Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2058/14.6TBSTB-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL GALO TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
EXTINÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:
I- A extinção do PER, nos termos do art.º 17.º-G, n.º 2, CIRE, implica a cessação da suspensão das acções indicadas do art.º 17.º-E, n.º 2.

II- Esta cessação é automática e não carece de despacho judicial a determiná-la.

Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório.
Laura Monteiro Louro Rodrigues de Passos interpôs recurso da decisão que julgou improcedente a questão suscitada a propósito da omissão de despacho que decretasse a cessação da suspensão da instância executiva e ordenasse prossecução da execução.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou as seguintes alegações:
A - A Recorrente foi citada para os presentes autos em 8 de Janeiro de 2015, para se opor, querendo, no prazo de 20 (vinte) dias à execução apresentada.
B - Em 23 de Janeiro de 2015 foi publicado no Portal Citius a nomeação do AJP no âmbito do PER a que a aqui Recorrente se apresentou.
C - A Executada comunicou de imediato a pendência do PER aos presentes autos, no sentido de assegurar a efectiva suspensão dos mesmos, (conforme requerimento Citius com a referência 601493), apesar de a mesma ocorrer oficiosamente
D - Suspensão que veio a ser confirmada por despacho de 25 de Fevereiro de 2015, com a referência Citius 77914734.
E - O PER da Recorrente veio a terminar sem que se fosse aprovado o plano de recuperação, informação que, veio a Recorrente a ter conhecimento posteriormente, foi oficiosamente veiculada a estes autos.
F - Entretanto, foi a Recorrente surpreendida, em 18 de Setembro de 2015, com a notificação da penhora da pensão que aufere.
G - Compulsados os autos, constatou-se que por requerimento enviado ao processo a 30-06-2015, com a referência CITIUS 1027706, o Exequente veio requerer “o prosseguimento dos autos com a execução das diligências de penhora requeridas, dado ter cessado a causa da suspensão ocorrida no presente processo, requerendo, desde já, que seja a Agente de Execução disso notificada, de modo a dar andamento às referidas diligências.”
H - De tal requerimento, o Mandatário do Exequente (que apresentou tal requerimento) deu conhecimento à Agente de Execução competente, mas nunca ao Mandatário da Recorrente.
I – Agente de execução que, nessa sequência, iniciou as pesquisas tendentes à pesquisa de bens susceptíveis de penhora, tendo tais pesquisas levado à penhora de 1/3 da pensão de que a Recorrente beneficia por parte da Caixa Geral de Aposentações.
J - Compulsados tais factos, a Recorrente de imediato suscitou a invalidade da prossecução dos autos junto do tribunal a quo, pugnando, em suma, pela nulidade dos actos praticados, já que a prossecução dos autos sem que tivesse sido dado conhecimento de tal facto à Recorrente implicou que esta deixasse de poder exercer o direito ao contraditório, apresentando a competente oposição à execução.
K – Pretensão que veio a ser indeferida, através do despacho de que ora se recorre.
L - Cumpre, desde já, sublinhar, que, face à letra da lei, estamos perante uma suspensão automática, que, nas palavras de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Lisboa, 2.ª Edição, anotação n.º 5 ao artigo 17.º - E, pág. 165) “opera opsis legis, sem necessidade de qualquer ato complementar de quem quer que seja, cabendo embora ao devedor e ao administrador provisório, no âmbito dos respectivos deveres gerais, dar conhecimento do facto nos processos abrangidos”.
M - Pelo que, atenta a data da citação (8 de Janeiro), a data da prolação do despacho de nomeação do AJP (25 de Janeiro) depois de finda a suspensão, a Recorrente teria, ainda, 5 dias para apresentar a sua oposição, sem ter em conta os 3 dias úteis de multa legalmente previstos.
N – O problema surge porque a Recorrente não teve conhecimento, de que forma fosse, da prossecução dos autos executivos, apenas tendo tomado conhecimento de tal facto quando foi notificada da penhora da sua pensão.
O - Recorde-se, que, apesar ter sido proferido um despacho do tribunal a quo (de 25/02/2015 com a referência CITIUS 77914734) a confirmar a suspensão dos autos, para o términus do período de suspensão, entendeu o tribunal não existir necessidade de levar a efeito o mesmo expediente processual, isto é, não despachou nesse mesmo sentido.
P - Tendo a referida prossecução do processo, nomeadamente no que concerne às diligências de pesquisa e efectiva penhora, ocorrido em virtude de um requerimento (e apenas em virtude deste requerimento) apresentado pelo Mandatário do Exequente, já referido supra.
Q - É verdade que a suspensão opera opsis legis. Mas a inversa já não é verdadeira, Desde logo porque se para a suspensão a lei determina, sem margem para qualquer dúvida, qual o facto que lhe dá origem (a nomeação do AJP), mesmo não acontece relativamente à cessação da suspensão.
R - Por outro lado, recorde-se que houve um despacho do tribunal a quo a confirmar a suspensão dos autos, pelo que era legitimamente expectável não só que a cessação da suspensão fosse determinada nos mesmos moldes e com o mesmo formalismo, mas também que a Recorrente fosse devidamente notificada de tal facto.
S - Note-se que tal despacho tem (ou teria, se houvesse sido proferido) efeito constitutivo, porquanto determina a prossecução dos autos, com todas as consequências que daí advenham e importem a ambas as partes, tendo, neste caso, o não conhecimento da prossecução da presente acção determinado que a Recorrente visse precludido o seu direito à oposição, numa claríssima violação do princípio do contraditório – nos termos do qual cada parte poderá oferecer em juízos as suas razões, de facto e de direito, bem como as provas e contra-provas relevantes, devendo as mesmas ser devidamente valoradas aquando da tomada de decisão: só assim, e apenas assim, se poderá almejar obter uma decisão justa, no cumprimento da lei e do direito, e em plena conformidade com a lei fundamental.
T - Princípio do contraditório ínsito no direito de acesso aos tribunais, constante do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 3.º do CPC, que gera, nas palavras de Gomes Canotilho e de Vital Moreira, uma verdadeira proibição de “indefesa”.
U - Ora, foi este princípio, um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, que foi ostensivamente violado nos presentes autos, com claros prejuízos para a aqui Recorrente que se viu injustificadamente impedida de exercer tal direito.
V - E, note-se, ao contrário do que vem veiculado no despacho em recurso, não corresponde à verdade que a prossecução dos presentes autos tenha resultado de um qualquer acto do Agente de Execução: a prossecução resultou, única e exclusivamente, de um acto praticado pelo Exequente, através do seu Mandatário, inexistindo qualquer decisão nos autos do Agente de Execução a determinar a prossecução em análise.
W - E ainda que se concedesse que a prossecução dos autos fosse determinada por um requerimento do Exequente, no que não se concede, sempre deveria tal requerimento ter sido devidamente notificado ao Mandatário da Recorrente, que, de resto, estava devidamente associado ao processo na plataforma Citius.
X – Face ao exposto, deve a decisão em recurso ser revogada e substituída por outra que determine a nulidade de todos os actos praticados depois de suspenso o processo, já que não havendo despacho do Tribunal em sentido contrário, a Execução encontrava-se, para todos os efeitos, suspensa.
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Houve lugar a resposta em que a recorrida sustenta que não ocorreu qualquer violação do princípio do contraditório e que a cessação da suspensão da instância executiva opera automaticamente.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº2, ex vi do artigo 663º, nº2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão relacionada com a necessidade de existir um despacho que declare cessada a suspensão da instância, como premissa maior, a que se associa a matéria relacionada com a violação da obrigatoriedade de notificação entre mandatários.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa:

A conciliação entre a documentação presente nos autos, a matéria alegada pelas partes e a análise do histórico do processo permitiu apurar a seguinte factualidade:

1) Os presentes autos executivos tiveram início em 9 de Maio de 2014.
2) A recorrente foi citada para os presentes autos em 8 de Janeiro de 2015 para, querendo, no prazo de 20 dias, se opor à execução.
3) A 21 de Janeiro de 2015, a requerente apresentou-se a Processo Especial de Revitalização, que correu termos sob o nº626/15.8T8STB da Secção de Comércio.
4) Após comunicação aos presentes, a instância executiva foi suspensa por despacho de 25 de Fevereiro de 2015.
5) Em 25/06/2015 ocorreu o despacho de encerramento do Processo Especial de Revitalização, o qual foi comunicado, oficiosamente aos autos em 26/06/2015.
6) A recorrente foi notificada, no âmbito desse PER, em 26/06/2015, do despacho a determinar: «Uma vez que foi junto o parecer do Sr. Administrador Judicial Provisório previsto no art. 17º-G nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas no qual concluiu que a devedora não se encontra em situação de insolvência, nos termos do disposto no art. 17º-G nº2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o encerramento do processo negocial determina a extinção de todos os efeitos do processo especial de revitalização, nomeadamente os efeitos previstos no art. 17º-E do mesmo diploma.
Notifique e comunique aos processos identificados a fls. 7 dos presentes autos – processo em papel.»
7) Na sequência dessa comunicação aos autos de execução, no âmbito destes, a 30/06/2015, o exequente foi notificado de despacho para os termos do artigo 281º, nº1, do Código de Processo Civil.
8) Então, o exequente requereu “o prosseguimento dos autos com a execução das diligências de penhora requeridas, dado ter cessado a causa da suspensão ocorrida no presente processo, requerendo, desde já, que seja a Agente de Execução disso notificada, de modo a dar andamento às referidas diligências.”
9) O mandatário da exequente não deu conhecimento desse requerimento à parte contrária.
10) A 14/07/2015, o exequente requereu a penhora de bens.
11) A 15/07/2015 a Senhora Agente de Execução procedeu à penhora de um terço da pensão auferida pela executada.
12) Em 18 de Setembro de 2015, a recorrente foi notificada da penhora da pensão que aufere.
13) Em 28 de Janeiro de 2015 a executada AA fez juntar aos autos de procuração emitida a favor da “Sociedade de Advogados BB, Ldª”.
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III – Fundamentação:

A recorrente centra essencialmente a sua defesa no artigo 20º da Lei Fundamental. Em seu apoio apresenta jurisprudência constitucional que afirma que «o direito de defesa do réu ou demandado judicialmente, ou o chamado princípio da proibição da indefesa é indiscutivelmente um direito de natureza processual ínsito no direito de acesso aos tribunais, (…) e cuja violação acarretará para o particular prejuízos efectivos, decorrentes de um impedimento ou um efectivo cerceamento ao exercício do seu direito de defesa»[1].

Do princípio do Estado de direito deduz-se, sem dúvida, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designados por garantias gerais de procedimentos e de processo[2].

Neste conspecto, na parte que interessa ao presente dissídio, «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos» (nº1 do artigo 20º da constituição da República Portuguesa) e «todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (nº4 do referido artigo).

A garantia da via judiciária entende-se a «todas as situações juridicamente protegidas»[3]. O direito de acesso à justiça (…) é uma emanação indissociável ao Estado de Direito. Não se pode falar, absolutamente, em Estado Democrático de Direito sem que se garanta aos cidadãos, na sua plenitude, a possibilidade de, em igualdade de condições, socorrer-se dos tribunais para tutelar as respectivas posições jurídicas subjectivas. Cuida-se do direito geral de protecção jurídica, cujo asseguramento é dever inarredável do Estado para com os cidadãos sendo, ainda, uma imposição do ideal democrático[4].

Na doutrina constitucional são habitualmente identificados como direitos fundamentais processuais os seguintes: direito de acesso aos tribunais, à igualdade no processo, à independência e imparcialidade do tribunal, direito à publicidade do processo, à fundamentação das decisões, ao contraditório, direito à prova, ao recurso, à prolação de uma decisão dentro de um prazo razoável; direito à efectividade material e à estabilidade da decisão judicial.

Cumpre, assim, apreciar, se, em concreto, ocorre a violação de um dever processual fundamental ou, se ao invés, tal como pugna o recorrido, se trata somente de erro próprio da recorrente.

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Prescreve o nº 1 do artigo 17º - E, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) que «a decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17º- C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».

Tendo em atenção o historial fáctico acima assinalado, a Executada comunicou a pendência do PER aos presentes autos. Nesse seguimento, por despacho de 25 de Fevereiro de 2015, a instância executiva foi suspensa e, como decorrência, o prazo para a apresentação dos embargos de executado também ficou paralisado.
A norma supra transcrita «obsta à instauração de quaisquer novas acções dirigidas à cobrança de dívidas pelas quais responde o devedor; além disso, importa a suspensão das que estiverem em curso com idêntica finalidade, incluindo os processos em que tenha sido proferida sentença declaratória»[5]. Existe um consenso generalizado de que a referida norma opera ope legis e que no âmbito dos deveres gerais acometidos ao devedor e ao administrador provisório, designadamente do dever de informação, cabe dar conhecimento do facto aos processos abrangidos pelo efeito suspensivo.
O PER da Recorrente veio a terminar sem que se fosse aprovado o plano de recuperação. Dispõe a legislação que «caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no nº3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius (artigo 1º-G do CIRE)».
Postula o nº 2 do artigo 17º-E que «nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos».
A recorrente alega que não teve conhecimento do encerramento do Processo Especial de Revitalização. Porém, tal não corresponde à verdade. Efectivamente, para além da publicação no portal Citius, o despacho de extinção do PER foi-lhe comunicado.
O despacho sub judice tem o seguinte teor: «uma vez que foi junto o parecer do Sr. Administrador Judicial Provisório previsto no art. 17º-G nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas no qual concluiu que a devedora não se encontra em situação de insolvência, nos termos do disposto no art. 17º-G nº2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o encerramento do processo negocial determina a extinção de todos os efeitos do processo especial de revitalização, nomeadamente os efeitos previstos no art. 17º-E do mesmo diploma.
Notifique e comunique aos processos identificados a fls. 7 dos presentes autos – processo em papel».
Este despacho foi remetido e junto aos autos executivos.
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Baptista Machado observa muito justamente que o jurista «deve proceder como um agente activo do direito, chamado a descortinar, a interpretar e a conformar se­gundo a ideia de direito e dinâmica dos dados institu­cionais face aos movimentos de utilidade social»[6].

A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada (artigo 9º, nº1, do Código Civil).
O conjunto dos elementos hermenêuticos – histórico, sistemático, teleológico e literal – aponta claramente que a expressão «determina a extinção de todos os efeitos do processo especial de revitalização» tem vocação universal que ultrapassa as fronteiras da Insolvência. Por conseguinte, esses efeitos operam a reconstituição da situação anterior à da propositura do Processo Especial de Revitalização, entre os quais o levantamento da suspensão de acções destinadas à cobrança de devidas. Na prática, in casu, «a extinção de todos os efeitos» implica, lógica e sistematicamente, convocando a disciplina prevista na alínea b) do nº1 do artigo 276º do Código de Processo Civil, que a suspensão cesse quando findar a circunstância a que a lei atribui efeito suspensivo, de acordo com a interpretação mais conforme à letra e aos objectivos legais.

Desta sorte, para além de ser claro que a recorrente teve conhecimento do teor do despacho que determinou o encerramento do processo especial de revitalização no âmbito da “Insolvência”, é também inequívoco que a cessação dos efeitos é igualmente automática e não necessita de ser declarada judicialmente[7]. Tal parece claro, inequívoco e transparente.

Com efeito, socorrendo-nos da sempre sábia lição de Alberto dos Reis, este professor afiança que «não pode por-se em dúvida que o espírito da lei é o seguinte: pretende-se que a crise da suspensão cesse o mais depressa possível. E cessa logo que desapareça a causa que a determinara, sem que seja necessário despacho do juiz a ordenar o prosseguimento da instância. É necessário despacho para fazer suspender a instância; não é necessário, para a pôr, de novo, em andamento»[8] [9].

Assim, do ponto de vista dogmático e teórico, carece assim de sustentação a alegação que «era legitimamente expectável não só que a cessação da suspensão fosse determinada nos mesmos moldes e com o mesmo formalismo, mas também que a Recorrente fosse devidamente notificada de tal facto».

Na realidade, não foi proferido despacho a declarar cessada a suspensão instância, mas nem tinha de o ser. E muito mesmo o Tribunal teria de proferir decisão a informar a executada que deveria apresentar contestação, como se afigurava ser ambição da recorrente. Com a citação, a executada foi informada do conjunto de direitos, garantias e deveres que lhe assistiam.

Com efeito, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (primeira parte do nº1 do artigo 219º do Novo Código de Processo Civil). Com a citação, que completa o esquema da relação processual iniciado, num primeiro lance, com a proposição da acção, o réu fica constituído no ónus de contestar[10].

Aquilo que se verifica no presente caso é que, finda a circunstância a que a lei atribui o efeito suspensivo, de modo automático[11], independentemente de despacho, se reiniciou o prazo em curso para a apresentação de defesa e a executada ficou com o ónus de impugnar os fundamentos jurídicos e fácticos que serviam de base à petição inicial apresentada pelo Autor.

A executada não cumpriu esse ónus – por desconhecimento, vontade própria ou circunstância diversa – e não se verifica qualquer resquício, ainda que mínimo, que os órgãos jurisdicionais envolvidos [quer a secção de Comércio, quer a secção Executiva da Instância Central do Tribunal Judicial] tenham contribuído para a não apresentação de embargos de executado.

O direito de acesso à justiça e o direito à jurisdição estavam abstractamente perfectibilizados e a recorrente encontrava-se devidamente patrocinada. Assim sendo, tinha todas as condições necessárias ao atendimento das pretensões em jogo, as quais poderiam ser accionadas sem qualquer entrave de natureza orgânica, funcional, processual ou substantiva.

Sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit. A parte recorrente não ficou prejudicada com nenhuma actuação externa, antes se pode culpabilizar se, como afirma, pretendia contestar os embargos de executado e não o fez. Se não o fez, aparentemente, tal deve-se a uma errada interpretação das normas e dos ritos processuais aplicáveis à situação.

Assim, concatenado o disposto no artigo 9º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas com a disciplina prevista no artigo 638º do Código de Processo Civil, uma vez transitada em julgado a decisão que determinou a conclusão do plano negocial sem a aprovação de plano de recuperação (em concreto 15 dias), a que acresciam os dias de prazo em falta, a ora recorrente estava vinculada a apresentar os embargos de executado, sem necessidade de ser prolatado qualquer despacho a declarar a suspensão da instância.

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Uma segunda questão é chamada à colação: a da falta de notificação do requerimento de nomeação de bens à penhora. De imediato, é preciso que fique definitivamente claro que a concretização da pretensão apresentada pelo exequente é editada em momento posterior ao do termo do prazo legal para a apresentação de embargos [facto nº12] e, como tal, em termos finalísticos, nunca poderia ser associada à questão do livre acesso ao direito e à jurisdição. Efectivamente, a penhora do salário ou doutros bens foi accionada na sequência de despacho judicial que estava relacionado com a eventual aplicação do artigo 281º do Código de Processo Civil e veio completar-se em momento posterior ao do termo do prazo para a dedução de embargos de executado.

Tem o seguinte teor o despacho impugnado:
«Por despacho de 29.06.2015 referi o seguinte: “Notifique o exequente do teor dos despachos proferidos no proc. 626/15.8T8STB que correu termos no Tribunal da Comarca - Instância Central - Secção Comércio - J2 para, em 10 dias, informar ou requerer o que tiver por conveniente, sem prejuízo do disposto no artº 281º nº 5 do CPC”.
Nessa constância, a 30.06.2015, requereu o Exequente o prosseguimento dos autos com a execução das diligências de penhora requeridas pelo agente de execução, por cessação da causa da suspensão ocorrida no presente processo.
Este requerimento não foi comunicado pelo Ilustre Mandatário do exequente ao Ilustre Advogado da executada, de acordo com o previsto nos artº 221º e 255º do CPC nem o tribunal se pronunciou sobre o mesmo.
A 18.09.2015 foram penhorados um imóvel e a pensão de aposentação da executada, diligências contra as quais esta última se insurgiu, pretendendo a nulidade de actos subsequentes praticados após o acto omitido.
Ora bem.
Sabemos que a omissão daquelas notificações, tratando-se de actos que podem implicar o exercício de direitos, para mais numa acção sujeita a patrocínio obrigatório como é o caso, configura-se como irregularidade susceptível de influir no exame ou decisão da causa.
Todavia, nos termos dos arts.º 221.º e 255º do CPC, as notificações entre os mandatários judiciais das partes são realizadas pelos meios previstos no nº 1 do artº 132º e nos termos definidos na portaria aí referida, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, desde que se trate de acto escrito e após a notificação da contestação do réu ao autor.
Nenhum destes sublinhados pressupostos se verificou e, por conseguinte, neste conspecto, falecem os argumentos invocados pela executada».
O artigo 221º, nº1, do Código de Processo Civil estabelece que «nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor são notificados pelo mandatário do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 255º».

No plano estritamente formal, não existia a obrigação de notificar a parte contrária, porque, efectivamente, não houve lugar à apresentação de contestação, como bem frisou o tribunal recorrido. Hipoteticamente, se assim não se entendesse, poderia a parte infractora ser condenada em multa por violação do dever de colaboração, mas não existe argumentário que permita declarar a nulidade de todo o processado por este último motivo. Na perspectiva deontológica não cabe a este Tribunal de recurso tomar alguma medida decisória nesse campo.

Apesar de não ter sido comunicado ao mandatário da executada, ainda assim a executada poderia reagir àquelas penhoras, dado que, para o efeito, o prazo de contagem do prazo se inicia a partir do acto de apreensão e não da apresentação do requerimento.

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V – Decisão

Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto.

Custas a cargo da apelante.

Notifique.

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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº5, do Código de Processo Civil).

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Évora, 6 de Outubro de 2016

José Manuel Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário

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[1] Acórdão do Tribunal Constitucional nº508/2002, in www.tribunalconstitucional.pt.

[2] Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra 1992, pág. 388.

[3] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra 1984, pág. 180.

[4] Ronnie Preuss Duarte, Garantias de Acesso à Justiça – Os direitos processuais fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra 2007, pág. 330.

[5] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 160.

[6] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 120.

[7] O despacho datado de 30/06/2015 é intempestivo porque, à data, ainda não tinha terminado o prazo para a apresentação de contestação. Porém, além dessa decisão não ter sido objecto de recurso, não tem qualquer efeito prático no cerceamento de direitos ou garantias processuais concedidas à ora recorrente.

[8] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra 1946, pág. 303.

[9] Idêntico posicionamento tem Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, pág. 508, quando afirma que «se a instância prejudicial se extinguir por causa diferente do julgamento, cessa igualmente a pendência que justificava a suspensão, cessando esta».

[10] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 274.

[11] Com a ressalva do trânsito em julgado.