Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
802/18.1T9EVR.E1
Relator: GILBERTO DA CUNHA
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
Data do Acordão: 06/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Sumário: 1 - O reconhecimento da arguida feito por testemunha no decurso do julgamento, identificando-a como uma das autoras dos factos descritos na acusação, trata-se de um reconhecimento atípico, ocorrido no âmbito da produção da prova testemunhal.
2 - Assim sendo, não se aplica a esse tipo de reconhecimento o formalismo previsto no artº 147º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo comum nº802/18.1T9RV procedente do Juízo Local Criminal de Évora (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, as arguidas (…), melhor identificadas nos autos, sob acusação deduzida pelo Ministério Público foram submetidas a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença proferida em 06-06-2019 a ser julgada provada e procedente e em consequência cada uma das arguidas a ser condenada pela prática em co-autoria de um crime de furto qualificado, pp. pelos arts.203º, nº1 e 204º, nº1, al.f) do Código Penal nas penas cento e cinquenta (150) dias de multa à taxa diária de cinco euros e cinquenta cêntimos (€ 5,50).

Recursos.

Inconformadas com essa decisão dela recorreram autonomamente as arguidas (…) pugnando ambas pela sua absolvição.
«I. A arguida (…) concluiu a motivação com as seguintes conclusões:
1 – O Tribunal “a quo” condenou a Recorrente pela prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204, n.º1, alínea f), do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à razão diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) que perfaz a quantia de €825,00 (oitocentos e vinte cinco euros);
2 – Considera-se que mal andou o tribunal “a quo” ao fazer uma incorrecta apreciação no que ao reconhecimento diz respeito, sendo manifestamente insuficiente para a condenação da arguida;
3 – Cumpre salientar que nas diligências de reconhecimento das arguidas não foram observadas as formalidades impostas no artigo 147.º do Código de Processo Penal;
4 – A prova por reconhecimento constitui prova autónoma, pré-constituída, que deve ser examinada em julgamento;
5 – Para que se verifique um verdadeiro e efectivo exercício dos direitos de defesa e contraditório, mostra-se necessário inquirir o “reconhecedor” acerca das circunstâncias em que viu a pessoa que reconhece como autora dos factos;
6 – Tal meio de prova assume particular importância relativamente à Recorrente, pois é evidente a escassez de outros meios de prova, que acabam por se resumir às declarações do ofendido e do agente (…) sendo que o seu testemunho constitui prova indirecta por não ter tido conhecimento directo dos factos;
7 – Em julgamento o ofendido não reconhece de forma categórica – diremos isenta de dúvidas, quem praticou os factos;
8 – Na primeira sessão de julgamento em que o ofendido prestou declarações não estava presente a Recorrente;
9 – Esteve a recorrente presente na segunda sessão de julgamente, tendo sido efectuada a diligência de reconhecimento por parte do ofendido, não oferecendo a certeza e segurança que se exige para a condenação;
10 – O problema assume particular relevância quando nos deparamos, como no caso dos autos, com ausência de prova que corrobore o reconhecimento, dadas as declarações inseguras do ofendido prestadas em julgamento;
11 – Neste quadro, justifica-se a formulação de sérias dúvidas acerca da fidedignidade do reconhecimento efectuado na fase de inquérito, concluindo-se pelo escasso valor probatório;
12 – Na ausência de mais e melhor prova, estaremos, assim, perante uma dúvida insanável sobre se a arguida teve efectiva participação nos factos ocorridos;
13 – Tal dúvida, por força do princípio “in dubio pro reo” é uma das vertentes da presunção da inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), não poderá deixar de se resolver a favor da Recorrente;
14– Impondo-se a sua absolvição;
15 – Assim, atendendo a todo o circunstancialismo descrito, deverá a arguida, (…) ser absolvida do crime de que vem condenada.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser revogada a decisão proferida em 06/06/2019, e substituída por outra, absolvendo a Recorrente do crime de furto qualificado em que foi condenada».

II. A arguida (…) terminou a motivação com as seguintes conclusões:
(…)
Contra-motivou o Ministério Público na 1ª Instância, pugnando pela improcedência dos recursos, concluindo do seguinte modo.
Relativamente ao recurso da arguida (…):
«1) A identificação da arguida (…) pelo ofendido (…) no decurso do audiência de discussão e julgamento não constitui(u) o reconhecimento em sentido próprio a que se refere o artigo 147.° do Código de Processo Penal.
2) Ao invés, constitui prova testemunhal, visto que tal identificação resultou do resposta oferecido pelo ofendido no decurso da sua inquirição para confirmação perante o Tribunal de que a arguida recorrente, ali presente, fora uma dos autoras dos factos descritos no acusação submetida a julgamento.
3) Conforme sustenta o Supremo Tribunal de Justiça, "( ... ) a nossa lei processual penal atual prevê e admite, fora do quadro dos pressupostos e requisitos essenciais ao conceito de reconhecimento em sentido próprio, os chamados reconhecimentos atípicos ou informais, valoráveis no âmbito da prova testemunhal e demais prova pessoal, quando tenham lugar em audiência de julgamento, sem que possa atribuir-se-lhes, porém, o especial valor de convicção que é inerente ao reconhecimento em sentido próprio ( ... )" in acórdão do STJ, de 15/09/2010, Relator: Fernando Fróis. proc. n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1 .
4) Estando perante prova testemunhal, como estamos, nada obsto à realização desta identificação, sendo esta legal e sendo, em sede de valoração do provo, apreciada de acordo com o disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal o valor do depoimento no qual se inseriu a referida identificação.
5) É de perfilhar o entendimento jurisprudencial que tem vindo a ser desenvolvido nas mais diversas decisões superiores sobre a matéria, concretamente:
i. Que o reconhecimento nos moldes do ora em apreço não passa de "uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas", in acórdão do Tribunal Constitucional nº 425/2005, 2° secão. proc. n.º 425/05.
ii. "( ... ) vigorando na fase da audiência de julgamento, na sua plenitude, o princípio do contraditório, não pode deixar de entender-se que o arguido pode questionar todos os elementos de facto que sejam evidenciados pela testemunha como razão de ciência da imputação feita ao arguido, bem como a correção da sua prognose recognitivo ( ... )". in acórdão do Tribunal Constitucional nº 425/2005, 2ª seccão. proc. n.º 425/05.
iii. "( ... ) É esta a solução legal que ( ... ) é conforme com a CRP, pois a relevância probatória de mero reconhecimento atípico no âmbito da prova pessoal (maxime testemunhal), produzida em audiência, (pessoalmente ou por teleconferência) com todas as possibilidades conferidas ao arguido de intervir, quer aquando da sua produção, quer na discussão do respectivo valor probatório, não viola o princípio das garantias de defesa consagrado no art. 32° da CRP .. .( ... )". in acórdão do STJ, de 15/09/2010, Relator Fernando Fróis. proc.n.º173/05.6GBSTC.E1 .S 1.
6) Consequentemente, o Tribunal a quo não violou o disposto no artigo 32.° n.º 2 do Constituição do Repúblico Portuguesa.
7) Por outro lodo, o Tribunal a quo deu como provado a autoria da recorrente na prática dos factos tendo por base prova bastante que, para além da prova testemunhal (depoimentos de … e …), assentou em prova documental (v.g., auto de notícia e auto de apreensão), as quais foram conjugados, apreciados e valoradas de acordo com o princípio do livre apreciação da prova plasmado no artigo 127.° do Código de Processo Penal.
8) O Tribunal a quo atribuiu o devido relevo ao depoimento de (…), que apresentou um relato conciso e credível e, além do mais, foi a única pessoa com conhecimento direto dos factos por estes terem ocorrido na sua residência e na sua presença, e valorou corretamente o depoimento da testemunha (…) naquilo que o mesmo pôde esclarecer relativamente aos factos do seu conhecimento direto: aqueles que presenciou nos momentos subsequentes à prático dos factos, no âmbito da sua intervenção policial.
9) Face ao exposto, deve manter-se intocada a sentença recorrida porquanto o Tribunal a quo não violou o princípio in dubio pro reo nem o disposto no artigo 32.° n.º 2 do Constituição do Repúblico Portuguesa, e apreciou toda a prova, de acordo com o princípio do livre apreciação da prova previsto no artigo 127.° do Código de Processo Penal, na sequência de um processo lógico que sustenta a factualidade provada.
Relativamente ao recurso da arguida (…), concluiu da seguinte forma:
(…)
Nesta Relação o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto louvando-se na argumentação expendida nas respostas aos recursos apresentadas na 1ª Instância é também de parecer que deve ser negado provimento aos recursos e mantida a sentença recorrida.
Cumprido o disposto no art.417º, nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTAÇÃO.
Poderes de cognição deste Tribunal ad quem. Objecto do recurso. Questões a examinar.
Tendo sido documentadas na acta, através registo áudio (CD) as declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento, este Tribunal, em princípio, conhece de facto e de direito (arts.363º, 364º e 428º do CPP.
Porém, como é sabido, o nosso ordenamento jurídico contempla duas formas de impugnação da matéria de facto.
Uma designada por impugnação ampla, que consiste na reapreciação da prova gravada e que tem de ser invocada pelo recorrente, pois não é de conhecimento oficioso, recaindo sobre o recorrente o duplo ónus de especificação previsto no art.412º, nº3 e 4 do CPP, outra designada por impugnação restrita, que consiste na invocação dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº2 do art.410º, do CPP que, aliás, são de conhecimento oficioso.
Trata-se de duas formas distintas de “atacar” a matéria de facto, estando por isso sujeitas a regimes processuais diferentes.
Como a recorrente (…), de forma expressa e categórica afirmou na peça recursiva que não impugnava a matéria de facto ao abrigo, quer do art.410º. nº2, quer do art.412º, nº3 do CPP e a recorrente (…), nesta matéria, se limitou a invocar o vício previsto na al.a) do nº2 do art.410º daquele diploma, no caso vertente os poderes de cognição deste tribunal “ad quem” ficam confinados à referida impugnação restrita.
Sendo como é sobejamente sabido e constitui jurisprudência uniforme que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (art.412º nº1, do CPP), as questões a examinar que delas emergem e que aqui reclamam solução, alinhadas por ordem preclusiva, sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso, podem sintetizar-se e consistem em saber:
Recurso interposto pela arguida (…).
1.º Se é ou não inválido o “reconhecimento” da recorrente feito na audiência de julgamento pelo ofendido (…) e (…); e
(…)
Recurso interposto pela arguida (…).
(…)
Vejamos.
Na sentença recorrida foi dada como provada e como não provada a seguinte materialidade:
«1. Factos provados:
A) Acusação pública:
1. De acordo com um plano previamente traçado e acordado entre todas, actuando em conjugação de esforços, no dia 18 de Junho de 2018, pelas 13hI5m, as arguidas (…), deslocaram-se à residência do ofendido (…), sita na Rua (…), em (…).
2. Aí chegadas, as arguidas abordaram o ofendido.
3.No momento em que uma das três arguidas supra mencionadas, sem que tivesse autorização do ofendido e contra a vontade deste, entrou para o interior da referida habitação.
4. No interior da referida habitação, uma das três arguidas remexeu gavetas do quarto do ofendido de onde retirou e levou consigo um relógio de bolso, da marca Ehs Tissot Fils Dequ, de cor cinza, com corrente em prata, no valor monetário de € 75,00 e, do interior de uma caixa, várias moedas antigas, de valor não concretamente apurado mas não inferior a € l00,00.
5. N a posse daqueles bens, as arguidas abandonaram aquele local, em fuga apeada, levando consigo aqueles bens, que fizeram seus e integraram no seu património, vindo as mesmas a ser interceptadas, na mesma data, pelas 14h30, pela Polícia de Segurança Pública na Estrada do Penedo do ouro, em Évora, e na posse da arguida (…), o referido relógio de bolso, pertença do ofendido (…).
6. As arguidas agiram sempre em comunhão de esforços e de intento, de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito, que lograram alcançar, de retirar e fazer seus os bens supra discriminados, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do seu legítimo dono, (…).
7. Bem sabiam as arguidas ser a sua conduta proibida e punida por lei.
B) Condenações anteriores:
8. Nenhuma das arguidas tem antecedentes criminais registados.
C) Contexto pessoal e social:
(…)
2. Factos não provados:
A factualidade dada como não provada decorreu da ausência cabal de prova dos elementos factuais constantes da acusação e do recurso a elementos conclusivos, designadamente que:
i) nascido a 18/03/1933;
ii) dizendo-lhe que "tinham sede" e se o mesmo "lhes dava um copo com água"».
O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção do seguinte modo:
«3. Motivação Probatória:
O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica da prova produzida em audiência que derivou, essencialmente, do depoimento das testemunhas (…), indicados pelo Ministério Público, porquanto as arguidas reservaram-se ao silêncio relativamente aos factos contra ela deduzidos.
- A testemunha (…) referiu três indivíduos do sexo feminino e da etnia cigana que chegaram à porta e uma delas entrou para o interior da sua residência sem o seu consentimento. Devido à sua idade o depoente apresentou um testemunho que à primeira vista poderia ser lacunoso e incipiente, mas com alguma minúcia acaba por incriminá-las, pois reconheceu a cara das arguidas da (apenas) situação ocorrida na sua residência. A isto acresce que o mesmo relatou suficientemente a falta do relógio e a falta das moedas e que as mesmas foram por si avaliadas num valor de cerca de € l00,00 (cem euros);
- A testemunha (…), agente da Polícia de Segurança Pública, relatou a intervenção daquela polícia após o reporte da actividade criminal por três indivíduos de etnia cigana;
Conjugados os depoimentos das testemunhas supra mencionadas, tidos por isentos e credíveis, com conhecimento directo dos factos em apreço, com a prova documental constante de fls. 12 a 13, correspondente ao auto de notícia, fls. 17 correspondente ao auto de apreensão e fls. 18 corresponde ao auto de exame e avaliação de fls. 18, à luz das regras de experiencia comum e normal devir dos acontecimentos neste tipo de criminalidade (contra pessoas de idade com alguma debilidade), sem apelo de qualquer dúvida e salientando que a única pessoa com conhecimento directo apresenta um relato conciso mas credível, o tribunal logrou em criar convicção suficiente para afirmar a autoria dos factos e a entrada não consentida no interior da residência de (…). Daí o provado em 1) a 4) da factualidade provada.
Os autos de apreensão e avaliação a fls. 17 e 18 fundam o valor do relógio retirado da casa do ofendido, sendo que as suas declarações enformam a convicção exposta quanto ao valor das moedas que coleccionava. Daí o provado em 4) da factualidade provada.
Do depoimento do (…) e fls. 17 decorre a demonstração do facto indicado em 5) da factualidade provada.
As arguidas quiseram e fizeram seus os objectos que estavam no interior da residência de (…), sem a autorização ou o consentimento deste, o que se descreve como provado em 6.) e 7.) relativamente ao elemento subjectivo e à existência de uma vontade esclarecida das arguidas para atentar contra a propriedade de terceiros.
Nas condições socio económicas das arguidas identificadas, descritas em 9) a 12), o tribunal valeu-se das declarações que se mostraram credíveis, não depostas por qualquer outro elemento probatório.
A factualidade atinente aos antecedentes criminais resultou da análise dos certificados de registo criminal junto aos autos.
Os factos não provados decorrem de prova insuficiente e7ou contraditória.»
O tribunal “a quo” procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita, à escolha da espécie e determinação da medida da pena da seguinte forma:
(…)
Examinemos as questões acima enunciadas pela ordem indicada.
Recuso interposto pela arguida (…).
Da alegada invalidade do “reconhecimento” da arguida (…) feito na audiência de julgamento pelo ofendido (…) e (…).
Na 2.ª sessão de audiência de julgamento e, no decurso da inquirição do ofendido (…), resultou do seu depoimento, entre outros, a identificação da arguida (…) (que se encontrava na sala de audiências) como uma das autora dos factos descritos no acusação.
Ora, sustenta a aqui recorrente (…) que tal identificação pelo ofendido (…) se tratou de um reconhecimento que não observou "( ... ) as formalidades impostas pelo artigo 147.° do Código de Processo Penal", defendendo que essa identificação/reconhecimento, porque realizada sem essas formalidades, não tem valor probatório.
Vejamos.
Dispõe o artigo 147.° do Código de Processo Penal, relativamente à prova por reconhecimento:
"1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efetivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efetuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n. ° 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efetuado nos termos do n. ° 2.
6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respetivo consentimento.
7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer. ".
Do citado nº7 do mencionado preceito legal, resulta de forma clara e insofismável que o reconhecimento que não obedecer ao disposto nos números anteriores não tem valor probatório inerente a esse meio de prova.
Ora, no caso vertente, a identificação da arguida (…) como uma das autoras dos factos descritos na acusação, pelo ofendido (…) durante o seu depoimento efectuado na audiência de julgamento, na qual aquela se encontrava presente na respectiva sala de audiências, não foi realizada de acordo com o preceituado no art.147º do CPP, não constituindo essa situação o reconhecimento em sentido próprio aí regulado.
Como é afirmado no acórdão do Tribunal Constitucional nº425/2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt «há que distinguir claramente entre o reconhecimento “stricto sensu” do reconhecimento efectuado em audiência, não passando este de “uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas”, pelo que este deve ser submetido às regras da apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do art.147º do CPP.
Assim sendo, nada impede o Tribunal de “confrontar” uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido.»
Como muito bem é referido na resposta ao recurso apresentada pelo Mº Pº na 1.ª Instância, citando o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23/03/2009, Relator: Filipe Melo, proc. n.": 1109/08-1, "( ... ) se no julgamento uma testemunha indica o arguido como sendo a pessoa a que se refere, isso não passa de uma mera identificação que de comum com o reconhecimento regulado no art. 147 do CPP apenas tem a nomenclatura. ( ... )".
A este propósito, acrescenta o acórdão do STJ de 15-09-2010 de que foi relator o Senhor Conselheiro Fernando Fróis, proc. nº173/05.6GBSTC.E1:S1, também citado naquela resposta que «( ... ) da inserção sistemática dos arts 147º e 148°, do CPP, entre os meios de prova autónoma e expressamente regulados na lei de processo e do seu confronto com o regime, em audiência de julgamento, da prova testemunhal e demais prova por declarações, máxime o estatuído nos arts 345° nº3, 347º nº2 e 348° nº7, todos do CPP ( ... )" resulta "( ... ) que a nossa lei processual penal atual prevê e admite, fora do quadro dos pressupostos e requisitos essenciais ao conceito de reconhecimento em sentido próprio, os chamados reconhecimentos atípicos ou informais, valoráveis no âmbito da prova testemunhal e demais prova pessoal, quando tenham lugar em audiência de julgamento, sem que possa atribuir-se-lhes, porém, o especial valor de convicção que é inerente ao reconhecimento em sentido próprio (sublinhado nosso).
Assim, no caso vertente, o dito reconhecimento, assumiu tão só a forma de identificação da arguida estava presente na sala de audiência, durante o depoimento do ofendido (…), não se aplicando, o formalismo do artigo 147.° do Código de Processo Penal, pois essa identificação como é mencionado naquele acórdão do STJ apenas se tratou" ( ... ) de um elemento do respetivo depoimento testemunhal, que teve lugar em audiência de julgamento e ao qual não pode atribuir-se-lhe o especial valor que é inerente ao "reconhecimento próprio”, estando sujeito à livre apreciação do julgador, nos termos do art.127º do CPP, como foi o caso.
De salientar que como é mencionado do referido aresto do STJ que secundamos « (…)é esta a solução legal que resulta da interpretação daqueles preceitos e ainda dos arts 125° e 127º, do CPP, a qual em nosso ver - independentemente da crítica que possa merecer em confronto com soluções mais garantisticas - é conforme com a CRP, pois a relevância probatório de mero reconhecimento atípico no âmbito da prova pessoal (maxime testemunhal), produzida em audiência, (pessoalmente ou por teleconferência) com todas as possibilidades conferidas ao arguido de intervir, quer aquando da sua produção, quer na discussão do respectivo valor probatório, não viola o princípio das garantias de defesa consagrado no art. 32° da CRP ... ».
Não estando aqui no domínio do reconhecimento stricto sensu, não é aplicável o disposto no art.147º do CPP, pelo que falece razão à recorrente.
(…)
DECISÃO.
Nestes termos e com tais fundamentos negamos provimento a ambos os recursos, mantendo integralmente a sentença recorrida.
Custas pelas arguidas/recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida individualmente por cada uma em 4 UC’s [arts.513º, nºs 1 e 3 e 514º, nºs 1 e 2 do CPP e art. 8º nº9 e tabela III anexa, do Código das Custas Processuais].
Évora, 9 de Junho de 2020.
(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).