Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1035/15.4T8OLH.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: ADMINISTRADOR JUDICIAL
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em matéria de fixação da remuneração do Administrador Judicial Provisório – que depende duma análise casuística – deverá imperar algum bom senso da parte de todos, o que permitirá encontrar uma adequação/equilíbrio entre o trabalho desenvolvido e o valor da remuneração a fixar.
Decisão Texto Integral: RECURSO 1035/15.4T8OLH.E1 - APELAÇÃO (OLHÃO)


Acordam os juízes nesta Relação:

O Administrador Judicial Provisório, (…), com domicílio profissional na Praceta (…), n.º 71, em (…), vem interpor recurso do douto despacho que foi proferido em 03 de Outubro de 2017 (agora a fls. 1741 dos autos) e que veio a estabelecer a sua remuneração global em € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros) – sendo que havia, oportunamente, pedido essa fixação num valor de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescidos de € 68,01 (sessenta e oito euros e um cêntimos) de despesas (a fls. 633 a 635) –, nos presentes autos de Processo Especial de Revitalização, a correrem termos no Tribunal de Comércio de Olhão, da comarca de Faro, e relativos ao interessado “(…)”, com sede no (…), Rua da (…), Apartado (…), Olhão – com o fundamento que é aduzido no douto despacho de que “no caso concreto, o Sr. Administrador judicial provisório foi nomeado por despacho, com poderes exclusivos para a administração do património da requerida”; e que “cessou funções, por via de homologação” –, ora intentando a sua revogação e que venha a ser fixada a retribuição peticionada, apresentando doutas alegações que remata com as seguintes Conclusões:

I. Na sentença objecto de recurso, o Tribunal a quo logra reduzir o valor global da remuneração reivindicada pelo aqui recorrente no valor de € 10.000,00 para a importância de € 850,00, com a aparente fundamentação de que “nos termos conjugados dos artigos 27.º e 25.º, n.º 2, da Lei n.º 22/2013, de 26/02, a fixação da remuneração do administrador judicial provisório deve, quando lhe competir a gestão de um estabelecimento em actividade, ser fixada atendendo o juiz ao volume de negócios do estabelecimento, à prática de remunerações seguidas na empresa, ao número de trabalhadores e às dificuldades compreendidas na gestão do estabelecimento e ainda ter em conta a extensão das tarefas que lhe são confiadas”.
II. Não concorda o recorrente com a decisão recorrida na parte em que, arredando a aplicação do cálculo remuneratório constante da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, enquanto cálculo aritmético encontrado pelo legislador, se socorre de considerações genéricas para determinar a fixação da remuneração global do Administrador Judicial Provisório em € 850,00, sem contudo, discriminar se é variável ou fixa, razão pela qual se invoca a nulidade do entendimento expresso na decisão em causa.
III. É entendimento do aqui recorrente que a sua actividade se encontra remuneratoriamente submetida à atribuição da fixação de uma remuneração fixa e uma remuneração variável devida pela sua actividade, a qual como infra se demonstrará, ascende à importância de € 58.331,40.
IV. Para o cálculo remuneratório devem atentar-se nos seguintes pressupostos concretos:
- Valor global reclamado: € 5.316.214,95;
- Valor global satisfeito no plano: € 4.606.916,07;
- Percentagem de créditos abarcados/satisfeitos: 87%.
V. Neste contexto, o critério remuneratório contido na Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, na parte em que o cálculo remuneratório se alcança a partir das tabelas contidas na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, conduz às seguintes considerações:
VI. Ao resultado da recuperação calculado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano aprovado e homologado, aplicam-se duas taxas percentuais, sendo que o escalão marginal se deve contar a partir “do limite do maior dos escalões que lhe couber”, ou seja, in casu, o que se inicia em € 2.000.000,00.
VII. Razão pela qual se aplica ao valor apurado de satisfação de € 2.000.000,00 a taxa marginal de 1,2363% calculada de forma percentual.
VIII. Sendo o valor remanescente de € 2.606.916,07, calculado na taxa base de 0,45%.
IX. Por seu lado, o grau de satisfação dos credores faz recair a majoração sobre o valor 1,60 constante do citado anexo II/Tabela da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro.
X. Do exposto, resulta que o valor da remuneração variável perfaz a importância de € 58.331,40.
XI. Acresce ao valor de € 58.331,40, o montante devido pela remuneração fixa prevista no artigo 1.º, n.º 1, da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, por referência ao n.º 1 do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, no valor de € 2.000,00.
XII. Destarte, atendendo a um juízo de equidade, o aqui recorrente peticionou o pagamento da importância de € 10.000,00, à qual acrescem as despesas, no valor de € 68,01.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e no sentido das conclusões e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado, a fim de ser substituído por outro que reconheça ao aqui recorrente a importância de € 10.000,00, a título de remuneração global, que inclui remuneração fixa e variável, apurada mediante um juízo de equidade.

O devedor “(…)” apresenta contra-alegações (a fls. 1802 a 1805 dos autos) para dizer, também em síntese, que não assiste razão ao Apelante no recurso que deduz da douta decisão que lhe veio a fixar (enquanto administrador judicial provisório da acção) a remuneração global de € 850,00, porquanto onde ele verdadeiramente desempenhou tais funções foi no processo de revitalização que correu termos anteriormente a este, o nº 1296/13.3TBOLH, e no qual lhe foi mesmo fixada uma remuneração de € 8.000,00 (“o recorrente não acompanhou nem acompanha a actividade diária da recorrida”, pelo que “no âmbito do presente PER, o recorrente limitou-se a receber as reclamações de créditos, actualizar os montantes em dívida, na lista provisória, que já havia sido elaborada no primeiro PER, recolher os votos relativos à aprovação do plano de recuperação e remeter ao Tribunal a documentação comprovativa da aprovação”). Em consequência, “assim, por referência ao período de tempo e às funções desempenhadas em concreto no presente PER, o valor de € 10.000,00 pedido pelo recorrente, a título de remuneração global, revela-se desadequado e desproporcional”. Tudo a constituírem razões para que o presente recurso deva, ainda, vir a ser julgado improcedente, e vindo a confirmar-se o douto despacho por ele impugnado, remata.
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A matéria de facto necessária e suficiente para a decisão do pleito, nesta sede de recurso, está basicamente relacionada com os trâmites processuais que, até ao momento, ocorreram na acção, de que se destacam os seguintes:

1) O requerente “(…)” apresentou-se à sua própria revitalização em 21 de Setembro de 2015 (vide o seu douto articulado inicial, a fls. 2 a 5 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
2) Logo aí propôs a nomeação do ora recorrente (…) para Administrador Judicial Provisório (idem, a fls. 5 dos autos).
3) O qual veio efectivamente a ser nomeado para o cargo a 26 de Outubro de 2015, conforme ao douto despacho de fls. 74 a 75 dos autos.
4) Também logo indicou que já havia sido objecto de um anterior Plano de Recuperação no Processo Especial de Revitalização n.º 1296/13.3TBOLH, o qual não teria sido cumprido devido à crise que se instalara no país, e à quebra das receitas originada pela descida de divisão da equipa profissional de futebol (idem a fls. 2 verso dos autos).
5) Tal Plano foi homologado por douta sentença datada de 27 de Maio de 2014, conforme ao Registo Comercial de fls. 62 dos autos.
6) Já nesses autos tinha sido nomeado o mesmo Administrador Judicial Provisório e fixada a respectiva remuneração em € 8.000,00 (oito mil euros).
7) Foram provisoriamente reconhecidos, pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, os créditos juntos na lista por si apresentada em 01 de Dezembro de 2015 (a fls. 119 a 143 dos autos), sendo os credores em número de 140 (cento e quarenta) e os créditos num montante global de € 5.316.214,95 (cinco milhões, trezentos e dezasseis mil, duzentos e catorze euros e noventa e cinco cêntimos) – (a data de entrada está aposta a fls. 117 dos autos).
8) Foram apresentadas diversas impugnações/reclamações a tal lista, pelo “Banco (…), SA” (a fls. 175 a 177), pelo “(…) – Banco Internacional do (…), SA” (a fls. 208 a 210), por … (a fls. 243), pelo próprio “(…)” (a fls. 255 a 260) e pelo Digno Magistrado do Ministério Público em representação da Fazenda Nacional (a fls. 282 a 283 dos autos).
9) A que o Sr. Administrador Judicial Provisório veio a responder a 11 de Fevereiro de 2016, conforme ao seu douto requerimento de fls. 423 dos autos, que se dá aqui por reproduzido e donde consta o carimbo com a data de entrada.
10) Em 06 de Fevereiro havia o mesmo requerido a prorrogação do prazo para ultimar as negociações em curso (vide fls. 411 e 412 dos autos).
11) A 10 de Março de 2016 (vide fls. 428) apresentou o sr. Administrador Judicial Provisório o resultado da votação, com a acta da votação respectiva e o Plano de Recuperação aprovado (vide fls. 428 a 481 verso dos autos).
12) Que foi homologado por douta sentença proferida em 06 de Abril de 2016, a fls. 621 a 632 dos autos e cujo teor se dá igualmente por reproduzido na íntegra.
13) Aí se tendo também ordenado a notificação do sr. Administrador para se pronunciar sobre a remuneração a fixar-lhe (idem, a fls. 631 e 632 dos autos).
14) O que ele veio a fazer a 07 de Abril de 2016 (a fls. 633 a 636 dos autos) e a reiterar a 18 de Abril e a 02 de Maio seguintes (respectivamente a fls. 1596 e 1629 a 1630), pedindo tal fixação em € 10.000,00 e € 68,01 de despesas, que justificou com os documentos dos CTT de fls. 637 a 648 verso dos autos.
15) Mas pelo douto despacho ora objecto do recurso, proferido em 03 de Outubro de 2017, veio a ser fixada aquela remuneração global num montante de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros) – (vide o seu teor completo, a fls. 1741 dos autos, que aqui se dá também por inteiramente reproduzido).
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Vejamos, então, a questão suscitada no recurso e que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem – a qual se reconduz à fixação de um valor a título de remuneração devida ao Sr. Administrador Judicial Provisório, pelo trabalho desenvolvido nos presentes autos de Revitalização do conhecido e histórico “(…)”, tendo o Apelante peticionado tal fixação num valor global de € 10.000,00, acrescido de € 68,01 de despesas. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado e que supra se deixaram já transcritas.

O Sr. Administrador Judicial Provisório, agora Apelante, apresenta umas contas complicadíssimas no recurso: de que a sua remuneração variável ascende à importância de € 58.331,40 (para o que se deveria atentar no valor reclamado no processo, de € 5.316.214,95, no valor satisfeito no plano, de € 4.606.916,07 e na percentagem de créditos abarcados/satisfeitos, de 87%); que se aplicaria ao valor apurado de satisfação de € 2.000.000,00 a taxa marginal de 1,2363%, de forma percentual, sendo o valor remanescente de € 2.606.916,07 calculado na taxa base de 0,45%, mais a majoração sobre o valor de 1,60 do anexo II/Tabela da Portaria 51/2005, de 20 de Janeiro, vinda do grau de satisfação dos credores; dessas contas resultaria então o valor da remuneração variável de € 58.331,40; a tal se devendo acrescentar o montante devido pela remuneração fixa prevista no artigo 1.º, n.º 1, da dita Portaria, por referência ao n.º 1 do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, num valor de € 2.000,00.
Eis as contas!
No entanto, uma vez estabelecido esse percurso contabilístico, o Apelante remata as suas conclusões de recurso afirmando, mais compreensivelmente, que “atendendo a um juízo de equidade, o aqui recorrente peticionou o pagamento da importância de € 10.000, à qual acrescem as despesas no valor de € 68,01”.
Então, quid juris?

Neste tipo de matérias – que dependem duma análise casuística – deverá imperar algum bom senso da parte de todos (a começar pelos julgadores), o que permitirá encontrar uma adequação/equilíbrio entre o trabalho desenvolvido e o valor da remuneração a fixar (sendo que os dois terão que estar intrinsecamente relacionados), o que obviará, naturalmente, a que se despreze o trabalho sério e exigente da parte de quem é chamado a cooperar com os Tribunais (que se não deverão achar desconsiderados) ou, ao invés, se lhes venha a atribuir desmedida importância. Tudo na justa medida, como soe dizer-se. E, por isso, o recurso à equidade é um critério amplamente reconhecido na lei, a vários títulos, e sobre muitas matérias, basicamente quando seja necessário atribuir valores a casos de alguma fluidez e escassez de dados objectivos para o fazer. Equidade, portanto, num sentido de justo equilíbrio e de atribuição do que seja devido ou adequado.
Obviamente, pela própria natureza do instituto, há uma discricionariedade do julgador, mas reportada aos dados objectivos que possa colher do processo – senão, passaríamos, directos, à arbitrariedade, o que a ordem jurídica abomina.

Volvendo ao caso sub judice, cremos bem que o valor fixado de € 850,00 é claramente desadequado – por escasso – ao trabalho técnico desenvolvido nos autos, e que resulta da materialidade fáctica supra discriminada duma forma que se pretendeu pormenorizada. Pois se trata dum valor global que desconsidera tal trabalho, não o olhando com o reconhecimento que o mesmo deverá merecer.
Estamos a falar de negociações longas e alargadas a muita gente – que foi necessário articular e que chegaram, para já, a bom porto (tanto quanto se pode afirmá-lo, no presente, pois que se encontrou um Plano de Revitalização que foi aprovado por larga maioria dos credores e homologado pelo tribunal; já vir a ser cumprido no futuro é um outro tema, mas de que aqui não curamos, pois se não poderá atribuir esse eventual insucesso, pelo menos à partida, ao Administrador Judicial Provisório: a menos que o Plano fosse completamente infundado, mas aí não seria, na certa, aprovado pelos credores ou homologado pelo Tribunal).

Com quer que seja – e nessa apreciação nos dois sentidos se encontrará o valor correcto da retribuição – também concordamos com a objecção levantada pelo próprio Clube intervencionado, de que se trata aqui já do segundo processo de revitalização de que foi alvo, num curto espaço de tempo (tendo o anterior sido homologado em 27 de Maio de 2014, e este proposto a 21 de Setembro de 2015), sendo o mesmo o Administrador Judicial Provisório, pelo que o trabalho se apresentou, naturalmente, muito mais facilitado neste segundo processo, pois que aproveitou o desenvolvido antes (os credores eram basicamente os mesmos, só havendo que actualizar os montantes dos créditos, e havia todo um trabalho anterior de contactos e conhecimentos que foi seguramente aproveitado).
Nessoutro processo foi-lhe fixada uma remuneração de € 8.000,00.

Como assim, tudo ponderado, ora se considera muito mais adequado vir a fixar tal remuneração em € 5.000,00 (cinco mil euros) – contra os € 850,00 que vêm atribuídos –, acrescida das despesas devidamente comprovadas nos autos, pelo que, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se terá que retirar da ordem jurídica a douta decisão da 1ª instância que tal não contempla, em consequência do que se julgará parcialmente procedente o presente recurso de Apelação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder parcial provimento ao recurso, revogar o douto despacho impugnado, e atribuir ao sr. Administrador Judicial Provisório uma remuneração global de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida do montante das despesas apresentadas e comprovadas de € 68,01 (sessenta e oito euros e um cêntimos).

Custas a meias entre Apelante e Apelado.
Registe e notifique (Apelante e Apelado).
Évora, 07 de Dezembro de 2017
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral