não prestar depoimento, tendo declarado não pretender fazê-lo.”.
7º - Conforme resulta da acta e das declarações prestadas pela assistente, no momento 00h:58m:58s a 00h:01m:45s do suporte digital de gravação das declarações prestadas

00:00:01TestemunhaCV18-06-2013 15:16:25
00:05:32Requerimento Defesa18-06-2013 15:21:57
00:16:58Declarações Asssitente18-06-2013 15:33:23
00:37:14Fim Gravação18-06-2013 15:53:40

8º - Posição já assumida no requerimento de fls. 229 dos autos.

9º - Face à posição assumida pela assistente, a Digna Magistrada do Ministério Público insurgiu-se chamando a atenção do seguinte: “atenta ao da assistente ter declarado que deixara de coabitar com o arguido, em data anterior aos factos vertidos na douta acusação, foi requerido que a assistente fosse advertida do dever de prestar declarações.”.

10º - De acordo com o registo digital da gravação das declarações prestadas em audiência – gravação das declarações da assistente – momento 00h:04m:15s a 00h:04m:43s, o Mmo. Juiz do tribunal a quo voltou a advertir a assistente da obrigação de prestar declarações, e de prestar declarações com verdade, sob pena de praticar um crime de falsas declarações, mas já não advertiu nos termos do artigo 134º., nº. 2 do C.P.P..

11º - A acta da audiência de discussão e julgamento não retrata, fielmente, o que realmente se passou em seguida à chamada de atenção da Digna Magistrada do Ministério Público, pois, não contempla a decisão do Mmo. Juiz do tribunal a quo em ordenar que a assistente estava obrigada a prestar declarações, não podendo se recusar a depor, sob pena de cometer um crime.

12º - A acta de audiência de discussão e julgamento é inválida, sendo irregular por não contemplar esta decisão (despacho), por violação do disposto do artigo 362º., nº. 1, f) do Código Processo Penal, invocando-se, agora, porque só agora com a elaboração do presente recurso é que o arguido teve conhecimento do conteúdo da mesma, desconhecendo-se a data em que a mesma foi assinada e ficou disponível.

13º - No decorrer da referida decisão do Mmo. Juiz do tribunal a quo, que acolheu a posição do Ministério Público, sem antes ter sido dada a palavra – que constitui uma violação do direitos de defesa, art. 61º do C.P.P. e artigo 32º CRP -,o Defensor do arguido, ora recorrente, e na esteira do que foi, inicialmente, decidido pelo Mmo. Juiz do tribunal a quo - advertência à assistente nos termos do artigo 134º, nº. 2 do C.P.P.-, ditou o seguinte requerimento: “tendo em conta as declarações iniciais da assistente e ofendida, Cármen Maria Guimarães Vaz, que referiu ter mantido um relacionamento com o arguido e terem vivido em coabitação, a mesma usou da faculdade de se recusar a depor, nos termos do disposto no artigo 134º, nº. 1, b) do C.P.P..

Essa condição de ter vivido com o arguido como se de marido e de mulher se tratasse, está descrita e referida na douta acusação e por essa razão o arguido vem acusado da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº. 1, al. c) do C.P..

Por essas razões e uma vez que a ofendida (e assistente) iria iniciar o seu depoimento, resta à defesa arguir, desde já, a nulidade deste meio de prova, por violação dos dispositivos supracitados.
E.D.”

14º - Dada a palavra ao Digna Magistrada do Ministério Público para efeitos de contraditório, foi referido que, “A Ofendida, questionada pelo Mmo. Juiz de Direito acerca do final do seu relacionamento/coabitação com o arguido, proferiu que o mesmo terá ocorrido há cerca de um ano.

Tal período de um ano resulta, igualmente, da documentação junta aos autos e da própria acusação pública.
Assim, entende o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 134º, nº. 1, al. b), última parte, do C.P.P., que não assiste legitimidade à Ofendida para se poder recusar a prestar depoimento, pelo que, se promove a sua inquirição, nos precisos termos, tendo o seu depoimento o valor legal, entendendo o Ministério Público não assistir razão quanto à nulidade arguida pelo Ilustre Defensor do arguido.”

15º - Em seguida foi concedida a palavra à mandatária da assistente, que pugnou “Podem recusar-se a depor como testemunhas: (…) quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação – tal situação é análoga à situação vivida entre a Assistente e o Arguido, pelo que deverá aceitar-se o facto da Assistente não querer prestar declarações.”

16º - De imediato foi proferido despacho pelo Mmo. Juiz do tribunal a quo, nos termos seguintes: “Uma vez que, nas declarações iniciais da Ofendida/Assistente, a mesma confirma que o seu relacionamento/coabitação com o arguido terminou há um ano, fato este corroborado pela Ilustre Mandatária da Assistente, que no requerimento supra especifica que a Assistente viveu em condições análogas às dos cônjuges, com o arguido, não assiste razão à arguida nulidade no requerimento apresentado pelo Ilustre Mandatário do Arguido, uma vez que os factos aqui constantes são após à situação constante da acusação pública.

Notifique

17º - Conforme resulta da acta de audiência de discussão e julgamento, e do suporte de gravação áudio das declarações prestadas em audiência – prova gravada -, momento 00:16:45:00 a 00h:17m:48s das declarações da assistente, de imediato o Mmo. Juiz do tribunal a quo informa a assistente que tem de prestar declarações, e com verdade, não se podendo recusar a depor porque os factos são posteriores ao fim da relação, impondo que a assistente – mesmo que completamente confusa e constrangida com toda aquela situação, resultando tais sentimentos das suas palavras e hesitações – “tem mesmo” de prestar declarações, tendo o Mmo. Juiz iniciado o interrogatório.

18º - A assistente devia ter sido advertida, como o foi “ad initio” pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo mas que, depois, voltou atrás, na advertência da faculdade que tinha em recusar a prestar declarações nos termos do disposto no artigo 134º, nº. 1 b) e nº. 2 do C.P.P..

19º - Dispõe o artigo 134º, nº. 1, b) do C.P.P. que “1 – Podem recusar-se a depor como testemunhas: b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.”

20º - E, depois, o nº. 2 do mesmo artigo que “A entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento.”.

21º - Da douta acusação, resulta que o relacionamento amoroso entre o assistente e o arguido terá terminado com a “suposta” ocorrência dos factos identificados nos pontos 5 e 6 – entre o dia 17/08/2012 e 21/08/2012).

22º - Nas declarações prestadas pela assistente no momento seguinte à sua identificação, no momento 00:01m:50s a 00h:02m:35s do registo áudio das suas declarações, a assistente diz que o relacionamento amoroso, tendo inclusive vivido em conjunto, terminou “há um ano”, “há cerca de um ano”.

23º - Tais declarações ficaram consignadas na própria acta, nos requerimentos apresentados pelos vários intervenientes processuais.

24º - As expressões “há cerca de um ano” ou mesmo “há um ano” são comummente utilizadas para identificar espaços temporais próximos de um ano -12 meses – ou mesmo inferiores ou superiores a 12 (doze) meses.

25º - Não se pode, nem deve, interpretar essa expressão circunscrita ao período certo de 12 meses.

26º - Aliás, o Mmo. Juiz do tribunal a quo quando se estava a referir aos factos do ponto 6 da douta acusação, que “supostamente” terão ocorrido em 21 de Agosto de 2012, disse que “(…) tem de prestar declarações com verdade…quer dizer… isto foi há um ano”, quando a sessão da referida audiência ocorreu no dia 18/06/2013 – segundo o registo áudio das declarações da assistente – momento 00h:27m:30s a 00h:27m:45s.

27º - Mas não só, supostamente com base na referida declaração da assistente, terá considerado o facto 12 dos factos provados “O arguido e a assistente coabitaram em condições análogas dos cônjuges, pelo menos até Julho de 2012,”, o que confirma que aquela expressão não é levada à letra, pois, se as declarações foram prestadas em 18 de Junho de 2013, seria Junho e não Julho de 2012.

28º - O que, mais uma vez, comprova que o Mmo. Juiz do tribunal a quo não levou a expressão à letra.

29º - Um outro indício do relacionamento, em coabitação, entre a assistente e arguido não ter terminado antes da ocorrência dos factos, é o facto indicado no ponto 6 da douta acusação, em que é imputado ao arguido ter entrado na residência sita…, em Lagos, no pressuposto de ter as chaves.

30º - Tendo a relação de marido e mulher entre arguido e assistente, em coabitação, perdurado inclusive à data dos factos descritos na acusação, pelo menos, até 21 de Agosto de 2012, a assistente devia ter sido advertida nos termos do disposto no artigo 134º. nº. 1 b) C.P.P., como, inicialmente, foi entendido pelo Mmo. Juiz do tribunal a quo.

31º - A assistente, por ter conhecimento desse direito, e por ter reatado o relacionamento com o arguido e por não pretender afectar esse relacionamento com o arguido iria fazer-se valer desse direito, recusando-se a prestar declarações.

32º - Caso assim não se entenda, deverá considerar-se, no mínimo, existir uma dúvida acerca da data certa que teria terminado a relação de união de facto em coabitação, no momento anterior à tomada de declarações.

33º - Com o douto respeito que merece, o Mmo. Juiz do tribunal a quo devia ter aquilatado da data concreta, pelo menos tentado, o que não foi feito, de forma a salvaguardar o principio da legalidade e, consequentemente, o principio da presunção de inocência.

34º - De forma a afastar a possibilidade de ser obtida prova nula e de com isso formar erradamente da convicção que poderia levar a uma condenação, devia sempre advertir a assistente nos termos do disposto no artigo 134º, nº. 1 b) e nº. 2 do C.P.P..

35º - Devido ao facto de ter sido obrigada a prestar declarações, a assistente veio apresentar o requerimento de fls. 238, manifestando ter estado “bastante nervosa, baralhada e constrangida com a situação, e veio reforçar o que disse em audiência de discussão e julgamento que a relação terminou há quase um ano, mais precisamente em finais de Agosto de 2012.

36º - No mínimo, o Mmo. Juiz do tribunal a quo devia ter chamado, novamente, a assistente a prestar declarações com o objectivo de renovar este meio de prova, fazendo, agora, a devia advertência, tendo o Defensor do arguido, inclusive, requerido nova audição da assistente depois de ter arguido, novamente, a nulidade das declarações prestadas pela assistente na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, conforme resulta da acta da audiência de discussão e julgamento do dia 25 de Junho de 2013.

37º - Por ser uma diligência essencial à descoberta da verdade e, sobretudo, à boa decisão da causa, a omissão dessa diligência violou o disposto no artigo 340º., nº. 1 do C.P.P..

38º - A não advertência da assistente da faculdade de se recusar a prestar declarações, prevista no artigo 134º., nº. 2 do C.P.P. torna nulas as declarações prestadas e, consequentemente, todos os actos processuais subsequentes.

39º - O direito da assistente em recusar a prestar declarações previsto no artigo 134º do C.P.P. ex vi art. 145º. nº. 3 do C.P.P., é estabelecido de forma abstracta e potestativa, de recusar-se a depor contra a pessoa com quem viveu em união de facto e em coabitação, sendo um direito próprio a evitar o conflito pessoal que resultaria para a testemunha de poder contribuir para a condenação de um seu companheiro(a) ao cumprir o dever legal de falar verdade, salvaguardando as relações de confiança e solidariedade no seio da instituição familiar.

40º - A nulidade decorrente da proibição de meio de prova – declarações da assistente – impossibilita o recurso às mesmas para formar convicção e fundamentar qualquer decisão judicial, não sendo exigível que as mesmas tenham que ser arguidas, que no presente caso até o foram.

41º - Não existindo regime específico para as nulidades decorrentes para as proibições de prova, dever-se-á aplicar os efeitos das nulidades insanáveis (art. 122º do C.P.P.), por ser o regime que mais se aproxima.

42º - Em sentido idêntico, foi decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, no acórdão datado de 03/06/2008, proferido no âmbito do processo 1991/07-1, em consonância com a posição doutrinária dos Professores Germano Marques da Silva, Costa Andrade entre outros, não pode este tribunal de recurso proceder à correção de mero lapso material da sentença sem os dados de facto que o permitissem, encontrando-se Sem prescindir, e por cautela de patrocínio, sempre se dirá,

45º - No âmbito dos presentes autos foram apreendidos vários objectos, no decorrer de várias buscas realizadas a imóveis do arguido, ora recorrente, sendo que uma delas – a realizada no imóvel sito em Forninhos, Aguiar da Beira - é inválida por falta de mandato, devido ao facto de ter sido apresentado o mandado de busca e apreensão emitido para a residência sita na Quinta ---, em Odiáxere, Lagos.

46º - Resulta do disposto da al. c) do nº. 3 do artigo 374º do C.P.P., que a sentença termina com o dispositivo que contém “A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime.”

47º - Com o douto respeito que merece, o Mmo. Juiz do tribunal devia ter-se pronunciado quanto ao destino a dar aos objectos apreendidos nos presentes autos – e que nenhuma relação tem com a factualidade descrita na douta sentença.

48º - Dispõe a al. c) do nº. 1 do artigo 379º do C.P.P., que a sentença é nula “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

49º - O douto tribunal a quo devia ter-se pronunciado sobre o destino a dar aos objectos apreendidos nos presentes autos, conforme impõe a al. c) do nº. 3 do art. 374º do C.P.P., pelo que, a sentença de que se recorre é nula por violação dos supra referidos dispositivos legais.

Sem prescindir, e por cautela de patrocínio, sempre se dirá,

50º - O douto tribunal a quo considerou como provados, entre outros, os seguintes factos:

“III – Fundamentação de Facto

A) Factos Provados

1. Da Prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos, considerados úteis para a discussão da causa.

a) Sobre os factos descritos na acusação pública

1. O arguido A. manteve um relacionamento amoroso com a ofendida CV durante 25 (vinte cinco) anos.

2. Desde relacionamento nasceu uma filha em comum, Isaura Vaz Fernandes, actualmente, com 13 (treze) anos de idade.

3. Há cerca de 3 (três) anos atrás CV descobriu que o arguido A. tinha uma outra companheira no Brasil, com quem teve um filho, motivo pelo qual quis terminar a relação descrita em 1.

4. Desde essa data que o arguido começou a importuná-la, dizendo à filha que têm comum que a ofendida tem amantes, tendo inclusivamente levado a menor consigo no dia 17 de Agosto de 2012, não permitindo que a ofendida contactasse com a sua filha durante cerca de 04(quatro) a 5(cinco) dias.

5. A partir do dia 17 de Agosto de 2012 o arguido começou a enviar à ofendida mensagens escritas para o seu telemóvel com o seguinte teor:

“Tem vergonha sai dessa casa. Podes e deixar de pagar. Eu pago e coloco o nome da Isaura, quero ver esse orgulho e coragem. Kk final triste, uma filha ter vergonha da mãe. Como dizias se não fosse a tua filha que sumias daki. Pois desaparece vai para longe tomo conta dela tb já dei conhecimento a polícia de lagos” – enviada no dia 18-08-2012, pelas 13H21;

“Porca nem a nossa respeitaste” – enviada no dia 19-08-2012, pelas 15H59;

“Porca nem a nossa casa respeitaste. Desaparece.temos vergoha de ti..” – Enviada no dia 19-08-2012, pelas 15H48;

“Acabei de confirmar a versão do Miguel que viu várias vezes com ele as 7. da manha a caminho do parchal e Portimão. Assume perante a tua filha n cobardola. Conta a zirinha a paga-lhe os 25 mil euros(…)”, enviada a 20-08-2012, pelas 13H19;

“Não vai ser alugado porque não quero a minha n vai viver com a porca da mãe (…)”, enviada a 20-08-2012, pelas 21H04;

“Vais pagar caro.e nem te passe pela cabeça mudares a fechadura nesse dia e o fim já viv o suficiente. Desaparece para sempre a minha filha tem uma grande família e ate nova mãe que a apoia” – enviada a 21-08-2012, pelas 08H43.

“ O puta de manhã quando ias para o cobricao e atravessavas Odiáxere mesmo com barrete enfiado na cabeça dele para parecer uma velha.kkk vergonha a menina que so vestia Ana Sousa ainda vais vestir botique alcofa. A conta do meu dinheiro e o que roubavas a tua irmã. Enquanto morares nesta terra e nessa casa n vais ter sossego as surpresas vão chegar todos os dias (…)” enviada a 21-08-2012, pelas 08H43.

6 – Até que, dia 21 de Agosto de 2012, cerca das 05H15, o arguido entrou na residência de CV, situada na Rua …,Lagos.

7 – Empunhando uma arma, de características não concretamente apuradas, dirigiu-se ao quarto onde a ofendida se encontrava e declarou: “dou cabo de ti!”.

8 – Enquanto o arguido tentava abrir a porta do quarto, a ofendida conseguiu sair da sua residência pela varanda.

9 – O arguido efectuou ainda dois disparos com a arma que trazia consigo, desconhecendo-se em que direcção, quando a ofendida se encontrava já fora da residência.

10 – Nesse mesmo dia, cerca das 08H15, o arguido encontrou a ofendida CV junto às bombas de gasolina da Galp, em Lagos, tendo-lhe dirigido as seguintes palavras: “és uma grande puta”.

11 – O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, no propósito concretizado de afectar o bem estar físico e psíquico da ofendida, bem como a sua tranquilidade, honra e dignidade, fazendo-a temer pela sua vida, segurança e integridade física, o que representou e quis.

12 – Sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou que,

13 – O arguido e a assistente coabitaram em condições análogas dos cônjuges, pelo menos até Julho de 2012.

14 – O arguido não mostrou arrependimento.”

51º - O douto tribunal a quo formou a sua convicção sobre os factos provados “com base na análise crítica e ponderada da prova produzida, interpretada em função das regras da experiência comum e da normalidade, mormente nas declarações do arguido, e da prova testemunhal e na análise da prova documental, junta aos autos nomeadamente: Auto de notícia, fls. 3-5; Registo fotográfico, fls. 15-17, onde se vê a casa da assistente destruída e uma porta deitada a baixo; Registo de mensagens telefónicas enviadas, fls. 19-24; Fls. 48-53; Auto de busca e apreensão, fls. 62-64; Fls. 65-68; registo fotográfico, fls. 69; Auto de apreensão, fls. 71-72.”.

52º - Com o douto respeito que merece o douto tribunal a quo, mas o mesmo não fez uma correcta análise crítica e ponderada da prova produzida à luz das regras de experiência comum, normalidade e livre convicção do julgador, tendo incorrido em erro na apreciação da prova.

53º - Os pontos 3 a 14 factos provados não deviam ter sido dados como tal.

54º - No decorrer do que se referiu, as declarações da assistente são nulas, por constituírem um meio de prova proibido, pelo facto da assistente não ter sido advertida nos termos do artigo 134º. nº. 2 do C.P.P., pelo que, jamais poderiam ser utilizadas na formação da convicção de qualquer juízo, inquinando os actos processuais subsequentes.

55º - Caso assim não se entenda, o que mera hipótese académica se admite, por razões de cautela de patrocínio, impõe-se fazer uma análise ao conteúdo das mesmas, e claro da restante prova produzida.

56º - Nas declarações prestadas, a assistente nunca referiu que os factos indicados na acusação ocorreram, posteriormente, à coabitação, o que disse foi que a coabitação terá terminado “há um ano”, no momento 00h:02m:25s a 00h:02m:30s do suporte digital de gravação das declarações prestadas

00:00:01TestemunhaCV18-06-2013 15:16:25
00:05:32Requerimento Defesa18-06-2013 15:21:57
00:16:58Declarações Asssitente18-06-2013 15:33:23
00:37:14Fim Gravação18-06-2013 15:53:40

57º - A assistente veio, depois, a apresentar o requerimento de fls. 238 dos autos, onde referiu, expressamente, que a coabitação terminou a 21 de Agosto de 2012.

58º - Ao contrário do que vem referido na douta decisão recorrida, a Assistente na acusação particular nada refere quanto ao termo da relação e da coabitação, limitando-se a transcrever os factos deduzidos na douta acusação pública.

59º - Conforme resulta do requerimento de fls. 238, a assistente prestou declarações, quando entendia, e bem, que não devia prestar, de forma baralhada, nervosa e constrangida com toda a situação – primeiro foi advertida do artigo 134º, nº. 2 C.P.P., depois foi-lhe dito que era obrigada a falar.

60º - No mínimo o Mmo. Juiz de direito do tribunal a quo devia tê-la convocado para prestar novas declarações.

61º - Por isso, e salvaguardo o entendimento de que é prova nula, as declarações pecam por vazias e gerais, desprovidas de precisão, pelo que, não deviam ter sido consideradas na formação de convicção.

62º - A testemunha JT referiu no seu depoimento que o relacionamento entre a assistente e o arguido terá terminado há cerca de um ano, e que esteve com o arguido na segunda quinzena de Agosto de 2012 a passar ferias em Lagos, referindo que, na manhã de 21 de Agosto de 2012, quando estava a dar um passeio na Avenida dos Descobrimentos, em Lagos, próximo às bombas de gasolina da Galp, viu o arguido a falar com a assistente, referindo que na noite de 20 de Agosto de 2012 para 21 de Agosto de 2012, o arguido não podia ter saído de casa porque foi nessa altura que chegou a Lagos para férias tendo a sua viatura sido a última a chegar e a ficar estacionada, ficando a travar a viatura do arguido, ora recorrente.

63º - O Mmo. Juiz do tribunal a quo considera que nesta última parte a testemunha não é credível, “porque contraditória, e demasiado precisa, tendo em conta o lapso de tempo entretanto passado, cerca de um ano”.

64º - Segundo o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiencia e a livre convicção, a referida testemunha não foi contraditória, tendo descrito o que aconteceu de forma escorreita e imediata, sem hesitações, nunca entrando em contradição – conforme adiante se vai transcrever.

65º - O facto da testemunha se recordar do que se passou, deve-se ao facto ter vindo a saber, no mesmo dia, que a assistente tinha acusado o arguido do sucedido na madrugada de 21 de Agosto de 2012.

66º - O Mmo. juiz de direito do tribunal a quo, com o respeito que merece, devia ter valorado, convenientemente, as declarações do arguido.

67º - Quanto à prova documental, pouco ou nada de valor probatório tem, pois, na douta fundamentação não é feito qualquer interpretação das mesmas e o que contribuíram para formação da convicção dos factos provados.

68º - O ponto 3 dos factos provados não podia ter sido dado como provado, pois, a prova produzida é insuficiente para firmar tal convicção, tendo o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, cometido um erro de apreciação.

69º - Os únicos meios de prova que abordam esta questão, são as declarações da assistente e o arguido.

70º - A assistente nas declarações prestadas, de acordo com o registo áudio digital de gravação da prova

00:00:00Início Gravação18-06-2013 15:16:24
00:00:01TestemunhaCV18-06-2013 15:16:25
00:05:32Requerimento Defesa18-06-2013 15:21:57
00:16:58Declarações Asssitente18-06-2013 15:33:23
00:37:14Fim Gravação18-06-2013 15:53:40
no momento 00:18:28 a 00:18:45, referiu, unicamente, que:
“Mmo. Juiz: Há cerca de 3 anos descobriu que o arguido tinha uma companheira no Brasil? Isto é verdade?
Assistente: Sim Sr. Dr. Juiz”

71º - Não tendo referido, a razão de ciência desta informação.

72º - O arguido, nas declarações prestadas negou o facto, tendo justificado a razão da assistente imputar-lhe o mesmo, de acordo com registo de gravação áudio digital da prova
00:00:00Início Gravação18-06-2013 16:27:40
00:00:01ArguidoA.18-06-2013 16:27:41
00:19:00Fim Gravação18-06-2013 16:46:40
no momento 00:59:00 a 00:01:30 da referida gravação o arguido referiu que: “Dada a minha actividade profissional de andar um bocadinho pelo mundo inteiro, pelas redes sociais houve alguém, que se lembrou de dizer que eu tinha um filho afinal no Brasil e depois mais tarde já tinha outro em Moçambique também e que tinha um relacionamento no Brasil. Isso propagou-se através da redes sociais da qua a C se apercebeu(…)”.

73º - Na parte “com quem teve um filho, motivo pelo qual quis terminar a relação descrita em 1”, nada foi referido por qualquer uma das testemunhas ou consta da prova documental.

74º - A prova de um filho(paternidade), apenas, se faz por assento de nascimento, e nenhum desses documentos consta dos autos ou foi indicado na douta acusação.

75º - Posto isto, e atendendo, à omissão da razão de ciência do conhecimento da assistente quanto relacionamento do arguido com outra companheira no Brasil, à negação e justificação do conhecimento dessa mentira apresentada pelo arguido e à não produção de qualquer prova quanto à restante parte do facto que o mesmo devia ter sido dado como não provado.

76º - Quanto ao ponto 4 dos factos provados, também não devia ser dado como provado, a assistente em todas as suas declarações supra identificadas – gravadas no suporte de gravação digital supra referido – nunca referiu que o arguido começou a importuná-la dizendo à filha I que a assistente tem amantes, aliás, nenhum dos intervenientes processuais questionou a assistente acerca dessa parte desse facto.

77º - Em relação a ter “levado a menor consigo no dia 17 de Agosto de 2012, não permitindo que a ofendida contactasse com a sua filha durante cerca de 04(quatro) dias a 5(cinco) dias”, a assistente das declarações prestadas no momento 00:18:50 a 00:19:15:00, segundo registo de gravação áudio da prova gravada, referiu o seguinte:

“Mmo. Juiz: A partir de um determinada data terá recebido….Ele levou algum dia, o arguido, a ofendida….a Sra., não permitiu que a Sra. visse o seu filha a I?

Assistente: Isto já passou tanto tempo agora já não me lembro “

78º - O arguido nas suas declarações, no momento 00:05:10 a 00:05:59 do registo áudio digital da prova gravada
00:00:00Início Gravação18-06-2013 16:27:40
00:00:01ArguidoA.18-06-2013 16:27:41
00:19:00Fim Gravação18-06-2013 16:46:40
negou ter proibido a filha I. de contactar com a assistente, referindo que, a filha I. passou com ele cerca de 3 a 4 dias em Agosto de 2012, depois da filha ter discutido com a mãe e de ter pedido para ir com ele para Aguiar da Beira.

79º - Não foi produzida qualquer prova cerca deste facto, pelo que, o mesmo devia ter sido dado como não provado.

80º - Quanto ao ponto 5 dos factos provados, que elenca sete mensagens escritas de telemóvel, a prova produzida é insuficiente para se considerar este facto como provado, tendo o Mmo. Juiz do tribunal, salvo o devido respeito, cometido um erro na apreciação da prova.

81º - Ao contrário do que o Mmo. Juiz do tribunal a quo considerou na douta sentença recorrida, o conteúdo das referidas mensagens escritas de telemóvel descritas no referido ponto da matéria de facto, nunca foi confirmado pela assistente nas declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento, mesmo, depois, de lhe ter sido, insistentemente, perguntado se recordava, depois, de lhe serem lidas.

82º - Conforme se demonstra, de acordo com o registo áudio de gravação das declarações da assistente,
00:00:00Início Gravação18-06-2013 15:16:24
00:00:01TestemunhaCV18-06-2013 15:16:25
00:05:32Requerimento Defesa18-06-2013 15:21:57
00:16:58Declarações Asssitente18-06-2013 15:33:23
00:37:14Fim Gravação18-06-2013 15:53:40
no momento 00:17:50:00 a 00:18:15, foi dito o seguinte:

“ Mmo. Juiz: Sra. Dª. CV, aqui está em causa os factos a partir de 17 de Agosto de 2012, recebeu algumas sms? Conte-me tudo?
Assistente: Sim recebi…
Mmo. Juiz: Recebeu sms, e que conteúdo tinham essas sms?
Assistente: Sr. Dr. Juiz agora já não me lembro.
Mmo. Juiz: Eu vou ver se a Sra. já não se lembra.”
No momento 00:19:18 a 00:19:28 da gravação áudio digital, foi dito:
“Mmo. Juiz: A partir de 17 de Agosto de 2012, o arguido começou a enviar-lhe mensagens escritas, isto é verdade?
Assistente: Sim, as mensagens apareceram no meu telemóvel… “

No momento 00:19:50:00 a 00:20:00 da gravação das declarações da assistente, foi dito:
“Assistente: Não me lembro do conteúdo”
No momento 00:20:15 a 00:20:37 da gravação áudio das declarações da assistente, foi dito:
Assistente: Mmo. Juiz como lhe disse eu já não me lembro do conteúdo das mensagens.
Mmo. Juiz: De nenhumas?
Assistente: Não!
Mmo. Juiz: De nenhumas?
Assistente: Não!
Mmo. Juiz: É?
Assistente: Não me lembro não Sr. Dr. Juiz”

83º - Nas declarações prestadas pela assistente, a mesma nunca confirmou o conteúdo do auto de notícia de fls. 3-5, pelo que, este, por si só, não pode ser considerado meio de prova suficiente do referido ponto da matéria de facto, nem de qualquer outro.

84º - Por sua vez, o arguido nas declarações prestadas negou o envio das referidas mensagens e referiu que a assistente tinha um número de telefone seu e que era através desse número de telemóvel (9695xxx) que comunicava com ela, porque era mais barato, referindo nas suas declarações que constam da gravação áudio da prova gravada:
00:00:00Início Gravação18-06-2013 16:27:40
00:00:01ArguidoA.18-06-2013 16:27:41
00:19:00Fim Gravação18-06-2013 16:46:40
00:00:00Início Gravação08-07-2013 14:29:56

No momento 00:15:40 a 00:16:14 do referido registo, foi dito:
“Mmo. Juiz: 215? Mas ela tem aqui um 91?
Arguido: Diga? Talvez seja bom o tribunal perguntar à Dª. C. qual é o número que tinha para além desse.
Mmo. Juiz: Acontece é que as mensagens foram mandadas para este número percebe?
Arguido: Eu não sei…tou a ouvir mas eu não sei…Eu sei é que comunicava com ela para o 215 que era o telefone que ela tinha porque era mais barato, porque nos tínhamos um pacote e falávamos entre nós.
Mmo. Juiz: Era o 9695xxx? Correcto?
Arguido: Exactamente.”

85º - A assistente nunca foi questionada acerca deste número de telemóvel.

86º - O registo de mensagens telefónicas enviadas de fls. 19-24, não se trata de qualquer registo técnico que possa comprovar que as mensagens de telemóvel foram efectivamente enviadas por um determinado número de telemóvel e recebidas por outro número de telemóvel, tratam-se de mera fotos de um visor que telemóvel.

87º - É do conhecimento geral, é possível criar aquele tipo de mensagem de telemóvel sem que tenha sido efectivamente enviada/recebida pelo número de telemóvel identificado como remetente.

88º - Em termos hipotéticos, as fotos de fls. 19 a 24 até podiam ser úteis se fossem suportadas tecnicamente por uma perícia que verificasse o ficheiro da mensagem ou por uma informação técnica do operador de telemóveis ou mesmo uma factura que confirmasse a titularidade dos números de telemóveis envolvidos e o envio e recepção das várias mensagens.

89º - Por si só, e sem o reconhecimento por parte da assistente do seu conteúdo nem das datas de envio, que, também, não confirma o auto de noticia de fls. 3-5, negação do arguido do envio de mensagens para aquele número de telemóvel e daquele tipo de conteúdo de mensagens, ausência de relatório técnico de envio/recepção, verifica-se existir um erro notório na apreciação da prova, a real insuficiência de prova impunha que o ponto 5 dos factos provados tivesse sido dado como não provado.

90º - Relativamente aos pontos 6, 7, 8 e 9 dos factos provados, também, não podiam ter sido dados como provados, a prova produzida não permitia firmar a convicção de que os factos tinham de ser considerados provados, a prova é insuficiente, entrando em contradição com versão do arguido e da testemunha JT, tendo o Mmo. Juiz de direito do tribunal a quo, salvo o devido respeito, cometido um erro na apreciação da prova produzida.

91º - Quanto a estes pontos da matéria de facto, a assistente nas declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento, segundo o registo áudio digital de gravação das declarações, no momento 00:25:44 a 00:27:32, foi referido o seguinte:

“ Mmo. Juiz: o Sr. A. arguido aqui foi à sua residência às 5h15m da manhã à Rua Augusta …? Isto é verdade?
Assistente: Sim Sr. Dr. Juiz
Mmo. Juiz: Às 5h15m da manhã, e o que é que se passou?
Assistente: O que se passou é que entrou e disse que queria falar comigo.
Mmo. Juiz: Queria falar consigo, ás 5h15m da manhã, e depois foram falar…e depois falaram, não é?
Assistente: Não chegamos a falar, porque….eu….portanto…eu…ao eu pensar que poderia fazer mal….
Mmo. Juiz: Ai sim porquê?
Assistente: Porque deu-me a sensação que ele trazia alguma coisa na mão…..
Mmo. Juiz: mas era normal entrar ás 05h15m da manhã? Era sua casa ou casa comum?
Assistente: Não Sr. Dr. Juiz….porque é assim….entrar entrava normal porque…..
Mmo. Juiz: Vocês viviam antes em 21 de gosto de 2012, são os factos que estão aqui em causa,
Assistente: Sim…
Mmo. Juiz: Mas o Sr. A. alguma vez tinha vivido também nesta casa? Na Rua Assunção …?
Assistente: Vivíamos sim
Mmo. Juiz: Viviam os dois?
Assistente: Sim, vivíamos os dois
Mmo. Juiz: Tinha uma coisa na mão, a Sra. viu o que era?
Assistente: Não, não me lembro…..”
No momento 00:29:35 a 00:30:25 do registo de gravação das declarações da assistente foi dito que:
“Mmo. Juiz: Verbalizou alguma coisa? Tem a certeza ou não se ele disse ou não “dou cabo de ti”?
Assistente: Agora, já não me lembro
Mmo. Juiz. O arguido fez algum disparo com o que trazia na mão, disparo ou algum barulho?
Assistente: Sr. Dr. Juiz eu ouvi um barulho, mas….
Mmo. Juiz: Viu la algum sinal de alguma munição nas paredes ou onde quer que seja?
Assistente: Não vi Sr. Dr. Juiz.”

92º - Conforme decorre das declarações prestadas pela assistente supra transcritas, a assistente refere que o arguido no dia 21 de Agosto de 2012, pelas 05H15M, entrou na residência sita na Rua Augusta …, mas nada refere quanto à arma, refere que viu “uma coisa na mão”, que não se recorda em concreto, muito menos, referiu que empunhou contra ela qualquer objecto dirigindo-se ao quarto e que declarou “dou cabo de ti”.

93º - A assistente não identificou como arma, pois, arma, é um instrumento de defesa ou ataque, “ter qualquer coisa na mão” pode ser uma carteira ou um telemóvel, sendo de referir que a mesma nunca mencionou que tal objecto estava a ser empunhado, pois, empunhar significar agarrar com firmeza com um determinado objectivo.

94º - Na fundamentação da douta decisão recorrida, fala-se que a assistente disse que o arguido “trazia alguma coisa na mão”, nunca se fazendo referência a uma arma.

95º - Das declarações da assistente, não resulta que essa “alguma coisa” seria para lhe atacar.

96º - A assistente referiu que ouviu um barulho, mas não referiu que esse barulho resultou do objecto que o arguido trazia com ele.

97º - A testemunha DS, no depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento, segundo o registo áudio digital da prova gravada
00:00:00Início Gravação18-06-2013 16:03:16
00:00:01TestemunhaDS18-06-2013 16:03:18
00:04:37Fim Gravação18-06-2013 16:07:54
Relata que, não se recordando da data, ouviu “uns barulhos perto das 6H, que pareceu tiros mas que não é especialista” momento 00:02:18 a 00:02:25.

98º - A testemunha AR, no depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento, segundo o registo digital da prova gravada
00:00:00Início Gravação18-06-2013 16:08:18
00:00:01TestemunhaAR18-06-2013 16:08:19
00:04:37Fim Gravação18-06-2013 16:12:56
Disse que, não viu nada, que estava a dormir com o filho numa casa arrendada por cima da casa da Dª. C, não se recordando da data, apenas ouvi “um barulho, um estrondo”, ouviu um barulho parece que tinha “explodido uma coisa”, conforme resulta do momento de gravação 00:03:05 a 00:03:50.

99º - Mesmo que se considere que o arguido, naquele dia e hora tenha ido à referida habitação, jamais se poderá considerar que trazia consigo uma arma, empunhando-a contra a assistente e que tenha disparado dois tiros, tal não resulta, categoricamente, da prova produzida.

100º - A assistente não viu nenhuma arma nem imputou os barulhos que ouviu ao objecto que o arguido trazia consigo, não foram encontrados no local quaisquer balas ou cartuchos, o que era expectável que acontece se tivesse sido disparado um tiro, pois, dificilmente, uma pessoa à noite conseguiria apanhar os cartuchos/balas, nem foram encontrados vestígios de disparos nas paredes ou no chão.

101º - A assistente referiu que não se recorda nem sabe se ouvi o arguido dizer “dou cabo de ti”.

102º - Por não ter sido feita qualquer prova jamais os factos descritos nos pontos 7 e 9 podiam ter sido dados como provados.

103º - Aliás, é de referir que, na hipótese do arguido ter ido naquele dia e hora à habitação identificada nos autos, havendo discussão dentro da mesma aquela hora da madrugada, a vizinha do andar de cima, testemunha AR, não ouviria alguma coisa?

104º - O arguido nas declarações prestadas em audiência de discussão em julgamento, de acordo com o registo áudio digital da gravação da prova gravada:

00:00:00Início Gravação18-06-2013 16:27:40
00:00:01ArguidoAR18-06-2013 16:27:41
00:19:00Fim Gravação18-06-2013 16:46:40
No momento 00:09:01 a 00:10:28 da referida gravação foi dito o seguinte:
“Mmo. Juiz: mais alguma coisa?
Arguido: Muito menos, eu ter saído de casa às 5h da manhã armado para ir a casa dela, isto é, à casa nossa.
Mmo. Juiz: O sr. chegou a lá viver?
Arguido: Eu ajudei a comprar e vivia lá, outras vezes não, e esta alguma responsabilidade da casa da qual eu assumi com ela e que irei ajudar a concluir o pagamento conforme eu me comprometi, agora, muito menos, muito menos, nessa altura, ainda mais, a I. estava comigo, a I. dormia ao meu lado, a I. estava ao meu lado nessa hora e dia de que sou acusado, a I. estava ao meu lado. Mais, esse meu amigo JT, estava de férias na minha casa e ele próprio quando chegou, barrou o carro atrás do meu. Saímos de manhã era 08h:20m e quando me cruzei perto da rotunda da policia vejo a C passar na esquadra e eu fui à frente parei no hotel S. Cristóvão e ela foi à Galp, veja bem o receio que estava de mim que ela foi ao meu encontro, foi à Galp meter combustível. Eu fui estacionar o carro para ir fazer a minha caminhada com o meu amigo JT(…)”

105º - O arguido nega os factos, referindo onde e com quem estava à data dos factos descritos na acusação, referindo que estava em casa a dormir ao lado da filha e que o seu carro estava travado pelo veículo de JT, à data dos factos descritos na acusação, sendo impossível ter saído de casa.

106º - Por sua vez, a testemunha JT, no depoimento prestado, de acordo com o registo áudio digital da prova gravada,
00:00:00Início Gravação08-07-2013 14:29:56
00:00:01TestemunhaJT08-07-2013 14:29:57
00:18:20Fim Gravação08-07-2013 14:48:17
No momento: 00:04:25 a 00:06:45, foi dito o seguinte:
“Defensor: O Sr. o ao passado esteve em Lagos? Se chegou vir passar férias a Lagos?
Testemunha: O ano passado estive em lagos em Agosto em Lagos, na segunda quinzena de Agosto.
Defensor: E o Sr. ficou onde a residir durante o período de férias?
Testemunha: Fiquei na casa do Sr. A.
Defensor: O Sr. será se fizer um esforço consegue-se recordar se terá acontecido algum episodio durante esse período de férias entre o Sr. A e a Dª. C?
Testemunha: Logo na chegada, eu tinha por hábito e dar um passeio matinal, e num desses dias fomos dar o passeio matinal, caminhada e sei que o quando o Sr. A viu a Dª. C, portanto, nós parámos para estacionar para ir dar o passeio, e depois parou a Dª. C na bomba de gasolina e o Sr. A saiu para ir falar com ela(…)”
No momento 00:08:25 a 00:11:50, referiu que a conversa que tiveram na bomba “pareciam estar chateados”, “não se apercebeu de quaisquer insultos ou coisa parecida”.
No momento, 00:09:09 a 00:11:38, foi dito o seguinte:
“Defensor: Na noite anterior, o Sr., penso que faça um esforço, se recorda do Sr. A. ter saído de casa à noite ou de madrugada?
Testemunha: O Sr. A. não deve ter saído de casa, porque eu cheguei já não era muito cedo, já era um pouco fora de horas…
Defensor: A que horas?
Testemunha: Cerca de umas 11horas, cheguei…
Defensor: E o Sr. chegou aonde?
Testemunha: Cheguei à casa do Sr. A. em Odiáxere, e, portanto, aquilo que eu posso atestar com o carro que eu fomos no dia seguinte não podia ter saído porque o meu ficou atrás e eu de manhã tive de tirar o meu para que ele pudesse tirar o carro dele, de certeza que não saiu com o carro dele, porque até ficamos até tarde conversar(…)”
(…)
Defensor: Qual era o carro estava à frente do seu?
Testemunha: Era o Mercedes.”
(…)
Defensor: E foi logo nessa manha que esteve com a Dª. C?
Testemunha: Sim foi logo nessa manhã a seguir à minha chegada.”

107º - A testemunha JT disse, ainda, que nunca viu o arguido ter qualquer atitude violenta e que o arguido e a assistente sempre se relacionaram bem.

108º - A versão apresentada pelo arguido corroborada pela testemunha JT, que, ao contrário do entendido pelo Mmo. Juiz do tribunal a quo, salvo o devido respeito, é credível, e é mais verosímil que a versão dos factos apresentada pela assistente.

109º - Como o arguido podia ter saído de casa? A pé? Quando o Odiáxere fica a cerca de 10 kms da casa da assistente.

110º - E depois do supostamente ocorrido, nessa mesma manhã a assistente, ainda se aproximaria do arguido, podendo ir meter combustível noutro sitio? E falaria com ele?

111º - A assistente não se lembra…não se recorda, não confirmando sequer o auto de noticia.

112º - As testemunhas que ouviram o barulho, designadamente a testemunha DS referiu que se assomou à janela assim que ouvi o barulho, nesse breve instante será que não dava tempo para ver um carro ou alguém?

113º - Segundo o mesmo, viu a Dª. C. E a suposta pessoa que provocou o barulho? Dava tempo para ir embora?

114º - Na balança da razoabilidade e das regras de experiência comum do homem médio, a justificação apresentada pelo arguido é mais razoável, credível e verosímil.

115º - Neste sentido, os factos descritos nos pontos 6 a 9 deviam ter sido dados como não provados.

116º - Em último caso, existiria a dúvida acerca do que teria acontecido naquela madrugada de 21 de Agosto de 2012, o que impunha, também, que fossem dados como não provados.

117º - O ponto 10 dos factos provados, também, não devia ter sido dado como provado, a prova produzida não é suficiente para se ter a certeza se foi proferida a referida expressão, tendo Mmo. Juiz do tribunal a quo incorrido em erro de apreciação da prova.

118º - A assistente quando ao mesmo, nas declarações prestadas no momento 00:30:58 a 00:31:04 de acordo com o registo áudio digital das suas declarações referiu o seguinte:

“ Mmo. Juiz: Mas ouviu a expressão “és uma grande puta”?
Assistente: Deu-me a sensação de ter ouvido isso”

119º - A assistente, mais uma vez, hesita não sabendo o que dizer….se sim se não.

120º - O arguido, por sua vez, admite que pode ter utilizado uma linguagem menos simpática, mas negou ter referido essa expressão.

121º - A testemunha JT, no momento 00:08:20 a 00:08:25 do seu depoimento gravado no suporte áudio digital de gravação, referiu que “via-se que estavam chateados”, e no momento 00:08:58 a 00:08:59, ”não ouvi nenhuma palavra que tivesse a ver com insultos ou outra coisa parecida”.

122º - Face à fragilidade da prova produzida que se reduz ao supra referido, as regras de experiência comum impunham que não se considerasse o referido ponto da matéria de facto(10) como provado, a prova produzida não permite aquilatar que o arguido tenha proferido a referida expressão, aliás, permite firmar o contrário.

123º - Relativamente aos factos descritos nos pontos 11 e 12 dos factos provados, tratam-se de factos que resultam dos outros factos dados como provados, e que se impugnaram no presente motivação, acabam por ser conclusivos, pelo que, necessariamente, e pelas razões anteriormente invocadas, tinham de ser dados como não provados pelo facto da prova produzida não permitir concluir que o arguido tenha praticado qualquer acto ilícito.

124º - O mesmo se diga em relação ao ponto 14 dos factos provados, é obvio que o recorrente não pode apresentar qualquer arrependimento de factos que não praticou, trata-se de mais um facto conclusivo resultando a sua impugnação dos outros factos já impugnados.

125º - Quanto ao ponto 13 dos factos provados, pelo que já foi referido na presente motivação, jamais poderia ser dado como provado, pelo menos, nos referidos termos.

126º - A assistente referiu, antes de iniciar as suas declarações propriamente ditas, que coabitou com o arguido “há de um ano”, momento 00:02:28 a 00:02:30, das declarações da assistente gravadas no suporte de gravação áudio digital da prova gravada, depois, no momento 00:26:54 a 00:27:32, foi referido o seguinte:

“Mmo. Juiz: vocês vivam antes em 21 de Agosto de 2012, são os factos que estão aqui em causa, ma o Sr. já alguma vez tinha vivido aqui nesta casa na Rua Augusta …?

Assistente: Sim vivíamos os dois.
Mmo. juiz: É verdade isso que viviam os dois antes de 21 de Agosto de 2012, viviam os dois nesta casa?
Assistente: Sim.”

127º - No momento seguinte à prestação de declarações, a assistente, pessoalmente, veio apresentar requerimento de fls. 238, referindo que, não pretendia prestar declarações, tendo ficado bastante nervosa com o que se passou e com o facto de ter sido obrigada a prestar declarações e que, quando disse a expressão “há um ano” terminou a relação com o arguido, pretendia referir-se que “”há cerca de um ano”, mais precisamente em 21 de Agosto de 2012.

128º - O arguido confirmou a data do terminus da relação.

129º - De acordo com a transcrição da prova gravada e com o requerimento apresentado pela assistente, facilmente se conclui que a relação acabou em Agosto de 2012, mais precisamente em 21 de Agosto de 2012.

130º - O Mmo. Juiz do tribunal a quo até firmou essa conclusão, caso contrário, não tinha formulado a questão à assistente.

131º - Face ao exposto, e salvaguardando tudo o que foi dito quanto à invalidade das declarações da assistente, o referido ponto da matéria de facto devia ter sido dado como não provado, e, em alternativa, devia ter considerado que ”O arguido e a assistente coabitaram em condições análogas dos cônjuges, pelo menos até 21 de Agosto de 2012.”

132º - A factualidade descrita nos pontos 3 a 13 não devia ter sido dada como provada.

133º - Com o douto respeito que merece, o Mmo. Juiz do tribunal a quo cometeu vários erros na apreciação da prova, tendo violado as regras de experiência comum e a livre convicção do julgador.

134º - Considerando-se não provados os factos que se impugnam, o arguido tem, necessariamente, de ser absolvido do crime que lhe é imputado.

Sem prejuízo de tudo o que foi dito anteriormente, a cautela de patrocínio impõe que se diga, ainda, o seguinte,

135º - Tendo em conta o disposto no artigo art. 152º, nº. 1, als. b) e c) e nº. 2 do C.P.P., o bem jurídico em causa é a saúde física, psíquica e mental de determinadas pessoas que têm uma relação especial com o agressor.

136º - O elemento objectivo aqui em causa são os maus tratos físicos e psíquicos, no caso sub judice estão em causa os maus tratos psíquicos.

137º - Independentemente das considerações já feitas quanto à matéria de facto dada como provada pelo Mmo. Juiz do tribunal a quo, a mesma tout court não preenche o tipo de ilícito.

138º - Em primeiro lugar, porque os maus tratos pressupõem uma lesão, uma agressão tem como consequência uma lesão, ainda mais quando a conduta exigida neste tipo de ilícito pressupõe uma gravidade e uma violência elevada, pelo menos suplementar em relação aos outros crimes previstos no Código Penal, como é o caso da ofensa à integridade física, da ameaça ou da injuria, entre outros.

139º - A factualidade provada não é feita uma única referência a um dano, a uma lesão.

140º - A própria assistente, nas declarações prestadas, nunca se queixou de ter sofrido qualquer lesão ou ofensa.

141º - Tendo em conta que, supostamente, se tratam de maus tratos psíquicos – susceptíveis de integrar a prática do crime de ameaça ou de injuria - no relatório dos factos provados, não há uma referência a medo, susto, humilhação, provocação, vergonha, tristeza, entre outras possíveis resultados de uma possível ofensa.

142º - Sem um resultado, não é possível saber se a suposta agressão se verificou.

143º - Nem é possível recorrer-se à presunção, quer por esta prova ser ilegal e muito menos recorrer às regras da experiência comum, porque o tribunal desconhece o tipo e a forma de relacionamento, em concreto, que o arguido e a assistente mantinham.

144º - Não é possível considerar-se preenchido o elemento objectivo, e muito menos o subjectivo, pelo que, o arguido tinha de ser absolvido da prática do crime de violência doméstica.

Sem prejuízo do que foi anteriormente referido, as necessidades de cautela de patrocínio impõe que se diga, ainda, o seguinte,

145º - Resulta do elemento literal do crime de violência doméstica, mas, também, do elemento histórico e, principalmente, do elemento sistemático, que é exigida a prática de uma agressão especialmente grave e violenta, revelando neste ponto a reiteração ou não – uma acção que não seja muito grave mas seja reiterada poderá ser integrada como violência domestica e vice-versa – que tenha por base ou que decorra no âmbito da relação especial de pessoas tipificada na lei e que revele um elevado grau de censurabilidade.

146º - Se a agressão – os maus tratos – não forem graves/violentos e/ou reiterados – nunca poderá qualificar-se crime de violência doméstica.

147º - Sem prejuízo de tudo o que já foi dito, jamais se poderá considerar que “suposta” conduta do arguido descrita na factualidade dada como provada pelo douto tribunal a quo reveste carácter grave/violento e nível de censurabilidade, atendendo à forma e ao espaço temporal em que se verificaram, o suficiente para preencher o crime de violência doméstica.

148º - No máximo a “suposta” conduta do arguido seria susceptível de integrar um crime de injuria, p. e p. pelo art. 181º C. Penal e um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º do Cod. Penal, que, jamais se verificaria por falta de verificação de resultado e porque os crimes em causa são de natureza semi-publica e a assistente desistiu da queixa.

149º - Em face do referido, o douto tribunal a quo, com o douto respeito que merece, não fez boa apreciação da matéria da prova produzida nem do direito, tendo violado, entre outros:

- Artigo 32º C.R.P.;
- Artigos 152º, 153º e 181º do Código Penal;
- Artigos 61º, 125º, 126º, 127º, 340º, 374º e 379º todos do Cód. de Processo Penal;

150º - A decisão proferida pelo tribunal a quo deverá ser revogada e, consequentemente, o recorrente deverá ser absolvido do crime em que foi condenado.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA»

5. - Notificados da interposição do recurso, responderam o MP e a assistente. O MP pronunciando-se pela total improcedência do recurso e a assistente, inversamente, pela sua procedência.

6.- Nesta Relação, o senhor magistrado do MP deu Parecer no sentido da total improcedência do recurso.

7.Notificado da junção daquele parecer, o recorrente nada acrescentou.

8. – Transcrição parcial da sentença recorrida:

«A) FACTOS PROVADOS

1.Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos, considerados úteis para a discussão da causa.

a)Sobre os factos descritos na acusação pública.

1-O arguido A. manteve um relacionamento amoroso com a ofendida CV durante 25 (vinte e cinco) anos.

2- Deste relacionamento nasceu uma filha em comum, I., actualmente com 13 (treze) anos de idade.

3- Há cerca de 3 (três) anos atrás CV descobriu que o arguido A. tinha uma outra companheira no Brasil, com quem teve um filho, motivo pelo qual quis terminar a relação descrita em 1.

4- Desde essa data que o arguido começou a importuná-la, dizendo à filha que têm comum que a ofendida tem amantes, tendo inclusivamente levado a menor consigo no dia 17 de Agosto de 2012, não permitindo que a ofendida contactasse com a sua filha durante cerca de 04 (quatro) a 05 (cinco) dias.

5- A partir do dia 17 de Agosto de 2012 o arguido começou a enviar à ofendida mensagens escritas para o seu telemóvel com o seguinte teor:

• "Tem vergonha sai dessa casa. Podes e deixar de pagar. Eu pago e coloco o nome da I, quero ver esse orgulho e coragem. Kk final triste, uma filha ter vergonha da mãe. Corno dizias se não fosse a tua filha que sumias daki. Pois desaparece vai para longe torno conta dela tb já dei conhecimento a policia de lagos" - enviada no dia 18- 08-2012, pelas 23H21;
• "Porca nem a nossa respeitaste" - enviada no dia 19-08-2012, pelas 15H59;
• "Porca nem a nossa casa respeitaste. Desaparece.temos vergonha de ti .. " - Enviada
no dia 19-08-2012, pelas 16H48;
• "Acabei de confirmar a versão do Miguel que viu varias vezes com ele as 7. da
manha a caminho parchal e Portimão. Assume perante a tua filha n cobardola. Conta a zirinha
a pagalhe os 25mil euros( ... )", envida a 20-08-2012, pelas 13HI9;
• "Não vai ser alugado porque não quero a minha n vai viver com a porca da mãe ( ... )", enviada a 20-08-2012, pelas 21H04;
• "Vais pagar caro.e nem te passe pela cabeça mudares a fechadura nesse dia e o fim já vivi o suficiente. Desaparece para sempre a minha filha tem uma grande família e ate nova mãe que a apoia" - enviada a 21-08-2012, pelas 08H43;
• "O puta de manhã quando ias para a cobricao e atravessavas Odiáxere mesmo com barrete enfiado na cabeça dele para parecer uma velha.kkk vergonha a menina que so vestia Ana Sousa ainda vais vestir na botique alcofa. A conta do meu dinheiro e o que roubavas a tua irmã. Enquanto morares nesta terra e nessa casa n vais ter sossego as surpresas vão chegar todos os dias ( ... )" - enviada a 21-08-2012, pelas 08H43.

6- Até que, dia 21 de Agosto de 2012, cerca das 05H15, o arguido entrou na residência de CV, situada na Rua Augusta…, Lagos.

7 _ Empunhando uma arma, de características não concretamente apuradas, dirigiu-se ao quarto onde a ofendida se encontrava e declarou: "dou cabo de ti!".

8- Enquanto o arguido tentava abrir a porta do quarto, a ofendida conseguiu sair da sua residência pela varanda.

9- O arguido efectuou ainda dois disparos com a arma que trazia consigo, desconhecendo-se em que direcção, quando a ofendida se encontrava já fora da residência.

10- Nesse mesmo dia, cerca das 08H15, o arguido encontrou a ofendida CV junto às bombas de gasolina da Galp, em Lagos, tendo-lhe dirigido as seguintes palavras: "és uma grande puta".

11- O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, no propósito concretizado de afectar o bem estar físico e psíquico da ofendida, bem como a sua tranquilidade, honra e dignidade, fazendo-a temer pela sua vida, segurança e integridade física, o que representou e quis.

12- Sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou que:

13- O arguido e a assistente coabitaram em condições análogas dos cônjuges, pelo menos até Julho de 2012.

14- O arguido não mostrou arrependimento.

b) Sobre a situação pessoa do arguido:

15- O arguido, é consultor financeiro, auferindo cerca de € 1000,00 mensais.
16- É divorciado e tem 3 filhos maiores e uma filha menor.
17- Vive em casa própria.
18- Tem, a 4° Classe.

c) Sobre os antecedentes criminais:

19. O arguido foi condenado por decisão de 24/2/2003, transitada em julgado em 25/11/2003 pela prática em 13/4/2000, por um crime de injuria previsto e punido pelo artigo 181º e 184º do Código Penal, e por um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º do mesmo diploma legal, na pena única de 210 dias de multa à taxa diária de€10,00, no processo que correu termos sob o nº ---/00.7 GALGS do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, julgada extinta por despacho de 19/1/2005.

20. O arguido foi condenado por decisão de 21072009, transitada em julgado em 10/09/2009 pela prática em 18/6/2005, por um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artigo 143° do Código Penal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 7,00 no processo que correu termos sob o n° ---/05.3 GALGS do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, julgada extinta por despacho de 25/11/2009.

B)FACTOSNÃOPROVADOS

Inexistem para a boa decisão da causa.
*
C) FUNDAMENTAÇÃO
1. Sobre os factos descritos na acusação pública:

O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na análise crítica e ponderada da prova produzida, interpretada em função das regras da experiência comum e da normalidade, mormente nas declarações do arguido, e da prova testemunhal e na análise da prova documental junta aos autos nomeadamente: Auto de notícia, fls. 3-5; Registo fotográfico, fls. 15-17, onde se vê a casa da assistente destruída e uma porta deitada abaixo' ; Registo de mensagens telefónicas enviadas, fls. 19-24; Fls. 48-53; Auto de busca e apreensão, fls. 62-64; Fls. 65-68; Registo fotográfico, fls, 69; Auto de apreensão, fls. 71- 72.

Comecemos pela prova testemunhal de uma forma resumida uma vez que os depoimentos se encontram gravados.

A assistente, CV, perguntada se os factos que constavam da acusação pública se diziam respeito a factos ocorridos durante a coabitação que manteve com o arguido por esta foi dito que foram posteriores, localizando o termino da coabitação em cerca do mês de Julho de 2012. Assim sendo foi esta inquirida como testemunha, não se podendo esta recusar a depor nos termos do artigo 134° n° 1 alínea b) do CPP, conforme consta da respectiva acta.

Acresce que também já da sua acusação particular que consta dos autos a fls. 166 e ss os factos por esta ai descritos são da mesma altura dos da acusação pública ou seja posteriores à coabitação que o arguido e a assistente mantiveram.

A assistente, confirma na generalidade os factos da acusação nomeadamente que as SMS recebidas foram enviadas por aquele número e que o mesmo pertencia ao arguido. Refere que ao episódio de 21 de Agosto de 2012, às 5h15m o arguido entrou na residência da assistente e vinha com "alguma coisa na mão" e que consequentemente saiu para a varanda e posteriormente para a rua de robe, com medo.

Este episódio de 21 de Agosto de 2012, às 5h15m, é confirmado pelo depoimento isento e credível do vizinho da assistente, DS, que reside em frente à casa da ofendida. Refere a testemunha que estava deitado perto das 6h00 da madrugada, ouve uns barulhos que lhe pareceram tiros, levantou-se para ver o que era e viu uma pessoa com um telemóvel e 2 carros patrulha. Percebeu que a pessoa com o telemóvel era a Senhora C (assistente) uma vez que os polícias foram para casa dela. Este episódio, se mais prova faltasse e recorrendo como legalmente admitido às regras da experiência comum, resultou provado do depoimento isento e credível, da testemunha AR - vizinha da assistente onde esta refere que perto das 6h00 da madrugada ouve uns estrondos, que a assistente lhe telefone a chorar e que esta foi ter com ela, confirmando o facto daquela se encontrar de robe e que quando chegou a policia regressou a casa.

Por sua vez a filha da assistente e do arguido I, não quis prestar declarações.

A testemunha defesa JD, padrinho da testemunha I, afirma que conhece a assistente e o arguido como casal desde o ano 2000, e nada mais de relevante acrescentou para a boa decisão da causa.

Também a testemunha JT, apresentada pela defesa, e amigo de longa data do arguido refere que o relacionamento terá terminado há cerca de um ano, e que refere que chegou ao Algarve para passar férias com o arguido no início da segunda quinzena de Agosto. Refere que viu o arguido a gesticular com a assistente quando o acompanhava num passeio matinal que costumavam dar, nas bombas de gasolina da Galp em Lagos. Refere ainda que a assistente estava mais calada que o arguido. Numa tentativa nada credível porque contraditória, e demasiado precisa, tendo em conta o lapso de tempo entretanto passado, cerca de um ano, refere a testemunha, referindo-se ao episódio de 21 de Agosto de 2012 que o arguido não poderia ter saído de casa porque o carro da testemunha estaria a bloquear o do arguido.

O arguido decidiu falar no decorrer do julgamento, confirmando o relacionamento com a assistente que negando os facto de 21 de Agosto de 2012. Foram descredibilizadas as declarações do arguido e consequentemente a sua versão dos factos - negação dos mesmos ¬o facto de a instâncias do Tribunal sobre as SMS, este ter referido que as mesmas devem ter sido, eventualmente enviadas pelo filho mais velho por ciúmes, ora do conteúdo das mesmas, não resulta que as mesmas sejam fruto de ciúmes do enteado para com a madrasta mas sim SMS que segundo as regras da experiência comum só podiam ter sido enviadas entre pelo arguido, uma vez que denotam e falam diversas vezes da filha que estes tem em comum e da vida privada do arguido com a assistente.

Consequentemente dúvidas inexistem que o arguido actuou na forma descrita nos autos.

Assim e em face aos elementos que objectivamente se provaram teve-se em consideração as regras de experiência comum quanto à intenção do arguido em praticar os factos que o tribunal deu como provados, e assim sendo foram dados como provados os factos atinentes ao elemento subjectivo tal como constava da acusação.

Conclui o tribunal no respeitante à ausência de arrependimento do arguido, na versão contraditória que apresentou bem como na sua postura durante a audiência minimizando os episódios por si protagonizados.

Por tudo isto, se fixou a matéria de facto julgada provada.

2. Sobre a situação pessoal do arguido.

Quanto às condições de vida apuradas relativas ao arguido, o Tribunal apreciou livremente as declarações por ele prestadas em audiência sobre essa matéria, que pareceram sinceras.

3. Sobre os antecedentes criminais.

No que se refere aos antecedentes criminais do arguido, foi relevante o C.R.C. junto aos autos, a fls. 223.
*
IV-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A)ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS:

Sendo esta a matéria de facto provada, cumpre efectuar o seu enquadramento jurídico-penal.

Decorre do disposto no artigo 152°, n.º 1, al. b) e c) que comete o crime em apreço "quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação ( ... ).""

Por sua vez refere a alínea C)" A progenitora descendente comum em l° graus ( ... )" Dispõe ainda o n° 2 que: No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos"

O bem jurídico que se visa proteger com tal incriminação é a saúde física, psíquica e mental (Neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2002/11/07, Proc. n." 359/02, relator: Senhor Conselheiro Simas Santos, no site www.dgsi.pt/jstj).

Como elementos objectivos necessários à ocorrência do tipo em análise temos:
- os maus tratos físicos;
- e os maus tratos psíquicos

Maus tratos físicos são ofensas à integridade física simples, isto é ofensas no corpo ou na saúde do ofendido. Sendo que por ofensa no corpo dever-se-á entender "todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante", estando aqui abrangidas aquelas actuações que envolvem uma diminuição da substância corporal, lesões da substância corporal e alterações físicas (S/S/Eser § 223 3 e M/S/Maiwald 180, apud Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol, I, pág. 205 e 206).

E como lesão da saúde deve considerar-se "toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a" (M/S/Maiwald I 81, apud Paula Ribeiro de Faria, ob. cito, pág. 207).

Note-se que uma simples bofetada, mesmo que não desencadeie uma lesão, uma dor ou uma incapacidade para o trabalho, pode consubstanciar a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, de acordo com a jurisprudência firmada com a prolação do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1991 (in DR, I Série - A, de 8.02.1992).

Os maus tratos psíquicos abarcam as humilhações, as provocações, as molestações e as ameaças mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça.

Estamos ainda perante um tipo de crime específico, pois pressupõe que o agente se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo de tais comportamentos. O sujeito passivo deste tipo de crime apenas pode ser a pessoa que se encontra para com o agente, na relação pressuposta no preceito incriminador.

Para que se verifique a prática deste tipo de crime, necessário se toma, para além do concreto tipo de relação entre agente e vítima, uma reiteração de condutas, sendo que alguma jurisprudência considera ser subsumível em tal tipo criminal uma só conduta "agressora" que, pela sua gravidade, mereça esta especial tutela e punição.

Embora não se exija a habitualidade na conduta do agente, é necessário uma acção plúrima e repetida, não sendo um acto isolado, esporádico, suficiente (cfr. Catarina Sá Gomes, in "O Crime de Maus - Tratos físicos e psíquicos... ", AAFDL, 2002, pág. 73).

Como escrevem Leal-Henriques e Simas Santos, é necessária a reiteração do comportamento do agente, em determinado período de tempo, para que o crime de maus-tratos se mostre verificado (in C. Penal Anotado, Tomo II, pág 182).

Convém todavia ter presente que o crime de violência doméstica, decorrente da Revisão de 2007 [Lei n." 59/2007, de 04/Set.] e da previsão actualmente do artigo 152.°, n." 1, do Código Penal pune "Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:", o que sucederá quando tal suceder "a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge."

Tal ilícito surge na sequência do crime de maus-tratos da previsão do artigo 153.°, do Código Penal de 1982, que, por sua vez, tinha como fonte os artigos 92.° e 93.° do StGB Austríaco, tendo ao longo dos tempos sofrido alterações constantes, quer ao nível da sua natureza procedimental, quer na descrição da sua acção típica e dos seus sujeitos passivos (As quais passaram: pela Reforma de 1995, com o Dec.-Lei n." 48/95, de 15/Mar., que alargou o tipo objectivo, agora no artigo 152.°, passando a tutelar novas vítimas e agravando a moldura penal, assumindo tal ilícito natureza semi-pública; as alterações pontuais efectuadas pela Lei n." 65/98, de 02/Set., com destaque para o prosseguimento "ex officio" por parte do Ministério Público e a Lei n." 7/2000, de 27/Mai., que passou a conferir natureza pública a este ilícito, alargando a sua tutela penal, possibilitando a suspensão provisória do processo e estabelecendo um maior leque de penas acessórias).

A par deste ilícito continua a ser previsto o crime de ofensas à integridade física simples da previsão do artigo 143.°, n.º 1, com uma pena de prisão até 3 anos ou uma pena de multa, assim como o crime de ofensas à integridade física qualificada do artigo 145.°, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, com uma pena de prisão até 4 anos, bem como os crimes de homicídio e de homicídio qualificado da previsão, respectivamente dos artigos 131.° e 132.° do Código Penal, com, segundo a ordem indicada, uma pena de prisão de 8 a 16 anos ou de 12 a 25 anos. Refira-se que a qualificação daquele crime de ofensas à integridade física e deste crime de homicídio se dá quando, respectivamente, as ofensas à integridade física ou a morte "forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente" [145.°, n.º 1, 132.°, n.º 1], o que poderá suceder quando ocorra uma das "circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo132.º [145.°, n.º 2], sendo uma delas, a da previsão da sua al. b), "Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha uma relação análoga à dos cônjuges, ainda, ainda que sem coabitação… " Podemos pois constatar que existe não só uma identidade das potenciais vítimas que se pretende proteger, como existe uma sobreposição, ainda que parcial, das condutas que se querem proibir.

Nesta conformidade, atenta a descrição típica do crime de violência doméstica em confronto com os crimes de ofensas à integridade física, que são os que agora interessam, desde o simples até ao qualificado, bem como a distinta moldura penal de tais ilícitos, os mesmos encontram-se entre si numa relação de concurso aparente.

Ora e por razões de política criminal só se justifica uma punição mais grave se se tratarem de condutas que exprimam um lastro de danosidade social mais intensa ou comportem a tutela de um bem jurídico distinto, mas sempre com relevância jurídico-penal.

Nesta conformidade, a jurisprudência continua a entender que no crime de violência doméstica tutela-se a dignidade humana dos sujeitos passivos aí referenciados, mormente na vertente da sua saúde, seja a nível físico ou psíquico, ou na vertente da sua privacidade, seja de liberdade pessoal ou de autodeterminação sexual, sendo nesse sentido que já então se exprimia a nossa jurisprudência (v. g. Acs. R. P. de 1999/Nov./03, R. C. de 2005/Jul./06, respectivamente na CJ V/223, IV/4l e TAIPA de CARVALHO, "Comentário Conimbricense", Coimbra, Coimbra Editora, Tomo I, (1999), p. 329; MATOS, Marlene, "Retratos da violência na conjugalidade", na Revista portuguesa de Ciência Criminal, 2001, 11, p. 99).

Esta é uma das facetas da dignidade humana, a qual tem consagração constitucional (artigo 1.°,24.°, n.º 1, 25.°, da C. da República) e corresponde a um dos direitos fundamentais veiculados em tratados e convenções internacionais (5.° da DUDH; 3.°, n.º 1 da CEDH; 7.°, n.º 1, 10.°, n.º 1 do PIDCP; 1.°,3.°, n.º 1, 4.° da CDFUE).

Convém ainda ter presente o que se entende por violência. Na Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, no seu artigo 1.0, considera-se "violência contra as mulheres", "qualquer acto de violência dirigido contra as mulheres que produz ou é passível de produzir danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou psicológicos ou sofrimento para as mulheres, incluindo ameaças desses actos, coacção ou privação arbitrária da liberdade, tanto na vida pública como na vida privada". Assim, haverá violência contra as mulheres quando estas forem vítimas de qualquer ofensa à sua integridade física ou psíquica, bem como de actos que degradem a sua condição humana ou ponham fim à sua própria vida. Isto significa que os actos de violência contra a mulher trespassam no nosso Código Penal vários ilícitos, que vão da ofensa à integridade física, passam pela violência doméstica e culminam no homicídio.

Por isso, tanto é um acto violento contra uma mulher a ofensa da sua integridade física, como expô-la a maus tratos ou pôr termo à sua própria vida.

Daí que esse conceito de acto violento apenas nos permita situar, de um modo coadjuvante, na tipicidade de um desses crimes, não sendo, no entanto, determinante na verificação do elemento objectivo de qualquer um deles, pois para o efeito haverá que atender-se, atento o princípio da legalidade e da tipicidade, à descrição típica dos mesmos.

Convém assim recordar o posicionamento da nossa jurisprudência, mormente daquela que já antes de 2007 se encaminhava no sentido de que bastava um único acto para que houvesse um crime de maus-tratos.

Tal sucedeu com o Acórdão do STJ de 14.11.1997 (CJ (S), III, pág. 235) segundo o qual "Só as ofensas corporais, ainda que praticadas uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, ou seja, que traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária da parte do agente é que cabem na previsão do artigo 152.° do Código Penal."

Este posicionamento teve igualmente aderência nas Relações, que se bastavam com u m só comportamento do agente que "se revista de uma gravidade tal que seja suficiente para justificar a dissolução do vínculo conjugal, por comprometer a possibilidade devida em comum" (Acórdão da RE de 23.11.1999, CJ, V,283), "se revelar de uma certa gravidade ou traduzir, da parte do agente, crueldade, insensibilidade ou até vingança" (Acórdão da RE de 25.01.2005, CJ 1,260) ou então se se tratar de "uma conduta complexa que revista gravidade e traduza, v. g. crueldade ou insensibilidade" (Acórdão RP de 12.05.2004, Rec. 6422/03-4.a secção).

Sendo assim, podemos assentar, no que concerne ao crime de violência doméstica da previsão do artigo 152.° do Código Penal, que a acção típica aí enquadrada tanto se pode revestir de maus tratos físicos, como sejam as ofensas corporais, como de maus tratos psíquicos, nomeadamente humilhações, provocações, molestações, ameaças ou outros maus tratos, como sejam as ofensas sexuais e as privações da liberdade, desde que os mesmos correspondam a actos, isolada ou reiteradamente praticados, reveladores de um tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima.

Quanto ao elemento de índole subjectiva, dir-se-á que o dolo consiste na intenção do agente em praticar actos configuráveis como maus tratos físicos ou psicológicos.

Aplicando tais conceitos jurídico-doutrinários, importa agora apurar se com a sua conduta o arguido cometeu o crime que lhe é imputado.

Perscrutando a matéria de facto considerada provada, constata-se que o arguido infligiu à Carmem Maria Vaz, com quem o arguido manteve uma relação análoga à dos cônjuges posteriormente ao final do relacionamento, ofensas à integridade física, humilhações e provocações, de forma reiterada e que são objectivamente graves (n° 5 a 11 ° dos factos provados).

Foi também dado com provado o facto que no dia 21 de Agosto de 2012, cerca das 05H15, o arguido entrou na residência de CV, situada na Rua Augusta…, Lagos. Ao prever e desejar a produção de tal resultado, decidindo-se pela prática dos factos adequados a provocá-lo, agiu com dolo directo (cfr. art." 14.°, n 1, do C.P.), demonstrando uma atitude que, sendo contrária relativamente ao dever ser jurídico penal, já que podia e devia ter agido de outro modo (n° 11 a 12 dos factos provados).

Deste modo, é objectiva e subjectivamente imputável à conduta do arguido a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art." 152.°, n," 1, al. b) e c) e bem como a qualificativa do n" 2 uma vez que o episódio de 21 de Agosto de 2012 teve lugar no domicilio da assistente (n" 6 dos facto provados) do Código Penal.
*
DOSIMETRIA DA PENA
(…)

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

ii. fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos e poderes de cognição do tribunal de recurso.
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

No seu recurso, o arguido começa por considerar que a decisão sobre a matéria de facto assenta em prova proibida, porquanto não foi concedida à assistente o direito de se recusar a prestar declarações nos termos do art. 134º nº 2 b) do CPP. Alega ainda que, a não se entender existir proibição de prova, sempre se verifica nulidade por violação do nº2 do art. 134º do CPP que, por ter sido oportunamente invocada, não se encontra sanada.

O arguido argui ainda nulidade da sentença nos termos do art. 379º do CPP, por não conter indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime.

O arguido impugna ainda a decisão sobre a matéria de facto que julgou provados os factos descritos sob os nºs 3 a 13 da factualidade provada, nos termos do art. 412º nº3 do CPP. Apesar de na conclusão 53ª o arguido afirmar que os pontos 3 a 14 dos factos provados não deviam ter sido dados como tal, o arguido recorrente não se refere mais ao ponto nº 14, que não impugna especificamente contrariamente aos demais, pelo que apenas se considerarão impugnados os factos descritos sob os nºs 3 a 13 da factualidade provada, tanto mais que a matéria do ponto de facto nº 14º apenas poderia relevar em matéria de determinação da sanção, que o arguido não põe em causa na sua motivação.

Por último, o arguido impugna a qualificação jurídica dos factos julgados provados, por entender que os mesmos não preenchem os elementos objetivos e subjetivos do crime de Violência doméstica pelo qual vem condenado.

São estas, pois, as questões a decidir, sem prejuízo de alguma delas poder ficar prejudicada pela decisão dada a outras.

2. Decidindo.

2.1. A invocada nulidade de sentença por falta de indicação do destino a dar a coisas relacionadas com o crime é manifestamente improcedente, pois aquela não é uma das indicações da sentença condenatória cuja omissão gera nulidade de sentença nos termos do art. 379º nº1 a) do CPP, conforme resulta do mero confronto desta disposição com o art. 374º nº3 c), igualmente do CPP.

A inobservância desta norma, de acordo com a qual o dispositivo da sentença contém a indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime, dá origem a mera correção da sentença, que pode ser feita pelo tribunal de recurso quando tal correção seja possível, nos termos do nº1 al. a) e nº2, do art. 380º do CPP.

No caso presente o recorrente não identifica minimamente os bens a que se reporta, limitando-se a referir genericamente que foram apreendidos vários objetos no decorrer de várias buscas realizadas a imóveis do arguido e a arguir nulidade da sentença por não indicar o destino de bens apreendidos, sem requerer o que quer que seja relativamente a estes. Também a sentença recorrida não se refere a bens apreendidos e a resposta ao recurso do MP reporta-se apenas à nulidade invocada sem fazer igualmente referência a quaisquer objetos concretos.

Assim sendo, qualquer indagação e decisão oficiosa sobre o destino de bens que ainda se encontrem apreendidos estaria para além da mera correção de mero lapso material da sentença por parte do tribunal de recurso, genericamente permitida pelos preceitos citados em último lugar.[1]

Não pode, pois, proceder-se a eventual correção de sentença pelo tribunal de recurso por não ser a mesma possível – cfr art. 380º nº2 do CPP – pelo que os sujeitos processuais interessados terão de suscitar a questão em 1ª instância, querendo-o, pelos meios processuais que tenham por adequados.

2.2. O alegado incumprimento do disposto no art. 134º nº 2 do CPP – remissão.

O arguido recorrente – acompanhado pela assistente na sua resposta ao recurso - alega que os factos típicos julgados provados na sentença recorrida ocorreram durante período em que ambos viveram em condições análogas às dos cônjuges, pelo que a assistente podia ter-se recusado a prestar declarações como, aliás, era seu propósito, ao abrigo do preceituado na al. b) do nº1 do art. 134º do CPP.

Por sua vez, consta da sentença recorrida, sob o nº13 da factualidade provada, que “ O arguido e a assistente coabitaram em condições análogas dos cônjuges, pelo menos até Julho de 2012”, sendo certo que de acordo com os nºs 4 a 10 da factualidade provada os factos que integram os elementos do tipo de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º do C. Penal pelo qual o arguido vem condenado, ocorreram a partir de 17 de agosto de 2012, pelo que, a ser assim, os factos típicos terão ocorrido depois de finda a coabitação.

Uma vez que todos estes factos foram objeto de impugnação nos termos do art. 412º nº3 do CPP, como vimos, impõe-se decidir aquela impugnação antes de decidirmos a questão relativa ao preceituado no art. 134º nº2 do CPP que agora enquadrámos.

2.3. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto que julgou provados os factos descritos sob os nºs 3 a 13 da factualidade provada, nos termos do art. 412º nº 3 do CPP.

Vejamos agora cada um dos pontos de facto impugnados.

2.3.1. – O nº3 da factualidade provada é do seguinte teor:

- “ 3. Há cerca de 3 (três) anos atrás CV descobriu que o arguido A. tinha uma outra companheira no Brasil, com quem teve um filho, motivo pelo qual quis terminar a relação descrita em 1.”.

O arguido recorrente começa por alegar que este facto não se encontra provado porque apenas documentalmente pode provar-se que o arguido teve um filho com uma companheira no Brasil. Sem razão, porém, pois independentemente de outras considerações[2] não está sequer em causa o estabelecimento da paternidade ou filiação de pessoas concretas e identificadas, pelo que nada obsta a que se julgue provado o facto, tal como se encontra enunciado, com base em meios de prova diversos de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do CPP.

Por outro lado, o facto descrito sob o nº3 da factualidade provada é em si mesmo irrelevante para a boa decisão da causa, limitando-se a contribuir para o enquadramento da factualidade típica descrita sob os nºs 4 a 13. Neste contexto, a prova de tal facto a partir das declarações da assistente, apesar de o arguido negar esse mesmo facto, não merece reparo, improcedendo a impugnação nesta parte.

2.3.2. O nº 4 dos factos provados:

- “4. Desde essa data que o arguido começou a importuná-la, dizendo à filha que têm comum que a ofendida tem amantes, tendo inclusivamente levado a menor consigo no dia 17 de Agosto de 2012, não permitindo que a ofendida contactasse com a sua filha durante cerca de 04 (quatro) a 5 (cinco) dias.”

A apreciação crítica da prova não se refere especificamente a este facto, a filha do arguido e da assistente não quis prestar depoimento e a assistente, à pergunta do senhor juiz, disse não se lembrar por já ter sido há muito tempo, enquanto o arguido afirma que a filha esteve com ele mas por sua vontade e que nunca a impediu de contactar a mãe.

O facto nº4 não resulta, pois, provado da prova pessoal ora ouvida, tal como não resulta da apreciação crítica da prova que o mesmo se encontre provado com base em meios de prova diversos, pelo que se impõe concluir que a sentença recorrida não cumpriu a exigência fundamental de que a decisão sobre os factos resulte de prova produzida no processo[3], ao julgar provado este facto, procedendo a impugnação nesta parte.

2.3.3.- O ponto nº 5 da factualidade provada é do seguinte teor:

- «5. A partir do dia 17 de Agosto de 2012 o arguido começou a enviar à ofendida mensagens escritas para o seu telemóvel com o seguinte teor:

“Tem vergonha sai dessa casa. Podes e deixar de pagar. Eu pago e coloco o nome da I, quero ver esse orgulho e coragem. Kk final triste, uma filha ter vergonha da mãe. Como dizias se não fosse a tua filha que sumias daki. Pois desaparece vai para longe tomo conta dela tb já dei conhecimento a polícia de lagos” – enviada no dia 18-08-2012, pelas 13H21;

“Porca nem a nossa respeitaste” – enviada no dia 19-08-2012, pelas 15H59;
“Porca nem a nossa casa respeitaste. Desaparece.temos vergoha de ti..” – Enviada no dia 19-08-2012, pelas 15H48;
“Acabei de confirmar a versão do Miguel que viu várias vezes com ele as 7. da manha a caminho do parchal e Portimão. Assume perante a tua filha n cobardola. Conta a zirinha a paga-lhe os 25 mil euros(…)”, enviada a 20-08-2012, pelas 13H19;
“Não vai ser alugado porque não quero a minha n vai viver com a porca da mãe (…)”, enviada a 20-08-2012, pelas 21H04;
“Vais pagar caro.e nem te passe pela cabeça mudares a fechadura nesse dia e o fim já viv o suficiente. Desaparece para sempre a minha filha tem uma grande família e ate nova mãe que a apoia” – enviada a 21-08-2012, pelas 08H43.
“ O puta de manhã quando ias para o cobricao e atravessavas Odiáxere mesmo com barrete enfiado na cabeça dele para parecer uma velha.kkk vergonha a menina que so vestia Ana Sousa ainda vais vestir botique alcofa. A conta do meu dinheiro e o que roubavas a tua irmã. Enquanto morares nesta terra e nessa casa n vais ter sossego as surpresas vão chegar todos os dias (…)” enviada a 21-08-2012, pelas 08H43».

O tribunal a quo julgou provado este ponto de facto com base no depoimento da assistente e no teor das cópias de SMS que constituem fls 19 a 24 dos autos.

O arguido recorrente considera que aquela prova é insuficiente porque, em síntese, a assistente não confirmou o conteúdo do auto de notícia de fls 3 a 5 nas suas declarações e porque o arguido nega o envio das mensagens.

Sem razão, porém. Embora tenha dito não se lembrar do conteúdo das mensagens quando foi inquirida em audiência, a assistente confirmou ter recebido do número de telefone do arguido as mensagens cuja impressão constitui fls 19 a 24 dos autos e ter sido ela quem as apresentou à PSP, assim como contou que vivia um período de litígio com o arguido e que a partir de setembro de 2012 não voltou a receber mensagens daquela natureza.

A hipótese de se tratar de mensagens forjadas pela assistente não tem qualquer suporte probatório, apresentando-se antes como mera possibilidade, sempre possível no plano lógico.

Tal não põe em causa, porém, a valoração que o tribunal a quo fez do depoimento da assistente e dos escritos juntos de fls 19 a 24 que não assenta em violação de regra probatória, técnica ou da experiência, nada havendo a censurar àquela decisão. Improcede, pois, a impugnação nesta parte.

2.3.4. – Os nºs 6,7,8 e 9 da factualidade provada são do seguinte teor:

- «6 – Até que, dia 21 de Agosto de 2012, cerca das 05H15, o arguido entrou na residência de CV, situada na Rua Augusta…,Lagos.

7 – Empunhando uma arma, de características não concretamente apuradas, dirigiu-se ao quarto onde a ofendida se encontrava e declarou: “dou cabo de ti!”.

8 – Enquanto o arguido tentava abrir a porta do quarto, a ofendida conseguiu sair da sua residência pela varanda.

9 – O arguido efectuou ainda dois disparos com a arma que trazia consigo, desconhecendo-se em que direcção, quando a ofendida se encontrava já fora da residência.»

O tribunal a quo julgou provados estes factos com base nos depoimentos da assistente e das testemunhas DS que, certamente por lapso, se indica como DVS na sentença, e AR, ambos vizinhos da assistente.

O arguido recorrente alega, no essencial, que mesmo a considerar-se provado que o arguido foi à residência onde se encontrava a assistente no dia e hora indicados na acusação, jamais poderá considerar-se provado que levava consigo uma arma e que a empunhou contra a mesma assistente, disparando dois tiros, tal como não pode julgar-se provado que o arguido disse à assistente, “dou cabo de ti”, contrariamente ao descrito sob os nº7 e 9 dos factos provados.

Da audição das declarações da assistente e dos depoimentos das testemunhas DS e AR resulta ter o arguido recorrente razão.

A assistente apenas referiu em audiência que viu qualquer coisa na mão do arguido mas não afirma que se tratava de uma arma, nem afirma que o arguido disparou quaisquer tiros. As testemunhas ora referidas ouviram barulhos no dia e hora em causa compatíveis com disparos de arma de fogo, mas nenhuma delas se sentiu em condições de afirmá-lo, pois não sabem identificar com segurança disparos de arma de fogo, não viram ninguém efetuar disparos e não afirmam sequer ter visto o arguido.

Apesar de terem sido apreendidas armas de fogo ao arguido na sequência de busca ordenada à sua residência, não foi estabelecida qualquer relação entre qualquer delas e a deslocação do arguido à residência da ofendida e não foram examinadas ou produzidas em audiência outras provas de onde resulte que o arguido levava uma arma de fogo consigo quando, no dia e hora em causa, se deslocou à residência onde dormia a assistente, assim como não ficaram no local vestígios de disparos com arma de fogo.

Assim, uma vez que as declarações da ofendida em inquérito não valem para efeito da formação da convicção do tribunal e que o tribunal de julgamento não pode presumir a veracidade da factualidade descrita na acusação, impõe-se concluir que o descrito sob os nºs 7 e 9 da factualidade provada não assenta em prova produzida ou examinada em audiência de julgamento nem, tão pouco, em atos processuais cuja leitura fosse permitida, pelo que também quanto a tais factos o tribunal a quo incumpriu a referida exigência fundamental de que a decisão sobre os factos resulte de prova produzida na audiência de julgamento, bem expressa no art. 355º do CPP.

Diferentemente quanto aos factos descritos sob os nºs 6 e 8 da factualidade provada, pois a assistente afirmou-o nas suas declarações em audiência e as testemunhas D e A. trouxeram ao tribunal factos indiretos ou indiciários daqueles que não deixam dúvidas quanto à sua verificação que, aliás, não é verdadeiramente posta em causa pelo arguido recorrente.

Procede, assim, a impugnação quanto aos factos descritos sob os nºs 7 e 9, da factualidade provada que, tal como o descrito sob o nº4, devem ser julgados não provados, improcedendo quanto aos factos descritos sob os nºs 6 e 8 que, tal como os descritos sob o nº3, se mantêm entre os factos provados.

2.3.5 – Vejamos agora a impugnação dos factos descritos sob o nº 10 da factualidade provada, que é do seguinte teor:

«10 – Nesse mesmo dia, cerca das 08H15, o arguido encontrou a ofendida CV junto às bombas de gasolina da Galp, em Lagos, tendo-lhe dirigido as seguintes palavras”és uma grande puta”.»

A prova deste facto assenta nas declarações da assistente em audiência que confirmou claramente ter sido abordada pelo arguido no circunstancialismo descrito e que este proferiu as palavras em causa, pelo que nada há a censurar à decisão recorrida, improcedendo manifestamente a impugnação nesta parte.

2.3.6. - «11 – O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, no propósito concretizado de afectar o bem estar físico e psíquico da ofendida, bem como a sua tranquilidade, honra e dignidade, fazendo-a temer pela sua vida, segurança e integridade física, o que representou e quis.

12 – Sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.».

Relativamente a estes factos, o arguido recorrente vem alegar que tratam-se de factos que resultam dos outros factos dados como provados, e que se impugnaram no presente motivação, acabando por ser conclusivos, pelo que, necessariamente, e pelas razões anteriormente invocadas, tinham de ser dados como não provados pelo facto da prova produzida não permitir concluir que o arguido tenha praticado qualquer acto ilícito.

Ora, apesar de ser agora mais limitado o conjunto dos factos a que se reportam as formulações remissivas dos nºs 11 e 12 da factualidade provada, o que se descreve nestes mantém toda a pertinência relativamente aos factos descritos sob os nºs 5, 6 e 8 da factualidade provada, pelo que improcede a impugnação também nesta parte.

2.3.7. «13 – O arguido e a assistente coabitaram em condições análogas dos cônjuges, pelo menos até Julho de 2012.».

Esta factualidade assenta essencialmente nas declarações da assistente prestadas em audiência a 18.06.2012. Esta afirmou logo no início das suas declarações que tinha vivido com o arguido até há cerca de um ano e admitiu pontualmente ao longo das mesmas que os factos ocorridos a partir de 17 de agosto tiveram lugar quando já não coabitavam, aspeto este que está subjacente a outras declarações que foi prestando, para além de o envio de SMS e a ida do arguido ao encontro da assistente em 21 de agosto corroborarem igualmente a conclusão de que, pelo menos nessas datas, o arguido não coabitava com a assistente, confirmando-se, assim, indiretamente a data indicada em 13).

Contrariamente ao que pretende o arguido, o requerimento escrito da arguida posterior à sessão da audiência de julgamento em que prestou aquelas declarações é irrelevante no que respeita à prova dos factos. Apenas são valoráveis as declarações prestadas oralmente em audiência (arts 96º e 355º, do CPP) fora dos casos excecionais previstos na lei, o que não é o caso, sendo certo que não foi produzida qualquer outra prova que pudesse pôr em causa as afirmações da assistente na audiência a respeito do período em que cessou a coabitação com o arguido.

A decisão do tribunal a quo assenta em prova produzida em audiência, não violando qualquer disposição, regra ou princípio, pelo que improcede a impugnação também nesta parte.

2.3.8. Em síntese, procede parcialmente a presente impugnação e, consequentemente, decide-se modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto (art. 431º do CPP), nos seguintes termos:

Os pontos nºs 4, 7 e 9 da factualidade provada deixam de integrá-la e passam a constar dos factos não provados como alíneas, a), b) e c), respetivamente.

2.4. - O alegado incumprimento do disposto no art. 134º nº 2 do CPP- decisão da questão.

O recorrente veio invocar, em síntese, que o tribunal a quo julgou provada factualidade típica essencial com base no depoimento da assistente, CV, prestado em condições que o tornam prova proibida, pelo que devem ser declaradas nulas e de nenhum valor probatório as declarações da assistente e todos os actos subsequentes, incluindo a douta sentença condenatória, repetindo-se o julgamento na medida do necessário, nomeadamente, a tomada de declarações da assistente, se esta, depois do integral cumprimento da advertência prevista no artigo 134º, nº. 2 do C.P.P., não se recusar.

A não se entender tratar-se de prova proibida, alega o recorrente que sempre se trata de uma nulidade processual nos termos do artigo 119º do C.P.P., que foi arguida no próprio acto, pelo que as declarações da assistente deverão ser declaradas nulas, com todos os efeitos legais daí decorrentes.

Vejamos.

Independentemente da caraterização do vício resultante da tomada de declarações a assistente sem que lhe seja feita a advertência imposta pelo nº2 do art. 134º (ex vi do art. 145º nº3 do CPP) e do correto enquadramento de outras questões processuais, no caso presente não se verificam os respetivos pressupostos de facto.

Na verdade, o artigo 134º nº1 b) do CPP concede o direito a recusar-se a prestar depoimento ou declarações como assistente (ex vi do art. 145º nº3 do CPP) a quem (no que aqui importa) tiver convivido com o arguido em condições análogas às dos cônjuges relativamente a factos ocorridos durante a coabitação. Se os factos tiverem ocorrido antes ou depois do período em que coabitaram, a testemunha ou assistente está obrigado a prestar depoimento ou declarações por força da regra geral – cfr arts 131º, 132º e 145º nº3, do CPP.

No caso concreto encontrava-se controvertida a questão de saber se à época em que ocorreram os factos suscetíveis de integrar o tipo legal de Violência doméstica p. e p. pelo art. 152º do C. Penal havia já cessado a coabitação entre arguido e assistente, pois apesar de no ponto de facto nº 13 dos factos provados se afirmar que o arguido e a assistente coabitaram em condições análogas dos cônjuges, pelo menos até Julho de 2012, o arguido impugnou a decisão que julgara provado tal facto alegando que aquela coabitação se mantinha em agosto de 2012.

Todavia, aquela impugnação foi julgada improcedente mantendo-se integralmente o teor do ponto de facto nº13 da factualidade provada, pelo que em face da factualidade definitivamente assente não pode pretender-se que os factos integradores dos elementos do tipo de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º do C. Penal pelo qual o arguido vem condenado, ocorreram durante a coabitação, uma vez que aqueles factos ocorreram a partir de 17 de agosto de 2012 e apenas se provou ter existido coabitação até julho daquele mesmo ano.

Concluímos, pois, que no caso presente a assistente não gozava da faculdade legal de recusar-se a prestar declarações por não se mostrar que os factos ocorreram durante a coabitação entre arguido e assistente, pelo que não tinha que ser-lhe feita a advertência a que se reporta o nº2 do art. 134º do CPP, motivo pelo qual sempre improcede a invocada proibição de prova (ou nulidade que fosse) com fundamento em violação desse mesmo preceito, como referido supra.

2.5. - A questão da qualificação jurídica dos factos julgados provados.

Por último, considera o arguido que mesmo em face de toda a factualidade julgada provada pelo tribunal a quo não se mostra sequer preenchido o elemento objetivo do crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º do C. Penal, pelo qual vem condenado, porque este é um crime de perigo concreto que implica a verificação de uma lesão - e lesão especialmente grave e violenta -, sendo certo que não resulta daquela factualidade que a assistente tenha sofrido qualquer lesão, qualquer dano, em consequência da conduta do arguido. Sempre se imporá, pois, a absolvição do arguido por não se mostrar que o mesmo praticou o crime pelo qual vem condenado. Quando muito mostrar-se-ão preenchidos os elementos típicos dos crimes de injúria (art. 180º C. Penal e ameaça (art. 153º), de natureza semi-pública, pelo que o arguido sempre terá que ser absolvido face à desistência de queixa da assistente.

Sem razão, porém.

Independentemente de o crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º do C. Penal poder configurar-se como um crime de dano ou um crime de perigo no que respeita ao modo como o bem jurídico é posto em causa pela conduta típica e de apresentar-se como crime de resultado ou mera atividade[4] no que concerne à configuração da conduta típica sob o prisma da respetiva consumação[5], o arguido não tem razão quando afirma que a factualidade julgada provada pelo tribunal a quo - ou, no que agora importa, a factualidade dada por assente em via de recurso – não reflete que a assistente tenha sofrido qualquer dano ou lesão em consequência da conduta do arguido.

Na verdade, podendo assentar-se em que o bem jurídico tutelado pelo tipo legal ora em apreço é a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica, emocional e moral do cônjuge, ex-cônjuge, ou pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges[6], (no que agora importa), a factualidade provada agora definitivamente assente não deixa dúvidas quanto ao preenchimento do tipo, tanto do ponto de vista objetivo, como subjetivo, designadamente no que respeita à lesão do bem jurídico protegido.

Por um lado, encontra-se provado que no dia 21 de agosto de 2012 o arguido encontrou a assistente e disse-lhe, “és uma grande puta” (nº10 dos factos provados) e que lhe enviou por telemóvel em 17, 18, 19, 20 e 21, de agosto de 2012, as mensagens escritas transcritas sob o nº5 dos factos provados, que contém afirmações suscetíveis de ofendê-la na sua honra e consideração, de provocar-lhe humilhação em termos de auto imagem e na sua relação com a filha, para além de integrarem ameaças contra a vida e integridade física em termos adequados a provocar-lhe medo ou inquietação, corroboradas pela circunstância de ter entrado de madrugada em casa da assistente no dia 21 de agosto de 2012, tentando abrir a porta do quarto desta, o que a levou a sair da sua residência pela varanda, conforme se encontra suficientemente descrito sob os nºs 6 e 8 da mesma factualidade provada.

Por outro lado, mostra-se provado sob o nº11 daquela mesma factualidade (cuja impugnação foi igualmente julgada improcedente) que ao agir desse modo o arguido concretizou o seu propósito de afetar o bem estar físico e psíquico da ofendida, bem como a sua tranquilidade, honra e dignidade, fazendo-a temer pela sua vida, segurança e integridade física, resultando ainda demonstrado, no plano subjetivo, que representou e quis produzir tais efeitos na pessoa da assistente.

Ou seja, apesar de o universo dos factos integradores dos elementos objetivos do crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º nº 1 b) e c) do C. Penal ser agora mais limitado, uma vez que, dada a procedência parcial da impugnação da decisão proferida em matéria de facto, não se encontrar provado que o arguido empunhava uma arma e efetuou dois disparos ao entrar na residência da assistente no dia 21 de agosto de 2012, não existem dúvidas que a conduta do arguido afetou a saúde desta enquanto bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, aqui incluindo as afetações provocadas por atentados à liberdade individual e outros comportamentos que ponham em causa a dignidade pessoal da vítima.

Uma vez que a entrada do arguido na residência da assistente na madrugada de 21 de agosto de 2012 se insere no conjunto dos factos intimidatórios perpetrados pelo arguido contra aquela, mostra-se ainda preenchida a circunstância agravante prevista no nº2 do art. 152º (ter sido praticado no domicílio da vítima), apesar de ser inegavelmente menor a gravidade da conduta ora provada em virtude de não se encontrar provado que o arguido empunhava uma arma de fogo e disparou dois tiros na ocasião.

2.6 – A pena concreta – art. 403º nº3 do CPP.

Esta última circunstância, porém, influi na determinação da medida concreta da pena, precisamente porque é menor a ilicitude do conjunto da factualidade por via do menor desvalor da ação e mesmo do resultado (cfr art. 71º do C. Penal), dado o caráter particularmente perigoso e intimidatório do porte e utilização de arma de fogo. Não se demonstrando que o arguido tinha consigo e usou a referida arma de fogo, decide-se modificar a medida concreta da pena que se fixa em 2 anos e 1 mês de prisão, de acordo com o estabelecido no art. 403º nº3 do CPP, atenta a moldura legal – 2 anos a 5 anos de prisão e a pena concreta de 2 anos e 3 meses de prisão antes aplicada em 1ª instância.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, A., decidindo modificar parcialmente a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos supra indicados em 2.3.8. do presente acórdão e, consequentemente, revogar a sentença recorrida na parte em que aplicou ao arguido a pena de 2 anos e 3 meses de prisão, substituída por igual período de pena suspensa decidindo, em substituição, condenar o arguido pela autoria de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.°, nº 1 als. b) e c) e nº 2 do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo.

Sem custas – cfr art. 513º do CPP.

Évora, 19.12.2013

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)

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[1] No Ac RG de 7 de Fevereiro de 2011, processo 741-02, relatora Maria Luísa Arantes, citado no Ac RP de 6.04.2011 (relator, Ricardo Costa e Silva), acessível em www.dgsi.pt, entendeu-se mesmo que «III – A via da correcção do art.º 380º só é aplicável quando do conteúdo da sentença, especialmente da sua fundamentação, se puder concluir pela perda a favor do Estado dos bens apreendidos, isto é, quando a omitida declaração de perda não for senão o corolário do raciocínio expresso na sentença

[2] Conforme se decidiu, entre outros, no Ac STJ de 21.05.1997, A prova documental não é obrigatória em processo penal, nem mesmo para prova da idade ou do estado civil – cfr CL STJ ano V, Tomo II/214

[3] Como escreve Michele Taruffo, “conocimiento científico e estándares de prueba judicial” in Boletin Mexicano de Derecho Comparado, nueva série, año XXXVIII, nº 114, pp. 1285-1313, “ a prova não é um mero instrumento retórico [contrariamente ao que é próprio de um sistema de íntima convicção] mas sim um instrumento epistémico, ou seja, o meio com o qual, no processo, se adquirem as informações necessárias para a determinação da verdade dos factos.”

[4] Diz Taipa de Carvalho a este propósito que, “Este crime tanto pode materializar-se numa infração de resultado (caso p. ex. dos maus tratos físicos) como de mera conduta (p. ex. provocações ou ameaças), como ainda, tendo como critério a efetiva lesão ou perigo de lesão do bem jurídico, tanto pode a conduta subsumível ao tipo de violência doméstica traduzir-se num dano (p. ex. privação da liberdade) como num perigo de dano (casos de ameaças ou humilhações) ”. – cfr Comentário Conimbricense do Código Penal. Tomo I, 2ª ed., p. 520.

[5] Vd. estas noções em F. Dias, Direito Penal. Parte Geral. 2ª edição, p. 306

[6] Cfr, por todos, Plácido Conde Fernandes, Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal in Revista do CEJ, 1º semestre de 2008 Nº8 (especial), p. 305.