Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
81643/18.8YIPRT-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL
RECONVENÇÃO
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - a forma de processo aplicável na sequência da dedução de oposição no procedimento de injunção para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais determina-se pelo valor da dívida ou do pedido;
- aplica-se a forma de processo comum, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a € 15.000,00, e a forma de processo especial prevista no DL nº 269/98, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00;
- não é admissível a reconvenção em sede de oposição no procedimento de injunção destinado à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Requerida: (…) – Supermercados, Lda.

Recorrida / Requerente: (…) – Equipamentos e Refrigeração, Lda.

Trata-se de um processo decorrente de requerimento de injunção através do qual a Requerente peticionou a condenação da Requerida a pagar-lhe a quantia de € 11.518,29 invocando serviços prestados que não foram pagos.


II – O Objeto do Recurso

Em sede de oposição, a Requerida deduziu reconvenção, peticionando a condenação da Requerente a pagar-lhe a quantia de € 12.134,13 a título de indemnização do prejuízo sofrido, operando-se a compensação dos créditos, revertendo para a Requerida o valor de € 1.250,89.
Foi proferida decisão declarando inadmissível a dedução de reconvenção no âmbito da presente ação especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Inconformada, a Requerida Reconvinte apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que admita o pedido reconvencional. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«a) Face à mais recente corrente jurisprudencial, sobretudo dos nossos tribunais superiores, como é o caso dos arestos proferidos nos AC do STJ de 06/06/2017 (o qual seguiremos de perto) AC TRP de 26/01/2015, AC TRC de 18/04/2004, AC TRG de 15/05/2014 e AC TRC de 07/06/2016, entre muitos outros, no procedimento de injunção, e a partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção, este adquire cariz jurisdicional, devendo aplicar-se as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC.
b) Cabe assim, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor, isto é, somando o pedido da Autora / Requerente no valor de € 11.620,29 ao pedido reconvencional deduzido pela Requerida / Recorrente de € 12.134,13, temos que tal valor é superior ao da alçada da Relação, e superior ao limite dos € 15.000,00 referidos no artigo 7.º do DL 32/2003, o que leva a que a forma do processo deva ser a de processo comum e não a de processo especial, sendo assim admissível o pedido reconvencional efetuado.
DA ADMISSÃO DE DEDUÇÃO DE PEDIDO RECONVENCIONAL
c) A posição assumida pela Recorrente funda-se quer na exceção de não cumprimento do contrato, quer ainda em vários defeitos na execução do mesmo, pela Recorrida, e, sobretudo, este ultimo baseia-se nos prejuízos causados por tal incumprimento.
d) A Admissão da Reconvenção permite á Recorrente não ter de recorrer a outra ação judicial, bem como afasta o risco da Recorrente poder irremediavelmente prejudicada, quando poderá, esperemos, ficar imediatamente, no todo ou em parte, satisfeito o seu invocado crédito, sobre a Recorrida, na parte em que houver compensação
e) A Recorrente não tinha outra opção processual para fazer valer a sua legítima pretensão de compensação de créditos que não fosse a Reconvenção nos termos e para os efeitos da alínea c) do nº 2 do artigo 266º do CPC.
f) Apesar de se estar no âmbito de um procedimento especial, será no mínimo censurável a imposição de intentar uma nova ação para fazer valer tal direito com todas as custas e custos inevitavelmente associados, quando, uma vez que há o irrefutável ónus/direito de reconvir,
g) Assim não sendo, estabelece-se uma diferenciação de tratamento inaceitável, que seria, como é, o caso de um comerciante poder exigir o pagamento de uma quantia de € 11.620,29 e o outro comerciante não lhe poder exigir em sede de pedido reconvencional a quantia de € 12.134,13, mas se fosse a Recorrente a exigir o pagamento de € 12.134,13, já a recorrida lhe poderia opor o seu alegado crédito de € 11.620,29.
h) Inexiste qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade até porque o legislador civil quis facilitar a compensação de créditos, o que deverá ocorrer nos presentes autos.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar a admissibilidade da reconvenção do presente processo.


III – Fundamentos

A – Dados a considerar: os que constam do relatado supra.

B – O Direito

O procedimento de injunção decorre do regime inserto no DL n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cujo art. 7.º estatui: «Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.»[1]
Consiste num mecanismo processual conferido ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato, de montante não superior a € 15.000,00, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do DL n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, inexistindo, nesse caso, qualquer limite quanto ao montante do crédito, a fim de lhe permitir de modo mais célere a obtenção de um título executivo que lhe faculte o acesso direto à ação executiva. Na verdade, o art. 1.º do diploma preambular (DL n.º 269/98) reporta-se ao «regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000,00» sendo que o n.º 1 do art. 2.º do DL n.º 62/2013
[2], define como seu âmbito de aplicação «pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais», excluindo o n.º 2 desse âmbito normativo: «a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros.»
Nos termos da al. b) do art. 3.º do DL 62/2013, transação comercial consiste em «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração». E nos termos do art. 10.º do mesmo citado DL:
«1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.»
Por via do exposto, o procedimento de injunção apenas pode ser exercitado quando se destina a exigir o cumprimento:

- de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 (artigo 1.º do diploma preambular citado);
- independentemente desse valor (art.º 10.º do DL 62/2013, de 10/05), de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 2.º do DL 62/2013, de 10/05.
Ora, deduzida que seja oposição, o procedimento de injunção transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma comum ou especial, em função do valor da dívida:
- os termos do processo comum, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial, com valor superior a € 15.000,00;
- a forma de processo especial prevista no DL n.º 269/98, se está em causa injunção destinada à cobrança de dívida de valor não superior a € 15.000,00.
Tratando-se de ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais em que haja o direito de recorrer à injunção, certo é que é em função do valor do pedido (e não do valor da ação) que se define o regime processual aplicável – cfr. art. 10.º, n.º 4, do DL n.º 62/2013.
De todo o modo, ainda que assim não fosse, importa atentar no disposto no art. 299.º n.ºs 1 a 3 do CPC, em conjugação com o disposto no art. 530.º, n.º 3, do CPC, regime efetivamente aplicável ao procedimento decorrente de injunção que assume cariz jurisdicional. Ora, o aumento do valor da causa só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção e, além disso, o valor do pedido formulado pelo réu só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos; e não se considera distinto o pedido quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos, a compensação até ao montante do crédito do autor.
No caso em apreço, o valor do pedido[3] determina a aplicação dos termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, ou seja o regime inserto nos arts. 1.º, n.º 4, 3.º e 4.º do DL n.º 269/98. Regime esse que não contempla qualquer outro articulado posterior à oposição e no âmbito do qual entendem a doutrina e jurisprudência largamente maioritárias não ser admissível a reconvenção.
Nas palavras de Salvador da Costa[4], «Não obstante a compensação só poder ser suscitada por via de reconvenção, pensamos que, se neste tipo de ação ela for deduzida, deve ser liminarmente indeferida, caso em que o respetivo valor processual é insuscetível de adição ao valor processual da ação, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso»; tratando-se de injunções de valor superior a € 15.000,00 «(…) é admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de a tramitação processual imprimida ter passado a ser, após a oposição, a do processo comum».
Não se desconhece que a questão vem já suscitando entendimento diverso, alicerçado no facto de a compensação pode vir a ser posteriormente alegada como fundamento da oposição à execução (cfr. art. 729.º, al. h), do CPC) e ainda com apelo à inexistência de motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual em função do valor do pedido – cfr. Prof. Teixeira de Sousa, blog do IPPC e Ac. do STJ de 06/06/2017 (Júlio Gomes)[5], acórdão esse que norteia o recurso em apreço.
Porém, analisados e ponderados os argumentos ali versados, cremos ser de decidir pela inadmissibilidade da reconvenção por aplicação do processo especial previsto no DL n.º 269/98. É o art. 10.º, n.ºs 2 e 4, do DL n.º 62/2013 que determina o tratamento processual desigual em função do valor da dívida. Trata-se de uma clara e inequívoca orientação legislativa que cumpre atentar.

Termos em que improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida.

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 30 de Maio de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos


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[1] Diploma este entretanto revogado pelo DL n.º 62/2013, de 10 de maio.
[2] Diploma que revogou o DL n.º 32/2003, de 17/02.
[3] Assim também sucederia caso se atentasse no valor da ação, considerando o valor da reconvenção na parte em que excede a mera compensação.
[4] A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 6.ª edição, pág. 88 e 89.
[5] O sumário do acórdão é o seguinte:
«I - Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior.
II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça.

III - A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor».