Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
73/11.0TBVVC.E1
Relator:
FRANCISCO XAVIER
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
HERANÇA INDIVISA
BENFEITORIAS
LEGITIMIDADE PASSIVA
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I. Sendo a obrigação de pagamento da renda uma obrigação contratual, decorrente do contrato de arrendamento, como contrapartida da cedência da fruição dos imóveis, a mesma é distinta e autónoma da obrigação do cabeça-de-casal de prestar contas pela administração da herança, pelo que a falta de prestação das ditas contas não constitui facto impeditivo do direito à exigência das rendas e de obtenção do despejo, por falta de cumprimento daquela obrigação do arrendatário.
II. A necessidade de a dívida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada afasta a possibilidade de o demandado alegar como compensação crédito que se arrogue contra o demandante, que só pode ser reconhecido em acção ainda não decidida.
III. O pedido de pagamento de “benfeitorias” alegadamente efectuadas em prédios que integram o acervo hereditário de herança ainda não partilhada, deve ser dirigido contra todos os herdeiros, nos termos dos artigos 2091º, n.º 1, do Código Civil, e 28º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sob pena de ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário.
IV. Do disposto nos artigos 508º, n.º 2, alínea a), e 265º, n.º2, do Código de Processo Civil, decorre o dever de o juiz “providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias”, como é o caso da ilegitimidade. Mas, caso este dever não seja oportunamente cumprido e se venha a decidir pela ilegitimidade na sentença final, tem a parte interessada o direito de chamar a intervir, nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, os sujeitos cuja presença em juízo é essencial à verificação da legitimidade, renovando-se a instância, como decorre do n.º 2 do artigo 269º do Código de Processo Civil.
V. Se o réu deduziu reconvenção contra o autor e, na sentença final, o juiz julgou procedente a acção e se absteve de conhecer da reconvenção, pelo facto de ter havido quanto a ela preterição do litisconsórcio necessário, a possibilidade conferida nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 269º do Código de Processo Civil, não vai determinar qualquer “anulação” do julgamento realizado, limitando-se a conceder ao réu a possibilidade de obter decisão sobre o pedido reconvencional no âmbito da mesma causa.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acórdão na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
1. “M”, na qualidade de cabeça-de-casal das heranças abertas por óbito de JF... e de MF..., propôs, contra “G” e “J”, acção declarativa sob a forma sumária, nos termos e para os efeitos do artigo 35.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 385/1988, de 25 de Outubro, pedindo, com fundamento na falta de pagamento das rendas, a resolução do “Contrato de Arrendamento Rural”, referente aos prédios identificados no artigo 6º da petição inicial, e a condenação dos Réus na entrega à Autora destes prédios, livres e devolutos, e no pagamento das rendas vencidas desde o início do arrendamento até à data da petição inicial, no montante de € 120.709,16, bem como as que se vencerem até à efectiva entrega dos prédios em causa, acrescidas dos juros que forem devidos.

2. Os Réus contestaram alegando, além do mais, que pretenderam celebrar o contrato em causa não a título pessoal, mas apenas em representação da Construtora ..., Lda., requereram a intervenção dessa sociedade, deduziram reconvenção, e concluiram pela sua absolvição do pedido.
A Autora apresentou réplica, na qual aceitou que o contrato em causa teve como efectiva interveniente a sociedade Construtora ..., Lda., e não os Réus, declarando não se opor ao chamamento desta sociedade para “em substituição dos primitivos RR, e para efeitos do deduzido incidente de intervenção provocada, prosseguir como Ré na acção, por isso contra ela passando a ter por deduzidos os pedidos”.

3. Por despacho de fls. 250 a 252 (ref. 696139), sob o entendimento de que havia fundada dúvida sobre o sujeito da relação material controvertida, e tendo em conta o disposto no artigo 31º-B do Código de Processo Civil, admitiu-se a intervenção provocada da chamada Construtora ..., Lda..

4. Citada, a chamada apresentou contestação, na qual pede que seja admitida na qualidade de única Ré a intervir nos autos, com a consequente absolvição dos Réus originais, invocou a excepção do pagamento da renda relativa à primeira anuidade do contrato e a excepção da prescrição das rendas anuais vencidas até 31/08/2006. Invocou ainda a excepção “da falta de prestação de contas” do cabeça-de-casal”, como obstativa ao pedido de despejo, por entender que até essa prestação não está estabelecido o crédito da herança sobre a Ré, e, subsidiariamente, declarou pretender exercer a compensação pelo crédito que detém sobre a herança correspondente ao saldo positivo das contas que caiba ao seu quinhão na herança, que adquiriu a parte dos herdeiros.
Deduziu ainda pedido reconvencional por benfeitorias necessárias e úteis, autorizadas pelo senhorio, efectuadas nos prédios locados.
A Autora deduziu réplica pugnando pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional.

5. No despacho saneador conheceu-se da excepção da prescrição das rendas invocada pelos Réus e pela interveniente, tendo sido declarada a prescrição das rendas vencidas em 31-08-2000, 31-08-2001, 31-08-2002, 31-08-2003, 31-08-2004, 31-08-2005, 31-08-2006, com a consequente absolvição dos Réus e da Interveniente do pedido de pagamento do valor destas rendas e dos juros moratórios, conforme ali determinado.
No âmbito do mesmo despacho relegou-se para final o conhecimento das demais excepções invocadas, mas proferiu-se decisão quanto ao pedido formulado na acção contra os Réus “G” e “J”, e conheceu-se do pedido reconvencional por estes deduzido, tendo-se decidido:
· Julgar a acção parcialmente improcedente e absolver os Réus “G” e “J” “de todos os pedidos formulados contra si pela Autora”;
· Julgar o pedido reconvencional subsidiário procedente e, consequentemente “julgar válido o contrato de arrendamento rural outorgado, em 8 de Julho de 1999, devendo para os seus termos e efeitos entender-se como segunda outorgante e arrendatária a Interveniente Principal Construtora ..., Lda.”.

6. Procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e elaborou-se a base instrutória, da qual não consta ter havido reclamação.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal respondeu à matéria de facto como consta de fls. 636 a 641 (cf. acta ref. 793825), após o que proferiu sentença (ref. 793930), na qual se decidiu:
A. Declaro totalmente improcedentes a excepção de falta de prestação de contas e a compensação suscitadas pela Construtora ..., Lda..--
B. Declaro integralmente resolvido o Contrato de Arrendamento Rural celebrado, a 8 de Julho de 1999, com a Construtora ..., Lda., o qual respeita aos seguintes prédios:--
(i) Sitos na freguesia de …, no concelho de …:--
1. Denominado Herdade …, com a área de 224,8500 hectares, inscrito sob o artigo 15-B.--
2. Denominado Herdade …, com a área de 117,5250 hectares, inscrito sob o artigo 13-B.--
(ii) Sitos na freguesia de …, concelho de …:--
1. Denominado …, com a área de 2,6500 hectares, inscrito sob o artigo 194 da secção A.—
2. Denominado …, com a área de 2,0000 hectares, inscrito sob o artigo 323 da secção B.--
C. Em consequência do acima decidido no ponto B., condeno a Construtora ..., Lda. a entregar os acima identificados prédios, livres e devolutos, à autora “M”.--
D. Condeno a Construtora ..., Lda. a pagar à autora “M” todas as rendas não pagas, que se venceram até à instauração da presente acção (10 de Março de 2011), ou seja no período temporal compreendido entre 31 de Agosto de 2007 e 31 de Agosto de 2010, no valor total de € 43.894,20 (quarenta e três mil, oitocentos e noventa e quatro euros, e vinte cêntimos), a que acrescem os devidos juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma dessas quatro rendas e até integral pagamento.--
E. Condeno a Construtora ..., Lda. a pagar à autora “M” todas as rendas que se venceram desde a data da instauração da presente acção (10 de Março de 2011) e as rendas que se vencerem até à efectiva entrega dos prédios acima identificados no ponto A., a que acrescem os devidos juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma dessas rendas e até integral pagamento.--
F. Absolvo a reconvinda “M” da instância reconvencional deduzido pela Construtora ..., Lda., no sentido de ser essa reconvinte indemnizada pelas benfeitorias que alega ter realizado nos prédios acima identificados no ponto A. -- [corresponde à versão rectificada da decisão ordenada pelo despacho de 19/04/2013]
G. Declaro improcedente o pedido, deduzido pela autora “M”, de condenação da Construtora ..., Lda. como litigante de má-fé.--

7. Inconformada com o assim decidido, veio a Interveniente Construtora ..., Lda. interpor recurso, que motivou, como consta de fls. 664 a 709, tendo concluído o seguinte [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1ª)
O despacho (saneador-sentença) seguido a conclusão de 26.06.2012, determinou já a repartição de custas de uma parcela de tal base tributária, parcela essa correspondente a 8.778.840 avos de 24.357.370, isto é, 36,04%, divididos entre a A. (3/4 da parcela apreciada em tal saneador-sentença, correspondentes a 27,03% do valor total da acção) e tais RR “G” e “J” (1/4 da parcela apreciada em tal saneador-sentença, correspondentes a 9,01% do valor total da acção);
2ª)
A sentença em crise deve ser reformada quanto a custas, caso não proceda a apelação, passando a decretar que as custas do processo serão suportadas em 27,03% pela A, 9,01% por tais RR “G” e “J” e 63,96% (remanescente) pela Interveniente Principal Provocada, Construtora ..., Lda., reforma que se reque;
3ª)
Na alínea d), da fundamentação, o douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa absolveu a A. da instância e, no dispositivo, absolveu-a do pedido, o que se trata de lapso manifesto, pois, seguramente, o douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa absolveu a A. da instância (e não do pedido);
4ª)
Devendo tal lapso manifesto ser corrigido e passando a constar do dispositivo “Absolvo a reconvinda “M” da instância quanto ao pedido reconvencional deduzido pela Construtora ..., Lda., no sentido de ser essa reconvinte indemnizada pelas benfeitorias que alega ter realizado nos prédios identificados no ponto A.”, o que se requer.
5ª)
Se assim o douto Tribunal o não entender, verifica-se uma divergência absoluta entre a fundamentação e o dispositivo;
6ª)
Devendo o douto Tribunal esclarecer se pretendeu absolver a A. do pedido, ou se a pretendeu absolver da instância e devendo a ambiguidade ser esclarecida no sentido de declarar que se pretendeu absolver a A. da instância, passando a constar do dispositivo “Absolvo a reconvinda “M” da instância quanto ao pedido reconvencional deduzido pela Construtora ..., Lda., no sentido de ser essa reconvinte indemnizada pelas benfeitorias que alega ter realizado nos prédios identificados no ponto A.”, o que se requer;
7ª)
Por força do que considerou provado na alínea F), dos Factos Assentes (renda anual de 2.200.000$00), o douto Tribunal tinha de considerar provado que a receita anual das referidas heranças havia sido, nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, pelo menos, de € 10.973,55, num total de € 43.894,20;
8ª)
Julgou mal o douto Tribunal recorrido a matéria de facto levada à Base Instrutória sob o art. 2º, requerendo-se a alteração da resposta ao art. 2º, da Base Instrutória, a qual deverá passar a ter a seguinte formulação:
“2º Provado que as receitas das heranças abertas por óbitos de JF... e mulher MF…, nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, foram, ano a ano, pelo menos de 10.973,55, num total de 43.894,20”.
9ª)
Julgou mal a matéria de facto, o douto Tribunal recorrido, requerendo-se a alteração da resposta à alínea C), da Matéria Assente, a qual deverá passar a ter a seguinte formulação:
“C) O cabeçalato pertencera antes e sucessivamente a:
- MC… (período desde 12.04.1984, data de falecimento de MF… — fls. 5 e 6 e fl. 15, do processo 157/2001 — até 06.05.2003, 14.00’ — fls. 245, do processo 157/2001);
- M… (período desde 06.05.2003, 14.00’ — fls. 245, do processo 157/2001 — até 17.06.2005 — fls. 517 e 518, do processo 157/2001);
- JM… (período desde 17.06.2005 — fls. 517 e 518, do processo 157/2001 — até 25.10.2010, data de falecimento deste cabeça-de-casal — fls. 998 e 999, do processo 157/2001)”
10ª)
Julgou mal o douto Tribunal recorrido a matéria de facto levada à Base Instrutória sob o art. 19º, requerendo-se a alteração da resposta ao art. 19º, da Base Instrutória, a qual deverá passar a ter a seguinte formulação (se outra não resultar do que adiante será explanado quanto à benfeitoria nº 3):
“19º Provado que a cabeça de casal na altura das heranças abertas por óbitos de JF... e mulher MF... autorizou a realização dos trabalhos aludidos em 3.º, 8.º e 14º, sendo tal cabeça-de-casal MA… .”;
11ª)
Julgou mal o douto Tribunal recorrido a matéria de facto levada à Base Instrutória sob o art. 16º,requerendo-se a alteração da resposta ao art. 16º, da Base Instrutória, a qual deverá passar a ter a seguinte formulação:
“16º Provado.”
12ª)
Aplicou mal o direito o douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa, ao não aplicar o nº 2, do art. 193º, e os nºs 1 e 2, do art. 264º, todos do Código de Processo Civil, os quais deveria ter aplicado e que, por não aplicar, o douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa violou;
13ª)
Violou, consequentemente, o douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa o nº 1, do art. 660º, do Código de Processo Civil, ao não aplicar tais dispositivos, devendo ser revogada a decisão em crise proferida pelo douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa e a Interveniente Principal Provocada, Construtora ..., Lda. ser absolvida da instância, quanto a tal matéria (condenação em pagamento de rendas e juros — alíneas D. e E., do dispositivo);
14ª)
Ou, caso o douto Tribunal da Relação assim o entenda, devendo ser revogada a decisão em crise proferida pelo douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa e o processo baixar para que tal douto Tribunal convide a A. a suprir tal irregularidade do seu articulado;
15ª)
O douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa não especificou quaisquer fundamentos de facto (concernentes a tal perigo de cobrança justificado pela demora na mesma) que justificassem a sentença;
16ª)
Violou, consequentemente, o douto Tribunal Judicial de Vila viçosa a al. b), do nº 1, do art. 668º, do Código de Processo Civil, devendo ser revogada a decisão em crise proferida pelo douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa e a Interveniente Principal Provocada, Construtora ..., Lda. ser absolvida da instância, quanto a tal matéria (condenação em pagamento de rendas e juros — alíneas D. e E., do dispositivo);
17ª)
Ou, caso o douto Tribunal da Relação assim o entenda, devendo ser revogada a decisão em crise proferida pelo douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa e o processo baixar para que tal douto Tribunal convide a A. a suprir tal irregularidade do seu articulado;
18ª)
O douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa não especificou quaisquer fundamentos de facto (concernentes a tal perigo) que justificassem a sentença;
19ª)
Violou, consequentemente, o douto Tribunal Judicial de Vila viçosa a al. b), do nº 1, do art. 668º, do Código de Processo Civil, devendo ser revogada a decisão em crise proferida pelo douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa e a Interveniente Principal Provocada, Construtora ..., Lda. ser absolvida da instância, quanto a tal matéria (condenação em pagamento de rendas e juros — alíneas D. e E., do dispositivo);
20ª)
Ou, caso o douto Tribunal da Relação assim o entenda, devendo ser revogada a decisão em crise proferida pelo douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa e o processo baixar para que tal douto Tribunal convide a A. a suprir tal irregularidade do seu articulado;
21ª)
A sentença em crise é nula, quanto às alíneas B., C., D. e E., por absoluta falta de fundamentação factual;
22ª)
Violou o douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa a alínea b), do nº 1, do art. 668º, do Código de Processo Civil, o que gera nulidade da sentença em crise, devendo ser revogada a sentença, quanto às alíneas B., C., D. e E.;
23ª)
O douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa não levou à Base Instrutória (nem à matéria Assente) os seguintes factos alegados pela Interveniente Principal Provocada Construtora ..., Lda.:
- No sobre dito processo 157/2001, nenhum dos cabeças-de-casal apresentou as contas
anuais;
- Estando por apresentar as contas dos anos de 2001 a 2011;
- Nos exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010, a herança não teve quaisquer despesas;
- As receitas da herança, nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, foram, ano a ano, de €
10.973,55, num total de € 43.894,20;
- Deveria o douto Tribunal Judicial de vila Viçosa ter seleccionado tal matéria controvertida;
24ª)
Violou o douto Tribunal Judicial de vila Viçosa o art. 511º, , do Código de Processo Civil, ao não seleccionar tais matérias para a Base Instrutória, devendo ser revogada a sentença em crise e ser substituída por uma outra que anule todo o processado desde o proferimento do despacho saneador e adite à Base Instrutória os arts. 20º, 21º, 22º e 23º, se outra melhor formulação o douto Tribunal da Relação não entender:
“20º) No sobre dito processo 157/2001, nenhum dos cabeças-de-casal
apresentou as contas anuais?
21º) Estando por apresentar as contas dos anos de 2001 a 2011?
22º) Nos exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010, a herança não
teve quaisquer despesas?
23º) As receitas da herança, nos anos de 2007, 2008, 2009 e
2010, foram, ano a ano, de 10.973,55, num total de
43.894,20?”
25ª)
Violou o douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa o art. 2079º, do Código Civil, ao o não aplicar, aplicando os sobreditos dispositivos legais (art. 2.091º, do Código Civil, bem como os nº 1, do art. 28º, nºs 1 e 2, do art. 492º, al. d), do nº 1, do art. 288º, al. e), do art. 494º, art. 495º e nº 1, do art. 660º, estes do Código de Processo Civil), devendo a sentença em crise ser revogada e substituída por uma outra que, aplicando o art. 2.079º,
do Código Civil, condene a A. (na sua qualidade de cabeça-de-casal) em indemnização a favor da R correspondente ao montante que resulta da adição das respostas aos arts. 6º, 11º e 17º (€ 24.929,89 acrescidos de € 27.912,13, acrescidos de € 31.605,08, num total de € 84.506,50);
26ª)
O douto Tribunal não proferiu despacho convidando a Interveniente Principal Provocada Construtora ..., Lda. a, nos termos do nº 2, do art. 508º, do Código de Processo Civil, convidando a Interveniente Principal Provocada Construtora ..., Lda. a suprir tal irregularidade, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício;
27ª)
Nessa eventualidade, violou o douto Tribunal Judicial de Vila Viçosa o nº 2, do art. 508º, do Código de Processo Civil, devendo ser revogada a decisão em crise e ser anulado todo o processado, desde o despacho saneador inclusive, substituindo-se o mesmo por um outro que declare a A. parte ilegítima, quanto ao pedido reconvencional e convidando-se a Interveniente Principal Provocada Construtora ..., Lda. a reformular o seu articulado reconvencional, de modo a dirigir a sua pretensão contra os Interessados no processo 157/2001.
Com o que será feita a esperada Justiça.

8. A Recorrida/Autora respondeu, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:
A)
A douta sentença recorrida fez adequada leitura de direito sobre a matéria de facto que dera por apurada, devendo ser confirmada.
B)
Não fosse assim, e havendo que indicar a matéria de facto, então ter-se-ia que considerar que, dado o recurso intercalar interposto do douto despacho que admitiu o aditamento de testemunhas ao abrigo do 512º-A, e na procedência dele – recurso que mantém interesse e utilidade – a matéria dos quesitos 3º a 18º se teria que ter por não aprovada, uma vez que: a) se teria de desconsiderar o depoimento das aditadas testemunhas, ao que acresceria que o depoimento de JR… “revelou-se não credível e isento de razoável concretização (no dizer da própria fundamentação da decisão de facto), sendo que o de AC… foi, também no dizer da mesma decisão, foi “em termos gerais, um depoimento tolhido pelo esquecimento e que evidenciou ainda algum desconhecimento quanto aos aspectos essenciais da factualidade em apreço”; b) do teor dos documentos aludidos nas respostas aos quesitos 6º, 7º, 17º e 18º não se infere que os actos e encargos a que eles se reportam tivessem sido praticados e/ou suportados pela Interveniente Principal Construtora …, Ld.ª, mas, isso sim, por terceiros, sem que nenhum acto complementar ou de articulação ou ligação àquela tivesse sido demonstrado, ou sequer alegado.
C)
Tendo em conta o exacto teor das respostas aos quesitos referidos na precedente alínea, há discrepância entre essas respostas e o que, a pretexto delas, foi levado nesse particular à douta sentença, na enunciação da matéria de facto apurada, defeito esse que deverá ser dirimido por via da desconsideração não só dessa matéria mas de toda a que corresponde aos quesitos 3º a 19º.
D)
Também por esta última via seria de decidir no sentido da improcedência da reconvenção.
E)
Não serve que se invoquem, como faz a reconvinte, benfeitorias, pois que se trata de conceito de direito: necessário seria que se avocassem especificamente os dados de facto que consubstanciariam o conceito, em termos que as distinguissem por exemplo de avanços às culturas, ou de preparação de terras, ou de operações de amanhos e cultivo. As benfeitorias, designadamente as úteis, pressupõem inovação, incremento, incorporação, aumento de valor, o que tudo tem de se depreender de concretos e invocados factos. Com o enunciar conceitos, a reconvinte não cumpre o ónus de alegação. Ao omitir os dados de facto que consubstanciam o conceito não permite o apuramento de necessária matéria de facto. Contendo, portanto, a quesitação enunciado de direito (mormente sempre que refere benfeitorias), devem as correspondentes respostas ter-se por não escritas (art. 646º, n4 do CPC) – o que fará pela inconcludência do pedido indemnizatório reconvencional por benfeitorias.

10. Por despacho de fls. 722 (ref. 849750), no tribunal a quo procedeu-se à rectificação do dispositivo da sentença de molde a ali figurar que a Autora foi absolvida da instância reconvencional e não do pedido, como por lapso ali se havia feito constar.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente suspensivo.
Remetidos os autos a esta Relação, constatando-se a pendência do recurso interlocutório mencionado pela recorrida nas contra-alegações, o qual, em caso de procedência, levaria à inutilidade do conhecimento do presente recurso, pelo relator, foi determinado que estes autos aguardassem a decisão daquele recurso, após o que, face à improcedência do recurso interlocutório, foram os autos enviados ao tribunal a quo, em cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 670º do Código de Processo Civil, para prolação do omitido despacho a que se reportam os artigos 668º, n.º 4 e 670º, n.º 1, do mesmo código, vindo o Sr. Juiz do processo a pronunciar-se no sentido do indeferimento das imputadas nulidades da sentença.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.º3 e 685º-A, nº1, todos do Código de Processo Civil [anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho].
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a ordem lógica do conhecimento das questões, e tendo em conta que face ao despacho proferido no tribunal a quo, que rectificou a sentença, deixou de ter de se conhecer das questões enunciadas nas conclusões 3ª a 6ª, importa decidir:
(i) Da ineptidão da petição inicial:
(ii) Das nulidades da Sentença;
(iii)Da impugnação/alteração da matéria de facto;
(iv)Do mérito da acção;
(v) Da legitimidade passiva quanto ao pedido reconvencional e das suas consequências; e, em caso de improcedência da apelação; e
(vi)Da condenação em custas.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
A. Pendem neste Tribunal Judicial da Comarca de Vila Viçosa os autos identificados com o nº 157/2001, cujo objecto é o inventário e a partilha designadamente das heranças abertas em resultado dos óbitos de JF... e mulher MF....
B. Por despacho de 17/12/2010 foi a A. nomeada cabeça-de-casal, tendo sido ajuramentada como tal a 17/01/2011.
C. O cabeçalato pertencera antes a JM…, antes dele a FM… e antes deste a MC… .
D. Os autos de inventário iniciaram-se a 23/04/2001 por requerimento do interessado JR…, seguido, por sua vez, de idêntico requerimento de 19/11/2001 da Construtora …, Ld.ª, sociedade comercial por quotas, com o número de identificação de pessoa colectiva …, com sede em … .
E. A Construtora ..., Lda. havia sido adquirente dos quinhões hereditários que pertenciam a (…), aquisição essa por vias das escrituras públicas lavradas a 15/11/2000 e 17/11/2000 no Cartório Notarial de …, as quais foram levadas ao registo predial.
F. Em 08/07/1999, MC…, na alegada qualidade de cabeça-de-casal, firmou com os RR. “G” e “J” um documento, denominado “Contrato de Arrendamento Rural”, com o seguinte teor:
“(...)
PRIMEIRA
A primeira outorgante dá de arrendamento para os segundos, para exploração agrícola, os seguintes prédios rústicos:
A) Sitos na freguesia de …, no concelho de …:
I. Denominado Herdade…, com a área de 224,8500 ha, inscrito sob o artigo15-B;
II. Denominado Herdade …, com a área de 117,5250 ha, inscrito sob o artigo 13-B;
B) Sitos na freguesia de …, concelho de …:
I. Denominado …, com a área de 2,6500 ha, inscrito sob o artigo 194 da secção A;
II. Denominado …, com a área de 2,0000 ha, inscrito sob o artigo 323 da secção B.
SEGUNDA
Os prédios são dados de arrendamento para efeitos de exploração agrícola.
TERCEIRA
O contrato é celebrado pelo prazo de dez anos, com início no dia 1 de Setembro de 1999 e término em 31 de Outubro de 2009, prorrogável por períodos de três anos se não for denunciado para o fim do período inicial ou de qualquer das suas renovações.
QUARTA
A renda anual, para a globalidade dos prédios arrendados, é no montante de 2.200.000$00 (dois milhões e duzentos mil escudos), pagável no domicílio da primeira outorgante no final de cada ano de contrato.
QUINTA
Os segundos outorgantes farão uma exploração cuidada, sem prejuízo para o prédio e segundo as melhores técnicas da região. (...)”.
G. Tais prédios haviam pertencido aos referidos JF... e mulher MF..., e, por isso, integravam os respectivos acervos hereditários.
H. Os RR foram e são os únicos sócios e os gerentes da aludida Construtora ..., Lda., como tal representando-a designadamente nos autos de inventário acima referenciados.
I. Os RR “G” e “J” quando assinaram o documento aludido em F) pretendiam fazê-lo na qualidade de únicos gerentes da referida sociedade Construtora ..., Lda.
J. E pretendia a então cabeça-de-casal celebrar contrato de arrendamento não com os referidos “G” e “J”, a título pessoal, mas com a referida sociedade Construtora ..., Lda., como arrendatária.
K. (...) Uma vez que a declarante MC… sabia ser essencial para a referida sociedade Construtora ..., Lda. tornar-se arrendatária dos referidos imóveis, para que não fosse celebrado qualquer outro arrendamento com outrem que viesse a impedir ou diminuir as vantagens económicas que a referida sociedade Construtora ..., Lda. pretendia ter, quando se efectivassem as partilhas.
L. (...) tendo a referida sociedade Construtora ..., Lda. intenção de adquirir (em processo de partilhas) os imóveis componentes da herança, com o fito de, posteriormente, os vender.
M. A Interveniente Principal Construtora ..., Lda. pagou a renda relativa ao primeiro ano de contrato (01.09.1999 a 31.08.2000), que se venceu, em 31.08.2000.
N. A Interveniente Principal Construtora ..., Lda. efectuou as seguintes benfeitorias nos imóveis que foram objecto do contrato de arrendamento, aludido em F): Desmatagem da Herdade das … e da Herdade da … .
O. (...) Benfeitoria que evitou a deterioração dos referidos imóveis, pois que sem a desmatagem os sobreiros (que nas referidas herdades existem em profusão) definhariam e a sua cortiça (que pertence à herança) perderia qualidade.
P. (...) Desmatagem que foi efectuada entre 2000 e 2001.
Q. (...) Tendo a Interveniente Principal Provocada Construtora ..., Lda. despendido em tal desmatagem a quantia total de € 24.939,89.
R. (...) Quantia que pagou a JC… em quatro parcelas, a saber, em
08.12.2000, € 7.481,97 (então na antiga unidade monetária, 1.500.000$00), em
08.12.2000, € 7.481,97 (então na antiga unidade monetária, 1.500.000$00), em
15.05.2001, € 4.987,98 (então na antiga unidade monetária, 1.000.000$00) e em
15.06.2001, € 4.987,98 (então na antiga unidade monetária, 1.000.000$00).
S. (...) Vedação e parqueamento da Herdade das … e da Herdade da … .
T. (...) que aumentou o valor desses imóveis.
U. (...) Vedação e parqueamento que foram efectuadas entre 2001 e 2002.
V. (...) Tendo a Interveniente Principal Provocada Construtora ..., Lda. despendido em tal desmatagem a quantia total de € 27.912,13.
W. (...) Que pagou a JL… em seis parcelas, a saber, em
03.07.2001, € 4.4989,18 (então na antiga unidade monetária, 900.000$00), em
07.08.2001, € 3.990,38 (então na antiga unidade monetária, 800.000$00), em
31.08.2001, e 2.244,59 (então na antiga unidade monetária, 450.000$00), em
18.11.2001, € 4.987,98 (então na antiga unidade monetária, 1.000.000$00), em
04.01.2002, € 2.500,00 e em 18.01.2002, € 3.000,00.
X. (...) Reparações das edificações existentes na Herdade da … e reparação das vedações existentes na Herdade das … e na Herdade da … .
Y. (...) que evitou a deterioração das referidas edificações e da referidas, pois que, quanto às edificações, os telhados deixavam entrar água e as paredes estavam em situação de ruína com colapso iminente e que quanto às vedações, a sua não reparação implicava que a queda de uns postes levaria à queda de outros, devido a estarem todos ligados por arame.
Z. (...) Tendo a Interveniente Principal Provocada Construtora ..., Lda. despendido em tais reparações a quantia total de € 26.415,08.
AA. (...) Quantia que pagou 81 parcelas, a saber, sendo os pagamentos a:
(…).
*
B) – O Direito
1. Da ineptidão da petição inicial
1.1. Invoca a apelante agora, em sede de recurso, a ineptidão da petição inicial, com a consequente violação dos artigo 193º, n.º 2, e 264º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Vejamos:

1.2. No processo comum, como corolário do princípio dispositivo, sobre o autor recai o ónus de alegar os factos que integram a causa de pedir (cfr. artigo 264º nº s 1 e 2 do Código de Processo Civil). Estes são os factos concretos, a que a ordem jurídica dá relevância para o reconhecimento do direito invocado pelo autor, ou seja, para a procedência do pedido (artigo 467º, alínea d); artigo 498º nº 4 do Código de Processo Civil).
A causa de pedir e o pedido, que devem ser indicados na petição inicial (artigo 467º nº 1 alíneas d) e e)), formam o objecto do processo. A sua falta acarreta a chamada “ineptidão da petição inicial” (artigo 193º nº 2 alínea a) do Código de Processo Civil), a qual tem como consequência a nulidade de todo o processo (nº 1 do artigo 193º do Código de Processo Civil). A lei equipara à pura e simples omissão de indicação de causa de pedir a sua ininteligibilidade.
Conforme refere Alberto dos Reispodem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; b) expor o acto ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir” (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol 2º, Coimbra Editora, pág. 371). E, há que distinguir a petição inepta da petição simplesmente deficiente: “quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga” (ob. cit., pág. 372).
No nosso direito processual civil, a petição deficiente pode dar azo ao chamado despacho de aperfeiçoamento, mediante o qual o juiz convida as partes, a suprirem as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (cf. artigo 508º nº 3 do Código de Processo Civil). O aperfeiçoamento será o remédio para os casos em que os factos alegados como causa de pedir são insuficientes ou não se apresentam suficientemente concretizados, em termos que comprometem o êxito da acção. Fora desses casos estão aqueles em que a causa de pedir não se apresenta identificada, mediante a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito: aqui, está-se perante ineptidão da petição inicial, que apenas é sanável nos termos previstos no artigo 193º nº 3 do Código de Processo Civil, ou seja, quando se verificar, pelo teor da contestação e ouvido o autor, que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.

1.3. Se bem se entende a argumentação da apelante, a arguição da ineptidão reporta-se ao facto de a Autora, tendo fundando o pedido de despejo na falta de pagamento das rendas, não ter alegado que a demora na cobrança poderia colocar a mesma em perigo, o que tinha que fazer, por, nos termos do artigo 2089º do Código Civil, o cabeça-de-casal só poder cobrar dívidas activas da herança “… quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente”.
Salvo o devido respeito, não assiste razão à apelante, em primeiro lugar, porque, para além de não ser aplicável ao caso a norma do artigo 2089º do Código Civil - porque a presente acção não tem por objecto a cobrança de dívidas da herança, mas sim a obtenção do despejo, fundado na falta de pagamento das rendas, em que o pedido de pagamento das rendas em dívida é instrumental, surge como consequência da verificação do fundamento do despejo e do seu decretamento -, a Autora alegou todos os factos jurídicos que constituem a causa de pedir na acção de despejo, a saber, a existência do contrato de arrendamento e o facto violador dos deveres do inquilino que constitui o fundamento de resolução do contrato.
Despois, mesmo que se entendesse ser necessária a alegação do dito facto omitido, tal circunstância, como resulta do acima expendido, não levaria à ineptidão da petição inicial, pois a causa de pedir está devidamente identificada e concretizada, mas sim à improcedência do pedido no que à condenação no pagamento de rendas se reporta.
Tanto basta para que não ocorra a ineptidão da petição inicial.

2. Da nulidade da sentença
2.1. Nas conclusões 16ª, 19ª, 21ª e 22ª das alegações a recorrente imputa à sentença a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, invocando, em síntese, a “absoluta falta de fundamentação factual”, quanto às alíneas B), C), D, e E).

2.2. Nos termos prescritos na referida alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Constitui entendimento, que julgamos pacífico, na doutrina e na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, no sentido de que a nulidade prevista nesta alínea apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta.
Como nos ensina Alberto dos Reis: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pag.140).
No mesmo sentido, refere Lebre de Freitas, que há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão. Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (cf. Código Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 707).
Também para Rodrigues Bastos, “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” (cf. Notas ao Código de Processo Civil, III, pag.194).
[A nível jurisprudencial, entre muitos outros, só para citar os mais recentes, cf. os Acórdãos da Relação de Coimbra de 6/11/2012 (proc. 983/11.5TBPBL.C1), e da Relação de Évora, de 20/12/2012 (proc. 5313/11.3YYLSB-A.E1), disponíveis em: www.dgsi.pt.)].
Perfilhando-se deste entendimento doutrinal e jurisprudencial mencionado, afirma-se, desde já, que a sentença sob recurso não é nula.
2.3. Como se disse, a apelante invoca a “absoluta falta de fundamentação factual”, quanto às alíneas B), C), D, e E). do dispositivo, que se reportam à condenação da apelante na entrega dos prédios objecto do contrato de arrendamento em causa nos autos e no pagamento das rendas em dívida.
Ora, da análise da sentença, facilmente se conclui que a mesma não é omissa quanto à matéria de facto em que se baseou a condenação da Ré, a qual consta discriminada sob o ponto II da sentença.
O que pode suceder é que os factos dados como provados sejam insuficientes para fundamentar a condenação da Ré nos termos em que foi proferida, mas esta é uma questão que não se prende com a nulidade da sentença, no caso por falta de fundamentação de facto, mas com o mérito da causa, questão que adiante se abordará.
Deste modo, improcedem as arguidas nulidades da sentença.

3. Da impugnação/alteração da matéria de facto
3.1. No que se reporta ao recurso sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 712.º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, Código de Processo Civil, a decisão com base neles proferida.
De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
No artigo 685º-B do Código de Processo Civil estabelecem-se, pois, os ónus que impendem sobre o recorrente que impugne a matéria de facto.
Assim, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1, alínea a); e - os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b).
Acresce que, no caso previsto na alínea b) do n.º 1 deste artigo, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

3.2. No caso dos autos, pretende a apelante a alteração das respostas dadas aos artigos 2º, 16º e 19º da base instrutória, como refere nas conclusões 7ª e 8ª, 11ª e 10ª, respectivamente, a alteração da alínea C) do factos assentes no saneador (cf. conclusão 9ª), e a ampliação da base instrutória no sentido de serem nela incluídos os factos constantes dos artigos 20º, 21º, 22º e 23º da sua contestação, como alega nas conclusões 23º a 25ª.
Ora, independentemente da indagação que seria necessário fazer quanto à verificação do cumprimento dos ónus processuais a que apelante estava adstrita, e da decisão que viesse a ser tomada quanto às pretendidas alterações da matéria de facto, se delas houvesse de se conhecer, certo é que tal tarefa redundaria num acto inútil, porquanto, tais factos são totalmente inócuos para a solução jurídica dada ao litígio.
Tais factos estão relacionados e seriam apenas relevantes para apreciação das alegadas excepções de “falta de prestação de contas” e da “compensação” e para apreciar do pedido reconvencional por “benfeitorias” peticionado pela Apelante.
Sucede, porém, que, quanto às excepções, concluiu-se na sentença pela sua improcedência, como resulta do ponto III – a) e da alínea A) do dispositivo, por razões estritamente jurídicas, a que são alheios os factos em discussão, e a Apelante, embora refira nas alegações, com referência a estas excepções, que a sentença julgou mal a matéria de direito (cf. ponto 92), não justificou tal entendimento, e não levou tal questão às conclusões do recurso, impugnando apenas a decisão de facto, restringindo, assim, o recurso a esta matéria (cf. artigo 684º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Mas, mesmo que assim não fosse, sempre se manteria a decisão recorrida, por se concordar com a decisão tomada, o que levaria, de igual modo, ao não conhecimento do recurso da matéria de facto relacionado com estas excepções.
Quanto à questão das benfeitorias, concluiu-se na sentença pela absolvição da Autora do pedido reconvencional, por ilegitimidade, e, como adiante se dirá, perfilha-se do entendimento sufragado na sentença recorrida quanto a esta questão, cuja decisão prescinde do suporte factual em causa.
Tanto basta para que, se julgue prejudicada a apreciação do recurso quanto à matéria de facto.

4. Da apreciação do mérito da acção e das excepções invocadas.
4.1. A Autora, na qualidade de cabeça-de-casal da herança identificada nos autos, instaurou a presente acção pedindo a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento das rendas, alegando a existência do contrato e a violação do dever do arrendatário de proceder ao pagamento da renda.
Na contestação, a interveniente alegou ter pago a renda relativa ao primeiro ano de contrato (01/09/1999 a 31/08/2000), que se venceu em 31/08/2000, e invocou a inexigibilidade das vencidas até 31/08/2006, por prescrição, e a inexigibilidade das demais “por falta de prestação de contas”, invocando subsidiariamente a compensação.
4.2. Da matéria de facto provada, e em consequência da decisão tomada no saneador quanto à posição da apelante no acordo celebrado, ficou demonstrado que, em 8 de Julho de 1999, a então cabeça-de-casal MC... cedeu, mediante remuneração anual (pelo prazo de 10 anos, com início em 1 de Setembro de 1999 e término em 31 de Outubro de 2009, prorrogável por períodos de 3 anos se não for denunciado para o fim do período inicial ou de qualquer das sua renovações) à Construtora ..., Lda., a possibilidade da mesma proceder ao desenvolvimento de actividades agrícolas nos prédios ali identificados.
Em contrapartida desta cedência a referida Construtora ..., Lda. obrigou-se, pois, ao pagamento da renda anual fixada no contrato.
Estamos, pois, perante uma relação jurídica de locação, a qual, pelo facto de ter como objecto prédios rústicos destinados à actividade agrícola, consubstancia-se como “contrato de arrendamento rural”, no caso submetido ao regime do Decreto-lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, com a rectificação da Declaração n.º 31/11, de 30 de Novembro, actualizado pelo Decreto-lei n.º 524/99, de 10 de Dezembro [O Decreto-Lei n.º 385/88, foi revogado pelo Decreto-lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, que instituiu o novo regime do arrendamento rural, mas este diploma não é aplicável ao caso dos autos – cf. artigo 39º, n.º 2, alínea a)].
Tendo em conta este regime, importa reter o que se dispõe nos artigos 12º e 21º do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro:

Artigo 12.º
Mora do arrendatário
1 - Se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios, o senhorio, decorridos 90 dias após a data de vencimento, tem direito a obter a resolução do contrato, sem perda da renda em falta, acrescida de juros de mora à taxa prevista no artigo 559.º do Código Civil.
2 - Os juros de mora a que se refere o número anterior são calculadas para a totalidade do valor da renda anual, contabilizando-se os géneros aos preços oficiais ou, na falta destes, aos preços correntes na região, nos casos em que aqueles produtos figurem na renda estipulada.
3 - O arrendatário poderá obstar à resolução do contrato desde que até ao encerramento da discussão em 1.ª instância proceda ao pagamento da renda ou rendas em falta acrescidas de juros de mora à taxa oficial das operações passivas respeitantes ao período de um ano e um dia.
Artigo 21.º
Resolução do contrato
O senhorio só pode pedir a resolução do contrato no decurso do prazo do mesmo se o arrendatário:
a) Não pagar a renda no tempo e lugar próprios;

b) Faltar ao cumprimento de uma obrigação legal, com prejuízo directo para a produtividade, substância ou função económica e social do prédio;
c) Utilizar processos de cultura ou culturas comprovadamente depauperantes da potencialidade produtiva dos solos;
d) Não velar pela boa conservação dos bens ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do contrato, existam no prédio arrendado;
e) Subarrendar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ainda ceder a sua posição contratual nos casos não permitidos ou sem o cumprimento das obrigações legais;
f) Não atingir os níveis mínimos de utilização do solo estabelecidos na legislação em vigor ou não observar injustificadamente o que for determinado nos planos a que se referem os artigos 6.º e 14.º

4.3. Da factualidade provada resulta que a Apelante apenas pagou a renda devida pela primeira anuidade, ou seja, a referente ao período temporal compreendido entre 1 de Setembro de 1999 e 31 de Agosto de 2000 (ponto M. dos factos provados).
Assim, e considerando que as rendas vencidas até 31 de Agosto de 2006, não são exigíveis, por prescrição, como se decidiu no despacho saneador, para que a acção não procedesse teria a Apelante que ter demonstrado que pagou as restantes rendas ou que as mesmas não eram exigíveis, como factos impeditivos que são do despejo (cf. artigo 342º, n.º 2 do Código Civil), ou então, para obstar ao despejo, ter procedido ao pagamento até ao encerramento da discussão em 1ª instância, nos termos do n.º 3 do artigo 12º do Decreto-Lei n.º 385/88, e nada disto sucedeu.
Na verdade, a Apelante, com excepção da renda da primeira anuidade, nem sequer alegou o pagamento das restantes, consistindo a sua defesa na invocação das excepções da prescrição e da inexigibilidade por “falta de prestação de contas da cabeça-de-casal”.
Ora, se em relação à matéria da excepção da prescrição logrou obter vencimento de causa, o mesmo já não sucedeu em relação à segunda, que foi julgada improcedente na sentença recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, no que se reporta ao direito aplicável, que prescinde da factualidade que a recorrente pretendia ver alterada, transitou em julgado.
De todo o modo, sempre se dirá, em consonância com o decidido na decisão recorrida, que, efectivamente, nos termos do disposto no artigo 2093º do Código Civil, o cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente e, no caso de existir saldo positivo, o mesmo deve ser distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano de exercício do cabeçalato.
Esse preceito visa estabelecer a periodicidade com que o cabeça-de-casal terá de prestar contas, e pressupõe que essa mesma prestação, não tendo sido efectivada espontaneamente, lhe tenha sido exigida pelo meio adequado e que não tenha sido cumprida no prazo legal.
Assim, extrai-se do n.º 3 do artigo 2093.º do Código Civil que, existindo saldo positivo, o mesmo é distribuído pelos interessados segundo o direito de cada um, e não no momento do preenchimento dos quinhões desses interessados.
Nesta sequência, mostra-se evidente que o apuramento de tais contas só poderá ser exigido no âmbito da referida acção especial de prestação, e esse aspecto não pode obstar à apreciação dos pedidos deduzidos pela autora na presente demanda. Com efeito, não existe qualquer relação de prejudicialidade daquela acção especial em relação à presente demanda. Por outra vertente, o pagamento mensal de contrapartida pela cedência de prédios consubstancia uma relação jurídica completamente alheia ao inventário n.º 157/2001, como também alheia às respectivas contas que, porventura, possam vir a ser prestadas na dependência desse mesmo inventário.
Aliás, nem poderia ser de outro modo, acrescentamos nós, pois sendo a obrigação de pagamento da renda uma obrigação contratual decorrente do contrato de arrendamento, como contrapartida da cedência da fruição dos imóveis, a mesma é distinta e autónoma da obrigação do cabeça-de-casal de prestar contas pela administração da herança, o que basta para que se conclua que a falta de prestação das ditas contas não constitui facto impeditivo do direito à exigência das rendas e de obtenção do despejo, por falta de cumprimento daquela obrigação do arrendatário.
Deste podo, só podia a sentença concluir, como fez, pela verificação do invocado fundamento para o despejo, decretando-o, com a consequente condenação da apelante na entrega dos imóveis e no pagamento das rendas em dívida e legais acréscimos.

4.4. Quanto à compensação de créditos, resta referir que na sentença tal excepção foi julgada improcedente, por se entender que o invocado crédito sobre a herança só podia ser reclamado na acção especial de prestação de contas, e a apelante, como já se disse, não impugnou validamente esta decisão.
De todo o modo, sempre se dirá que constitui requisito da compensação que o crédito seja exigível judicialmente no momento em que se declara a compensação, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 847º do Código Civil.
Porém, a necessidade de a dívida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada afasta, por sua vez, a possibilidade de o demandado alegar como compensação crédito que se arrogue contra o demandante decorrente de acção ainda não decidida. [cf., neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol II, pág. 136, que dá como exemplo de inexigibilidade a invocação em acção de condenação de alegado crédito sobre o demandante a reconhecer em acção para apuramento da responsabilidade civil ainda não decidida].
Ora, no caso dos autos, é evidente que a apelante, neste momento, não detém qualquer crédito sobre a herança e só o terá se vier a ser apurado saldo positivo em acção especial de prestação de contas, quando a mesma for decidida, e pelo montante que eventualmente aí venha a ser reconhecido, não sendo possível tal apuramento nos presentes autos, como se disse na sentença.

5. Da legitimidade passiva quanto ao pedido reconvencional e das suas consequências em caso de improcedência da apelação
5.1. Invoca a recorrente que o tribunal recorrido violou o artigo 2079º, do Código Civil, ao o não aplicar, aplicando os o artigo 2.091º do Código Civil (bem como os nº 1, do artigo 28º, nºs 1 e 2, do artigo 492º, alínea d) do nº 1 do artigo 288º, alínea e) do artigo 494º, artigo 495º e nº 1 do artigo 660º, estes do Código de Processo Civil), devendo a sentença em crise ser revogada e substituída por uma outra que, aplicando o artigo 2.079º do Código Civil, condene a Autora (na sua qualidade de cabeça-de-casal) em indemnização a favor da Ré correspondente ao montante que resulta da adição das respostas aos artigos 6º, 11º e 17º (€ 24.929,89 acrescidos de € 27.912,13, acrescidos de € 31.605,08, num total de € 84.506,50).
Em suma, a apelante manifesta a sua discordância contra o decidido por entender que a Autora é parte legítima na acção.
Porém, não lhe assiste razão.

5.2. A Construtora ..., Lda., ora apelante, deduziu reconvenção contra a Autora (cabeça-de-casal) pedindo o ressarcimento pelas despesas que alega ter incorrido com os melhoramentos efectuados nos prédios em causa, invocando para o efeito o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, onde se consagra, em caso de resolução do contrato pelo senhorio, o direito do arrendatário a exigir do senhorio indemnização pelas benfeitorias necessárias e pelas úteis consentidas pelo senhorio, calculadas estas segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Como resulta da matéria de facto provada, e não é questionado nos autos, os bens objecto do arrendamento em causa integram o acervo hereditário a que se reportam os autos de inventário pendentes no tribunal recorrido com o n.º 157/2001.
Porém, concordamos com o decidido na sentença, quando se concluiu que, face às disposições conjugadas dos artigos 2091º, n.º 1, e 28º, n.º1, do Código de Processo Civil, a Autora, cabeça-de-casal na herança, é parte ilegítima quanto ao pedido reconvencional, tendo o pedido que ser dirigido contra todos os herdeiros e não contra a cabeça-de-casal, à qual compete apenas a administração da herança até à sua liquidação e partilha, nos termos dos artigos 2079º e 2087º do Código Civil, e os poderes previstos nos artigos 2088º e 2089º da lei civil.
Na verdade, a herança consubstancia-se como património autónomo ou como universalidade de direito, sendo que a mesma, e só ela, responde por certos encargos; ou seja responde pelos denominados encargos da herança.
A este respeito escreveu-se na sentença:
“Na herança indivisa está-se perante um património autónomo, de afectação especial, directamente responsável (artigo 2097.º do Código Civil), em que os herdeiros apenas têm de intervir (artigo 2091.º do Código Civil) como co-titulares desse património, e em que somente o seu activo, e não o património pessoal dos herdeiros, responde pela satisfação das respectivas dívidas (artigos 2068.º, 2069.º, 2070.º, n.º 2 e 2098.º do Código Civil).
Por outras palavras, na herança indivisa os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comum de tal património; respondendo os bens da herança indivisa, colectivamente, como universalidade, pelos respectivos encargos.
Assim, atendendo ao caso em análise, provado está que o inventário n.º 157/2001 corre termos neste tribunal (ponto A. dos factos provados); que a Construtora ..., Lda., através de escrituras públicas outorgadas a 15 de Novembro de 2000 e a 17 de Novembro de 2000, adquiriu doze quinhões hereditários no âmbito dessa mesma herança (ponto E. dos factos provados).
Ora, enquanto não se encontrar transitada em julgado a respectiva sentença de homologação da partilha no âmbito do inventário n.º 157/2001 pelo falecimento de JF… e D.ª MF…, a liquidação das respectivas dívidas e encargos pode aí ser equacionada, podendo aí os eventuais credores reclamar os seus direitos (artigo 1331.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Por sua vez, quando estiver concretizada essa partilha, cada herdeiro/quinhoheiro irá responder pelos encargos na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (artigo 2098.º, n.º 1 do Código Civil); (…)
É certo que um credor não pode ser obrigado a aguardar que a partilha se processe, para, então, ver reconhecido o seu crédito.
Assim, enquanto a sentença homologatória da partilha não é proferida, ou o seu trânsito em julgado não for alcançado, ou as dívidas não puderem ser extintas voluntariamente pelos herdeiros ou pelo cabeça-de-casal, o credor pode exigir judicialmente o seu crédito.
Para além de ter de formular, processualmente, adequada intervenção (artigo 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), a lei substantiva impõe que o respectivo pedido seja dirigido contra todos os herdeiros, já que são eles, todos eles, os representantes da herança (artigo 2091.º do Código Civil), sendo os mesmos nessa qualidade em que são demandados pelos encargos/dívidas da herança.
Regressando ao caso em análise, a Construtora ..., Lda. veio, em reconvenção, peticionar compensação pelos melhoramentos que a mesma alega ter efectivado nos prédios em causa. Esse pedido reconvencional é deduzido contra a cabeça-de-casal.
Ora, esse pedido não respeita as regras referidas.
Com efeito, contra a cabeça-de-casal, contra a administradora da herança não pode ser dirigido pedido de condenação em pagar tal valor, uma vez que, conforme acima referido, estamos perante uma herança indivisa não partilhada, ou seja um património autónomo desprovido de personalidade jurídica e judiciária, podendo assumir tais herdeiros, todos e em conjunto, a posição passiva na adequada lide, como co-titulares de tal património autónomo, e da condenação/decisão – se de teor condenatório vier a ser - estar limitada a ser satisfeita pelos bens de tal acervo hereditário. (…)”
Concordamos, pois, com este entendimento que exige a demanda de todos os herdeiros, nos termos do artigo 2091º do Código Civil, o que configura uma situação de litisconsórcio necessário passivo, por parte dos herdeiros em causa, cuja preterição implica a absolvição da instância (cf. artigo 2091.º, n.º 1 do Código Civil, artigos 28.º, n.º 1, 493.º, n.ºs 1, 2, 288.º, n.º 1, alínea d), 494.º, alínea e), e 495.º, do Código de Processo Civil), como, acertadamente se decidiu na sentença recorrida.
Assim, tendo apenas sido demandada a Autora, cabeça-de-casal na herança, impõe-se a sua absolvição da instância reconvencional.

5.3. Subsidiariamente, invoca ainda a Apelante que o tribunal a quo não proferiu despacho convidando a Interveniente Principal Provocada Construtora ..., Lda., para, nos termos do nº 2, do artigo 508º, do Código de Processo Civil, suprir tal irregularidade, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, pelo que deve ser revogada a decisão em crise e ser anulado todo o processado, desde o despacho saneador inclusive, substituindo-se o mesmo por um outro que declare a Autora parte ilegítima, quanto ao pedido reconvencional e convidando-se a Interveniente Principal Provocada Construtora ..., Lda., a reformular o seu articulado reconvencional, de modo a dirigir a sua pretensão contra os Interessados no processo 157/2001.
Porém, não assiste inteira razão à apelante.
Efectivamente, embora seja correcta a afirmação de que, nos termos do disposto nos artigos 508º, n.º 2, alínea a), e 265º, n.º2, do Código de Processo Civil, decorra o dever de o juiz “providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias”, como é a ilegitimidade, não está correcto afirmar que não tendo sido cumprido oportunamente este dever e se venha a decidir na sentença pela ilegitimidade das partes, tal acarrete, no caso, a nulidade do processado, e a formulação de convite à sanação da ilegitimidade, como pretende a recorrente.
É que, por um lado, a decisão da questão da ilegitimidade passiva para o pedido reconvencional, não constituiu decisão surpresa, porque a Autora a referiu no artigo 27º da réplica, e, por isso, a Apelante tinha que contar com a possibilidade de se conhecer da mesma, e, depois, em caso de conhecimento da questão há que atender ao disposto no artigo 296º do Código de Processo Civil, do seguinte teor:
ARTIGO 269.º
(
Modificação subjectiva pela intervenção de novas partes)

1 - Até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir, nos termos dos artigos 325.º e seguintes.
2 - Quando a decisão prevista no número anterior tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado; admitido o chamamento, a instância extinta considera-se renovada, recaindo sobre o autor ou reconvinte o encargo do pagamento das custas em que tiver sido condenado.

Deste artigo decorre que a sanação do vício pode ocorrer, não apenas na sequência da verificação no despacho saneador, mas também que é possível a sanação de uma situação de litisconsórcio preterido, apesar de apenas ter sido detectada e declarada a ilegitimidade na sentença ou acórdão que, com esse fundamento, pôs termo à causa, como é o caso dos autos.
E, como salienta Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, 2º edição – 2004, pág. 273, nota IV):
“Se a preterição do litisconsórcio necessário quanto ao pedido reconvencional … apenas for verificada na sentença final, é evidente que a ulterior integração do contraditório – propiciada pela redacção actual do preceito - já não poderá conduzir à realização de um julgamento conjunto das várias pretensões acumuladas no processo: na verdade, a decisão de mérito proferida sobre o pedido efectivamente apreciado na causa não é naturalmente afectada pelo facto de uma parcela autónoma do objecto da causa não ter sido apreciada de fundo.
Daí que a eventual e ulterior integração do contraditório, destina a possibilitar a apreciação de fundo quanto à reconvenção … se destine apenas a permitir que tais pedidos venham ainda a ser apreciados no âmbito do mesmo processo – com integral aproveitamento dos elementos constantes dos autos – e, particularmente, pelo mesmo tribunal que já antes julgara parcelarmente o objecto da causa”
E, exemplifica o mesmo autor: “Assim … se o réu deduziu reconvenção contra o autor e, na sentença final, o juiz julgou procedente a acção e se absteve de conhecer da reconvenção, pelo facto de ter havido quanto a ela preterição do litisconsórcio necessário, e óbvio que a integração do contraditório, possibilitada agora ao réu reconvinte pela redacção actual do preceito, não vai determinar qualquer “anulação” do julgamento realizado, limitando-se a conceder ao réu a possibilidade de obter decisão sobre o pedido reconvencional no âmbito da mesma causa” (ob. e loc. cit.).
Ora, esta situação coincide integralmente com o caso dos autos, em que a Ré/Apelante deduziu pedido reconvencional contra a Autora/Apelada, e na sentença o juiz julgou procedente a acção e absteve-se de conhecer da reconvenção, por preterição do litisconsórcio necessário, pelo que a consequência daqui decorrente, face ao n.º 2 do artigo 269º do Código de Processo Civil, é a concessão à Ré/Apelante da possibilidade de requerer a renovação da instância, fazendo intervir os sujeitos cuja presença em juízo é essencial à verificação da legitimidade das partes, nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, não determinando tal circunstância a “anulação” do julgamento realizado.
Tanto basta para que também neste aspecto improceda a apelação.

6. Da condenação em custas
Contesta ainda a Apelante a sentença por a ter condenado nas custas, sem ter em conta que já havia sido proferida decisão (saneador-sentença) que determinou já a repartição de custas de uma parcela de tal base tributária em que se conheceu parcialmente do pedido.
A condenação da Apelante em custas decorre do facto de esta ter ficado vencida na acção, quanto ao pedido nela formulado e à reconvenção, a que deu causa (cf. artigos 446º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
É evidente que na contabilização das custas devidas pela Apelante se atenderá que em relação ao pedido formulado pela Autora/Apelada, ¾ das custas já estão a cargo da Apelada, como se decidiu no saneador-sentença que conheceu parcialmente do pedido.
Mas, tal não implica com a condenação da Apelante em custas pelo correspondente decaimento: quanto ao pedido formulado na acção, na parte em que esta prosseguiu, e na reconvenção, nada havendo, pois, que alterar.

7. Em face do que acima se decidiu, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, designadamente o recurso quanto à matéria de facto, como já se disse.
Deste modo, improcede integralmente a apelação, devendo, em consequência, manter-se a sentença recorrida.
*
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
*
Évora, 13 de Março de 2014
(Francisco Xavier)
(Elisabete Valente)
(Cristina Cerdeira)