Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
350/17.7T8OLH.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: AUTO-ESTRADA
COMPETÊNCIA MATERIAL
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É da competência dos tribunais administrativos o conhecimento de acções propostas contra uma concessionária de auto-estrada por acidentes causados pela intervenção de um animal na via.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 350/17.7T8OLH.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) e mulher (…) intentaram a presente acção declarativa de condenação contra Auto-Estrada do Algarve – Via do Infante – Sociedade Concessionária AAVI, SA pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 4.876,91, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência de um embate ocorrido na Via do Infante, com um animal canídeo.
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A R. contestou invocando a incompetência absoluta do tribunal pois que são competentes os Tribunais Administrativos.
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Os AA. responderam.
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Foi proferido despacho saneador em que se decidiu pela incompetência absoluta da jurisdição comum.
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Deste despacho recorrem os AA. defendendo a sua revogação por entenderem que a competência é dos tribunais comuns.
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Foram colhidos os vistos.
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O relatório contém os elementos necessários para a decisão.
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«(…) no caso presente estamos perante um conflito em que se trata de definir qual a jurisdição competente para apreciar o pedido de indemnização deduzido pelo A, que circulando na auto-estrada nº 11, de que a R. B... é concessionária, se depara com um canídeo em plena via, e que atravessando-a a correr, vem a provocar um acidente que não pôde evitar, tudo porque a supracitada R não tomou as medidas necessárias para impedir a sua presença, conforme alegou o A.».
Este é um trecho que relata o caso concreto que o Tribunal de Conflitos resolveu, por acórdão de 27 de Março de 2014.
Como facilmente se constata, o caso é em tudo igual ao dos presentes autos.
O referido Tribunal decidiu que eram competentes para conhecer da acção os tribunais da jurisdição administrativa.
No mesmo sentido vão os acórdãos da Relação de Coimbra, de 3 de Novembro de 2015 (embora com um voto de vencido), de 17 de Abril de 2012 e de 12 de Janeiro de 2016.
Por último, indicamos o acórdão do STJ, de 8 de Outubro de 2015, que também decidiu pela competência dos tribunais administrativos.
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Permitimo-nos transcrever um excerto do ac. desta Relação, de 9 de Março de 2017:
«O seu art.º 1.º [do ETAF] tem o seguinte teor: «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
«São os litígios que surgem no âmbito das relações administrativas que constituem o objecto desta jurisdição e, por isso, definem a sua competência. O art.º 4.º, ao elencar um conjunto de matérias, não o faz de forma taxativa, como logo resulta da utilização do advérbio «nomeadamente». Significa isto que as diversas alíneas do n.º 1 daquele preceito legal não esgotam o objecto da jurisdição administrativa. Lê-se no ac. da Relação de Lisboa, de 13 de Março de 2014, o seguinte: a «actual definição legal, na esteira da lei fundamental, deixou de estribar a delimitação da jurisdição administrativa na distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, deslocando o pólo aglutinador para o conceito de relação jurídica administrativa e de função administrativa, em que avulta a realização de um interesse público levado a cabo através do exercício de um poder público e, portanto, de autoridade, seja por uma entidade pública, seja por uma entidade privada, em que esta actua no uso de prerrogativas próprias daquele poder ou no âmbito de uma actividade regulada por normas do direito administrativo ou fiscal».
«A jurisdição administrativa não é hoje uma jurisdição por atribuição, no sentido de que a ela cabe conhecer dos litígios que a lei expressa e restritivamente indica. Como se escreve no mesmo acórdão, os «tribunais administrativos são, actualmente, os verdadeiros tribunais comuns em matéria administrativa». A sua competência abrange a quase totalidade, se não mesmo a totalidade, dos litígios que envolvam a Administração Pública, seja directamente, seja por intermédio de particulares que a ela se associam para prosseguir objectivos públicos, com base nos instrumentos jurídicos disponíveis.
«A expressão «relação jurídica administrativa» pode ter diversos sentidos. Um subjectivo que se pode entender «como qualquer relação em que intervenha a Administração»; um tendencialmente objectivo «como a relação em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo»; e um outro sentido «associado agora à ideia do âmbito da própria função administrativa» (Vieira de Andrade, «Âmbito e Limites da Jurisdição Administrativa» em Reforma do Contencioso Administrativo Trabalhos Preparatórios O Debate Universitário, ed. do Ministério da Justiça, s. d., p. 102).
«O certo, em todo o caso, é que, coligados aqueles sentidos da expressão, a reforma acabou por entregar à jurisdição administrativa os litígios com a Administração Pública. Como logo se escreveu após a reforma de 2002, «uma das grandes novidades desta reforma do contencioso administrativo reside precisamente (…) na eliminação da referência às questões de direito privado no elenco de matérias que se consideram excluídas do foro administrativo. Finalmente desaparece a dicotomia tradicional “gestão pública/ gestão privada” como critério de repartição de competência entre o foro administrativo e o foro comum» (cfr. M.ª João Estorninho, «A reforma de 2002 e o Âmbito da Jurisdição Administrativa», em C.J.A., n.º 35, p. 5). E logo adianta: «Sintomática desta eliminação da dicotomia “gestão pública/gestão privada” é a atribuição aos tribunais administrativos, no art.º 4º., n.º 1, alínea g), do novo ETAF, de todo o contencioso da responsabilidade civil extracontratual das pessoas, colectivas de direito público (e não apenas, como agora acontece, do contencioso da responsabilidade civil extra-contratual por actos de gestão pública)» (idem, ibidem).
«Ou seja, afastou-se, como fulcro da atribuição da competência, o carácter administrativo ou privado do litígio para, em seu lugar, aceitar o carácter subjectivo, isto é, o litígio que existe com uma pessoa colectiva de direito público.
«Ou que com isto esteja relacionado.
«O art.º 10.º, n.º 9, CPTA, dispõe que podem «ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares». Dito de outra forma, podem ser demandados particulares que estejam envolvidos com outros particulares no âmbito de uma relação jurídica administrativa».

Cremos que estas considerações têm pleno cabimento neste caso.
Acrescentamos, ainda assim, que a jurisprudência citada baseia-se sempre no disposto na Lei n.º 67/2007, em cujo art.º 1.º, n.º 4, se lê o seguinte: «As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis aÌ responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acçoÞes ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo».
A actividade da R. Auto-Estrada do Algarve – Via do Infante – Sociedade Concessionária AAVI, AS é uma actividade que está sujeita à regulação de normas de direito público pelo que é uma actividade administrativa. Trata-se de uma pessoa colectiva de direito privado, sem dúvida, mas que, por força da concessão existente, exerce uma actividade administrativa (em cujas funções se inclui a vigilância e cuidados de segurança a ter na autoestrada).
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Sendo assim, e seguindo a jurisprudência citada, não temos dúvidas em afirmar que a competência para julgar a presente acção cabe à jurisdição administrativa.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 11 de Janeiro de 2018
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho