Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
851/11.0GFSTB.E1
Relator: ANTÓNIO LATAS
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE SUSPENSÃO
NULIDADE
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 02/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O artigo 495º nº 2 do CPP apenas prevê a audição do arguido na presença de técnico de reinserção social quando tenha sido determinada a prestação de apoio e fiscalização do cumprimento das condições da suspensão, cujo incumprimento esteja em causa, por parte do mesmo.
2. Nos casos em que a lei de processo prevê a presença do técnico, a falta deste não constitui nulidade, pois não está prevista como tal no art. 495º do CPP ou em qualquer outro preceito, nomeadamente nos seus artigos 119º e 120º. Nessas hipóteses apenas pode verificar-se mera irregularidade.
3. Na decisão sobre a revogação da suspensão da pena com fundamento na prática de crime no período de suspensão, não pode ser considerada para nenhum efeito uma outra condenação do arguido, não transitada em julgado.
4. O regime legal saído da reforma de 1995 impõe que o tribunal avalie em todos os casos a relação entre a condenação pelo novo crime e a anterior, mas também que aprecie a situação pessoal do arguido, de modo a poder concluir se no momento da decisão de revogação da suspensão da pena ainda será possível a reintegração do arguido em liberdade, de acordo com o princípio da atualidade, cuja importância na fase de execução das penas deriva do peso decisivo que as finalidades de prevenção especial positiva ou de integração assumem nessa mesma fase.
5. A prorrogação do período de suspensão da pena e o mais previsto no art. 55º, alíneas c) e d), do C.Penal é aplicável nos casos de condenação por crime praticado no período de suspensão, pois conforme entendeu a Comissão de Revisão do C.Penal que deu origem à reforma de 1995, “ …se o condenado comete um crime, viola necessariamente as regras de conduta que lhe foram impostas”.
Decisão Texto Integral:






Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


I. relatório


1. – Nestes autos de processo sumário que corria termos no 2º juízo criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, o arguido e ora recorrente, I A A, foi condenado por sentença transitada em julgado a 2.11.2011 na pena de 7 meses de prisão suspensa por 1 ano, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez.

2. – Posteriormente, o arguido foi condenado no âmbito do processo 728/12.2GFSTB, na pena de 10 meses de prisão, substituída pela prestação de 300 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática em 28.7.2012 de um crime de condução em estado de embriaguez com uma TAS de 2,27 g/I.

3. – Por despacho judicial de 17.02.2014 (fls 154 a 156) que agora se transcreve integralmente, foi revogada a suspensão da execução da pena de 7 meses prisão aplicada nestes autos, determinando-se o seu cumprimento, conforme transcrição integral do despacho recorrido, a que se procede:

- « Por sentença transitada em julgado a 2.11.2011, foi o Arguido condenado na pena de 7 meses de prisão suspensa por 1 ano, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez.

No decurso do prazo da suspensão, o arguido foi condenado no âmbito do processo 728/12.2GFSTB, na pena de 10 meses de prisão, substituída pela prestação de 300 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática em 28.7.2012 de um crime de condução em estado de embriaguez com uma TAS de 2,27 g/I.

Realizou-se audição do condenado, que apenas referiu que foi uma fase, em que andava um pouco aéreo.

Foi solicitada a elaboração de relatório social, a qual se mostra junta aos autos a fls.108 a 111.

E de onde resulta, como conclusão que o arguido "demonstrou conhecer as regras inerentes à sua condenação, desvalorizando a gravidade da sua conduta, pelo que avaliamos que a presente medida não alcançou os seus objectivos ao nível da prevenção da reincidência e ao nível do cumprimento com êxito das condições impostas, pelas razões já explicitadas anteriormente, pelo que consideramos que o condenado não interiorizou verdadeiramente o desvalor da sua conduta ... "

É também do conhecimento funcional do Tribunal que o arguido voltou a cometer um crime de condução em estado de embriaguez, em Dezembro de 2013, pelo qual foi condenado, por sentença ainda não transitada, na pena de 4 meses de prisão a cumprir por dias livres.

o Ministério Público promoveu a extinção da pena pelos motivos constantes de fls.126 a 128, que aqui se dão por reproduzidos.

Cumpre apreciar e decidir.

Estabelece o Artigo 56° do Código Penal que a suspensão da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

-infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social" ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Com a suspensão da pena de prisão aplicada nos presentes autos foi atribuído ao Arguido um voto de confiança na sua ressocialização, tendo-se entendido que a eminência do cumprimento de uma pena de prisão o afastaria da prática de novos ilícitos.

Ora, tal não sucedeu.

Poucos meses após a sua condenação, o Arguido voltou a praticar o mesmo tipo de crime, com uma TAS de 2,27.

Não tendo resultado da audição do arguido qualquer justificação plausível para esta sua conduta que não fosse o "andava um bocado aéreo".

É notório o problema de alcoolismo do arguido que teima em não assumir e que o leva à prática de crimes.

Assim, outra não pode ser a conclusão a chegar se não a de que as finalidades que estiveram na base da suspensão não se lograram alcançar, pois o Arguido não aproveitando o voto de confiança em si depositado, de novo se deixou enveredar pela prática de um crime, abalando, desde logo, todas as finalidades de prevenção especial.

Nestes termos, e atento o disposto no Artigo 56º nº 1 alíneas a) e b) do Código Penal, revogo a suspensão da execução da pena de prisão devendo o arguido cumprir a pena de 7 meses de prisão em que foi condenado.

Após trânsito, emita os competentes mandados de detenção e cumpridos os mesmos, abra vista ao Ministério Público a fim de proceder à liquidação da pena.

Setúbal, 17.2.2014 »

4. – É deste despacho que o arguido veio interpor o presente recurso, de cuja motivação extrai as seguintes


- « CONCLUSÕES

A – Por decisão proferida em 17.02.2014, foi revogada a suspensão da pena aplicada ao arguido, ora recorrente, determinando-se o cumprimento da pena de 7 (sete) meses em que fora condenado, e que havia sido suspensa pelo período de 1 (um) ano.

B – O douto Despacho consubstanciou a revogação da suspensão da execução da pena nos seguintes factores:
i) No decurso do prazo da suspensão, o arguido foi condenado no âmbito do processo 728/12.2GFSTB, na pena de 10 meses de prisão, substituída pela prestação de 300 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática em 28.7.2012 de um crime de condução em estado de embriaguez;
ii) No teor do relatório do social datado de 15.03.2013;
iii) No “notório problema de alcoolismo do arguido que teima em não assumir e que o leva à prática de crimes”;
iv) Pelo conhecimento funcional do Tribunal que o arguido voltou a cometer um crime de condução em estado de embriaguez, em Dezembro de 2013, pelo qual foi condenado, por sentença ainda não transitada, na pena de 4 meses de prisão a cumprir por dias livres.

C – A prática de um crime só deve constituir causa de revogação da suspensão quando por ela se demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.

D – O cometimento de novo crime no decurso do período da suspensão de pena é insuficiente, só por si, para determinar a revogação da pena de substituição.

E – Apesar do arguido ter sido condenado no âmbito do processo 728/12.2GFSTB, na pena de 10 meses de prisão, o douto Tribunal a quo substituiu tal pena pela prestação de 300 horas de trabalho a favor da comunidade.

F – No caso “sub judice” entendemos que os fundamentos que serviram de base à sentença condenatória, no âmbito do processo 728/12.2GFSTB, proferida no decurso do prazo da suspensão da execução da pena, emitindo um parecer favorável à ressocialização do arguido, não a pondo, definitivamente, em causa, não pode, por isso, ser posta em causa pela presente decisão, sem contradição ou incongruência de juízos, com base nos mesmo elementos.

G – Apesar do relatório elaborado pela DGRS em 15.03.2013 não ser, na sua essência, positivo, consideramos que o mesmo está consciente da presente condenação.
H – O relatório social supra referido, entra em contradição com a posterior informação prestada (em 15.04.2013) pela mesma equipa da DGRSP, que refere: “Em referência ao assunto em epígrafe e em resposta ao solicitado cumpre-nos informar V. Exa. que I S cumpriu as 300 horas de trabalho a favor da comunidade à ordem do proc. n.º 728/12.2GFSTB desse Juízo, com um comportamento adequado, proativo e interessado...”.

I – Perante tal contradição constante das informações prestadas pelos técnicos da DGRSP, afigurava-se conveniente e útil a audição do técnico dos serviços de reinserção social que acompanhou o arguido, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 495.º do CPP.

J – Ao ter-se em consideração o teor do relatório social para se proceder à revogação da suspensão da pena, seria obrigatória a presença do técnico dos serviços de reinserção social aquando da audição presencial do arguido, pelo que a sua falta afecta de nulidade o subsequente despacho que procedeu a essa revogação – cfr. arts. 495.º n.º 2, 374.º n.º 2 e 123.º n.º 2 do CPP.

L – Quer o douto Despacho, ora em crise, quer o relatório social do arguido referem problemas de alcoolismo, contudo, quer da douta Sentença proferida nos presentes autos, quer do relatório social, não se vislumbra qualquer referência à imposição, ou mesmo necessidade, de realizar tal tratamento.

M – Tal circunstância poderia ter sido colmatada pela imposição de tal tratamento, nomeadamente prorrogando-se o período de suspensão, ao invés da revogação da suspensão da execução da pena – cfr. art. 55.º, als. b), c) e d) do CP.

N – O Tribunal a quo fundou a sua decisão, igualmente, no facto do arguido ter cometido um crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual foi condenado, por sentença ainda não transitada, na pena de 4 meses de prisão a cumprir por dias livres.

O – Salvo melhor opinião, entendemos que tal decisão, por ainda não ter transitado em julgado, não devia nem poderia influenciar a douta decisão, ora posta em crise, constituindo um vício de erro notório na apreciação da prova – cfr. art.410.º CPP

P – O arguido está arrependido de ter praticado tal ilícito criminal e, actualmente, já não consome bebidas alcoólicas como anteriormente.

Q – Encontra-se social e familiarmente integrado, gerindo um café e tendo uma companheira e uma filha menor a seu cargo.

R – O arguido não está completamente alheio às obrigações que lhe foram impostas e a pena que lhe foi aplicada cumpriu as suas finalidades.

S – Ao decidir como decidiu, a douta Decisão violou as disposições previstas nos artigos. 55.º als. b), c) e d); 56.º n.º 1, als. a) e b) do Cód. Penal, e artigos 123.º n.º 2; 374.º n.º 2, 410.º e 495.º n.º 2 do Cód. de Processo Penal.




Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo o douto Despacho ser substituído por outro de forma a acolher as pretensões do ora Recorrente, por assim ser de JUSTIÇA!»

5. – Na sua resposta, o MP em 1ª Instância, que havia promovido a extinção da pena aplicada nestes autos ao arguido não obstante a nova condenação por factos de 28.07.2012, pronunciou-se pela procedência do recurso, aderindo aos fundamentos do recorrente.

6. Nesta Relação, a senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso com revogação da decisão recorrida e prorrogação do período de suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente.


Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso.

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Vistas as conclusões da motivação do arguido, são essencialmente duas as questões suscitadas:
- Ilegalidade da revogação da suspensão da pena de 7 meses de prisão aplicada ao recorrente pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, por não se verificarem os pressupostos previstos no art. 56º nº 1 b) do C. Penal;
- Nulidade do despacho que revogou a suspensão da execução da pena por ter tomado em consideração o teor do relatório social elaborado para o efeito sem audição do técnico dos serviços de reinserção social que no entender do recorrente é obrigatória, face ao disposto nos artigos 495º nº2, 374º nº2 e 123º nº2, todos do CPP.
São, pois, estas as questões a decidir.
2. Decidindo
2.1. No que concerne à nulidade arguida é a mesma manifestamente improcedente.
Em primeiro lugar, o artigo 495º nº2 do CPP apenas prevê que o arguido seja ouvido na presença de técnico de reinserção social quando tenha sido determinado o apoio e fiscalização do cumprimento das condições da suspensão por parte de técnico, cujo incumprimento esteja em causa. É o que decorre da letra do preceito e é conforme com o sentido da intervenção do técnico na diligência em causa, sendo certo que no caso presente apenas estava em causa a revogação da suspensão com fundamento na prática de novo crime no período de suspensão.
Em segundo lugar, mesmo nos casos em que a lei de processo determina a presença do técnico, a falta deste não constitui nulidade, pois não está prevista como tal no art. 495º do CPP ou em qualquer outro preceito, nomeadamente nos seus artigos 119º e 120º. Nessas hipóteses apenas pode verificar-se mera irregularidade, que deve ser arguida na própria diligência, de modo a assegurar que a mesma possa ainda ter lugar com a presença do técnico em falta, sendo certo que se tal não ocorrer nessa altura ou num dos três dias a que se reporta o art. 123º do CPP, a irregularidade ficará sanada, o que sempre se verificaria no caso presente.
2.2. A invocada ilegalidade da revogação da suspensão da pena.
O despacho judicial recorrido fundamentou a sua decisão de revogar a suspensão da execução da pena de 7 meses de prisão aplicada ao arguido por sentença transitada em julgado a 2.11.2011, na condenação em pena de 10 meses de prisão, substituída pela prestação de 300 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática em 28.7.2012 de um outro crime de condução em estado de embriaguez com uma TAS de 2,27 g/l, por sentença transitada em julgado, proferida no processo 728/12.2GFSTB.
Depois de ouvido o condenado e de enviado o relatório social que pedira à DGRSP, o tribunal a quo considerou que as finalidades que estiveram na base da suspensão não se lograram alcançar, pois o arguido cometeu outro crime de condução em estado de embriaguez sem invocar justificação para a sua conduta que não fosse que "andava um bocado aéreo" e teima em não assumir o notório problema de alcoolismo que o leva à prática de crimes.
Na sua motivação de recurso o arguido começa por alegar que a condenação do arguido pela prática de um terceiro crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º do C.Penal praticado em dezembro de 2013 não transitou em julgado, pelo que não pode a mesma ser considerada para decidir da revogação da suspensão da pena.
Relativamente à prática de novo crime de condução em estado de embriaguez no período da suspensão, no âmbito do processo 728/12.2GFSTB, o arguido destaca a circunstância de lhe ter sido aplicada pena não privativa da liberdade, bem como o caráter não automático da revogação com fundamento na prática de crime no período da suspensão.
Por último, tece considerações sobre o relatório social e sobre o referido problema de alcoolismo sem questionar a sua verificação, mas considerando que o arguido devia ser submetido a tratamento, nomeadamente prorrogando-se o período de suspensão ao invés da revogação da suspensão da execução da pena, nos termos do art. 55º als b), c) e d), do C. Penal.
Conclui, como aludido, que a prática de novo crime no período de suspensão da execução da pena de prisão não significa, no caso concreto, que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio delas, ser alcançadas, pelo que deve ser revogado o despacho recorrido.
Vejamos.
2.2.1. - Nos termos do artigo 56.º n.º 1 do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
- Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou
- Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas. »

No que respeita a esta al. b), prevê-se um pressuposto formal de revogação da suspensão da pena - o cometimento de novo crime no período de suspensão - e a verificação de um pressuposto material, traduzido na revelação de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, nem podem mais ser alcançadas.
Conforme resulta dos pressupostos da suspensão da pena e do regime da sua revogação, aquela pena de substituição (tal como praticamente todas as demais) implica para o arguido o primeiro e autónomo dever de não voltar a delinquir no período da suspensão.
Apesar de não implicar a revogação automática da suspensão da pena, como sucedia na vigência do C.Penal de 1886 e da versão originária do C.Penal de 1982, a prática de novo crime pelo arguido no período de suspensão continua a ser autonomamente prevista como causa de revogação, sempre que tal revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, ou seja, na expressão do Prof F. Dias (Consequências jurídicas do Crime-1993, pp 356-7), se do concreto cometimento de novos crimes nascer a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, ou seja, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade. Dito ainda de outro modo, haverá lugar à revogação se o cometimento de novo crime levar a concluir que estão esgotadas as possibilidades de socialização do arguido em liberdade.
Ainda no plano da interpretação da lei, entendemos que o art. 56º do C.Penal não distingue, deliberadamente, entre a condenação do arguido em nova pena de prisão e pena não privativa de liberdade, fruto da evolução legislativa registada desde a versão originária do art. 51º do C.Penal de 1982, que impunha, ope legis, a revogação da suspensão no caso de condenação por crime doloso em pena de prisão, enquanto o art. 50º al, c) previa que a prática de crime culposo ou doloso punido com pena não privativa de liberdade tivesse ope judicis a mesma consequência.
Na versão atual, introduzida pelo Dec-lei 48/95 de 15 de Março, a revogação da suspensão da pena pode ter agora lugar mesmo que o arguido não tenha sido condenado em pena privativa da liberdade, como sucedeu no caso presente, desde que se mostre preenchido o referido pressuposto material. Este passa a constituir o ponto nevrálgico nos casos de cometimento de novo crime, cabendo maior responsabilidade ao intérprete e aplicador da lei na determinação dos casos de revogação, pois a questão centra-se agora no especial impacto do novo crime na prossecução das finalidades que estavam na base da suspensão e não na natureza dolosa ou culposa do crime ou na espécie da pena aplicada.
No caso sub judice o arguido não discute a verificação do apontado pressuposto formal e a mesma não está em causa, pois o arguido foi condenado por crime praticado no período de 1 ano de suspensão contado do trânsito em julgado da sentença condenatória.
É no que respeita ao pressuposto material acolhido na al. b) do nº1 do art. 56º que, como vimos, o arguido centra a impugnação da decisão recorrida.
2.2.2. Quanto a este aspeto começamos por deixar claro que a condenação do arguido, não transitada em julgado, por factos praticados em dezembro de 2013, não pode ser levada em conta na decisão sobre a revogação da suspensão da pena aplicada nos presentes autos.
Por um lado, respeita a factos praticados para além do termo normal do período de um ano de suspensão que não fora objeto de prorrogação, pelo que não pode ser considerada para efeitos da primeira parte da al. b) do nº1 do art, 56º do C.Penal.
Por outro lado, aquela condenação não pode ser considerada para efeitos da segunda parte da al. b) do nº1 daquele mesmo artigo 56º do C. Penal, enquanto não for definitiva, desde logo por força da presunção de inocência. Assim, apesar de não ser certo que o senhor juiz a quo tenha atribuído relevância à condenação por factos de dezembro de 2013, pois não a menciona ao apreciar expressamente os fundamentos da revogação, deixamos claro que aquela condenação não podia ser considerada no caso sub judice, por não ter transitado em julgado.
Quanto à não automaticidade da revogação em resultado da prática de crime no período da suspensão referida pelo recorrente, a questão não se colca verdadeiramente no caso presente pois resulta claramente do seu despacho que o senhor juiz a quo não interpretou o artigo 56º do C. Penal nesses termos.
Tal como considerado no despacho recorrido, a questão fulcral é, pois, a de saber se a condenação definitiva pela prática de novo crime no período da suspensão revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
A evolução do regime legal da revogação da suspensão a que fizemos referência, ensina que ao contrário do que poderia pensar-se à primeira vista (e do foi considerado no período inicial de vigência) o prognóstico de que era ainda possível a reinserção do arguido em liberdade, em que assentou a decisão de suspensão da pena, não fica irremediavelmente comprometido com a prática de novo crime no período da suspensão, mesmo tratando-se de crime doloso punido com pena de prisão não substituída.
Daí que o regime legal saído da reforma de 1995 imponha que o tribunal avalie em todos os casos a relação entre a condenação pelo novo crime e a anterior, mas também que aprecie a situação pessoal do arguido, de modo a poder concluir se no momento da decisão de revogação ainda será possível a reintegração do arguido em liberdade, de acordo com o princípio da atualidade, cuja importância na fase de execução das penas deriva do peso decisivo que as finalidades de prevenção especial positiva ou de integração assumem nessa mesma fase, ainda que a esta fase não sejam alheias finalidades de prevenção geral.
Assim, o tribunal deve atender à afinidade ou heterogeneidade entre ambos os tipos de crime e à forma como a prática dos mesmos se adequa à personalidade do arguido e às suas condições de vida, de modo a poder concluir se a prática do crime durante o período de suspensão da pena se enquadra num quadro pessoal que não permite nova prognose no sentido de ser ainda possível a ressocialização em liberdade. Também a gravidade relativa de cada um dos crimes não é indiferente para a decisão a tomar, desde logo porque as exigências de prevenção geral positiva não são irrelevantes na fase da execução das penas, como aludido. Assim, se ambos os crimes ou se apenas o novo crime é punido em concreto com prisão efetiva de medida próxima do limite máximo da suspensão da prisão (5 anos) ou superior a este, dificilmente deixará de concluir-se que as finalidades de prevenção geral que foram necessariamente consideradas aquando da suspensão da pena ficaram irremediavelmente comprometida com a prática do novo crime, na generalidade desses casos.
Noutras situações, as condições de vida do arguido e a sua conduta até ao momento da decisão sobre a revogação da suspensão, que não possam reputar-se estranhas à prática do novo crime ou dele dissociáveis, bem como os seus antecedentes criminais, podem ser de tal forma adversas ou mesmo disfuncionais, que a prognose atualizada sobre a reintegração do arguido em liberdade não pode deixar de ser negativa. Isto é, as implicações da nova condenação na subsistência ou revogação da suspensão da pena dependem não só da natureza e medida da nova pena mas também do comportamento do arguido, nos seus diversos aspetos, após a suspensão da pena, incluindo eventuais vicissitudes relativas ao cumprimento da pena.
A esta luz e tendo em conta a identidade dos ilícitos típicos cometidos, a gravidade relativa do novo crime, a proximidade temporal entre ambos os crimes e o teor do relatório social, compreendem-se as razões do juízo negativo do tribunal recorrido, mas não podemos ignorar que pela prática do novo crime foi aplicada ao arguido pena não privativa da liberdade (PTFC) em substituição da prisão inicialmente determinada e que o arguido cumpriu integralmente a pena de substituição com um comportamento adequado, proativo e interessado, segundo avaliação da entidade empregadora comunicada à DGRSP (cfr fls 124). Por outro lado, não há notícia de incumprimentos da pena acessória de proibição de conduzir aplicada igualmente ao arguido, apesar de a DGRSP mencionar no seu relatório que o arguido apresentou consumos de álcool diários de forma aparentemente excessiva, seguidos de condução de veículo, o que não foi confirmado, tal como não foram considerados e analisados os antecedentes criminais do arguido que o certificado do registo criminal parece refletir.
Ou seja, apesar de a prática de novo crime comprometer seriamente a prossecução em liberdade das finalidades preventivas que estiveram na base da decisão de suspender a execução da prisão nos presentes autos, não pode concluir-se, com a segurança que se impõe, que em face da conduta anterior do arguido e da sua situação atual, se mostra frustrado o propósito de reintegração do arguido em liberdade que ditou a suspensão da execução da pena de prisão, pelo que o recurso procede quanto à pretendida revogação do despacho recorrido.
Isso não significa, porém, que concordemos com a extinção da pena de substituição pelo decurso do prazo de suspensão, conforme promovido em primeira instância pelo MP, pois afigura-se-nos indispensável à prossecução das finalidades de prevenção geral e especial das penas consagradas no artigo 40º do C. Penal e à credibilidade da pena de suspensão, que se prorrogue o período de suspensão da pena e se a sujeite o arguido a regime de prova, nos termos do art. 55º alíneas c) e d), do C.Penal. Esta disposição legal é aplicável nos casos de condenação por crime praticado no período de suspensão, como sucede in casu, pois conforme entendeu a Comissão de Revisão do C.Penal que deu origem à reforma de 1995, “ …se o condenado comete um crime, viola necessariamente as regras de conduta que lhe foram impostas”, o que determinou a eliminação da referência à prática de um crime feita no art. 53º de anterior projeto (correspondente ao atual art. 55º ), por se entender ser a mesma redundante cfr Actas e Projeto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça-1993 p. 65.
Assim, decide-se prorrogar a suspensão da prisão por mais um ano nos termos da alínea d) do artigo 55º do C. Penal, sujeitando-se o arguido a regime de prova nos termos dos artigos 53º e 54º, do C. Penal, cujo Plano de reinserção social incluirá a sujeição do arguido a tratamento médico de problemas de alcoolismo de que seja portador, ou cura em instituição adequada, depois de obtido o seu consentimento.

III. – Dispositivo

Nesta conformidade e tendo especialmente em conta o preceituado nos arts. 56º e 40º, do C. Penal, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o presente recurso, revogando o despacho judicial recorrido que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos ao arguido I A A, e decidindo, em substituição:
- Prorrogar o período de suspensão da execução da pena por mais um ano, contado do trânsito em julgado do presente acórdão;
- Condicionar a suspensão da pena a regime de prova, mediante Plano de reinserção social a elaborar oportunamente que, depois de obtido o consentimento do arguido, incluirá a sujeição do arguido a tratamento médico de problemas de alcoolismo de que seja portador, ou cura em instituição adequada.
Sem custas

Évora, 3 de fevereiro de 2015
(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

António João Latas

Carlos Jorge Berguete