Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2621/17.3T8ENT.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não tem cabimento a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um projectado indeferimento liminar.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2621/17.3T8ENT.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento


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Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores instaurou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra (…), advogada, com vista à cobrança da quantia de € 1.913,01, correspondente a contribuições em dívida e juros de mora. Como título executivo, a exequente apresentou uma “certidão de dívida de contribuições” emitida pelo seu órgão dirigente.

O tribunal recorrido indeferiu liminarmente o requerimento executivo, declarando-se materialmente incompetente para a presente execução.

A exequente arguiu, então, a nulidade do despacho de indeferimento liminar com fundamento na sua não audição prévia à prolação do mesmo.

O tribunal recorrido indeferiu a arguição de nulidade, por entender que a prolação de despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo por verificação de uma qualquer excepção não carece de notificação prévia à parte para, querendo, se pronunciar.

A exequente recorreu deste último despacho, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – A CPAS arguiu “a nulidade do despacho/sentença proferido”, mas fê-lo com fundamento no disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

2 – Uma vez que não foi concedida, à ora recorrente, a possibilidade de se pronunciar, previamente à decisão, sobre a competência do tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

3 – E por isso a nulidade da decisão seria uma mera consequência da nulidade pela omissão de um acto processual essencial, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 2, do CPC.

4 – Não tendo a ora recorrente sido previamente ouvida sobre a competência do tribunal para tramitar e julgar a presente acção, a decisão que julgou incompetente o tribunal em razão da matéria, tem de ser considerada uma decisão-surpresa.

5 – Pois essa questão da decisão-surpresa terá de ser vista em cada um dos processos de per si, como no presente caso.

6 – Não sendo admissível a chamada decisão-surpresa, tem a CPAS, previamente à decisão, de ser auscultada sobre a matéria (competência dos tribunais judiciais para cobrança coerciva das contribuições em dívida pelos seus beneficiários).

7 – Além disso, o princípio do contraditório visa, também, permitir que a parte possa carrear para os autos os elementos que achar pertinentes por forma a que o tribunal, quando decidir, o faça na posse do máximo de informação possível.

8 – Não tendo a CPAS sido ouvida previamente à decisão, foi violado o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

9 – Nestes termos deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça à CPAS o direito de se pronunciar sobre a questão da competência dos tribunais judiciais, para dirimir e julgar as execuções intentadas pela CPAS para cobrança das contribuições em dívida pelos beneficiários.

O recurso foi admitido.

Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a única questão a resolver consiste em saber se o juiz, antes de proferir despacho de indeferimento liminar, deve dar o contraditório ao autor ou ao exequente para que este possa pronunciar-se sobre o fundamento de tal indeferimento.

O artigo 590.º do CPC estabelece que, nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.

O artigo 726.º do CPC, relativo ao processo de execução, estabelece que o processo é concluso ao juiz para despacho liminar (n.º 1) e que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso (n.º 2, al. b)).

O n.º 3 do artigo 3.º do CPC estabelece que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

A recorrente sustenta que o tribunal recorrido violou esta última norma porquanto não lhe concedeu a possibilidade de se pronunciar sobre a questão da competência do tribunal antes da prolação do despacho de indeferimento liminar e, dessa forma, cometeu uma nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, constituindo o referido despacho uma “decisão surpresa”.

Discordamos deste entendimento.

Não faz sentido a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um projectado indeferimento liminar. Pela sua própria natureza e tal como a sua designação inculca, o despacho de indeferimento liminar não é precedido por qualquer outro despacho, nomeadamente com a função acima referida, sob pena de deixar de merecer o qualificativo de liminar. Não faria sentido e constituiria uma verdadeira contradição nos termos a prolação de despacho liminar depois de outro despacho. Já não estaríamos, obviamente, perante um despacho liminar. Ora, se é a própria lei a admitir a prolação de despacho de indeferimento liminar em determinadas situações, nomeadamente quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso, é seguro que, nessas situações, não há lugar a contraditório prévio. Se fosse outra a intenção do legislador, certamente este teria cuidado de deixar de designar tal despacho de indeferimento como liminar.

Por outro lado, não pode considerar-se que o despacho de indeferimento liminar proferido neste processo constitua uma decisão surpresa, a menos que assim se considerassem todos os despachos de indeferimento liminar. É evidente que, ao propor a acção, o autor ou o exequente tem a expectativa de que a mesma tenha melhor sorte que um indeferimento liminar, pelo que este último será, senão sempre, pelo menos na generalidade dos casos, inesperado. Ainda assim, a nossa lei processual continua a prever o indeferimento liminar, sinal evidente de que se trata de uma figura processual compatível com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC.

Note-se, finalmente, que a lei compensa esta ausência de audição do autor ou do exequente antes da prolação do despacho de indeferimento liminar através da admissibilidade de recurso deste último independentemente do valor da causa e da sucumbência, nos termos dos artigos 629.º, n.º 3, al. c), e 853.º, n.º 3, do CPC, assim permitindo um contraditório diferido.

Em conclusão, não se verifica a nulidade processual que o recorrente arguiu, pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se o despacho recorrido.

Sumário:

Não tem cabimento a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um projectado indeferimento liminar.

Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando o despacho recorrido.

Custas pela recorrente.

Notifique.


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Évora, 28 de Junho de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (Relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura